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meus velhos versos de segunda

vento e pássaros relva e rio


dissolvo-me neles na esperança
na esperança como nas lembranças
boas e belas nas divaganças

Ciclo de Jaiara
em que vingo a má ventura
onde perdem-se as razões, a harmonia e a sextina
enostalgias
o ritmo com as pulsações
de encontrar-se
dentro e fora
(1989-1999)
fora-se toda a fluidez
e qualquer pertencimento a entidades obscuras
queMoreira Cardoso
passaram a fluir
transe e embriaguez
doçura e tortura
perderam-se, perdi-os e todos se lançaram
e lancei junto com eles
a qualquer alvo
de água, de madeira ou de metal
estou à salvo, não estou
talvez... talvez...
À Zezé
por todas as tempestades
por todas as calmarias
por tudo que pecamos
pelo tanto que amamos

ii
Advertência

O leitor mais refinado de poesia há de achar, com razão, rudes e empolados os poemas
que se seguem.

Um dos motivos é que este livro foi o meu aprendizado neste árduo ofício textual. A
tarefa de criar textos nunca deixa de ser um aprendizado, no entanto, aqui se tem o
começo dele, quando a mão ainda não tinha a menor noção de ponto.

Outro motivo é que esta obra foi escrita sob a vivência de um amor tempestuoso.
Acontecimento que, se por um lado, deflagrou a incontornável necessidade da escrita,
por outro, turvou de tal modo a percepção e o discernimento, que muitas vezes o ímpeto
afetivo não achou a melhor maneira de se juntar ao tecido textual para formar poemas.

Há, aqui, poemas “impublicáveis”, outros razoáveis e alguns (ou fragmentos de alguns)
que acho ainda bons. Há textos em que o bom está de tal forma emaranhado ao
imprestável que não há meio de separar o joio do trigo. Diante de tão variada situação
resolvi expor a oficina do aprendiz com muito poucos cortes.

Quanto a totalidade da obra, ela se constitui, na verdade, de dois livros independentes,


Vagar e Tentativa de Norte, entremeados por três coletâneas de poemas, Prelúdio,
Interlúdio e Poslúdio. A seqüência destes volumes seguem, mais ou menos, a ordem
cronológica em que foram escritos. Para o leitor impaciente, os poemas que considero
melhores se concentram na última parte de Vagar (intitulada Degredo), no Interlúdio,
no Poslúdio e em alguns momentos de Tentativa de Norte.

Olhando de hoje, apesar das sérias restrições que lhes imponho, ainda acho em muitos
poemas deste livro uma força incomum, passional, quase desesperada. Esta força talvez
seja de algum interesse, principalmente quando, em alguns poemas ou fragmentos de
poemas, conseguiu se juntar ao artifício necessário à arte.

Trata-se, enfim, de um livro desigual, não raro verborrágico e sentimental. Perdoai-lhe


os excessos.

Goiânia, 26 de novembro de 2005.

iii
Prelúdio
(poemas da juventude)

5
Porque quando invade o ser
este rompante de emoção explosiva
não há nada em sua frente
a não ser o som gutural de seu grito
animalesco
a animalidade presente, imanente, onisciente
Mas agora, em contraposição
aquela outra face da loucura
toda ela doce de todos os méis e frutas
das terras mais fartas
não me falta o sorriso
de sentir no ar a irrealidade quase palpável
de um sonho real
a tua face
a me oferecer
a loucura dos sonhos
tão desejada
em ser saciada esta vicissitude
da felicidade
que aflora no ser a ânsia
atormentada de viver
a vivência do pesadelo.
Pontos de Fuga

Então vamos conversar mais


um pouco
e tentar sair sem nos machucar
desse mundo louco
pra um lugar
onde não há tantas palavras e gestos
calculados
onde a noite é só estrelas e luar

A causa da solidão é minha


só minha
e é porque quero
só porque quero
por causa da solidão eu sofro
e porque sofro
choro
só choro
e porque choro amo
só porque amo
sobrevivo ainda

tudo isso um dia


ainda vai passar
é só querer
e não querer imaginar

Quero estar aonde está o vento


Onde estão meus sentidos e lamento
não estar num campo florido
esverdecido onde me levam
meus sentimentos
Quero ir a um lugar que sinto
e vivo e sorrio
me ver andando sem ver ninguém
onde ninguém me vê
quero correr sozinho num
infinito caminho
e me sentir feliz longe da
solidão das pessoas em volta de mim
da minha solidão
quero sentir a companhia dos
pássaros, do sol e da chuva
quero andar e me sentir voando
voar e me sentir amando
quero poder voltar um dia
e sentir companhia
e não sentir tristeza
queria poder ter certeza
desse dia
quero estar andando num corredor, num
pátio, ouvindo uma música sem som
quero um lugar onde não há vento, sol
ar, frio ou calor
onde não há valores nem dores
num lugar sem tempo
atemporal
onde não há moral ou falsa moral
onde não há lamento
nem lugar para lamentar
onde só há o espírito
as sensações, as boas sensações
que se unem, se resumem
se revelam
em amor.

Aonde não há mais vento


onde não me levam meus lamentos
onde não me levam maus sentimentos
queria estar assim estando à toa
sem preocupar
sem te e me culpar
sem culpa
sem desculpa
um lugar para amar
um sem tempo a passar
para não se ter tempo
atemporal
estar correndo num campo
numa estrada entre árvores
entre verdes
estar andando num pátio
de um antigo castelo
e vagando
vagal
amando, amando, amando
queria estar voando por
entre nuvens encapeladas
cantando uma música sem som
sentir o aroma das flores, das folhas
dos frutos sentir o gosto
queria extravasar
e correr de onde estou
pra onde e quando queria estar
onde não há mais quando, onde não há mais se
queria te dizer
que sinto
e que minto
em ficar calado
em que sou calado
queria aprender mais
coisas que achava ter já sabido demais
queria sentir mais e mais
sempre mais
mas não sei como te dizer e fazer (nunca soube)
o que sinto
O Reverso do Verso
No verso não há nada
onde há são nos meus versos
mas coisas que há em meus versos
não estão muito bem explicadas
a ponto de se tornarem descomplicadas
Não
Meus versos são confusos
Perplexos e difusos
Algum psicólogo veria
reflexos de loucura
a falta iminente de algum parafuso
Dir-me-ão “Intruso!
em assunto que não lhe compete”
Como barata na fissura
Mas não deixo barato

O galho
É que no verso não há nada
nem no reverso, ou anverso
Aí, procurei no antiverso
E DESCOBRI!!! ...que este apenas rima com universo

toda roupa é de retalho e por isso


não tem nada no glossário
é a profundidade do talho
no rosto em frangalhos

é... no verso não há nada.


A maré
a maré que ouvi dizerem
que invade terras que invadem mar
a maré que nunca pude acompanhar
a única vez que vi o mar
a poesia e a alegria do mar
a imensidão
a solidão e o medo do mar

a maré faz o mar crescer e refluir


e amar é crescer e ser criança
o amar que nunca vi
a única vez que vim amar
a poesia e a alegria de amar
a imensidão
a solidão e o medo de amar
Ânsia

Esta alma diluída em solidão,

Como o aço corroído em maresia,

vai agarrar,

como quem se afoga agarraria

ao primeiro que pular,

a primeira fantasia

que passar voando pelo ar.


Neura
Prepara.

Por que esta há de ser

uma daquelas noites

em que o sono não vem quase nada.

No quarto contíguo

ou no quarto oposto da casa,

tão longe e distante,

a dez passos sombrios,

por um chão tortuoso,

até uma porta encerrada,

abismo, muralha,

repousa serena

tua tão desejada,

por ti intocada,

a tua doce amada.


Vagar
Encanto
(poemas da velhice)

15
Cantiga Cântica
E nem que a fé fosse fraca
e minguante ou fosse nova
esmaecida quem sabe pálida
crescia crescente e pungente
em fulgor era cheia
que a fé fosse forte
nem que fosse
que não fosse fé
era fé
no que não se sabia
fé ferrenha no ia ter
no que se tinha e até
no que se não tinha quisera
ter da fé que tinha uma fé
de ter tinha fé
e nestes tempos tão duros
que não sabe pra onde vai estes tempos
agarra-se a fé
que seja fé na razão
que seja fé
qualquer fé e paixão
cada um sua fé
pra guiar descaminhos
cada fé cada guia
dia após dia cada pé caminhada
caminha
nos tempos incertos
o que se faz se dilui
esparramo enfraquecido
do que outrora foi forte
só resta fazer porém
o que o espírito manda
o que manda os desmandos
ainda restam sentidos
ressentidos de rumos
sem prumos sem idos
resta ainda
e muito ainda
resta fé muita fé

16
pedras e árvores

poste e calçada
casas sonham singelas
na manhã ensolarada

de Piracanjuba
bom dia!
muros e tijolos desgarrados
velho no portal acomodado
e velhas, velhinhas...

17
Ladainha

— Ah! João
essa década de ilusão
a cidade das luzes
a idade da maldade
joão
eu gostava mais de quando
os cabelos eram compridos
joão
mais de quando era menino
me dá um pedaço de praça
com árvores e cigarras
coreto
fonte luminosa
ruas
paralelepípedos azuis escuros
a brilhar
na noite dos postes antigos
a espalhar
sombras de meninos
a brincar
sob uma, de muitas noites
estreladas
a derramar
seu manto de prata ponteado
nas telhas de barro queimado
um manto negro prateado
num canto vermelho do telhado
um bando de tanajuras desordenado
um canto de ninar materno
e juras de amor eterno
joão
quando eu tava naquela cidade
só de saber da partida
me deu saudade
só d'eu saber desta idade
já dava vontade
de dar saudade
ô joão
parece que eu sabia de antemão
que a gente só ia deixar de ser anão
pra deixar de ser irmão
pra ter nostalgia
sentir a alegria
da melancolia
de sentir saudade

18
agora a gente passa
mais tempo e tanto tempo
sem ver a magia de tudo
que tem magia, tudo ao redor
sem ter tempo
tanto tempo a gente passa
que o tempo passa
e a gente não vê
que o tempo passa a gente
e a gente passa o tempo
fazendo as contas
ô joão!
num era melhor quando
era faz de conta?
era, num era não
joão?
será que daqui
uns tempos
vamos lamentar assim por
estes tempos
que a saudade em mim
é inata
a saudade de mim
de quando passa?
e que os meninos
desta cidade
nesta idade
que foi aquela daqueles tempos
de antigamente tão nostál-
gicos neste nosso presente,
terão tristeza?
verão beleza?
joão, incerteza...
são só lamúrias
de dois caipiras incorrigíveis
essa ladainha
de velho gagá
de quem sempre será
o eterno menino magriça
lá do interior de goiás
conversando com o joão
fazendo o que lhes faz bem
o que lhes traz
mais bem estar
trazendo os sonhos
em que transformaram a realidade
dibrando com a doçura da mentira
o sal da verdade
bate papo de portão
conversa de janela

19
pernas cruzadas, banco de madeira
meu cumpade joão
— tá vendo aquele pé de aroeira
lá no quintal do seu Aníbal
depois daquele muro de adobe
escoro do mamoeiro
depois
daquele pé de roseira ?
— num tô não
— pois é, é só vontade de ficar alegre ficando
triste

20
Cantar De Amares

Não chores amada mia


que choras de amarga a vida
pois saibas que a vida vinha
desvindo das idas mias
até que a vida um dia
envia por não sei vias
ao pranto que tão doía,
à vida que então se via
sem vida e que só temia
que amargo não cessaria,
amada que amar-me-ia.

Pois saibas amada mia


que a dor do ir existe
pois saibas que a vida insiste
que a ida porém persiste
e saibas que amém permite
que saibas que embora triste
mui triste, que o amor existe

não digas amada meiga


que o pranto quer não quer queira
despenca da ribanceira
não chores amada amiga
pois olhas e então me diga
se alguma qualquer ferida
se achou maior um dia
que um dia de alegria
na vida de amada mia
há chama alegre da vida
maior que a dor da vida
que o sol do meio dia

sabes que a dor existe eu sei


e sabes que o pranto insiste e tens
saberes que a sina é triste e bem
sabes que a dor persiste e vem
vindo demais e tensa e hei
de querer e embora não sei
da dor que existe intensa a lei
que amar de amar e de amar demais
que amar te tenho e te tenho paz.

21
Amar Maria
Amar-te*

Amo-te demente
caridoso morrerei
remorsoso e mórbido
culpar-te-ei.
Culpar-te-ás e partirás também
ao imaterial abraço de teu rei
e escravo?
Escravo e rei não hei
de entristecer em meu sofrer
pois me darei
a ti
e a ti possuirei
como tantos, como tantos, por dever
morrerei, morreramos
pelo carma dum caudal impiedoso
e ressuscitaremos
eu pedra
e tu a flor do outro monte que um pássaro
num arco sobre as árvores
trouxe o olor
vago
dissipado pelo vento da manhã
um frescor
ainda um frescor à rocha desventurada

*
poema da maturidade

22
Amar em ti

Ora!
Tudo que quero é dizer que amo.
Só um velho como eu pode dizer tal coisa, hoje.

Amo-te
De incondicional amor intransitivo
Como o dos poetas, como tem que ser.

Como o amor dos tolos, de um se dar desmedido.


Como os profetas, cegos de amar e ver.

De um amor lascivo como o de animais,


Puro instinto e violência, sangue e gozo.

O amor do Cristo que me purificais


Límpido e eterno, cristalino, água e fogo.

Do amor que flui de dentro para fora,


De fora para dentro como o teu olhar em mim.

Do amor que fica, mesmo indo embora,


Tão dentro e forte ante a distância sem fim

Da morte ou de um simples ir
Para outro cômodo que não sei seguir.

Amo-te de um amor impossível,


De impossível exprimir.
Mas tão impossível
Que nem espremo palavras
Para vos dizer.
Quem saiba assim o diga
Neste sereno não dizer...

Amo-te de um amor menino.


Mas que redundância!
Queres coisa mais infantil
Que amar infante?

Amo-te simplesmente
Mas isto também já foi dito por muitos
(por todos os que amam)
Mas não importa para quem ama.
Se algo importasse para quem ama
não haveria amor.
Como poesia não haveria
se o poeta pensasse antes.
Se o amante pensasse antes
não haveria amante,
não haverias tu, amada e exaltada
por esta alma desarmada, desarrumada.
Nem alma, se me permita Deus, havia
se amor não houvesse.

Pois que amo-te enfim


em meio à tempestade
e em princípio é princípio meu amar
a ti e amando-te transbordar
o amor.
E amar a todos e a tudo,
a mim e amar o amor.

Amo-te como quem ama.


Desencanto
(poemas da juventude)

25
Um Pouco
Um pouco de angústia quem sabe
nunca fez mal a ninguém
e não duvidaste de mim?
que a dor iria nascer eu sabia
mas não que a dor fosse forte
desta dor de doer-te não
mas a dor veio firme e porém
a dor não murchou
que sorriso?
era apenas um pouco de pó
um pouco de pólvora
incendiando os papéis
apenas papéis que partiram
que insistimos, acabou
prometi a mim mesmo
— tão fácil dizer:
prometi a mim mesmo
fácil prometer
todas as promessas são fáceis —
que nunca ia borrar
papéis mais com coisas fúteis
e antieconômicas perfumarias
mas
quem disse que estamos falando
de economia?
pra hora da morte o que menos se pensa
é racionar
apenas viver e se possível amontoados
como uma ninhada de ratos no porão
ou no sótão, mas não temos sótão
vemos apenas nos filmes
como um bandos de porcos
sem raciocinar
como a matilha de porra loucas ou de cientistas
perfumes
um pouco de olfato please

eu cantar eu nascer eu viver


uma dose de yang não mata
duas quem sabe três sem dúvida
aquela velha máxima um dois três é demais
mas não quisera preterir perfeitamente
o uso do presente singular
que me deste com estas palavras afiadas
primeira pessoa a dizer coisas tão doces
e de repente tão duras
como repente — não sabes que caminhos toma —

26
sei que é uma corda e como tal
se dormires acorda no chão
e se parte
se parte a dor vem enorme
vem de novo
outra vez partir meu coração
mas já existem muitos corações partidos neste mundo
e coisas afins
tão comum dizer isto viver isto
apenas mais um será mais um apenas
e um pouco mais à penas

cada idéia que brota esqueço


a cada fase sem idéia
a mãe diz ao filho: menino!!!
mais exclamação que palavras
sempre foi assim
resta-nos dizer que sempre foi assim
não há nada ou quase nada de novo
disse-me um dia o filósofo
— filósofo tem essas coisas de dizer —
uma espiral
passa passa e quase passa no mesmo passado
mas é presente
não te esqueça: é presente
eis a questão
ou diferença quem sabe
repeti a coisa
analista me ouvia
— analista tem essas coisas de ouvir —
e apenas confirmava com a cabeça
não muito firme a cada reconfirmação
um pouco apenas de exclamação e resguardo

uma reza torna-se pouco para tanto


que se exige de uma fé
quando meninos morríamos de preguiça
mas corremos quase que compulsivamente
ao silêncio
ao templo
contra o tempo
— seria muita inabilidade inserir contratempo
ritmaria mas seria o que chamariam de lugar comum
quem se importa com o que chamariam?
todos num primeiro instante
mas no fim já não se liga tanto
tantos no fim da vida me dão conselhos
todos sabem que os jovens vão errar
mais vezes que se permite o jogo
e quando errara mais que o bastante

27
não há que errar mais um suspiro
e um viver custa caro no fim —
tempo ainda para pensar
sobre travesseiros
o sono vem rápido ou não vem
um pouco de sono apenas sem fel
um pouco de sonhos em véu
um pouco apenas de céu

28
Solideña

Em solidão me encontro só
e sem ninguém
em solidão te sentes só
e é tudo o que sabes tu
é tu que o sabes só
na solidão que sabemos
ambos
pra solidão que partimos só
para a nossa companheira solidão
que comungamos
âmbar
na solidão que encontramos
nus
nós
desenlace silêncio
desembarace fala-me falo-te
a ti
atira-te à solidão imóvel
atiramo-nos sós a nós
encontramo-nos
reencontro te amo-a
ti

29
Excêntrico
procuro o centro num círculo
desisti de procurar em mundo
desisti de procurar quem centro
talvez que centro
nesta era cheia de talvezes
talvez procure centro um dia
talvez procure certo um dia
talvez procure um certo dia eu ache
talvez não
procure procurar talvez

30
Querelas

Abarcar com filosofia a poesia


Ou filosofia com poesia
Ilusão inútil
Nada abarca nada

O infinito, a eternidade...
Nada abarca
Tudo é triste por isto
Não. Não há tristeza
Nem alegria
Fora da finitude
De nós

31
Todos os poetas

o poeta do fútil, do inútil


o poeta da rima
que rima dor com flor
e que rima
tudo isso com amor
de menino e menina

o poeta (do) banal


do bacanal de palavras
da vida normal
pelas vias convencionais
e atitudes iguais

o poeta vulgar
prostituta sem lar
desleixado da profundidade
sem talento nenhum
lugar comum

um poeta pequeno
dos pequenos poemas
de palavras simples
o poeta da fantasia
que imagina
qualquer grão de areia
valer uma poesia

o poeta que repete


um milhão de palavras
em mil poemas
que pela falta
reveste de novo
seus velhos temas
o poeta sem critério
com sua obra necrosada
condenada ao necrotério

o poeta do sufrágio
do lado bobo do povo
o poeta do plágio
dos poemas dos outros
de outros poemas seus
o poeta do contágio
pelas frases curtas
das doenças incultas

32
o poeta da não técnica
do ante lírico lirismo
da desfilosofométrica
o poeta do improviso
desavisado do aviso:
— não sejais exemplo
de como não se deve poetar
o poeta assingular
do ridículo do riso

o poeta da arritmia
dos erros gramaticais
monocórdias melodias
fáceis truques palavrais
de excessiva poesia
faltante nos caudais
do poema em demasia
das metáforas óbvias demais
ou obscuras metáforas vazias

o poeta das fundas tristezas


das alegrias mais acesas
e tedioso de natureza
mas tão insincero fingidor
ou sincero demais em sua dor
que deveras não sente
balburdiando-se completamente

o poeta das luzes e das fezes


das trevas e essências
um poeta renitente, vacilante...
o poeta das sombras

o poeta
que não é profeta
não protesta
nem atesta
um poeta que não afeta
o poeta pateta.

33
Quando dor tiveres
verás teu dom trobar
terás enfim alegria
quando veres sem ver chegar
que é fugaz
e aí verás
que para dor haver
há de doer.

Nós que lutamos por pão


não lapidamos mui bem
e a forma tosca fica
como se molda ao sonho a tua forma
amorfa
e ao tocá-la
como ao bêbado respondem os sentidos
sinto
engenheiro sem engenho a moldar-te
moldura geométrica em que te encaixe
pedra
mas desafias-me
e desatina-se a brilhar quando quiseres
como quiseres
pra onde queres
o que não quis.

34
O papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo
do mundo
que algo agouro
um mal agouro do mundo
e o papel do poeta
não se encharca das tintas
não é mais amarelo que amarela com o tempo e torna
poroso e áspero
que colorem as tintas
que vão se descolorindo num sem tom descolor
que são todas as cores: branca
esbranquiçadas
retornam por todos os poros e afloram
tal qual primavera refloram
por todos os cantos colorem de todas as cores reflorem
não são mais
tintas papeis e poetas
não mais
cores e poros e algo
não sei mais

35
Poemescuros
1

o dia está pálido como a concha da praia


e a gôndola destra no mastro passeia sobre as areias
areias giram em torno do sol num torneio torto de pastas
giram em troca do fio de amêndoas
um traço fino e reto curto pisca
na quadratura do molde cinza
curto
circuito de tipos que escorrem nos dedos
que escorrem das mãos
escorrem das lentes
areal de areias e artérias
o sangue corre por todos os lados
toda a superfície
artífice
dos tipos inatingíveis
por mãos dedilhando frenética
mente frenética mente
a noite não cai a noite não vem a noite não
à noite não
o viés da vila permeia as trilhas destrilhas
viesa por vias desvias das filhas do dia palha
fragma a magma estampa de lençol
lensoa palha a clava
crava a clava no derramo da desborda
dado de todos os lados somente um
flâmula fábula uma fala da argila calcária
cáries claras nas caras dos dentes
duendes doentes
dormentes
homeostase em cartaz homo
gêmeas
clara de ovos neve suja
amarelada nava vala de neve macia
lava venal escorria a neve nas favas
chovia neve no vale das valas
cavas nos seixos lisos
flambava a sereia do mundo
abrasava fria e via nas vias janelas
janelas do mundo
da areia da praia

36
2

agora a nova versão da lua é nova como nova é a cria que passa na avenida
e agora o mar azul da lua é finalmente azul como azul do mar marinho
só resta ao mar marinar agora
mas restar os restos não restam mais mar
restojo de sal
de joio que nunca vi nem trigo de minas trigominas
enjôo do vôo sinuoso
monjolo de descasar das cascas castas do arroz cristal
minas de pérolas empoleiradas
fábrica de tijolo ver meio empoeirado pelas frestas do mundo
pegajoso da argamassa, olaria
Maria Mãe de Jesus, Maria
antes de alcançar o mundo ora
horas minúsculas antes de cuspi-las em ti
Maria mundo
sinuosas são as grotas covas poças profundas fossas que sinuam
horas e horas
sinuando rochas esbranquiçadas espreguiçadas sobre as pedras
quarando de sol que brota por onde
nem sei
nessa escuridão escura escusa recusa-se a me olvidar
penetram a miragem densa como tensa a luz parca
o breu penetra e perpetra luz minar animosidades
ânimo, apressa-te prece antes que não preste peste
Mãe de Jesus Maria
a nova lua, nova luz da lua nova
Jesus de Maria Mãe.
passeia a cria impávida pela avenida
descriada pelo avesso da via a cria via
ver a vi vendo avessa ao tudo nosso de cada dia
havia ali um aqui sem dono vagueando os vagos
sem as vigas do vigário
sem vigias vigaristas
sem virgens sem suas vertigens
sem os erros erários
vi eros solto à minha frente
purpurilando com as pedras debulhadas na escuridão
lá estava eros na escuridão
alegre como sempre foi furioso como sempre
e como sempre
sempre voluptuoso e guloso eros
(a gula é um vício de eros)
ali, rodopiava e assobiava na minha frente ali
naquele canto da escuridão Maria
Mãe de Jesus
Maria

37
3

não diga dona


que me terás
pois não
terás
como não
tens
alguma virtude

pois a força da manhã


brotou-me
e a circunscrição
em que te deleitas
não vá
pede-me
não
com um não

responda-me senhora
dos arboredos seivosos
quem virá ao teu chamado
quando não abençoares ninguém mais
quem mais olvidará
quando amaldiçoares
amaldiçoados
pelas carnes labiais

dos lábios cortantes senhora


malditos
quando soares
bem longe estarei
lábios
bem longe estareis
farei estéreis
de onde estarei
em terras férteis

em carnes
e carnes fartas
doutras cisuras
quando olvidardes
dos labiafiados
me fiarei em ti
sitiarei a tua cidade

38
cortarei o mar o mal
cairão as folhas dos bosques
em pleno verão
cairão bosques
caí e não vi
como não verão a ti
cair-te
e não virão compaixão

a farpa afiada esferpa a carne e corta


dói
mas tudo dói
e dói só
afunda fundo o sulco e fura
a pele dói mas tudo dói e dói só

e a circunscrição em que te deleitas


circunscreve-me no seu enclave senhora
quem atreve-se atravessar o teu
caminho
torto de terras
entrevo-me em teus entraves
torto de letras
antigas
que despeja-me
que beija-me
esmorecidos lábios flácidos
e fatigados
úmidos de torpor sem cor
do negrume da tua íris
Íris
zombas de mim nas sombras
não não zombes

e quem
caminha
por ti
torto de tetas
torpe da seiva
absorto leigo
em leito leitoso
em gozo alvorozo
e me deitas
deixa-me leia-me
e deleita-te
não não há lei
outra vez não há
outra vez não
outra vez

39
torto de escravas
crave em mim pois sim a clava
pois crave cravo no casco casto
e banhe a pele prata de metal
torto de escravos
trave em mim pois não a lavra
pois lave favo em asco vasto
apanhe a carne rubra em chamas

chama-me
torto e escrevas
letras ladras
dona
roubai o que resta a esta extrela
e cala
e cala-me

40
a dança límpida
das linhas
no infinito
ao infinito
linhas transparentes
planam
planos transbordantes

tudo já está
no entanto nada lá
nada na caixa vazia
no baú velho
sem tampa sem fundo
no cubo sem lado
contudo lá esta dado
então me diga
não digo
quero ver
não verás
que farás então
te mostro
lá está
o germe
concebido
conceição
o coração do germe
lá está
de tudo que não vês
e dizes não
creio
que não
vejo
lá está
todo o tudo de nada
todo o nada de tudo
tudo e nada do todo
construto
feito
fato

a dança imóvel
da retas
danças
uma dança reta
imóvel

em silêncio
dança
no silêncio
dança
do silêncio
.

41
Nem nada ainda
estátuas antigas
do Nilo e costumes exóticos do Tigre e Eufrates
Amarelo
as páginas fogem sempre mais e mais dispersas
num crescente exponencial de quadros e sub-quadros
de sub-assuntos neo tudo de tudo
não são mais amarelas e crespas as páginas lisas
não correm suaves as mãos pelos tipos de último tipo
nem tipo são nem tipo têm
ainda não acabou Pessoa
as coisas fragmentam-se ainda com muito vigor
voltam muitas de muito longe
Fídias ou São Tomás não ouvem pelas leis dos vivos
não se olha a popa com a corrente para frente
e vento em popa
não se sabe até quando
viste no que deste(-nos) Verne e Vinci
criações e criaturas mirabolantes
requerem tempos e ventos não menos
mentes e mentos pensamentos tormentos
ciclos linhas .retas ou curvas ?quebradas? espirais. abertas
planos .planos ou curvos ?quebrados? retorcidos. ?fechados? abertos
espaços abertos ?fechados? .onde ...?
hiperespaços ?fechados?
ainda não acabará com um abracadabrá
não. Não acabou ainda Reis
volte ao seu passado e restaure seu espírito
ainda somos mais pobres de espírito
mais pobres ainda cada vez mais
recorremos à truques .abracadabra
o rol das idéias que vagam displicentemente originais
tem diminuído com os anos .serão dias daqui a pouco.
e desde a imagem desde pequeno muito pequeno o rol
de qualquer byte que se possa pensar
e ainda .de novo ainda. bem
que é luxo e moderno repetir
diz que era das sombras agora
quimera ainda está por vir
?que(m) era? agora
só intenso clarão . Não vejo nada
o certo é que um quinhão de tempos cada vez maior
dentro de um infinitesimal sempre centelha da centelha
do cada vez menor,
cabe .ponto.
mais ainda não está pronto .trocadilho fácil hein?.
numa efêmera matéria às vezes
outras numa efêmera energia

42
ambas. ambas efêmeras
por efêmeros instantes
dum impulso elétrico cabe
nada é impossível à matemática
nem aos impulsos elétricos dos neurônios
nem nada
o excesso de lucidez de Campos azucrina
bem mais que se poderia supor
e nós que a procuramos tanto
não cremos no que clamamos
um amor medieval é tudo o que peço
diante de tão poucos segundos
meus mestres malvados meus guias
são somente um punhado de elétrons
arremessados contra o vidro e já
daqui a pouco serão outras técnicas
estas sim sentem-se à vontade e multiplicam-se
sirva-se a todo momento passam à toda
?e o ciclo se for quando será calmaria? ?e se for calmaria?
pois os tempos infindos confinam-se em
infinitésimos de instantes
e nem a eternidade não cabe
nem nada

C
a
e
i
r
o

43
Febres

Diversos planos de paisagens


Brotando do nada
Desfigurados
Um turbilhão de coisas
Coisas apenas
Uma unha se desenhando
Cortada
Não é nada
Metáfora alguma
O movimento do cosmo
Somente
Este silêncio dissoluto
Que não há
Em parte alguma
Luz
Que não seja pela treva
Perseguida
— Há treva subjacente a cada luz —
Que se apaga
A treva toma
Como o riso
Que se dissolve
Em ungidos lábios secos
Tomados de
Tristandade
Comovedor
Comovedor
Tanta
Descrença imóvel
Comovedor.

nada é igual ao momento


no ato
ao vento do momento
do lugar
e sol pálido
filtrado por nuvens
neste alto vertical
de onde ventos emanam
e promanam
de onde avistam-se
planos outros horizontal

44
nada
assemelha-se ao pensamento
de onde plana esta chuva
por cair
do ar no ar
filtrado de nuvens
por onde passam os ventos
no alto
de onde se vê
o baixo
plano
transversal

nada é igual
ao sentimento
aonde vêm estes tormentos
desatentos
de planos
e altiplanos
onde não vêem:
nada é igual
ao igual
filtrado em nuvens
transversais
nas quais caminham
ancestrais
nos vigiando
esperando-nos
espreitando
e rodeando
até
se revelar
em rondilhadas
rendilhadas
águas
pluviais
enfim as nuvens!
verticais
na lagoa agora
e o corpo
horizontais

nada é
igual
ao desfalecimento

45
não há morte que caiba num sentimento sem dor
e o que pesa em mim agora
é todo o peso deste mundo
que carrego como o Cristo o carregou e como
o vem agora some como some o ar
da boca e da narina do velho
não quero copiar instante algum de alguém
apenas vem-me este velho além
que me diz tudo quanto quisera ouvir
mas quando acordo deste sono que me vai
esqueço tudo
e tudo volve novamente à coisa esparramada
como meus resfriados pés nus no chão frio da noite
chuvosa
como a chuva corre na rua e vai para as poças
derramando-se na rua e agitando-se
parando embaixo do nariz grosso e rude do velho sábio
sol pairando e rua e água nasceram a muito
e a pouco e são eterna-efêmeras para ser
banhadas pelo sol
meditando
agora é tudo escuro
porque agora é tudo claro
e me vai todo o pulso do impulso inexpulsável

tentativa de disciplinar a morte


a morte. porque é isto que se desvela neste aqui
somente resta este aqui. tentativa de restaurar uma vida
vestígio de respirar coordenado com o fluxo do universo
e por isto estas atitudes estonteantes desenfreadas extantâneas
e errôneas. por isto e isso sei não resolver-nos
apenas revolver-nos
tentativa de tangenciar a morte
de fazê-la perder por labirintos tortos e becosos
mas ela interpõe-nos os seus
becos sem saídas. de uma saída só. saidio por todos
os cantos, depois, por todos os meios, todos os fins
de linhas e fios entrelaçados
como uma peneira. vara-lhe sol clarar
que a tudo escurece nesta alma: areia fina e branca
molhada de chuva ácida deste ar
As malhas que interpõe-me exausto
exausto
exausto

não mais
respirar somente
culpa de pecados cometidos acumulados por anos e anos
não passados, repassados, repisados e revitalizados

46
o som não diz nada agora
retomada de vogais pela posterior vocálica mágica
e nem a mágica me salva
o que a feitiçaria me condenou

Chega uma hora na vida


em que temos que falar
o que queres?
tu que caminhas sem norte
caminhar... caminhar... caminhar...
e não pensar em resposta alguma
que possa dar a esta estonteante pergunta
o que queres?
e perguntar de volta a quem pergunta
o que queres?
com este ar de nada
sumido do morro além
com esta grunha arcana
que te detém?
questes quisto e nada
mostor fluido dissolvido em cactâncias
e explicândias desplicas implicas
em pás despanadas
o processo procéssico das proteínas
virgens da noite e diar
odiar e virar de ponta a capeça
o carpete doído
no
alto
alto
baixo
caixo
de bacnanas
na noito
dos morcegos arautos
flautos
dígame pois bem que dissera
dizíame o ditame quimera
foto fogo em falo de quel nascemvivo(s)
fivos
tivos
kivos
mivos
tivis írios
miárdias
miocardias, o coração dói
o físico tísico dóico é que dói

47
EFÁTICA SEM FUNCION SINCTÁTICA MORTO-
LÓGICA SEMMÂNTICA dor no curaçao
petreco. peteco de carne empetecado
e pátria minha nas asas da barbuleta
nas usas das currupetas
sugando chupeitas
as véiz é preciso
idéas rápidas
sono
baba

Um resto de insônia vasa a noite de sonhos diurnos


Enquanto vem a verdadeira noite neste caco miserável
de um lar
ou bar qualquer que se mova rumo ao bêbado
A verdadeira noite não existe fora de sonhos noturnos
Bêbados, não existem na paisagem serros imersos
Em noite alguma houve esta catedral e suas telhas
E não houve dia numenal

Mas uns restos de sonhos vazam o sono


Não há sons ou cores, nem mesmo há paisagens
Sem horrores desumanos, a esmo hão miragens
Inumanas dimensões de sons tristonhos entre-sonos

Cai um par entre tantos


Caem mares nos abismos intra-profundos
Sai de pomares um cheiro podre
de frutas perdidas entre vidas recém nascidas
Cai um mar entre os santos
Cai o ar
sob os pés
Gravitam em prantos no vácuo mundo
Agora inerte entre as galáxias
Que giram silenciosas
Um resto de luz vasa este fosso gravitacional
a verdadeira noite inverosímel
sobe ao mundo o hálito das paisagens
Luz impossível miragem instantânea
de passagem
como tantos viajantes iluminam
olhos do menino na estalagem
noutras noites, noutras nuvens, já distantes

48
Refúgio Romântico
O Fantasma

Ele flutua elegante sobre folhas mortas


Maltratadas, secas, longe de seu seio
As galanteia amante em sua dança amorfa
E se esvazia súbito como qualquer calhorda
Nos infunde a dor do sempre filho alheio
Do acaso escravo, de um suor o servo
Sem corpo seu, de um estéril acervo

És parte morta, fulgurante. Arte?


Arde em chama fria que não vos consome
E some gota num imenso mar. De Marte?
Ou de qualquer outro deserto morto
E bizarro e louco. Ou mesmo lúcido
Que importa? Se o deserto é certo
E qualquer vida some...

Ele penetra impiedoso sob folhas mortas


O tapete inerte destas serras próximas
E noturnas, que há pouco não haviam
E se avistam prósperas da varanda em medo
E espanto e pranto. E riso e canto
Não se entende nunca porque vêm soturnas
E com Ele vai, sem ensinar... mudar

De súbito, como está, Ele, nos vôos densos


Sobre fios e árvores... que desta vez
Sorriem, mais humanos que humanas almas
Como u'alma diferente d’outra
Num encontro fétido entre almas gêmeas
E nem por isso sem afeto
Pois nas coisas boas há urina e fezes

Mas também pureza e fé


Que se fez, que Ele nos tirou cruel
Pureza e fezes, urina e fé. Qualquer
Quaisquer coisas consolaste então?
Tirou também Ele qualquer consolo
Ventou sobre cidades inundando o solo
Apenas sangue, lodo, lágrimas assolo

Como este excreto por este ente escrito


Num secreto medo duma mente arfante
Sem sentido e enredo: duna, enchente, tumba.
Contrate: luz irradiante da quimera;
Campos desolados espectrais, do não espectro.

49
Mesmo em dia, trevas. Em noturnas serras,
Iluminura que vaza o dia num espasmo.

O Monstro

o que arrasta aquele que vê


é o que o faz cego
e ávido por ver

são coisas enterradas


com rabos demoníacos
e fogos pelas ventas
monstros infantis
de peles muito lisas
muito belas, bela
e nudissimamente apavorante
a olhos e ouvidos aterrados
em torpor (?)

ou é apenas o torpor celeste


de quem morreu em sonhos e subiu aos céus
e O vislumbrou
em tal deslumbramento
que as coisas todas dissiparam-se
e se condensaram num só instante
acabando-se os instantes
integrando a eternidade
desintegrando o espaço e o tempo e o eu
sem dor prazer ou coisassins
límpidas e lúcidas (?)

aquele que vê
apesar de seus aguçados sentidos
apenas O pede para ser
um asno pássaro ou galho ressequido
diante da inexorabilidade que toma
e arrebata e cega o agudo faro
distante estando perto indoma
véu de prata plácido antes que farol
clarão que cega bruma que revela e enforma
e que deforma como a olhos o sol
aquele que o viu vil herético retorna
animalesco à relva e espinhos sem amparo

foges destas imagens óbvias


destas ventas enfogarando
das coisas que sentias e vias
das vias que o sol queimando
revelam-se escuras e frias

50
como fugir da tristeza em fogo brando
e calcinadas alegrias (?)

se aquele arrebatado
ávido revela-se por ver
e por revelação
pois este está velando os mortos
sozinho, na noite escura e amedrontado
à espera em si de outro ser
mais ou menos são
que saiba a língua dos vermes entre dentes e gengivas decompostos

O Louco

é uma festa ou uma missa?


é uma festa
à Deus ou ao Diabo?
é uma igreja ou um pátio?
um salão ou bordel?
são senhoras e véus
ou véu sobre nada?
e eu vago entre as almas
vago
ou espio sentado entre as fendas
é uma tumba um inferno sob os meus pés
onde vão
cair
todas as almas vãs
e as nobres
não sei
onde estou (?)
neste não estar

II. Náusea

Ossos e olhos se encontram.


Nimbo negro e um hálito frio
De sangue e enxofre reclamam
A presença de um louco ao navio
Que parte para o mar além.
E um frio corre nos ossos
Do que é vivo no fundo do poço.
E ri um sorriso: para vir também.
Ai túnel infernal! Unidimensional.
Não vejo o teu fim, nem o início.
E és mar fluido que sustém o edifício
Sólido de incontáveis andares,

51
Onde mora o motivo de altares.
Ó torre celestial, suportemos o mal!

III

é uma crosta que cobre a cratera


de um vulcão outrora extinto
e é a vida que sai da esfera
de uma pobre alma de instintos
e alcança e avança a atmosfera
decompondo átomos sujando o limpo
de outrora e agora uma espera
desesperada de infantes no limbo

dor e desesperança

IV

o ancião me espera
curvado sobre a mesa
no alto da torre e a pena
que empunha descreve na vida
as vidas sofridas pena fria
não sabes das penas da vida
nem do seu rubor

o salão do alto da torre está vazio


a torre está vazia e a sala levadiça
olha-nos: eu o velho e
e Jaiara!
que fazes em casa tão limpa?
me sorri um sorriso divino e depois
chora criança
o velho é uma criança!
olhamos o salão vazio
alheio

há um perfume
embora não sinta
e há cores
vivas!
embora pareçam mortas
há calor
mas não está quente e embora não haja
mais frio nos ossos
não há ossos! nas faces crianças
nem mais espanto há
nos anciãos do alto da torre
no alto da torre
não há

52
V. Nojo

a vida é só o mar
e o mar uma mera ilusão
a ilusão é um caco de merda que cai pelo ar
e o ar nos falta na viração

o oco é apenas vazio


esvaziando-se do lago que parte
no lodo noturno do rio
de suas mãos derramando a tarde

num porto sombrio do sul


onde não há quando ou aqui
sem semblante refluido e azul
refletido no mar o partir

negro da tarde vermelha


a face desenha o enxame
d’abelhas voando da veia
amarela à face em sangue

rio ente adora um deus


a maré subir no delta lilás
do mar conter o vão vago ao léu
transbordar seu contorno num mas

surpreso nas mão que não vemos


nau ao norte sussurra o barqueiro
tarde de mas és martírios trememos
ao vermos do guia o relevo

da face do mar refletido na íris


vermes nadam no lodo e o lodo
invade a barcaça e os pés nus e anis
carne azul recobrindo a carcaça e ovos

e larvas nascendo nos olhos — D’alva


salva o piloto da nave não sabe
em norte ancorar n’águas alvas
e a barca ao sul rumo às lavas salobras

53
VI. Névoa

procuras um fio que possas seguir


ou raízes no abismo em que se agarrar?
não procuras a nave e os vitrais
onde o ar e os bancos e aquele que diz
e o que paira se tornam num só?
não procures não acharás nem no sentir

apenas lance a lança arbitrária


e contorça os olhos e o corpo
no afã de influir no acaso
que flui tenha fé pois ajuda
não acharás nem no vento ou nos deuses
consolo ao jugo da besta contrária

fixaste um ponto no horizonte


escolheste um caminho por fé
e colocaste os pés na estrada sem volta
eis o teu destino inexorável
se revelar labirinto inextricável
e sumir a miragem do monte (?)

procures um fio a seguir


ou agarrar em raízes aéreas
que a nave agoniza nas águas
e mar e céu num conluio de deuses
se fundem sorvendo o que chora
na procura vã do incerto
nenhuma lágrima ao cair

54
Mas o mais duro dess’ida
é o frio que ela faz
o frio dos lábios que foram
o frio n’alma que fica
seu beijo pálido de rotina
seu gosto mórbido de ferida
gélida face da sina
que ela traz, que nos mostra
e se faz enfim.

55
a morte
para quem morre
é como o amor
meu caro Drummond
para quem ama

para quem morre


o enterro
como o gozo
para quem ama:
inesquecível
irrepetível
para quem morre.
para quem fica
mero porvir.

a morte
no instante da morte
é um corte
e no instante do corte
o gosto
do gozo
no instante do gozo

a gosma
num ácido instante
e numenal semblante
como a rosa
aberta instantânea
na tênue eterna
névoa fragrante

no ar
a dama consorte
a lavar
e amar nossa sorte
a planar
aspirar expirar
um acorde
da sonata espiral

56
Anteteorema

Mas tudo é magia:


Um argumento lógico
O toque do meu dedo
Amar Deus amar Maria
E a visão de Deus
Que ninguém viu
Nunca
Mas há quem tenha visto.
Tudo infunde em mim
Exaltação e salvação
Que chega a ser
Indiferente, perdição

Há maior milagre que a morte


E alguém chamando por quem foi?
E o corpo: imóvel.
O clamor d’amante à eterna noite
Por um instante de finitude?
E a noite: eterna

Maior milagre existe


Que a espera do milagre?
Desesperadas preces
À Divindade?
E o silêncio...
O silêncio e a quietude de Deus
Única resposta.

Não existe maior milagre


Que a morte se revelar
Matéria inerte e putrefada
Sempre
E mesmo assim
Na mais amarga desilusão
Nos iludirmos pelo milagre.

Corolário

Não há maior milagre


Que a ilusão do milagre
Tão forte que transforma-se
Na mais inexorável verdade.
?Ou de um certo milagre tudo veio
Incerto...

57
Degredo
(poemas da maturidade)

58
Devaneios
I

Josarrá
quem dera ter do mundo
o silêncio que necessitas agora
em que sentes sede de contemplar
e o teu semblante
destemido a pairar
mal recobre o que descobre ao bulir
em tais sonhos que tens teu olhar
teu olhar, teu pobre olhar
josarrá, mas
há um cheiro negro no ar
que colore teus sonhos meninos
e redescobres a cada olhar
nos teus cantos, lugares, teu lar
que enraíza o alicerce da casa
e se espalha aos vãos de teu chão
teu piso, e sobes enfim por teus móveis
alcançando por fim teu telhado
tuas vigas de cheiro ocreado
tuas teias de aranha que vem e que vão
não em vão tua vida emaranha
tantos casos de casa encantada
pelo vão das paredes caminham
caminham tanto e não chegam a lugar
que luares tu queres panhar
josarrá? não te notas, não queres notar
não deves, não podes voar
por teares tecidos de ar
não deves negar tuas cores
teu manto, teus tantos encantos
de uma cor que de cores te enche
solta o pranto que queres chorar e diz
josarrá, diz que o cheiro permeia o ar
que vem de tão longe e tanto tempo a jorrar
e deságua num rompante de dor
desnorteia o poente do sol que brotas
agora em teu sonhar
tua solidão, josarrá
teu amar.

59
II

E Josarrá se recolhe em teu


canto e te chamas
há em teu seio uma chama
sem fim que te julga capaz
de aplacar teus tormentos
há um vazio sobre o qual tu
te atiras
e sob o nada constrói morada tua
em que banhas em lágrimas
prateadas
os sonhos de toda enseada
não verás nada além das montanhas
então procura em teu seio a resposta
ao que angustia teu ser
em não ser, não estar, não te ver
não diga nunca não
fale que todas as vozes um dia voltarão
para a dor que não procuras agora
quem te cura não vem nunca do longe
que esperas
e teus signos ocultos refluem
a um rio que carregas contigo
refletindo suavemente a face dura de Josarrá
que vê os teus traços teu baile de linhas
indefinidas a bailar pela água
que desliza em teu rio sem fim
e quando o pôr do sol chegar quando
a luz não mais lumiar
e tua sombra imperfeita esvair
tua água limpa turvar, josarrá não
se deixará escurecer e ao teu rio
jogará teu sentido, teu todo, teu nada, teu corpo
tamanha a tua dor
tamanho o teu tormento
tamanho o descompasso
o vazio vago mudo
nu em teu frio sem clamor
frio impiedoso da razão
em fazer sentido
o todo infinito de um
nada desmedido
a vagar pelo espaço.

60
III

Diga ao rio que não vou


diga ao mar que se acabou
não deixe as ruas da cidade esperançosas
e a praça não mais virá
mais todo e qualquer ponto e remoto
canto dos estados febris
as árvores ficarão fincadas
finadas de sentidos irreais
mas por que josarrá
por que procuras tanto assentar-se
em um chão que nunca foi teu
que até as mudas enraizadas
tende falta dos delírios
em que mergulhas a iludir
e a ilusão lhe escapa ao controle
por que sempre estive tão longe,
por qual ideal que alcanço lutei?
por qual sonho real me entreguei?
por que sonho me entreguei?
as luzes da casa vão se apagar
seus protegidos um dia olharão
não verão que o inverno chegou
para antigos que hão de sair
novos povos que a vem povoar
josarrá?
por que mudas tanto de lugar
por que tantas imagens florescem
em teu solo e guardas nenhuma
por que ceifas tua ceia tão farta
que te falta quando vem tua fome
por tão mundos andei não sei mais
tantos foram
e tão belos tão paz
por mais duros, mais doces
mas cais
nenhum deles constante irreais
quanto o caos que nos cerca
não há ordem envolvida na vida
não há vida em nada que um dia
deixou os meus mundos crianças
mas assim que o dia chegar
imagens tantas hão de cessar
e o fogo d'angústia apagar
tanta inconstância não vai mais impor
tantas feridas vão recompor
E os céus virão para a terra
não mais mar haverá de afogar
e o fogo não será meu lugar

61
será mesmo, josarrá
tanta esperança da cor de amargura
em que se debate teu corpo incontente
pois te olhas e olha à tua volta
e sentirá todo o som desta brisa
batendo em tua face
lhe chama
vem josarrá, que vou te levar aonde
nunca sonhares ir, vou te mostrar
aquilo que nem os sonhos ousaram
basta que apenas te deixe sentir
meu enlace em teu corpo envolver
todo gozo de ter o meu colo e
navegas por mim que navego por mares
além. além de qualquer sensação de qualquer
imaginar. josarrá
A chama em que ardes não vai
se apagar josarrá tu não vês
que és quem consome não és consumido
é voto vencido tua voz da razão
e fato consumado tua vez na paixão
se não há nada que possa fazer
não há nada que possa querer
só de fé hei de me ater
matar este tolo ateísmo
e voltar a esperar salvação
que me salves de vida pagã
que me deixe o quereres bem são
não lhes falo de fato algum
nem relato estares tampouco
só lhes peço o que é fácil a tantos
e me negas desejo assim
sem nem menos ouvir meu sofrer
não, josarrá. nada te nego
apenas cumpro o que se quis que cumprisse
não há sentimento não nobre
e tu sabes que és feliz assim
que é só este desejo sem prumo
de estar quem não és quem não crê
o atormento de que não te libertas
sabes que meu levar é liberdade
e tens medo de a ter por caminhos
onde a poeira vermelha e espessa da
estrada carrega a dúvida de atordoar
teu olhar. e se embrenhas a cada
alvorada em aventuras por selva encantada
sem que saibas como se acaba
a longa caminhada que teu
ser inteiro e completo agora te impõe
e tu rezas agora por paz? josarrá

62
Cantos de Jerá

Canto Primeiro

Os olhos alevantam-se ao precipício


e vislumbram o vale verde largo
esparramando-se sob teus pés até serras longínquas
lança-te ao seu encontro
que corre em teu encalço
aquela que te envolve
em névoas embrutecidas
para estardes com Prudende
embrenhado em breu sombrio
ao qual veste o manto sóbrio
e ar magnânimo lhe sobe
ao que honra a honra só
do qual verte o doce vinho
que umedece a tua língua seca
e rejuvenesce os teus lábios partidos
alegrando a tua vista
visitada por tal sorte de sorte embebida bêbada à beira do penhasco

Canto Segundo

Pela contundência então


ou então pela demência não
pela prudência
ou por ambos por antros.
Por Antrus. Não podes viver assim Clemente
teu corpo estás doente
salpicam-lhe feridas putrefantes
e a gangrena te consome
pois vives só em carne viva

Dormênia

Quanto a este ente


prendam, julguem, matem
mas não peçam bom senso
à quem viveu a era do arbítrio
pelas leis do instinto
por segundos de paz
para um cado de sono
extinto, perdido no mar do cansaço.
Um gole de respeito e honra
para a garganta agonizante em aridez
única sobra a este ente
a nobreza filha da aspereza
dest’era não sucumbirá, quem dera

63
quisera nobre e certa a honra
quimera
quem erra sem reparo vaga
pela terra de Vaz Guerra errante
pelos campos áridos de Amárgada
apodrecendo a pele nos pântanos negros da Ermídia.

Patre

Ingrata à liberdade dada


Angustiante ante a nobreza tida
Não sei se pela lei de Deus
te mando ao mosteiro
ou pela lei dos homens
te tranco em cativeiro
ou pela lei das ruas
te largo num puteiro
desvirtuada
desvias da caminhada reta
da mãe da mãe de tua mãe
e tua também
desta toada tua
que mundo, para onde vais?

64
A Cidade

A idade desta cidade


É um mistério tão profundo
Quanto a sua identidade
Fundada num lago imundo

Morada da escuridade
Outro e si deste ser mundo
Este ser de mil verdades
Sem margens face sem fundo

Sonha o fixo e o acabado


Onde a vida é a nostalgia
De volver em sempre lago

Onde tudo é fluido e vago


Sem tristeza ou alegria
E onde a morte é o adorado.

65
A Rua
sombrio o fronte
sóbrio caminhar
sobre pedras esquadrinhadas
sobe a rua enevoada
sob sereno emadrugado
divagando em canto só

66
A Casa

É consolo que a casa continue aqui


rodeada de grandes pomposos prédios modernos
ainda com seu portão preto de ferro
ainda com suas portas pesadas fechadas
e fachada cinza as lembranças
surgem das cinzas
são cinzas do que restaram daqueles tempos
em que lágrimas tomaram-nos
tornaram duros como o ferro do portão
escuros como o ferro do portão
e frios como o frio da noite
que baixa seu manto ponteado de prata
e torna frio o ferro tosco do portão
muito já fora o que arrancara estes jardins d'alma
desmazelados pelo tempo pelo mau tempo que faz
pelo vento agonizante das noites cadentes
entrar é dar passos e embora pesem os passos
perpassam calçadas de pedras repassam
o passado espera volteado de gigantescas árvores
se estendem cem braços à esquerda cem à direita
olhares de quem viveu pelos séculos
e não se surpreende com muito
olhares cansados pedindo paz
o mesmo cheiro de pedra molhada
coberta pelo verde das plantas molhadas
de orvalho da noite
perfumando o caminho das pedras nas noites
Bonfim me avista — Noite sinhozinho —
cumprimenta a voz cansada do zelador
pergunto-lhe sobre as flores do túmulo como vão
Bonfim cultiva-os bem sei que estão bem
me sorri — Uma flor nova de Constância
não conhecia passarinho que trouxe —
Bonfim conhece cada beco desta cidade
menino ainda sonhava com ela
rondava menino ainda falou com Benvinda com Graça
e Boaventura rodava pelos cantos recônditos
entoava cantos com padre Clemente
para confortar os doentes de espírito
Bonfim zelará por mim rezará já me disse
sua cidade contínua
continua os fundos do terreno da casa
impressão que contém impressionava às vezes
apesar da cerca de ferro enferrujado
impressiona a cerca caída enferrujada
carcomida como os ossos pela terra
cheiro de ferrugem molhada

67
nunca experimentara
Bonfim me convidando a entrar
— mais tarde Bonfim mais tarde —
reza por mim que adentro que a casa
abriga ainda com aconchego do vento
novamente o silêncio acalento
no centro do tempo cá dentro
um resmungo sussurro — reza por mim Bonfim —
mais baixo — reza por mim.

mas por quê não te alevanta Esperança?


está um dia bonito lá fora
sem nuvens o sol mostra todo o seu esplendor
e o céu azul de um azul sem fim
infinita sobre nós, sobre esta casa
com cheiro de mofo e tu não pões nem um dos pés
porta a fora, nem abres janela sequer
— Só lhe dão carinho, um dia... Espera!
quem bate à porta tão forte
de uma força incomum de bater ?
— vou ver Esperança
vou ver quem esmurra esta porta assim impaciente
que nem a espessura da porta contém
que a cor escura da porta ecoa
e reverbera pela casa inteira
o som talhado a força bruta tamanha
o entalhe barroco da porta da casa amplifica
vou ver! mas espera criatura desregulada.
— uma velha não caminha assim tão vívida
com tanta vida vivida nas costas as costas doem

O rosto negro magro de Bonfim


entrecortado por profundas rugas
reflete o semblante sombrio da aurora
mas de quando em vez que se abre
em generoso e largo e profundo riso
bril no manto breu da madrugada
madrigal de pontos prata enluarada
resplendendo meia luz de olhos meios
entreabert’em meio à fé a meia vela
em meio ao vale tens razão
em meio à rua geométrica há aromas
sem sentidos nesta bruma negra da noite

— Esperança por que casa tão grande, sala tão grande


que dez passos não hão de bastar travessia tamanha
— Foi família tamanha em que cresci me criei
e criei criaturas já criadas bem ou mal criadas
e cheguei pela porta da sala esta mesma sala
pela qual caminhas agora

68
e este piso brilhoso cumprimentou-me:
— Esperança bem vinda seja Esperança à casa tua
e suas formas geoma-interceptas guiaram-me
no fulgor da existência por caminhos
suntuosos sem suas agruras que hoje lhes ponho
— tanto tempo não encero estes ladrilhos amigos
depois o cimento fosco me esperava e
Esperança não era mais a mesma
mas mesmo assim Esperança
cheirando a suor enrozado
enrozal não era mais a mesma Esperança
a rosa Esperança
— Já vou! já vou! estou no meio da sala já
que sala enorme Esperança
este quarto a direita por quê não dormes aqui
e abandona este quarto apertado
entre o fundo da casa e não tendes conforto sequer
à noite. que fazes à noite assim?
— este quarto tem cheiro a jasmim
seu ar cor de alegria
não me convida mais a voar
por entre alvos lençóis em lirismo
lembranças saudades apenas
agora seus ares se mostram imersos
da imensidão do mar em mergulho
adentro e de sal d’água do mar
ardem meus olhos imersos. Olho-o assim hoje
assim à noite velas apenas me bastam
e assim não dou um passo sequer
nem me alevanto e me recolho em seguida
cômodo assim este cômodo assim jasmim

Um raio de luz de sol fim de tarde


um jorro de palidez no lodo verde do corredor
trás da sala brota plantas por entre fendas
de cimento enegrecido pelo tempo da casa
um halo de sol penetra o corredor contido
luz vermelha reluz em tijolos vermelhos e exala
o muro a rubrez que só ousa sair fim de tarde
uma pequena flor delica deitada em minuciosos talos verdes
paralelos à parede até a janela vislumbram os olhos
um brilho verde claro e de branco em brancas pétalas
e um pedaço de raio invade a sala obliquamente
e resplenda em alvo tingindo o amarelo de sol fim de tarde
uma alegria esmaecida um frescor de um dia vivido
cor palha e dispersa e difusa ilumina
olhos castanhos espelhos da tarde findoura

69
— Meu Deus criatura. Já não basta? Não bata tão forte à porta
que a casa treme e as telhas caem sobre nossas
cabeças já alvas já frágeis
já chego já. Dê mais um tempo apenas a este
corpo velho entrevado
quem tu conheces tão impaciente
que não espera Esperança?
— Leio clássicos sobre o leito e me deito
sob a música de Wagner
mas a memória anda fraca e as vezes
Tristão é Romeu e Julieta Isolda
quando não Vênus
me embaralham os clássicos
O clima anda frio e já não leio
Euclides, já gostei de Euclides muito de Euclides
mas leio quase só agora Platão
é uma leitura propícia para os meus fins
de entremeios e angústias

A música cai do negro disco impermanente


ao negror do ser impermeável
e penetra o negro véu permanente
em luto pela vida não nascida dentro do ente
e traz alguma cor ao frio cinza recorrente
que se volta num estalo à alma doente
crente estar oculta do ruído externo em eterno céu
seu, a música cai e o silêncio noturno da noite, véu
muito mais que qualquer luto
contra o céu eterneceu e sopra o vulto
incolor que permanece
na impermanência que se esquece

— Não entendo o que me diz Esperança


apenas ouço rumores de vozes
tampouco creio que me ouça nossas cordas já gastas
não nos ligam pois custam vibrar
e se não vibram em casa imensa
de paredes densas e salas extensas
e difícil caminhar pela distância das portas
a velhas entrevadas de vozes bem fracas
não hão de gritar, pois as vezes embaraçam
os grito’aos ouvidos já fracos tamém
deixa eu ver quem é que cheguei
quem chegaste?
— Meu Deus, então és tu quem bate
estridente assim?
Esperança! Ouve meu grito Esperança?
Quem chega é Delfina!

70
defronte a casa escura e alta
o fronte que estava ao meio
no meio da rua entremeio
ao silêncio da aurora da meia noite
observou a casa da base ao alto
parecendo-lhe intangível o cume angulado
a última e negra telha do telhado
mas não era reto o ângulo seu topo
afastava-se vertical e horizontal
mente doíam-lhe os olhos na fronte
não estavam cegos ainda latentes
de modo algum porventura contentes
moldava-se à frente o ar convexo
afastando os extremo da casa
afastavam-se janelas e portas
nuances: suave e sóbria mente
aurora das cores frias prenúncio
das longas horas que espera Aurora
das cores quentes de outrora
quem foste você que tiraste tirana?
as cores quentes da Aurora
que clama aurora de outrora são longas as horas
de espera o quem vem do horizonte
numa tarde o que emerge se vai
embora com ar de triunfo mas
nasce renasce parece que no entanto perece
agora.

71
Lunar

Subi a escada
decantada de ladrilhos pétreos
comunguei ao pé da igreja velha
um olhar para trás
a cidade nebulosa viva
sem alma viva que se mova
a esta hora desta noite
se movia a ouvia seu respirar vivaz
eu a revia idosa revivia idade
me movia
em direção ao templo queria ver em tempo
o que escondia densas ásperas pesadas paredes
dessas lisas trêmulas vacilosas mãos deslizam
as dobras do tecido duro frio não vaticina o vento
arrepio sem pensar se move rumo à quina
o mar revolto se revela vento revolvia olhar e via
olhar o mar quebrar em branco
silêncio ao mar
a voz
à voz volver o olhar daquela
alva voz tenaz olhar fugaz contemplar
todos os anos passados naquele ato inato
um estender a mão
um entender de fato a falta
vestida pelo manto escuro véu cobrindo lisos talos
que se deslizam aéreos pela alva tece
o mar medita algo
mar

72
Solar
Os atos passados presentes na memória
Todos os tudos que correram em tuas faces inchadas
faces cansadas as duras gotas cristais que escorriam
poro ante poro
poço ante poço
fosso ante fosso
fosse antes fosse rios temporários
tempos errários
um pequeno sorriso brotou dos teus rios
tu rias, rias sem parar em meio ao mergulho
dos rios
no mar
martírios, um mar em ti brotou dos teus lábios
um bando de mergulhões planários
planou o teu lago cristal
as flores verdes claras refolharam o jabuticabal cansado
nasceram flores
formaram frutos doces dos entrelaces
verdes marrons da tua luz solar por entre os verdores do mar
as tuas lágrimas
teu sangue da tua face branca
o teu sangue branco
a tua face rósea face alva
alvores do verdal sem fim
o mar se estende ao longo, longo, longe mar
o teu sorriso azul
de um azul infinito
o mais doce e quente azul do mar azul sem mim
a tua face almar
tua face amar
a tua
face
mar

73
Sol Lunar

Halo de sol dourado


Falo de sol dourado
no horizonte das nuvens
Talo de sol mourado
O verdor sem fim luminoso
o verdor esponjoso
um verdor algodoado ansioso
por traz do talhe enegrado
do baú de madeira fechado
noite
breu profundo
densa escuridão
tensa
da luz do mar que não veio
talvez veio
tesa luz
do breu
do luar
novo
instante
num rompante
rompeu

a luz do luar breu


o veio escuro da noite
a trilha noturna das ruas escuras
às escuras luz do halo de sol
tardecer
luz noturna do verdor
lunar
a luz soar
tardear
luz

74
lumiar
luzirar
ludiar
a luz noturna mais clara dos claros
raios de sol raiar
a noite mais lúcida luz linear
delinear a mais recôndita linha lunar
da noite leve noite do ar planar
de uma lucidez inebriante
da lucidez embriagante do mais puro ver
puro ser puro ter puro estar
e ser a noite luminosa
a íris pura da noite
pura pálpebra noite dura
mil noites na noite escura
noite do luar de sol verdal

caminhar que é planar deslizar


a pele prateada da noite triste
um envolver revolver
entregar-se integrar-se
no ar do alto das casas da noite
verdal luzinte
halo de sol luar
se espalhar-se por sobre a noite
por sob a noite derramar-se
o lumiar eternamente eterno do ar

75
Bosque
o bosque paira sobre a cabeça
ouvindo o farfalhar das folhas
batendo umas nas outras em polvorosa ao vento
o bosque verde de farfalhar macio
e o vento frio caminha por entre altas árvores
penetrando as trilhas de encontro ao dono
de passos marcados marca-passos
o farfalhar das folhas verdes exalando vidas
batendo uma nas outras trilhando o vento
lá do alto cá embaixo
folhas secas novas e uno sumo solo já
pisam os pés compassados
transportam um’alma sinta
dessincronizada ao passo presente
sintoníaco ao passado a alma em lança
entrelaçando-se ao mar orgânico circundante
bebendo a seiva pulsante vigorosa
o sumo d’essência d’alma
enlaça a alma e um instante
centelha do momento
emana d’alma entormecida
a calma carma d’alma enaltecida

76
A Caverna

O que contém a caverna escura


luz? contém o breu da noite morta
sem estrelas, luas ou luzes suas
som, silêncio denso em todo canto
que a boca venta ouvida escuta
lenta e absorta grita muda

e o grito lento, encoberto. Manto


da caverna envolve e absorve-lhe
converte-se em bolha de vazio
atrito entre pedra e água em branco
recoberto em negro de negrume
escuta! Este negror sem sombra

e que a vida da caverna exala


branca esvanecida em grito em sombra
que o silêncio escuta atento e suga
brando e lento o som da gruta galga
disperso, vesgo em visco, muda.
Se fora foi como o que esvai-se em pranto.

II

E a caverna nem sabe que existe


que ela é ela mesma
nem, portanto, que vive
noite a noite, sempre e fluida, permanente
a caverna corre
como o rio noturno que adentra

se volta à si mesma
ou mesmo a nada
a espreita de sua mesmice
parada e calada amorfa e sinuosa
lhe beijam águas que cavam
e nada trazem, que não o vazio.

A caverna não conhece o plasma


que escorre não entende o plasma
liso cósmico que lhe toma os vãos
gósmico plasma a caverna carrega
não sabe dos óleos tintas que lhe tinge as margens
não pasma ante nada e tudo na caverna escorrega.

77
A caverna se solta em si mesma
não há perguntas
e não fossem luzes plásticas
e metálicas, químicas e físicas
máquinas, não viveria
não haveria cores vida não haveria.

III

O que fica deste oco


ocado vazio cheio d’água
transparente raso e ralo
esvai pelos vãos deixando vãos
vazios. Tudo em vão
vão águas incolores inodoras e frias

águas que aguaceiam vazias


transparece num disco de luz
e desvanece de novo nas sombras
no ocaso das luzes do rio
que reaparece à frente, debaixo das rochas
acaso de águas e rochas e raios de sol

translúcidos rios solares


e lunares, momentos de relvas
de luzes por entre a selva
esverdecente e num segundo instante
novo negrume de novo nada
de cor e de luz arredia e sombrante.

A caverna volta a tornar


o que se diz da caverna à caverna
o que diz a caverna?
A caverna não dita
bendita ou maldita, a caverna medita
eu que a digo o que é

nada a caverna me dita


sobre si ou sobre nada
sobre mim. Sob seu teto impreciso
as coisas são sombras e nada precisa
as coisas misturam-se na vaga imprecisa
aquilo, tu e eu no plasma imprevisto.

78
IV

O duplo da luz do ato


falo do duplo da relva verde do mato
falho recobrindo as campinas
serras toneladas de terras
pedras raízes e águas
sujas ralos de vida halos

até a caverna que hiberna


de um sono profundo, duplo
do mundo desperto
de um imundo sonho duplo
intramundo de insônia
perambula o mundo a caverna.

A caverna se repete sempre


indiferente ao que é passado uma vez
ou mil vezes passado e a diferença
entre mil vezes e uma
é absolutamente nenhuma
onde reina absoluta a mente resoluta

a caverna mente, serpente


sempre e sempre, sempre. Sempre
a mesma caverna muda
salões e colunas antes
não vistos num abrir de olhos gigantes
novos (e velhos) espaços sombrantes.

79
O tronco

à deriva no rio
um tronco a navegar
por ilhas e galhos secos
tronco apodrecido a dissolver-se
n’água suja deste rio
que o sorve calmamente

e o tronco complacente
olha o rio calmamente
quando a última loucura se vai
e o desespero, último e decomposto
se transforma em lúcida apatia
se dilui tronco em rio lentamente

a nave que susteve-se


da água retirou seu viço
à água se volveu sinistro
e pela água e pela terra
da qual em conjunção com aquela
retirou seu visco vigoroso

tronco toda busca


em água se volveu
o que pela água se buscou
o tronco, meio água meio terra
nem esta nem aquela
e ambas uma noutra bruscas

tronco o que fazes com elas?


de quem se sustém por seus caprichos
todo o seu gozo vigoroso
em terra decompõe umedecido
em água se dilui apodrecido
e de relvas e rios e pássaros: cantilenas

o cantar doce dos pássaros


foram sempre como são
e como sempre serão
o mesmo canto e sempre renovado
e sempre remoçado
em seus truques matinais de eras e eras

80
são os cantos antigos dos pássaros
e mais velhos dos rios
com o cantar silencioso da relva
interrompido, as vezes e sempre
pelo sopro jocoso do nada: vento
esta melancólica música perseguinte

meus velhos versos de segunda


vento e pássaros relva e rio
dissolvo-me neles na esperança
na esperança como nas lembranças
em que vingo a má ventura
onde perdem-se as razões, a harmonia e a sextina
e o ritmo com as pulsações
dentro e fora
fora-se toda a fluidez
e qualquer pertencimento a entidades obscuras
que passaram a fluir
transe e embriaguez
doçura e tortura
perderam-se, perdi-os e todos se lançaram
e lancei junto com eles
a qualquer alvo
de água, de madeira ou de metal
estou à salvo, não estou
talvez... talvez...

o tronco vaga sem sentido


em águas e margens
de sentido vago um dia
ou noite qualquer
água e terra terra e água
serão tronco novamente

e novamente por qualquer sentido vago


ou obscuro misterioso ou supremo
ou mesmo por mero e vero acaso
por qualquer caso e em todo caso
terra e água água e terra
tornam-se em tronco retornado

fácil para um ente onisciente


como se diz qualquer ente presente
e que pressente o que deveras sente
o que virá virá o que fora presente
e tornará a vir eternamente
terno e duro obscuro e transparente

81
o que vem em outro tempo veio
e se virá inexorável tristemente
e se por um acaso qualquer ou qualquer causa final
porventura romper o círculo ou espiral
tristemente vagaremos a tristeza
no ar em águas ou túneis tristes e terrenos

mas caminhando reticentemente renitente


onipresente no tempo e no espaço
e além deles como a tristeza
exatamente como ela e com presteza
esta entidade indiferentemente
vaga e soa latente e aflora sorridente

uma alegria contente


que se inunda e se transborda
sorri o tronco intransigente
água e terra tronco e vida
tristeza sentido e alegria acidente

82
Rio

você não precisa saber de nada


precisa saber apenas
que virá um dia a morte
e te dirá: vem
não sabe ninguém de nada
não sabem os ímpios de nada
e não perguntam nada
um barco vaga à deriva
para a margem oposta do rio quem sabe
ou para o fim dos confins dos seus veios
ninguém sabe
que rio aflui no teu tronco d'água maior
vida maior mar maior galho
carrega em si flores que vivem consigo
respiram ares por cima dos galhos
abaixo de galhos por sobre teus olhos
de lua nascente de sol poente
entre teus lábios de beijos ardentes
movem-se nuvens cheirando aguardentes
vêm limpando meus pêlos, lavando
cabelos
levando poeiras por entre paredes
de pedras cinzentas
lanço um beijo a elas, ajoelho-me encostando
meus lábios em teu corpo e me vem
toda a história que têm estas águas vermelhas
barrentas que correm suave passando e pegando
histórias de santo e de canto e que contam-me
aos meus lábios sedentos de terra molhada
de cheiro de chuva recém chegada

83
tríade vinal

noites densas luzes


onde donzelas dançam nos paralelepíped’azuis
tensas sob olhos negros
as duras mãos de crianças pardas
se oferecem leves
lentas purpurilando
olhos se aquecem bolas e becos
chamas e serenos
o sol amenos
da manhã os pequenos
faz sombras para lá e para cá
de folhas verdes não param
pela janela a vida
aberta não é menos

gatos
e telhas
e patos
nos lagos
na noite
reflexos
do luar
insetos
e uivar
de cães na cidade
cio
tremula no fio
da noite
a conduzir
florires
e pássaros a zunir
reluzir de sol
na manhã
luzir

84
Autoarco

Este, mais um dia de elucubrações


Esta noite, mais noite que dia
Todas as noites que guardam um senão
São mais que escuras: são noites
Que se entrecruzam na noite absoluta
Mais que noite: trevas
Este é mais um dia daqueles
Uma luta

Mais horas e horas de loucuras sem fim


Um tempo de doçuras e descanso
Tonturas, doces instantes sem mim
Se tanto! Paz, loucura e remanso
Não me torturas com tuas faces
Nem me curas como se olhasses
No meu dentro mais profundo
E fosse, por isso mesmo
Ao centro, meu, mais profuso
Fosso: teu entro a esmo

Nós. Nas cordas que sustém


Nos valsamos sem voltas
Nus: tronco e curvas tortas
As mão se soltam, soltas
Para o meu bem
Bem, volvamos às valsas: loucas
Líricas, danças mortas
Vem. Almas e valsas, quem ?
Ninguém veio... bailar e as vozes
Roucas
Ruídos. Cordas mudas, amém.

Os dias...
São sempre mais doloridos
Os guias
Mais diluídos
Sempre
As vias
Não mais as vias
Entre meu caro amigo
Para a noite de nevoeiros
E lua nova
Amanhã será um novo dia
Velho, de lua nova
Quem sois tu que me acolhes?
Sóis!
Este, outro ente meditativo

85
Este: outro ponto além
De horizontes e mares
Uma montanha paira no infinito
Desertos à volta, altares
Acima dos seres, vivo
Ninguém, ninguém.

Leste, mera coordenada


Rumo: nada
Rumores de sombras
Luzes condenadas. No céu
Tarde: rubores
Cores congeladas

Dores, dores, dores


Casas caídas
Nunca erigidas
Ventos de outroras
Eras vindouras
Meras.
Agoras: horas etéreas
Eras megeras
Agora. Só agora
Nunca.

Verdes à volta: verdes


Vivo visco viço
Terdes cheiros de folhas
Gostos e curas
Uma cama dura de verdes
Chamas verdes
Chamas.

Sedes.

Ofício! Ofício!
Vício obstinado
Não cria, descria ou destrói
Não constrói ou desconstrói
Sedimenta, desliza: evapora
Cai. E vai embora
Inexpressivo, corrói
As mãos do mineiro
Ouro? Sal, cal.

86
Eternal

Teu dorso louro, desço e teço


As sensações se cruzam
Emergem, jorram resgatadas
Me retorço em imagens que se desfazem lentas
Tantas e dispersas
Brutas
Que abruptamente petrificam bruscas
Todas e diversas, unas
Numa unidade imóvel
Tudo, eterno e infinitamente vasto
Instante
Não dura mais que isto, instável
E imaterial
Nada
Me contorço em chamas
Brumas
Submergem, choram amargos
Poros, soam mares
Sais, salgados ares violentam ventas
Fluidos doces viscos quentes, envolventes
Ventre da manhã
Miragem
Cores e sabores falsos. Gostos, tatos e contatos: mera quimera
Ardências frias, planas
Um jardim etéreo sem espírito
Frio
Teus fios aéreos, sérios
Teus gestos atonais nos ares: danças
Corte de ar em vários
Goles de ares, áreas de cheio e vazio
Cheiros
Preenchidos vácuos de essências e substâncias, várias
Arenas: digladiam-se sentidos
Guerras e guerreiros brutos

87
Átimo

vives nestas dores fúteis


como se vive um ator em suas vidas
fáceis e como a vida fosse mera
mente frágil, não fujas

faço e refaço em sonhos


teus traços
daquele dia de primavera
era noite
de tardezinha
e nos olhávamos calmos
e ríamos

as flores não vêm


um chamado, um grito
um ato
as mãos atadas
olhos e narinas órfãos
virgem boca

o que esperei: apenas um som


e um riso de lua
que você tem
e não vi
apenas um tom
vago vestígio de voz
suave, esperta

resgato risos e olhos de dentro de nós


e arremato lembranças de traços e gestos
que fazes nas faces
restauro resquícios de ser
e de vida faço um caminho de dermes
pêlos tecidos
e estares
teço em ares cantares e essências
e sigo, recortando paisagens
tecendo aragens

e reteço em chamas e febres


tuas vestes
e tuas peles
tuas febres
nuas
tuas águas doces
e salgadas magmas
tuas duas evas

88
breves. vapores
de carnes, presença e cantares
leves
constância de estares

onde estão teus laços?


onde? vão enlaces
me lançares, onde
estão teus traços?
e abraços de laços abertos
que nunca abriste
e sorriso esperto

reconstruo
o não construído e refaço
novamente
o que está diluído em tempo
nova alma e novos corpos e espaços
novos
saudades
do que veio e que não
traço uma cidade que se levanta em tato
e me refaço em canto

estes cacos de traços que se inscrevem soltos


descrevem-se nas tuas bocas
atrevem-se em teus olhares
escrevem-se a si mesmos
e saltam para a incerteza do esquecido
traço, que desenlaça em águas
e sais e se deságuam secas
estes traços se desescrevem
tortos
e desintegrados laços.

89
embora como pluma
que plana o ar devagar
embora como perfume
que se esvanece no ar
embora com ar de cantar
da maneira que passam as horas
você foi embora
embora ficaste

90
Soneto

Uma estranha vontade de não se fazer


Nada pelas entranhas d’alma que navega
O mar é um rio que corre e se esbalda
E dissolve-se e derrama-se no pudesse

Da vida... O que seria do mar que se espalha


Se nu o chão rompesse a linha da lua, que a lua
Lhe impõe nas guelras do peixe no ar, nua
Carne da rua no lar, e a rua é de ferro e limalha

Do mar... Que és tu — que esperar ? do mar que incendeia em ti


A tua carne novamente em chamas e novamente em lamas
A façanha do mar é entrar suas ondas banhar e sair, navegar e ficar

Gosto de sal na boca, gosto de cal nas mãos machucadas, gosto de nau
Que foi, contigo, que fizeste neste mar, que fora deste mar que fizeste?
Posto que foi um instante inconstante e castigo: um sopro de vento no mar

II

Uma onda, que se prolonga adentro no antro que sois


Vós quem? quem sois vós que quereis? Que quereis?
Inda não sei. Sei que linda a onda que se dobra no horizonte
E que ainda que não saiba o mar, o mar se sabe

E se veste o mar do ar de sal que sobe do mar


O mar se sabe não. O mar não sabe-se a mar
O mar mareia rio que corre suave nas ondas da lua
E do mar que se sabe e se vê o mar, do mar não sabe, cego

Aquietar-se esperando a brisa no rosto


Porque a brisa nos olhos é que vai ensinar que o que corre sobre
E sob o mar mareia coisas caladas e quietas que se desnudam quedas

A plastimia que curva é que irá desvendar por sob o mar


O que paira sobre, o que vela o rio longo e largo que nun’compreenderás
Como o rio... que não corre, e se evapora e cai sobre si mesmo, rio em si mesmo: mar

III

Um vento fino passa


Uivo de cão sem graça
Da vida que leva e que passa
Grito de dor, perdido na praça

91
Passa um vento fino
Um vento e um desatino
Uma lua cor de prata
Escurece e se mostra lata

Olho de sol na rua que fica


Nos cheiros de quem lida
Nas suas calçadas e casas

Mulher que varre as portas das casas


De folhas mortas de lida
Fica o vento na rua nua que fica.

IV

E fica um pedaço de pau atravessado


No chão da rua de pedra
Um pedaço de lata desenterrado
Da fresta mole que quebra

Das pedras moles da rua


Despida de alma esta hora
A hora da partida sua
Em que vem este sono agora

Quando for amanhã


Não demora
E virá estes sonhos sem horas

Quando for de manhã


A senhora
Virá torturar mais cem horas

Arquitetar-se em fugas por morros e outras terras longas e distantes


Longes, por serras imersas na atmosfera fria das aves e ares
Cerros, vales e planícies frescas às margens das águas dos rios, inconstantes
Voar pelos mares de gases que se espalmam e sopram uma alma: aves em ares

Ou fugir para
O fundo do poço
Fingir bela e rara
A tristeza rasa do moço

Não se sabe. Nem se sente. E simplesmente... passa


Aquele ente na praça, olhando pras pedras na praça
Passa enchendo o ar de graça

92
E vai caminhando, ou correndo, não se sabe. Não se sente
Transcende apenas, olhando as flores e folhas caídas. Caídas
No chão e novamente a praça se inunda de graça e dorme, dormente

VI

Não sabe o que é. É preciso repetir sempre


Pois está lá como uma flor está na ponta do talo
E um pequeno vento sem pompa e ralo
Irá levá-la para outra flor ou para nada, para sempre

Um pedaço de néctar da flor que passeia no vento


Vendo a vida de dentro do dentro correndo
Para si e para fora de si, expandindo-se de si
Internando-se absorta nas pedras de Tsy

Pára. E voa levemente as coisas do solo


E pousa como pousa uma abelha na flor
Como pousa uma pétala de flor no chão de folhas

Úmidas relvas que cobrem a terra seca e um poro


Recolhe uma pluma no leito quente e o olor
Da flor se reflui e flui como o ar singrado pelo mar em bolhas

18/09/95

93
Alegre é que tudo flui. O rio
pingos e colunas que se abraçam
triste tudo

engraçado como tudo flui


garoas, lágrimas que se beijam
tudo triste

mero truque
inversão talento invertido
invenção invertida

divertido que tudo rua


tudo que floresce rui
todo fruto todo fui

diabólico
como tudo vai
todos vão todos frutos foram

como tudo se desprende


se arrepende depreende-se
de repente tudo não se desmente de tudo depende

intrigante
como tudo flui desconcertante
doravante tudo se reflui

como se tudo num rompante


não fosse tudo nem todos fossem
não tudo

hilário como vai


tudo bem agora
noutro agora não há agora

feliz é que tudo gora


gotas, chamas e amas
não me chamas não me amas nem me gostas

ao menos
tudo frui
e como tudo flui tudo fui

94
Guardas um templo sagrado e eterno oculto no findo tempo
Almar que se elanceia ao salvar se ausente o enlevo
Fazer-se água e fogo saciante torturar nos calmos mares do relevo
Frio revelar de vento frio a extinguir exígua chama ao relento

Do tempo impassível deste hoje em que a gente desespera


Não há o que recusar a esse verdugo transcorrer sem primavera
E a gente volta ao templo seu a respirar o etéreo ar
Que a chama emana e alivia alvas almas a voar

Incompreendidas de si mesmas
Até o amálgama fazer-se em tempo
Eterno templo e chama eterna em movimento

Harmonioso adormecer de outrora acesas


Chamas frias ao relento em violento
Dissolvimento

95
Meditações

tudo tem sentido


tudo é sem sentido
não há sentido
eis o sentido

existem dois caminhos


há infinitos caminhos
um só caminho
não há caminho

ser tudo
nada ser
ser só
não ser

96
Self

Lá estou eu.
Eu, refletido em sombras múltiplas
de mim.
Eu entre as luzes
e as trevas.
Quem sou eu?

Lá vou eu,
parado,
envolto em mim,
contendo um outro
que não sou eu.
Que não sou eu?

Eu esfrangalhado
revolvendo-me sob a lápide
no quintal,
pomar de cruzes.

Eu uno
monolítico pairando
o alpendre,
apêndice de mim.

Aquele eu
lodo
surgindo do negro lodo.
Ressurgido iluminado,
amorfo, sinuoso,
inusitado.

Este eu delimitado
lúcido sombrio
cristal metalizado.
Eu, ideal
imune
à putrefação dos vermes,
à doce aromas matinais,
desnudando o ilimitado.

Eu paradoxal
mente coerente
monal
em atrito entre dez
acordados eu(s).

97
The Self

aquele que não posso ser está vivendo


não sei o que ele quer na funda noite escura
daquele quarto ao fundo que sequer eu entro
a casa agora estranha e a amada não escuta
a voz daquele eu mudo que agora já não ama

desenvolta ela passeia e se deita em sua cama


e o quarto não clareia e mesmo assim enche de luz
este outro a possui enquanto a casa se revela
antiqüíssima morada de deuses que conduz
aquele eu cego a viver à luz de velas

ver sem velas ou sol imponderáveis nuances dela


casa sem piso oitão ou teto vizinha do infinito
um rociar de eternidade impregna os cômodos disformes
foi tudo ti culpada amada a voltear por cômodos famintos
de não sei quê de além amor a entristecê-la enquanto dormes

co’este outro e sem meu toque nos perdoe


luz inconsciente a lumiar o mar profundo
em que mergulha aquele que se diz eu
na busca indefinida de um mapa o mar inunda
cômodos e casa e tudo bóia e se perdeu

do eu amar e amada cômodos e casa e aquele outro


ainda chora o que não sinto e às vezes tem
(tenho certeza) amada em leito seu e amor um pouco
que (náufrago) não sei e luz é assim, às vezes vem...

98
My Self

Fluentes

nasci para não viver


sou fraco de natureza
se existe alguma força ela vem
desta fraqueza

meu eu não conhece agora


ora pende para os olhos
ora pende para os ouvidos
ora pende de si mesmo
ora ora

buscante o além
da dor da contemplação
da vida que contém
este não sei que buscar
rebuscado em que jogo
o obus sem precisão
não amém

Forjas

Há muito que não sei


de mim há muito que sei
que o vento e as coisas
que correm cá dentro
como estrelas não morrem
mandalas solares
em frio relento

Tantas vezes supus esgotado


e o esgoto desanda a escorrer
entremeado
por um fino fio perfumado
e aproximo o olfato algoz
no afoito afã de o colher
mas me invade as narinas e a boca
este gosto indigesto de bosta
perco a voz

entre uma e outra flauta


às vezes toca a minha
desencantada de si mesma
ma’encantada de tocar-se

99
só não sabe quem a toca
fazendo-a estremecer-se
de prazer? ou de dor? como em sal
uma lesma

Flutuantes

Sou a flor do outro monte


entre a onda e a rocha, diante
do momento fulminante
fulminar-me ante gigante
’squebralhar de crista e monge,
desintegrada e gasto. Ao longe
miro o que se foi petrificado
enlaçado à dissolvida, mas me tange
o que sou e não está entre:
a pedra esperativa e verticais
águas por vir beijantes
e suas bocas flamejantes,
suicidas assassinas, como de antes
do mundo começar entre os portais
da estreita consciência que me guia
no amplo limiar circundeado
pela divina sorte de um dado
jogado

entre a rocha e a crista


entre os vales brotado
na pedra do monte
sou dado
a espera do próximo lance
a espera da próxima lança
do acaso
eu luto para permanecer
e agarro em mim a profundidade possível
impossível
(sou raso)
o próximo soldado joga o dado
doido eu grito ao intangível
mas eu mudo
sou o próximo
resultado

Morto foi o Cristo


Viva veio a Cruz
E a Rosa esquecida
Foram todos perdoados
O Mosteiro brotou na rocha
E o mar acalmado

100
Meditou com castos lumes
Lumiou-se a tristandade
Se levantou una infindas cruzes
Foi das lanças dos soldados
Foi das danças do ocaso
Foi mais um lance de dados (?)

Mas alarme soa em mim


Volto à triste e amarga ventura
De ser crista, rocha e pequenim
Ser entre e ser o que não dura
Que embora foi no embate
Sem fim

Não sou nenhum Caim


Nem sou Abel algum
Não estou em torre nenhuma de marfim
Nem de Babel
Minha torre não é de papel
Pois não há, e o papel é ser vagante
Sem mim, sou o que recuso-me a ser hesitante
Um Casimiro de Abreu pedante.

101
Ave Maria das Cinzas

adentro a igreja vazia


a igreja abandonada
pelos de hoje em dia
cabelos de minha amada
derramados na eucaristia
oramos, almas penadas
espíritas carnes vadias

os olhos de minha amada


são os olhos de Maria
mandalas esparramadas
cinzas em alvos dias
que em rubras raízes raiadas
rios de fel e agonia
rumo ao negro abismo do nada

mandala fim de alegrias


a mandala noturna apagada
reacende ao calor do dia
a cinza íris numiada
em azul, verde e alegria
celesta os vitrais da amada
igreja, do leste Maria

cantada, invocada, aclamada


chama oculta na voz do dia
diz no silêncio do nada
vem, há horas não frias
que oras no seio da amada
em êxtase canta a Maria
na santa casa sangrada

pelas lágrimas de Maria


escorrendo desnorteadas
pelo santo véu que me guia
à negra íris sagrada
ao centro da íris que eu via
Maria Ísis alada
a envolver-me a alma sombria

a alçar minh’alma vazia


a solares alturas, morada
onde queima a carne vadia
onde mora Maria ocultada
inacessível essência Maria
onde carne é onda e a onda nada

102
canto noturno na igreja vazia
uma Ave Maria não cantada
jamais pelos de hoje em dia
a uma adorada Maria desencantada
lacrimejando sangue na torre esguia
da igreja velha abandonada
no triste ocaso do dia

para que surja de um acaso e de um fim


uma des-
conhecida nossa
Maria.

103
Interlúdio
(poemas da maturidade)

104
Ambos
Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude da pedra, concentrando
No entanto, na alma, convulsões de guerra!
(Cruz e Souza)

Este silêncio de fel carregado


No teu olhar de infinito mirado
Suspenso está dentro em mim,
Retumba nas tensas paredes,
Rebenta nas neuras em rede,
Irrompe na minha garganta
E respondo mudez sem fim.

Quedamos assim emudados


Sem nunca sairmos de nós...
O silêncio... Verme que rói
As nossas entranhas acesas
Até o negror aflorar,
Compadre das nossas proezas.

Apodrecemos vivos, pouco a pouco,


no silente negrume da sorte
dos descompassados de si. A galope
rumamos mudos ao silêncio outro.

105
Poema direto
(lamentações caudalosas: muito sentimentalmente)

Retirei-me do mundo e sinto falta dele


Olho para o mundo e ele não me olha
Falo de pessoas que se calam ante mim
E calo-me ante elas que não sabem
O quanto amo estas gentes inconscientes
Que por achá-las inconscientes um abismo
Forma-se intransponível diante de nós
“Foi preciso! Fala a dolorosa vaga em mim,
Que te afastastes no albor da tua tarde
Adulterasse em ti o mundo e o eu
Mesquinho se tornasse para, pela negativa,
Visse tu, do avesso e avesso ao mundo
O quanto o mundo é tanto no seu canto.”
Não nego que fazer cantos me apruma
Meio torto ante tanto dano, mas
Afastei-me do mundo e tão perto estava
Do ouro verdadeiro, do cheiro das carnes,
Destas que a contrária ternura, inda ternura,
Chama por serpentes, obrigada pela vaga
Em mim, vazia, imensa, silenciosa e nada.
Quanta hermosura temblou ante meus olhos
Voltados para os rabos demoníacos dos seres.
Vaga inculta nos fazeres do homens
Por que me escolheste? Eis a pergunta que sempre
Fiz desde o limiar que o saber-me fez brotar
E mesmo antes sem saber-me desta escolha
Eu pressentia este buscar não encontrar
Este encher de vazio, este iludir-se ante o ar
Este desatino, este destino cretino que no entanto
Prezo tanto meu amor e amo tanto que do canto
Não me aparto. Mesmo que o canto me parta
Não me parto deste canto que se arrasta e leva
Na torrente vaga e casa no turvo leito
Do meu peito desfeito... Onde pulsa a descoberto
todo aberto em peito aberto
o meu coração perfeito.

106
Cantos do esquecimento
Tudo no esquecimento se adelgaça...
E nas zonas de tudo
Nas canduras de tudo, extremo, passa
Certo mistério mudo
(Cruz e Souza)

Triste
como triste está um pássaro
que não quer alçar um vôo
no vazio
e o que lhe resta
o vazio
preenchido de vôos outros mais audazes
mas este pássaro não que ser audaz
não quer, em verdade, nesta hora, pensar em vôos nunca mais
nem na sua tristeza que vem fraca
e persistente
este pássaro retoma aqueles pássaros primeiros que já foi
e vê
o que?
o vazio a voar
mas ele não quer voar como tantos pássaros
e dá voltas em volta de seu ninho
queria chorar o pássaro
de tédio tristeza ou nostalgia
mas o pássaro
não sabe nem
donde vem o ninho em que se aquieta olhando o vazio
e os outros pássaros fantasmas
dos quais não se livra
livre no vazio para alçar
aqueles primeiros vôos imperfeitos sem saber
que era
voar
pássaro inútil ilusão
do passado transpassado
de vôos inúteis
densos em suas leves penas soltas
sem
chegar a nada que comporte
este pássaro não deseja apre(e)nder(se) e apenas quer
sobrevoar o claro ar à luz do sol
e ver calçadas e gramas
indefinidas construções desconhecidas
conhecidas a sorrir-lhe em doces águas vivas
nas varandas e voltar sempre ao mesmo lugar de pássaro

107
este pássaro que contemplar
templos
nas alturas das alturas e saltar
numa queda brusca no avelã
do esverdecer das sete dores d'algum quintal em flores
sem o amargor d’alguma dor
que vier
por ventura
a ave cantar n’algum qualquer, fatal e certo mergulhar
cego em algum
claror tão forte, tão forte
o que resta e restará do inadiável aportar nesta fogueira
ainda por vir desconhecida e pressentida
por este pássaro sem frescor e fatigado
conhecedor e temedor da infalível
comoção triste engolida?
que pássaro passará no próximo ventar dentro do impermanente
[pássaro que não se sabe?

II

a música soa voraz


voraz como quem a consome
consumida na una multidão que se dissolve
num passado não muito distante e inalcançável
como a antiga idade e como o passado segundo
as leis de São Francisco: somos pó pequeninim
santo santo santo Ele está no meio de nós
as vozes soam unidas e o canto se desenvolve
num rito de devoção e desprendimento
das cores dos sabores e um só louvor
dilui todos os amores
o canto segue tenso e soam as almas unidas
em uma só oração
(ao som da Legião Urbana)
III

a viagem segue eterna


volta atrás como volta a ida
e ainda não achou para o viajante
o destino e o sentido adiante

108
cinza cor
a tempestade que chega é da cor dos teus olhos
castanhos
(R. Russo)

esta cor que decompõe-se em verdes


esta que é a cor das tempestades
cor dos olhos que amo tão profundamente
filha da luz e das trevas
cor que anuncia o tormento
prelúdio de ventos em que vais embora
aquela das horas inermes
e das certezas vagas
do que não é sendo
cor morta, vazia e fria cor
sem alegria
cinza de vidas idas e porvires
imprecisos de quê e de como
flor torta, nostalgia do dia incolor

cor oculta no horizonte difuso


infunde em silêncio e imóvel
seu brilho incolor no instável
dia que ofusca-se lento em luto

tinges as horas de dúvida


dádiva paga com sangue
mas tu
longe estás de qualquer rubor
e segues imperturbável
o infinito caminho
turbilhonado
em que nos destroçamos

cor dos corpos inermes


que insinua-se nas curvas
esperanceia a voz das verves
e desencanta n’águas turvas

finges que a morte perece


e aparece vívida e ávida a espreitar
através das horas mudas
em que as coisas todas embotam
onde todas as coisas moram
para que as coisas vivas morram
mortas as coisas transformam
se num jogo infindo
coisa alguma o sabe
se num fogo indefinido

109
coisa nenhuma não sobe
nem desce nesta chama fria
que nada acende e permanece
sem nada saber que emudece
a voz que a chama
na noite lenta desaparece
e tudo dorme, tudo torna
ao espectro constante da cor uniforme

110
A aldeia
e que dizer das ruas
de tráfego intenso e da circulação do dinheiro
e das mercadorias
desigual segundo o bairro e a classe, e da
rotação do capital
mais lenta nos legumes
mais rápida no setor industrial
(F. Gullar)

Hoje tenho todo o mapa desta cidade em minha cabeça


E a sei em seus cantos
E no cantos que não sei não há mistérios
A cidade que vejo é limpa e transparente
Mesmo à noite
É a cidade em que corro preocupado a cidade
Dos carros e dinheiro
Esta cidade das horas produtivas
Que devoram os passos dos homens
Que copulam rotineiramente para
No outro dia rotineiramente
Devorar a cidade em rodas ou passos
Na voragem das horas escassas
Do sono escasso
Do escasso noturno
Este noturno escasso de densidade escassa e a cada dia
Que passa Cada vez mais escassa
Onde a aranha caça
E cresce noturna
No noturno abandonado dum canto qualquer
Que há em cada casa
desta cidade
noturna
que há em cada casa
noturna
em cada rua
noturna

onde caça essa viúva negra


noite

111
Poslúdio em dó menor
(sobre base de Bandeira)

A vida assim nos afeiçoa,


Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel... (M. Bandeira)

Eu vivo minha chegada muito antes


de chegar
Mergulho nesta senhora plácida
intocada
muito antes
de tocá-la
Admiro e amo tua face descorada antes
de vê-la
Quero-a tão profundamente quanto é o seu não sentido
E ensaio meu abraço
primeiro à minha
primeira e última senhora
que domina-me bem antes
desta luta entre o aparente
da existência e o seu reino
amargo e desejado.
Não sei que presente ela dará
a quem deseja com calor seu beijo frio
Nem o que dirá àquele que espera o silêncio
sua música
Nada
neste mar sem margens até encontrá-la
afogado
este perdido entre as águas e os sais
e os monstros
do mar
quer o toque profundo do fundo das águas
que é
mesmo na superfície
onde pensamos
que não é
E o que é céu é ainda ela nos iludindo
de sereia
O próprio pensamento que pensamos ver verdades
é vertigem e saudades
do que nunca...
É ela que está no mais agudo perceber de nosso ser
embaraçado
nas suas correntezas que nos tragam
naufragados
de nosso atormentado
vagar.

112
Vagando
amo esta sem alma
construo nosso encanto
de amar ignorado
Do amar que um dia devorado
pela necessitada de almas
desama desalmado
na perfeita união do nada
com o nada tornado.

Toma-se assim
nas surpresas dos vagares
gosto de nadar
sobre o nada para nada
desejando a intocada
adivinhando-lhe a face
e imaginando seus ardores
nas dores que nos causa
temor: profundo amor
que sentimos pela amada.

113
Terras fluidas
Uma vez que esté bien fria, arrojala com fuerza
contra esos ojos fijos que te contemplam desde que naciste.
(O. Paz )

quebrar
todas as correntes
pelas paixões
que as fundem todas
que as findam todas
transfigurando
o frio metal
do vil prisioneiro
em lava fervente
de vulcão furioso

e as lavas cuspidas
pelo vento esculpidas
em forma’indecisas
fractais caóticas
aninham troncos
tortuosos vales
fundos rios
revoltosos
esquecidos como nuvens
de moradas celestes

seres fortes seres brutos


e melancólicos
ser sem pai
filho de lava
e vulcão
que só bradam
e só queimam
filhos sós
descorçoados
e atordoados
de esquecimento
do que não houve

114
O servo
só descrevo aquilo que vejo
aquilo que vem a mim
aquilo que fala em mim

não penso nada

e quando quis
falar com o vento que canta
com o amorfo fantasma
com a abrupta erupção

jorro incontrolável
de lavas
incontornáveis

lembrou-me a vaga indefinida


(vazio mudo, dentro de mim)
— larva! não passas de uma larva
levada pela lava

115
Em vento
Leve é o pássaro
E a fuga invisível
do amargo presente,
mais leve
(C. Meireles)

No vento! Aves ao vento


que venta sem parar.
Aves cantantes no vento,
pois cantar é o lamento
das aves sem pousar,
cansadas de voar.

Vendo as aves no vento,


algoz de suas penas,
sinto pena das penas
de aves tão pequenas!
cantantes no momento
de seu dissolvimento.

Cantigas de lamento,
não do passar do vento,
não de seu passamento,
mas deste seu cantar,
música de voar
à toa no vento.

116
Prosa fixa
(de um aprendiz de medidas)

A Fortaleza

sou metal, raio, relâmpago e trovão


sou metal,eu sou o ouro em seu brasão
sou metal, me sabe o sopro do dragão
(R. Russo)

As construções que faço movem-se no ar


Que insiste esfacelar os meus castelos de aço
E ouro puro que passo a noite a amalgamar
Na esperança que a amarga queda no sempre asco

Fluido do descompasso passe e o clarear


De um amanhã vença o ar brumoso em que entrelaço
Noite e dia no abraço ao caos a sufocar-
Me. Só que uma noite arde no dia e refaço

Então o metal eterno, erijo outro castelo


Caído antes de sê-lo. Angustiado ser
Inacabado, ver-te é toque ou éter quero

Sublimado em castelo, num inverso viver


Desterrado no verbo herege e no flagelo
Da ilusão de ser o elo do ser e não ser?

A Árvore

baixemos nossos olhos ao desígnio


da natureza ambígua e reticente
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.
(C. D. Andrade)

Uma árvore das fendas do rochedo


Do abismo joga seus braços ao léu
E afunda os pés na terra onde o segredo
Do verde, renascido rumo ao céus

Dos deuses intangíveis do arvoredo,


Aguarda do negror com o seu véu
De cio impuro as raízes que o medo
Aprofunda no caos insaciável.

Cresce num equilíbrio ébrio o mistério


que ao mistério dos deuses busca em vão.
E a este instante vital no eterno etéreo
Só sobra a terra: sua boca e seu pão.

117
Resta ainda o tênue cântico de um pássaro
Que pousa e ecoa o bálsamo do bálsamo.

Motivos da Árvore

Da ponta do diamante eterno, o tempo


Risca na face do cristal o lago
Das galerias submergidas. Algo
Mina sob a campina. Galga o vento

As comas do crepúsculo gelado...


Um putrefar primeiro flore lento
Dentro do tenso retinir, silêncio.
Densas nuvens navegam no ar calmo...

Calma de morte, se houver alma ela ressoa


No ausente longe da faísca muda e alva:
Átimo de ruínas. Noite larga... A alba
A aurora espera enquanto a esfera sobrevoa

A gema congelada. Raia um tênue raio,


Instante cintilante no orvalho.

II

Paleolítico alaúde, fel


Ao vil ouvido do esquecido, fere
As lascas farfalhantes na intempérie
Que troa. Torna à tona o escarcéu:

“Lembra-te? Lambe-me os flancos nus, flama-os


Com tua língua ardente, me navegue,
Destroça-te nas vagas, não renegue-me.”
Faz sol no lago pútrefo de Thânatos.

Teatro de hipercúbicos milímetros,


Sobre lentes fortíssimas, retinas
Retêm a trama do cauim no vítreo
Cosmo asséptico. Coma cristalina,

Instante excêntrico sempre durante...


E moras dentro do sem dentro ou antes.

118
III

O obscuro mar de uma fronteira


Entre dois povos inimigos brame.
O lume bruxuleia entre o arame
E o arco com que Harpia toca as beiras

Divinas, beiças vaporosas, águia


Das fendas dos altares. Implorai
A ela o alimento que se esvai
No vento esvanecido desta ária,

Que vem silente no silêncio escuro


E duro e se espraia nas areias,
Arenas de batalhas co’as sereias,
Inimigas dos inimigos brutos.

Abruptos aliados de madeira


Contra a ausência de água derradeira.

O doido

Um luar amplo me inunda, e eu ando


Em visionária luz a nadar
Por toda parte, louco, arrastando
O largo manto do meu luar...
(R. Correia)

As ruas desertas são sua amigas,


vagueia sem peias, sem par e sem lar
as ruas sombrias perdido em luar,
a lua na noite difusa, que abriga
as ruas silentes em lívidas luzes
lunares nos olhos, raiando fugazes
nas telhas das casas, cavernas e ares,
fundidos na noite instantânea de obuses,
esferas de lava e vapores, centelhas
da vela puída no fundo dos olhos
doídos do vento impiedoso e das trevas
de si se espraiando nos becos devotos.

Estas vias vazias inundadas


de meias luzes são
sua morada.

119
Cavaleiros de Machado

eu os vejo agora
um, nado, gélido pairando amargo
outro correndo morrente nas ruas
desembestado
e aquele a respirar sombrio as suas dores

três cavaleiros do nada


três fétidos fantasmas
contra o vento violento

sem deus
sem outro
e seu eu

vagam sem antes


nem depois
vagam sem lá
sem aqui

e são nossos irmãos


à cuja sempre visita
enchemos sempre de nãos
de nãos tementes

oh! antiquixotes
a vomitar mundo
na nossa ilusão

120
vela que o vento leva e que o vento come
vela suspensa no ar e no escuro mar
vela que voa ao longo do horizonte
vela que incendeia por sobre o monte
vela do desatino do aventureiro
vela que voga a lua na noite cheia
vela inflada de uma lufada
vela inflamável no fim do olhar
vela que vela a luz do plenilúnio
vela da tua vala
vela velha comadre de um sino
vela entre deus e meus olhos
vela que me leva
vela que me lava do escuro breu
vela vento que passou
vela luz que enluou
vela vala de minh’alma
valo do meu corpo
morto
caravela da vida
tênue vela ao vento
ao sopro do vento
que a voa
que apaga

121
A esmo
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?
(Jorge de Lima)

E neste insípido giro,


Neste vôo sempre a esmo,
Vale a pena, em seu retiro,
Cantar o poeta, mesmo?
(Fagundes Varela)

É bom que eu não tenha idéia alguma


Assim deixo encharcar-me os mistérios
Que procuram a terra nenhuma
Como as flores buscam cemitérios

O canto se funda na ilusão


Da ode iluminar nossos ouvidos
Mas a noite ecoa escuridão
E emudece o sol tão comovido

Vento a farfalhar as minhas franças


No topo do abismo vem beijar-me
Traz em cada sopro uma criança
Hálito de sol antes da tarde

Gruta enorme entranha sou do vosso


Silêncio ermo escravo e mensageiro
Grito a luz e o grito que não posso
Eu calo ante o plasma de seu beijo

Não é o passar do vento


Nem o meu passar
É este passar
Neste papel

As sombras vagueiam sem destino


A noite que jaz sobre a vontade
Irrompem no dia como um sino
Intima os fiéis de uma cidade

Vida que na vida se esconde


Desejo de não ser que evapora
Quando a ele procuro e não sei de onde
Surge quando quero que vá embora

122
A taça vazia no azulejo
O óbvio grampeador de boca aberta
Nada une os objetos sem desejo
Nada beija o pó d’almas desertas

Preces para a noite se apagar


E o dia ascender qual uma vela
Do barco de luz que vem do mar
Ao porto sombrio da quimera

Mas a noite acende e engole o barco


E sua chama fria a nostalgia
De sermos um dia o áureo arco
Subsistente só na fantasia

Os gatos não temem o escuréu,


Meninos não sabem o que vem,
Brincam no caminho de um corcel
Bravo, que confuso se detém.

Se detém, mas não se contém.


Se detém, mas não por muito tempo...
Tenaz urubu, suporta bem
Calmo o putrefar d’alma no vento.

Alma, cristalino vento em pedra,


Ao vento dissolve-se em silêncio
E em vento sem vento volve cega.
Se corrói matando-se o tempo,

Se constrói tentando-se prédio,


Tentação que pouco dura, o lento
Esbater do vento sem remédio
Abate-a num brando tormento

Ou num repentino e violento


Sacudir das pedras todas: trema
Solo outrora calmo, prado ameno;
Após, torne à terra a calma plena.

Adentro no templo de um deus


E o vento me espera lá fora
Contemplo um instante o não eu
Mas volto e me traga o agora

Não é o passar do vento


Não é o meu passar
É este não passar
Do papel

123
Gruta enorme entranha sou do vosso
Silêncio ermo escravo e mensageiro,
Grito a luz e o grito que não posso
Eu calo, ante a baba do teu beijo.

Vento a desgrenhar as minhas folhas


Sob o sol ardente a tua foice
Ceifa pouco a pouco a minha seiva
Sol crepuscular caindo à noite

Eu desenho o canto na ilusão


Que a ode ilumine os meus ouvidos
Mas a noite ecoa a escuridão
E emudece o sol tão comovido

É bom que não venha idéia alguma


Assim deixo entranhar-me os mistérios
Aflorados na terra nenhuma
Como flores florem cemitérios

124
El degredo
Merece lo que sueñas.
(O. Paz)

Tu és a luz da alvorada
Que rebenta na amplidão.
Eu a gota pendurada
Na trepadeira curva do sertão.
Ah! brilha, brilha, a sorte cumprirei:
Cintilarei
(F. Varela)

Sertão azulado
Serra ao fim do quadro
Terra do ignorado

Campina imensa
Morro no meio
Vento sem freio
Sol de nascença

Capim capoeira
Fogo na esteira
Chão de carvão
Renasce o sertão

Pau torto
Meio morto
Na curva
Meio turva
Do horizonte
Sem monte
No meio
Sem esteio
Que o céu
Branco-azul
Vidro-véu
No corpo
Nu quase morto
Cai
E cobre e descobre
Vai
Recobre o teu porto
E mar

Arbusto
Ar bruto
No meio do mar de brasa
Fornalha
Mortalha

125
Do orvalho da madrugada
Ainda vivo
Esta manhã
Na beira da estrada
Revivo
— Mente sã
Juro — a noite estrelada
O orvalho
Do galho
A gota ressuscitada
As mesmas
Moléculas
Molecam na minha aguada
Cabeça
Flui léguas
Fui léguas por minha amada
Gotícula
Retícula
Transparente entre o nada
e o mundo
e eu
Ei-la: capa transpassada
o breu
eu unto
em luz-água cintilada

Eu orvalho da manhã
Fundo o sol na água
Sem que o sol se apague
Sem que se desfaça a água

Eu orvalho a árvore
Fundo o sol nos galhos
Afundo no céu raízes
Profundas do pé de orvalho

Raízes aéreas etéreas


Raízes orgânicas vivas
Vivas e mortas, raízes tortas
No tortuoso vôo das lidas

Caídas e subidas
Nunca definitivas
Nunca teias aéreas
Nunca garras férreas
E sempre apodrecendo
Perdendo-se pro vento

126
Eu orvalho os olhos
Quando não tenho olhos
Quando sou só escolhos
Quando eu sou só
Eu sou sol
Sou orvalho
No galho sem medida
Sem simetria
Pois que uno o múltiplo no galho
Da árvore desferida
Contra a vida — da árvore da vida
esta vida fácil
e sempre doída e ressentida esta vida
repetitiva
cheia de fugazes
cheia de cheios — relâmpagos
vazia
esta vida cheia de adjetivos
vazia deles
esta vida contida — contada
esta vida explosiva — vivida
esta vida vida

Sou a gota, sou o orvalho e sou o galho


a árvore e a campina e as serras azuis ao fundo
São meus olhos cinzas as cinzas da mata
Morro solitário no meio da campina sou
Sol sou fornalha e mortalha
Muralha e abismo
Que gargalha gargalo de luz
fundo de breu
Sou ilha e continente
céu e mar
mar e riacho
riacho e ventilador novo e antigo
e tudo o que é sem ritmo
mas tudo que pisas e comes
Come as tuas palavras
Lê as coisas do mundo
Vê pelo ouvido
Olvida o que compreendes
Sê ti e funde-se em mim
Funda uma cidade onde nunca
Afunda tua turva tufa
Negra que te chama e te engana
E goza em ti que goza em si
Transpasse a pele da outra
Deixe-se mastigar
deixe-se mijar
deixe-se
Merece os sonhos que tem

127
Desterro

Sou uma árvore torta


No meio do cerrado
Arbusto concentrado
Da casa vizinha à porta

Da casa vizinha à minha


Orvalhos na casca grossa
Dos galhos caindo à poça
O sol de de tardezinha

Sol noturno repousado


Pela lua transtornado
Em fluidos cristais d’aurora
Sol outrora sol irado
Sois agora sol domado
Sois eu que ela devora

Sois sol molhado astro


Fugindo aos meus olhos
Que miram os escolhos
Do fúlgido sol alto
Na poça lamacenta
Sois olhos que me olham
Meus olhos que se foram
Do corpo que lamenta

São lágrimas que choram


Os galhos tortuosos
São lágrimas dos poros

Das cascas que imploram


A luz da lua cheia
E fluida sol da meia
Noite

128
A Gulla

O problema desse doido


é que ele está na cidade
como um homem
— macho branco adulto —
como uma mulher e um velho
e um menino e como um cachorro
remelento e fedido
como um pássaro sem passado
e um fantasma de todos os tempos
menos o agora
como um pote no meio da mesa
e mesa no meio da casa
e como um caroço inflamado no meio do nada
mar que envolve a serpente que envolve
esta ilha homem que se perde
nas poças voláteis nas tardes nas frutas
nas putas e virgens nas grandes bucetas
e túneis e ruas e entes e gentes
que é esta cidade homem
em cada quitanda escura em cada
tarde no mar em cada bar
arde este maldito que não sabe
se no meio do caos grudado nele
— raízes orgânico-etéreas do caos —
se o caos brotado no seu meio
— mato de tapera Alcântara —
sua cabeça se esfacela
sua cabeça se inunda
sua cabeça (se) suja
da cidade surja
e este louco está fora
neste agora
em todas as horas
de si
nunca são
nunca todo
e nunca uno
e este vazio lhe pesa mais
que a sua imunda cabeça inundada
que sua cabeça esfacelada
esta falta de tudo o quanto chama
lhe queima na chama que lhe consome
e some
este homem sem nome na cidade
que nome nenhum invade
aí o doido sem nome grita
pula e rola e gira

129
sobre si mesmo
— nado
sobre si mesmo —
e deste grito cheio de corpo
e olho e faro e orelha
cheio de língua emerge
atonal
desengonçada geringonça
besta grotesca
o caos ruflado do longe
o oco o eco do caos na lira báquica
no concentrar-se esfacelar-se
no esvaziar-se em plenitude
surja suja cidade homem

entre o podre puro


e o podre de puro,
entre o dia escuro
e a lua no muro,
a quimera desse doido
— obus de barro salgado
e ar inflamado
onde a língua se queimou
e a lira baquiou
cuspe de barbar’idades —
arde nas suas partes:
nas noites e tardes,
no mar e no barro,
no choro e no sarro,
no instante e no sempre,
no etc e etc
Na coisa e naquilo
que se quer ser.

uma parte de mim é tola outra parte silêncio

130
Aspirar

seu sorriso é o sol


que me faz só
seu sorriso é o sol
que me faz seu
seu sorriso é o sol
que me faz sou
seu sorriso é o sol
que me faz sol

teus olhos são tão sol


que molhas meu sol
quando me olhas farol
que me banha de tanta luz tamanha
tanta cruz estranha
como todas as cruzes que em vossas entranhas
levais para lavar
sóis desacordados que sou

soa no meu sol uma luz tamanha


outra luz de tuas entranhas
outra luz estranha
a tua luz nua
que luze em tua rua
curva e turva e pura
via para as tuas duas luas
que me vias
vias tão estreitas que diante
de tua luz tamanha, estranha nas entranhas
são vias
lácteas de estrelas
leito de estrelas
estrada de sóis
extracto de luz

as tuas duas luas na minha rua nua

131
leite puro leito impuro
leito pleno leito plano
leite amplo leito estreito
divino leite leito profano
entre o teu leite e o teu leito
me deito no desamparo
no teu jeito de me deixar sol
de me deixar sou
só no descampado
desta luz tua: lua

fixa lua que volteio


fluida lua sempre imóvel
plena lua nunca nova

132
Espirais
Desceu à pátria obscura
em que não se procura
alguém na sombra espessa
e onde sombras são evas
e onde ninguém começa
mas tudo acaba em trevas
(J. Lima)

Jaiara nossas vidas


são um monte de ar
concentrado no sidéreo
spaço de único byte
pronto a se esfacelar

Jaiara o etéreo
a circunavegar
nosso pequeno spaço
nosso imenso mistério
nossa adaga de aço
nosso contínuo braço
que indago e nunca enlaço
enlaçado de cemitério
templo sempre, aéreo
tempo sempre etéreo
tempo maior — Mystéreo

Jaiara nossas dores


são infinito mar
pronto a evaporar
trevas depois de trevas
levas de sempre ar
pronto a se condensar

Jaiara nossos amores


Auroras depois de auroras
Sempre onde tu moras
Tu que não fui nunca
Ares inflados e barros
Sempre dissipados

Jaiara uma flor


Precário no desamparo
Ausência de sempre e mystério
Ausência de aço e de braço
Ausente ausência a pairar
plácida um gole de ar
a carregar leve olor
menos que um vapor

133
menos que o amor
menos que dor
menos
que um compor
se imenso e maior
maior que qualquer matéria
que qualquer matéria etérea
etérea nuvem eterna
no eterno condensar
se sempre a dissipar
se

Jaiara nossas vidas


são um precário fogo
descentrado no Mystério
de uma onda de mar
pote quebrado de barro
cacos etéreos de ar
cacos jogados n’água
que ondas vão encontrar
círculos precários
choque sempre estéril
queda no lodo sujo
amorfo no enfim do fundo

Jaiara nosso amor


beijos de levas de água
encontro de cacos ausentes
que a aurora faz cintilar
na superfície do mar:
poça de lama no asfalto
que um carro joga pro alto
ao céu da minha boca
afogada de tantos ciscos
cacos que gravitaram
numa noite qualquer
na noite qualquer do lago

por isso Jaiara


quedamos assim tão graves
porque grave e leve
são nossas duas feridas
tão banais diante
deste imenso de antes
deste imenso adiante
que circundam nosso espanto
este efêmero instante
antes de não mais amarmos
antes de não mais vivermos
antes de não mais sermos

134
antes de afundarmos
no sempre antes apavorante
e no entanto
por isso mesmo Jaiara
na tangência de duas ondas
num insignificante ponto
num instante insigne-ficante
numa quimera cintilante
somos todos os circundeantes
no máximo luzirar

135
Expirar
a Drummond

Éramos potes de barro


amados pelo artesão...
Hoje, potes quebrados...

Somos cacos de potes


misturados no fundo de uma poça
reintegrados a nossos irmãos,
lodo escuro e maior?

Não, perdemos nosso barro e o direito


de decompormos para compor-nos
perdemos nosso corpo.

Somos então estes contínuos círculos


de cacos n’águas caídos,
a se fazerem e desfazerem,
este sempre fluir em ondas,
este nunca ser repleto
e nem um ser incompleto
a dissipar-se antes de sê-lo,
filhos de cópula mineral?

Nosso bálsamo não somos,


nossa seiva não flui mais,
nem ecoa nosso sangue no próximo devir
não somos nosso correr.

Estamos então no efêmero


fogo de um encontro
de duas ondas sob a aurora,
ecos de nossos ecos
num beijo instantâneo,
dissolver-se antes de ser,
é que nunca será,
foi que não é mais,
átimo cintilar na treva eterna,
centelha de ser no sempre caos?

Nem um átimo luzimos,


nossa vela não tem chispas
porque não há chama,
porque não há vela,
nosso ser não se revela
nem se desvela,
um nunca constante o vela,

136
um nunca constante o leva
ao não ser sempre e obscuro,
ao não ser nunca rompido,
ao brilhar nunca estampido,
à nunca erupção,
a não ser a de lava escura que reverbera
sua luz negra além da cratera.

Quem sabe o dissipar,


o ato de des-ser,
menos que um brilhar
menos que o efêmero
menos que uma tangente
o próprio vazio de ar
quem sabe o evaporar?

Ainda menos
menos que o vazio
menos que um gole da ar
menos ainda que o vácuo
menos que nada
tão menos que o último menos
— nem menos ao infinito —
não aprisionará

Somos o que não tem nome


porque não somos
porque somos a negação e mesmo
dizer que isto somos não diz ainda
o que não somos
somos o que nem o silêncio
nem o nunca
nem o inefável
Devíamos, pois, calar-nos
melhor: não existirmos e ainda assim nem

E só neste nem absoluto


é que talvez sejamos potes
no instante do barro
soprado das mãos do artesão
ainda mole de água
ainda quente de fogo
ainda cheio de ar e pão
ainda inteiro e acabado não
ainda nem pote e nem mão
nem barro nem artesão:
ambos.

137
Tentativa de Norte

138
vinha
um copo de vinho
caminho livre linha
viva
este livro sina

139
todos queremos conquistar os índios
os bandeirantes os massacraram
fazendeiros escravizaram seus guerreiros
deserdados de nossa civilização contaminaram as aldeias
pastores roubaram sua alma
e provocaram a ira de seus deuses
educaram alguns alguns educadores
degredados ei-los por homens feios e sujos
e maus
e pobres atrás do metal
poetas extirparam sua humanidade
e romancistas sua identidade
cientistas decomporam seu misticismo
desmentido
indianistas pregam intocá-los
conservá-los
em limão formol ou vácuo?
mamífero em extinção catalogaram ecologistas
por fim os próprios índios entregaram-se
confusos
à miséria e ao dinheiro
prostituíram suas mulheres por pinga
e decidiram pôr fim à sua própria vida
denotativa

mas o pajé
velho
desdentado e fedorento

olha-me
fixamente
nos olhos

140
jogou Jaiara
na garupa de um corcel imaginário
e partiu
para o norte dos sonhos
à procura da manhã — Jaiara nua
— a rota desvairou faz-se por si mesma
como fez-se este corcel
metal agora
como os olhos de Jaiara
letal agora
na noite pantanosa

de um lado o lodo da noite


e do outro
outro lodo e as gramas putrefatas
vicejando
esta faixa dura e noturna
dividindo o deserto
é uma serpente sem casa
deglutindo metais
e peidando gases
vomitando vísceras
ao pasto de lama
indiferente

Jaiara: reflexo de serpente no olho perdido


no horizonte perdido
morde-lhe o peito
— fenda de morte —
duas fendas negras e profundas
em que penetram suas filhas
levando-o ao abismo sem fundo
duas fendas: um corte
na carne outro na alma
sem calma

141
cortar a distância da ilusão
por esta metáfora
cortar
o paradoxo da metáfora
pelo milagre
de existirmos todos os dias
precários
e conturbados
cortar a estrada asfáltica
pelos buracos da montanha
cortar os cabelos de Jaiara
para conquistá-la pela falta
cortar as unhas
cortar os sonhos
a carne

cortar este caminho


pela invenção
do teletransporte
que transporta-nos
no vácuo
— cortar o nada —
e perder a surpresa dos pássaros?

irromper na vida o corte


ínfimo e maior
da vida talvez
da morte

142
deixar o vento frio
pelas roupas finas
penetrar nos poros
e fechar nossos olhos
para vermos o mito
olvido na música do vento
que o corcel provoca
fendendo o ar imóvel
é noite
mas vejo o pássaro passar
nas barbas do sol
um espetáculo admirável
— como os adjetivos são inúteis ao sol —
que passa-nos todos
em sua velocidade imóvel
o vento entende os halos de sol
e ambos impregnam-nos
mas não converso com eles
a não ser no interior de minha igreja
Jaiara
nós atravessamos a linha da cidade
rompemos a fronteira do possível
e nossa viagem não volta
adentramos no vento
e ele não perdoa
o frio nos consumirá
se não consumarmos sol e lua
ambos e agora
poro
contra poro

143
Jaiara sonha
no vácuo
a sua infância ideal
porque Jaiara não tem sonhos reais
nem infância de sol
aonde voltar

suspensa no ar
induisticamente
com sua veste indiana
de índia
Jaiara idílica
medita onírica
o sorriso impossível
contra o vácuo
visceral

une as pontas da vida


e a vida dos povos
que habitam os quatro cantos
que entoam sem peias
dentro de nós

une a criança e a velha


na lisura
e rubor
num feitiço perfeito
de bruxa invencível

une
o demônio que sou
na igreja que é

144
Josarrá cavalga Jaiara em pelo
Josarrá naufraga no lago calmo de Jaiara
Josarrá se estraçalha nas pedras e correntes Jaiara
Josarrá emudece na voz Jaiara

o pajé observa
imperturbável
nada pensa
o imóvel pajé

145
Jaiara chora
Jaiara muda
namora o chão
Jaiara paga
pecados e perversidades
que não cometeu
Jaiara triste
descobre-se dor
Jaiara resiste?
Jaiara desiste?
Jaiara implora
Jaiara chora
até esgotarem-se as lágrimas
depois Jaiara chora
sangue até o sangue esgotar
aí Jaiara chora a alma
mas a alma não se esgota

e Josarrá pede para Jaiara parar

o pajé olha impassível

146
a música vital
transcorre na arritmia
da viola incontrolável
e sua báquica melodia
embriaga as razões
na harmonia do caos

paramos um instante
para ouvirmos em agonia
nossa base indissolúvel
de constância tênue
e renitente
e grave

mas a base de Jaiara


é o silêncio
e o silêncio
é inaudível no descompasso
da furiosa música sem pausa do mundo

147
usar a matéria do instante
usar o tempo ínfimo da gota
construir a vida no relâmpago
no vôo do pássaro exercer a eternidade
que cabe a cada um
em cada um

viver no cheiro das flores que deixamos


no caminho

equilibrar-se como a árvore no abismo

e seguir no átimo e no milímetro aquela


porção de água na corrente
rápida
antes que suma na queda
ávida

ser aquela porção


elixir da vida sempre
no fluir sempre

procurar outro si no auge das carnes


no auge instantâneo das carnes

santificar este instante antepondo


o instante
ao mecânico movimento

glorificar o movimento das sensações atimosas


circundantes
do movimento violento
circundante
do átimo vital

e cantar em louvor ao movimento compassado


pois que composto de instantes
idênticos e peculiares
cantar a monotonia das horas

silenciar e aguardar todos os instantes


e o instante de deus

o pajé ensina em silêncio

148
para R. Russo

aquele
que amou a tempestade
fez do relâmpago sua vida
e do trovão a sua voz
este aceitou calmamente
a noite furiosa
em que ela veio lhe cobrar
as águas de seu amor
salgadas águas

este que ao fim revelou-se plácido


este é o guia de Jaiara
um pouco Jaiara
outro pouco sua busca
e outro tanto indecifrável
mesmo à si mesmo

este descansa seu mistério


um dia perturbado
agora imperturbável
no berço de Hidra
nas horas de tempestade
quando nos sentimos suspensos
pela dúvida a romper-se
rezamos por nós
pois somos fracos
mas nas horas de calmaria
por ele pedimos
e contemplamos os restos do clarão
e seu ruído magnífico

149
a fronteira de Jaiara-Orquídea e Jaiara-Serpente
a fronteira das águas da confluência dos rios
a fronteira dos átomos da superfície e do ar
a fronteira do estado de origem com o outro
transcendamos todas as margens fluidas
para atingirmos o âmago da margem
rumo ao norte
marginal

150
00000001

este silente canto


canto de pássaro
sem pás
saro
canto sem passado
canto re
cortado
canto des
cartável

flauta
en
terrada
falta em
canto

00000010

o pássaro
de alta voltagem
pousa no aço
estendido em malhas

o pássaro de mil voltz


(pardal)

e seu canto de silêncio


tenso

00000011

pipa em pedaços
nos cabos de aço
por um fio
de vento
ziiu!

00000100

não são grades de portão


não são closes das teias
duma mandala insus
peitada
veias inoxidadas não são
tranças congeladas
ou ramas
mumificadas

relance de entrelaces
da janela rápida
estação de torres carregadas
de vazio
e tensão
pão multiplicado
e vão

151
00000101

sal salgado dos poros


negro sal
colunas de toneladas
irrigante sangue

coração insalubre

00000110

lugares comuns
galpões nas ruas não
pisadas nunca
por teu salto
no futuro
escuro
beco sem saída

00000111

sol insólito de garis


sólido sol

0001000

insólita lua manchada


de graxa
lua desmanchada
de graça
oficina
de madrugada

00001001

noite abando
nada
de asfalto

00001010

pesados cavalos puxantes


glóbulos vermelhos e brancos
blocos de cálculos
flocos de neón e pus
focos de sede podre

00001011

grande goela destinal


engolir óbulos
mais todos os ocos
grande moela ulceral
azedo arrotaste
peidaste amargo

152
00001100

gravidez de concreto
e cloro
desertos es
tanques

se pare a mamãe fluido

00001101

malhas
negras viscosas pedregosas

negro não inconveniente


visco não putrefante (dureza)
pedra não pedrada (funda)
não no sapato (sob)
não no caminho (do)

00001110

tenta
cu
lares
malhas
duras sonoras luzidas
palmo
a
palmo
alma
a
alma

até o último palmo


até a última alma
até o ultimato

00001111

até o último útil

despoje

00010000

gire intuição
mil eixos arbitrários
a flor de verdes pétalas
quadradas
brotará
segundos de poesia
quadrada

153
00010001

plástico gargalo de metal


vomitas a mãe
clara
cloro

00010010

azulejo quadriculado
cozinha cúbica
casa cubículo
— meu hipermetro, por favor...

00010011

"quanto desta extrada inda réstia?


"quanto desta extrela?
meçamos o sem tempo ubíquo
co'este metro desmedido"

o que não traça as traças


traça o pó

00010100

triturado metro
refinado
sete cores simultâneas
de vertigens

00010101

sete vertigens
sete quedas
sete vidas volvidas
a pó
pelo pó das vertigens

00010110

pelo pó
traçado
destino

00010111

pelo pó desmitificado
pelo pó desmetrificado
pelo pó desmedido

154
00011000

corrói
o pó
o ar
das ventas
o pó corrói nas pétalas e telas
corrói talos de cimento
corrói os halos da sede

em nome do hipermilímetro
em forma
de necrose
e ácido

00011001

oxidam os pensamentos
seu beijo: ferrugem
a baba dos lábios fuligem
flor desidratada
artérias engarrafadas
garrafas vazias

00011010

graxas nas juntas dos tecidos


nas cerdas e ori
fícios
baba retornada a petróleo
gozo gaso
líneo

00011011

estatísticas de sabores e cheiros


databases sonoros
cálculos de visões
cuida
dosa
mente
cal cu lados

desperta
dores oníricos
idílios sonorí
feros

os passos incontáveis
de delfina
incontrolável

155
00011100

pássaro n'antena
caco foneolítico
n'ondas engolido
neste mar vazio que marulha
em silêncio
sobre nossas cabeças
agora

00011101

mar transmudado
em canto
visões
ao toque
macio mar de espumas
e plumas planas
miragem plana
no pleno deserto
fractal 0
1

00011110

fractalizado sacramento
est'hóstia
hum bilhão de gigas
"em minha memória
minha carne"
ébrio rio de elétrons
e vinho
eu
caristia
frac
tal
co
munhão

00011111

ah! o pó
deus desordenado
inda alimenta
e baba
(farto e ácido)
suficiente instante de umidade
insuficiente

00100000

!átimo!átimo!átimo!
!mais átimo!

156
00100001

anda a lua das ondas


no vácuo
vaga espelho de dígitos
silente
olho-metal sombrio
e frio

00100010

há tantos olhos nela roubados


almas impressas de horas mortas
chuvas de raios de pratas fios
além no nada hipnopticamente
tudo no instante roda em torpor
do magnetismo facisma
dor

00100011

adentrando candidamente
tenazmente no olhar inocente
no atento escutar infante
dos xuxuzinhos angelicais
rebentos
furúnculos neurais

00100100

piolhos no casco interno


perebas no pensamento
dos mais baixos súditos
baixinhos

00100101

agora as perebas de fora


de sempre

00100110

— imagine este ser perebento


fora e dentro
— sem imagens
— ande olhando fora
olhe adentro bem dentro
agora
então

00100111

ser de perebas

157
00101000

duas e trinta de setembro


avenidas em cruz
martela seco o sol
no amarelo branco azul
verde vermelho preto
de bonés e adesivos
camisetas bandeirolas
bandeiras empunhadas
por perebas crescidos
como que do asfalto!

00101001

onde norte neste vento


de cimento?

00101010

onde venta neste tempo?


fragmentos
onde e
terno dia
mante?

unção apesar (?)

00101011

talos de cimento refrigerado


límpidos planos laminados
rolantes blocos digitais
pouca pereba de bassôra
vagantes sacolas à toa
na santa sextina paz

00101100

cegos para pereba


blocos digitais
vacinados co'antivírus
digitais

00101101

uma enorme pereba informe


flore o
culta
entre o sono
de entre-sonhos
do entressolho

00101110

bulbo que como a vulva


da morte
engole talos e blocos
em gozo doloroso

158
00101111

se reproduz por ínfimas ramas


esta birruga purulenta
entulhada e vazia
no mesmo átimo
engra
vida de bytes
apodrecidos

comadre do pó

00110000

o pó apenas
apenas pó
ma(i)s camadas e camadas
ma(i)s camadas entrelaçadas
ma(i)s camadas de asfalto

sobre este miolo de números podres

o Pó

00110001

pereba não seria


se a essência desta
excrescência não guardara-
se na assepsia da ciência
do átomo puro e duro
vácuo sem baba entre dois
núcleos estilhaçados
da afonia surda e cega

pereba-visco-podre
necessária assas
sina

00110010

Jupiri:
"como uma perebinha
agitada desse tanto?"

00110011

a tua estranha carne


(tão familiar)
a tua plana carne
(tão familiar)
capturada na quadra
tura
de um
nada
re
multiplicada

a tua virtual entranha

159
00110100

algo
ali flagrado com furor
sem frescor

00110101

rio
de elétrons ou
pig
mentos
logo outros rios

ti
fantasma sem mistério
plasma etéreo

00110110

a tua vulva aberta


a tua aberta vulva
duma denotatividade
ina
tingível

00110111

plana página medida


vazia
vagina vazia

00111000

agora falo
preparado de concreto
no movi
mento
exasperado
do aço
no cimento meca
nizado
graxa
borracha
vidro

celulose

— plana!
plana pomba

160
00111001

voa pomba
nacional
contemporânea
popular

voa pomba plástica pomba sacana


saída deste mar de ondas

rumo ao olho
vitri
ficado

00111010

plano cansaço sem mormaço


o aço
contra as ondas de estil
haços

00111011

ululantes perebas pulantes


transe
nas thermas
sacolejam
nas praias
sacolejam
hidrobusiness

00111100

ABCDE
sacolejam
ABCDE
des
troçam-se no saco
de bytes
recompõe-se numa ma
ssa
purulenta

informe uniforme
terraplanagem de perebas
tímpano adentro

00111101

parque temático
cidade temática
país temático
birruga temática mate
mática
mágica tour

161
00111110

pássaro em tensão
tenta o aço
perpassar

explode em um milhão
de watts
'stilhaços

tentação em cacos

00111111

eis
pássaro
estraçalha-se
na calçada
afunda-se
a norte
num
corcunda
papo

162
e os que um sucesso só tiveram?
os de uma única música
e depois
se decompuseram?
há os talentos lentos que aos poucos
se tecendo vão
e os que explodem sonoros retumbantes
transes e transas logo tragados
às reentrâncias das massas
de si mesmas esquecidas
tragédias em páginas
páginas em números
em algum ponto perdido da Europa
um ponto espera na fila pra ver
a Mona Lisa um Picasso Rembrant quem sabe
castelos retocados preservados visitados
num ponto bem mapeado da América um castelo
— mais verdadeiro —
cenográfico engole filas engorda gráficos engodo
os medievos castelos cujos duros muros
fazem crer ao ponto o mito
que ali dormita(ria)
mito oh! mito convertido
em contos estatísticos
o mito é um mito
a mentira de um bruxo de um milagroso um milhão
de vendidos livros
o mito é um susto no meio de algarismos
um cisma entre prédios a brita
sem mistério oculta
nesta coluna de concreto um dia
a ser demolida
numa savana da África um bando de branquelas
orientados por um preto caçam leões com Canons
e se deslumbram com a paisagem (pretos inclusos)
uma sueca idealista espera com tédio em seu país que vença
o tempo em que deve ficar fora
até que dê a hora de voltar ao seu querido
país subdesenvolvido
uma mulher moderna bonita e liberta
faz mestrado na USP
enquanto o mercado aperta
e se fecha uma vaga uma saga
uma vaga conquistada de medicina
é uma festa
uma fresta aberta pelo mecanismo furador
do qual
o congratulado (sua cabeça)
constitui a ponta de diamante a girar contra o concreto armado de Hermes
os pegas
quase como o esperma que se fundirá ao óvulo-USP fecundado
quase como um pau
no meio das pernas
de uma puta
explicitamente ovacionado por amigos familiares e vizinhos
invejado pelos amigos falsos e cobiçado por conas
investimentos de prazo mais longo e sob as bênçãos sacras e laicas

163
hai-kais
são lidos em cursos de meditação zen
patrocinados por patrões mais humanos
criando, quem sabe, padrões japoneses
ou cães (mais) criativos
uma vaga uma saga sofrida
vale cinco minutos de comoções num programa
de televisão
uma grama de comunhão
eletromagnética
um grupo de rock pop punk samba
em algum canto do globo canta e sonha
com o transe das multidões e a grana
qual deles Renato como tu
ousará
vender-se de alma e corpo
ao mecanismo da alegria e traí-lo
e tragado tombar ressequido ante a tensão insuportada
entre o buscado ex-existido olvido mito
e a faminta multidão extasiada?
cruza uma formiga o formidável caminho
à Compostela não a vejo na tela
e mal sabe ela o palco que pisa
mal sabe dos milhões de pontos acesos
por parcos minutos presos
comovidos à divina tour
mal sabe do muito custo
de poucos segundos
de quanta energia realocada
da área da poesia
ao campo
da tela quadrada
em nome de números guardados
ou gastos
quem sabe gráficos
alados
a alçar seu vôo preciso
sobre nossas almas de algarismos
agora
podres de acasos medidos
caminhamos sob um chão esquadrinhado
de um parque temático
cada susto e cada baque mesmo baco incontrolado
cabe
na alma virtual
de um banco de dados
menos o furúnculo
das frinchas deste parque
menos os perebas
que lhe brotam nas beiradas
menos as glebas
de grotas contaminadas
grotescas bordas putrefantes
do mecanismo virtual
vermes purulentos e constantes
devoram das entranhas a estranha
carne-vácuo visceral
a peidar miséria

164
um jornal — a Folha por exemplo —
tudo critica e notifica o avesso de tudo
do escudo da política tudo desvela
menos
o mecanismo que tudo calcula
a sua medula
nossa medusa
nossa musa
a mula
que nos puxa rumo à nula zona onde somos
mais uma soma sem assombro
menos que a sombra
do que sonhamos
que seríamos
quase ninguém se assombra
nem se assusta
nem se coça
ante a bosta que nos destroça
justamente porque ela não fede
a não ser aquela
cagada
por 78 vermes da beirada
lá no distante Piauí
nos distantes 60
e neste instante
nas eqüidistantes bordas de nós tão longe
quanto uma estrela de outra na galáxia
quanto o esperma das pernas daquela puta
quanto o elétron do centro de um átomo
ou a morte do cerne do átimo que a pare
antes esta bosta cheira a interiores que amamos tanto
shoppings carros zero coca e chocolate
do cu e da buceta vendidos em papéis
filmes fitas e outros suportes que surgirão
ao avanço das técnicas e outras técnicas
mais rentáveis de exposição ou encobrimento
sensual de nossas (agora limpas) entranhas
baixas
interiores que penetramos
não como numa caverna não
como numa taberna romântica não
como um esperma e seu alto risco
nem como um cisco nos olhos do malabarista
ou como um relâmpago risca
a carne da treva
e nos leva ao susto
abrupto
de uma luz em leva
súbita
no semblante em sombras
submerso
o ente entra plenamente controlado no organismo
desse mecanismo
probabilizado
até o acaso mais remoto de um instante
iluminado

165
quase não vemos a sombra fétida que nos banha a face
a bosta que nos arrebata
o rebanho de números podres engordando às custas daquilo
um dia
chamada
alma
não a quero de volta mapeada sei que não existe
não quero tampouco existir como um ponto no plano
não sou plano nem reta nem ponto e nem qualquer
objeto geométrico ou algébrico aplicado
ao concreto existir incontornável
não sei se sou canto prosa ou pranto
sei que resta um quase e quase nos salva
restam muitos no entanto — dito ou ocultos —
pra causar espanto
um átimo encanto
enquanto giram vândalos milhões de mecanismos
algarismando o corpo e seus sonhos
suas sanhas
seu suor
seu cheiro forte e animal não se amaina
quantas noites tardes e manhãs
serão precisas para a sorte do destino
ou para um desatino
repentino
nos romper
a calma
dor
precisa
em que dormimos?

166
o encanto é frágil Jaiara
como esta flor em tuas mãos
não pisque e
toque
a harpa que palpita
toque
teus dedos na rosa
pois as pétalas
perdem perfume
para a pele morta
e o teu sopro Jaiara
o toque do teu hálito
é vida!

167
Jaiara agora
precipitando-me ao fim da fábula
em tempo de indefinido
o livro a ele entrego
sem luz ar
em seu lugar
a invenção
que não tem chegar
Morfeu cristalizado
olho aflito para o Cristo
mas ele está calmo e quase
que sorri
outros a meu lado
ofertam-lhe epopéias
em que solo rijo e crespo
se assentam e se assustam
— ?são difusos in
ventos!
Morfeus!
tristes-maravilhados
olham no olho do Cristo
mas ele quase
que ri fraternalmente
plácido Morfeu
que sonha-se a si
lúcido Orfeu
que ao vinho embriagou
uno em Deus
Deus que em si volveu
e a todos nos sonhou
embriagou-nos
e volveu
naquela cena perdida
das horas
ao nada eterno
que fomos
sempre

168
Jaiara depois
de pegar-te nos braços
e dar-te um abraço
não sei se o laço
em que me embaraço
e que me embala
é servo da fala
deste que falo
ou escravo Jaiara
desde que falo
não sei o que falo
nem sei a que fados
destina-me a fada
muda

Jaiara partimos
eu e você
e este metal para o norte e para a noite
e tudo pára
ante o ciborg
composto de nós três: um desafiando a foice
e o coice do ar
que nos ceifa o ar
mas num cubo composto de sangue vísceras aço
tudo sugamos todos
sangramos sem dó
Jaiara a essência da rosa exalamos vide
contra os gritos horrendos
e o sangue escorrendo
comemos da noite para carregar o dia em nós
ao norte

169
do outro lado da fronteira
do muro
da outra margem do rio
do abismo
do lado de dentro do véu
das entranhas
depois das cadeias de serras
do arco-íris
das terras além do deserto
do mar
pergunto a Joén
— que guarda o além de quase tudo
quase mudo quase cego e quase surdo
mas que fareja bem nossos corpos
quase pútrefos —
— Onde está o norte?
meus gestos são graves
e meus movimentos
são qual uma prece
Jaiara observa
espero tudo
um milagre um mistério
um jogo mental
uma telepatia
e até Joén mudo
enigmaticamente mudo
como o sábio longínquo
mas Joén sorri oferece-me um gole de pinga
galhofa da minha roupa e do século XXI
da ausência de ácaro que ofende o olfato
e minuciosamente o mapa do norte me pinta
despede-se
despe-se
e deixa-nos
sós e três
no meio do lodo

170
o vazio do norte Jaiara
a monotonia das árvores quebrada
pela taba de Joén mandala
volvendo-se em si no tempo
do nada
filhos de Joén dançando
à nossa volta Jaiara
ao centro
o alimento de luz transfigurada
em entranhas
em transe nós
caindo no vazio pisando
tábuas de águas tentando
raízes aéreas do abismo
das águas da catadupa
de sóis barrancos aiara
araras em círculos
gritantes
à volta de nós
barro cósmico levado
lavado pelas águas
ferventes do rio ao norte
subindo margens de nuncas

Jaiara a tua face é um círculo mestiço


de sol de lua taba de Joén
de josarrás circuleantes e famintos

tanta coisa aconteceu tanta coisa aconteceu


mas não te lembras de nada mas não me lembro de nada
restaram infindos ses restaram infindos ses
só te resta a estreita estrada só me resta a estreita estrada
comadre de sucuris comadre de sucuris
lambendo no rastro teu lambendo no rasto meu

171
Iara estás no menino
desde sempre estás
onde estarás?
onde procurarás?
onde acharás?
Iara estás no destino
Jaiara és sombra e destino
tino e sorte sino que me chama
chama que queima-me sina
que me ama
me arrasta com as lavas
repentinas de tuas águas
favas de tantos méis
água de tantos tonéis
ardentes serpentes flor
dor
e amor
tantas vezes tantas quantas
vezes forem
precisas as vezes
até vencerem o acaso de nós
que nos domina
nus
diante do caminho escaldante de sol
tarde estonteante de mim
Iara
manhã de hálito sol
manhã de perfumes e flores
jasmim
Iara de mim

172
Jaiara minha no lar
— Jaiara casa de minha casa —
Jaiara na linha do mar
— Jaiara fluido horizonte —
Jaiara nua no bar
— Jaiara lava minh'alma —
Jaiara solta no ar
— Jaiara ar —

173
velha eu e Jaiara
pedimos água teto e comida
perdemos o rumo do norte
onde fica depois desta noite?

precária morada velha


chão batido pau a pique
cabaça d'água no meio
vira-a mia sede e me viro
a velha dilui-se em vento
canta jaiara lá fora
no coro dos passarinhos
nos galhos do pé de amora

estou só
na casa vazia

casa esfumaçada
de cachimbo do pajé
bafo de jacaré
sopra n'alvorada

quatro pontos do cruzeiro


dois olhos de Capitu
e um sorriso de Sofia
agregada a José Dias
cruz de Bento e Rubião
a quinta estrela a do norte
terceiro olho na fronte
vertigem de Josarrá

é o norte perdido daqui pra lá pátria do paraíso


é o norte sumido depois do cá pátria do não sabido

174
jupiri chega na casa
da velha de passagem

"o que há em ti josarrá


é um velho
de pele puída rugosa
de beiço rachado e olho caído
pé grosso mão machucada
e unha preta
um véio corcunda
de boca sumida na boca
de gengiva carcomida
e bafo de gambá josarrá

esse véi de sol quase sumido


mão que treme e peina bamba
anda por tuas pernas
empunha a pena por tua mão
bebe do teu sol josarrá
e tua voz macia
carrega o grunhido baixo da reza dele"

— é o pajé?
"não
o pajé que tu vês
é o cumpade dele
que cunversa cum ele
e dessa cunversa
cê vê só o zóio
do pajé
acende uma vela pra são ninguém josarrá
mais num digo porquê não sei
nem sou mais..."

175
jupiri volta e fareja
"chegue menina a brisa
e o calor revela o olor
das tuas ventas de iansã
menina que chove cê mesma
alumiano os campo de josarrá
moiano os pasto dele
menina calada! doída de despencar

jupiri filho de alamão e jupiá


que sabe daqui e de lá
pelos que ele não vê
mas fala na sua oreia
dentro da sua cabaça
cheia de lua cheia
reza pr'essa menina
aiara escurecida
das chuva pra josarrá
que é pr'ele tamém rezá
pra mó de ela enluá
pra mó do sole ensolá

jupiri vai-se já
que a noite vai passá
bencôi meus fii adeus
vai no camim de deus
e não se esqueçam de horar"

some jupiri no primeiro braseiro que rebenta o leste


está dado o Norte
a velha faz tchau
partem jaiara e josarrá
no seu cavalo de metal

176
o desnorteio não dá abrigo
mas é seu melhor amigo
eu pergunto e a resposta não vem
a pergunta é resposta também
vagueio este mundo sem beira
vague à borda derradeira
quanto mais mais é noite escura
o norte é a tua procura

177
não sei o que me espera
espera uma esfera
não sei que crescimento
o seu dissolvimento
não sei porque padeço
um dia esquecerá
não sei se rezo um terço
deus não ouvirá
não sei se o silêncio
deus vai estar lá
eu calo e nada vem
deus é nada também

178
que diabo de esfera?
é o chispe vaporoso
venha logo a esfera!
é de lava e doloroso
não atino desta esfera
não precisa só espera
espera... ânsia...
espera é busca na sua distância

179
"quantas noites jaiara passamos
tateando sem dormir
vagando no eterno ir
sem saber o que procuramos?"

uma tapera no meio do mato


e mato no meio
no quase crepúsculo

"jaiara já é quase meio


fiquemos de olhos abertos
porque se piscarmos no meio
não atravessamos a margem
do meio e também não voltamos
jaiara ficamos desertos
jaiara o vento empedra
se jupiri vir e não vermos"

— que quere na lama do norte?


— curar a chaga da chama que inflama
a chama sagrada d'aiara
— que quere mais deste fim
de mundo sem fim
— curar uma chaga maior que consome
a chama que quase some
do não norte com fome
da chama sem nome
— tantos quantos vieram trouxeram só suas chagas
pros filhos de Joén
— por isso vim nu

180
"pois acha jupiri fii de alamão
e jupiá que o não norte não quer
se curar pela lama
segurar sua chama
como quem ama
e de Norte não carece
quem de si padece
quem a si parece
que à volta tudo perece
não sabe o que esquece
tem o que merece
não vai ter a minha prece"

— vejo ódio nos olhos de jupiri?

"não fio meu


vê só o desgosto
de quem já tanto doeu
pela dor dosôto

se quer o Norte para o não si


vá ver se o Norte quer
a tua querência torta
se ele te abre a porta
se não sopra a brisa morta
leva essa menina
que é pura a sua sina
na cura ela remoça
te cura do remorso
e quem sabe de bondade
tênue teia que retece
com tenacidade o Norte
cure que num merece"

181
— porquê vieste?
— alguém não sei quem me mandou
não sei também porque aqui estou
— tu foges
— mas de quem se nem sei quem eu fui
nem qual ira eu fiz despertar

vês como ando sem peias


nem constâncias
ora lento ora... vês
paro às vezes numa estância
sem demora
meu passo às vezes pesa
a cabeça pesa
o mundo
tudo pesa às vezes pena
se fujo como tantos fugiram
não sei como nunca souberam
sou somente mais um no Sertão
adentro da mina ilusão

— foges mas deves voltar


sem nunca
sair deste Norte
como nunca saíste do não
Norte e não um são
sempre no mesmo lugar
sempre no agora mesmo
que o vento soprar
mesmo
que o Norte voar

182
— vês que jaiara procuro
vês?
que jaiara esqueço
vês que o Norte é escuro?
que dele não me convenço?

— Norte utopia perdida


Norte nostalgia
do nunca acontecido
Sertão sem chão
vão de deus pai
do não
chave da porta abrida
da casa indefinida
no entanto
conheço quem te enviou
conheço
o assunto que te fere

— o peso que descerá de minhas costas será retumbante!


— maior tornará outro abundante
pois calo por tuas pernas
— que eternas vagarão
na sempre desgraça...
— talvez sim... talvez não...
não pois o sempre sempre
acaba
nem que seja pelo Norte
mas não se apoquente pois
eu saber é só
eu saber e não
o saber
este é vão
tentar ilusão

183
Norte
fim do sertão Norte
última fronteira
Norte esquadrinhado
pela lua de metal morte
do meu norte
por ondas domadas
por dois algarismos
por meu pensamento

o que será de nós sem norte?

no entanto a um passo está o norte


no entanto um abismo de morte
desenha entre nós este corte
que o nada só o nada em acorde
transpõe esta linha este forte

apague dos olhos o norte


cale o norte da boca e ouça!
o vento do norte zunir
a sua melodia louca
trazendo o norte pra dentro
soprando na vela rouca

184
"mas vim
por quê?"

— vieste para fugir


mas encontraste buscar
e voltas encontrarás
percebes que muda
nos cantos do Norte
tua sina involuntária
ascende tua vela
ao porto da quimera?

"quem? por quem?"

— pelo que há de Vão


infindo no seio Dele
pela Música que soa
nadeante no seu Silêncio
pelo que Ele não é
sendo nas profundezas
pelo desmarcamento
das Margens esparramadas
pela marca da Fluidez
no seio dos demarcados

contra o vento de Joén


pra senti-lo melhor na cara
para os confins de Joén
pra ver-lhe as dimensões
vaga
pelos sertões de Joén sem fim

185
a dor que tu remói
a dor
que te corrói
de dentro em ti aflora
são
tuas flores josarrá

antes do alimento
doce das vertigens
carcome a tua carne
fogo
no centro do templo
antes da carne
do existir antes
diante desta ferida
pútrefa e fedida
desta sina

a tua carne moída
na moenda de dor
corroída no cerne
pela dor remoída
movida a dor produz
este eco vulgar flor
de cujo palor
no entanto
de cujo olor
ecoa o pobre amor ainda
contra a foice sempre desferida
brota esta sempre ferida
mais banal ainda
e ainda assim querida
este lugar comum da vida

186
eu obus
esférico projétil de mim
projetando-me em alvo
cavo
nas águas fundas do barro
rio que sou
sujo e não me lavo

eu obus crido duro contra o nimbo


chumbo
e vapor eflúvios
favos de água no ar
nimbo-me minto

obus eu ao sol lançado que me cega


eu ardo
fardo de luz

guardo marcas da tantos alvos mirados


e guardo mirrado este resto de metal sagrado

mijado alvo da vulva voraz de Jaiara

187
Norte
ensaio de morte
de onde voltamos
cada vez mais
deus ateus
cada vez mais

188
não quer que o busquemos puro
o sempre silêncio o cuidará
a sempre busca o buscará
sem nunca
e sem puro
frestas múltiplas do vão
festas como
se fossem últimas
decantamento
de um lado
sujo
doutro
puro mistério
misturo
e assim compõe-se fora de si Joén em nós se olhando
Josarrá olho de Joén criança
velho quase cego
quase pronto
pronto no instante invisível
— a margem —
do sempre silêncio Norte maior

onde ninguém sabe

189
josarrá
vieste para fugir
mas encontraste buscar
e voltas encontrarás
vieste para encontrar

o que por onde passou


nunca deixou atrás
deixou este fino olor quase partido
este calor bafo
e o amargor seco na boca

este vago eco de amor quase um toque de dor


branco do seu palor grito cego de uma flor
alheia do seu compor
pobre de uma só cor
que insetos sabem de cor

190
eu como vida
Jaiara ri
Jaiara eu peço
Jaiara um riso que não quase
parecendo te ferir não
queria te ver assim Jaiara riso
please

o riso que dia


o riso sol no dia cinza e na
tempestade da cor dos teus olhos castanhos
um só
riso de dentro daquele em que todo
corpo todo
almar se abre assim em dá-
diva

um riso sobre o caos do vento que ventou


sobre o descompasso atonal do teu silêncio
sobre este vazio que carcome o vazio
sobre o carma que te consome a calma
um riso para que o eixo
o feixe
todo de tantas noites se re-
verta em dia refletido

neste riso instantâneo

mais que neste passe mágico de tinta ao longo

191
o Pajé
olha-me nos olhos a ponto
de olharmo-nos com os olhos um
do outro lado da serra
cai
por terra olhos pálidos de espanto
meus
de tantas
ignotas serras terras ávidas de encanto
e bêbado o Pajé despeja em mim seu canto
e o grito meu não mais de espanto
não de encanto
mas mudo como o canto desdentado
que me olha embebedado
mudo de torpor

tantas matas desentradas no agora


não no lá mas aqui
mas um aqui tão lá que o fogo cresce
nos olhos do Pajé no não agora
e fora
deste Norte tão distante de nós
em nós
nos nós das quatro margens
rio
sem dentes de nós
de mudo riso de meus avós

nada mais se divisa


margens não há
fundo não existe
face de nenhum dos seres
neste céu de redes
onde todos os peixes alimentam

ambos âmbar âmbar ambos


âmbar ambos ambos âmbar

192
apenas eu
sem mim
nesta cidade que me rodeia
sem outros sem si
mudos à minha volta
nesta avenida absorta em si
no seu barulho surdo
ao lençol de silêncio dos olhos
que me olham
de dentro
do meu nada
mais pro
fundo do negror de minha ausência
pálidas nuvens passam ignoradas
e sob plácidos lagos serenos
dorme a morte que seremos
e dentro dela
com ela comungando e a corroendo
um átimo de norte dói correndo
e salta
leve brisa raio vento
fogo do pensamento
e fura a vida da avenida

ave em fúria
gula sem nome que nos consome
comida
de nossas feridas

que nos ilumina e a cada pedra destroçada do asfalto


a cada ato ao acaso
ao cheiro de gasolina a cada passo apressado
mal sabe os homens o Norte deste instante
da face de Joén nos seus semblantes
do urro de prazer dos dois amantes
da flor sem haste que brotou na face
do tempo
sem depois
nem antes
agora
deste Norte desnorteante

193
todo o vento
num momento
todo o tento
num instante

o vento
e seu ventre
aberto
entre dois semblantes
sempre dois movimentos
vendo o abismo deserto
arco precário
istmo arbitrário
centelha dissipada
de vísceras
vácuo
o nada desse buraco
esse sovaco no cerrado
olhar
fixo
de vossas vozes
ávidas de barro
e engasgadas
de catarro
esse pigarro cósmico
semi-desnatado
e carcomido
de fragmentos
Iaras
e suas árias
aéreas
o Norte
e sua sorte
incerta

194
Poslúdio
(poemas da velhice)

195
os ladrilhos verdes que vejo
são os mundos dos meninos
e as calçadas
rachaduras nas calçadas cinzas
e caroquentas
e uma árvore torta
crianças no pátio
e seu mundo
mudo

o nariz frio do cachorro alegre


e um portão monstruoso
o muro alto
velho
verde de lodo
e descascado

cascas de árvores
e passeios de praças
bicicletas e bolas
bobas meninas
e meninos sonsos
e tristes
alegres e tristes

postes de luzes cinzas


e janelas mortas
e abertas
tortas
ruelas voltas
e voltas
mortas
e tristes

vilas e rodas vivas


e noites
vivas e mortas
manhãs
e tardes quentes
e longas

vias
formigas
e ouvias
grilos e galos
e cigarras

quintais e bananeiras
mangas e jabuticabas

196
doces e amargas
tintas de lojas
nas manhãs de frio
frio

e ladrilhos sorridentes
casas e fios
e pássaros nos fios
pássaros
passados

plantinha verde
pra que serve
não serve

pra nada
servia

olhava
e de ver
via
que ser-
via
vivia

197
Agosto de Deus

de baixo pra cima


contra a luz do poste
servida num prato
de cabeça pra baixo
a chuva fina
prateando um pedaço
de noite cintilante

faz frio na rua vazia


olha o menino só
na sua sombra fria
de pedra azul marinho
molha-se o menino
de luz de poste
chuva que não passa
depois que passa não seca

faz frio na rua nua


frio de batê-quexo
faz cheiro de chuva molhada
sobe do chão de pedra
vai ter pardal nos fios
vai ter pardal de manhã
vai ter pinguinho nas folhas
que hoje eu sei é orvalho

amanhã de manhã tem frio


tem cheiro de terra fresca
flor de jabuticaba
depois do aguaceiro

198
de madrugada
um caminhão muito longe
ronca no quase escuro
na estrada do além mundo
além do fundo do quintal
suspenso no ar do sem fim
ia ao fim nenhum do mundo

depois do fundo do quintal


tinha o morro da saudade
um fim de mundo sem mim
beira mais pobre da cidade

lá vai o caminhão
pelo caminho largo
subindo o da saudade
amanhece tem escola
tia dever de casa
corre que é sete hora

pra quê esse solão


desmanchando a escuridão
e o ronco do caminhão?

morro da saudade
quem dera te subir
pra longe da cidade
da escola de caminhão

199
3 noites

casas depois de tantas casas


luzes que tampam estrelas
postes e mais postes
teia de fios metálicos
estalando lâmpadas no ar
ruas depois de ruas
teias de ruas sem fim

deste quarto pequenino


o menino magricela
solta a sua imaginação
até o mais longe desvão
mas não há desvão!
cada vão cada vale
vale um pedaço de casa
desta teia de casa até onde?
desta teia que o fio se esconde
destas veias noturnas escorrem
carros roncando pra onde
sonha a noite que se move-
cada carro pros confins
asfálticos de sua pele

esta noite tem tanta invenção


luminosa ela tem tanto escuréu
de noite grande

pelos morros ondula a malha de luzes


há luzes a mais depois dos morros?
morro de vontade dissolver-me
nesta idade nesta cidade nesta sede
de enredar-me nesta rede vede!

II

vede esta noite longa


larga noite profunda
vede esta noite de redes
vede esta noite de malhas
vede este céu repicado
vede o repisque de estrelas

vede este cheiro de noite


e o cheiro do galho picado
salpicado de orvalho

200
esta noite picadas escuras
esta cíclica noite de luas
três luas e não lua
vede esta noite sem ruas

o cheiro verde vai entranhando as narinas


a poeira não passa o vento não vem
nem vai nesta noite imóvel que nos cerca
teias de terras teias de verdes teias
de tantos galhos que se cruzam no cruzeiro
teias de quanto mistério

deste carro ou desta tapera solta no sertão


solta o menino a sua ilusão
de ver o invisível que não sabe
o indizível que não se vê
saindo de si sobre a serra oculta
quantas grotas sem seu olhar
brotam neste agora
neste instante de noite fulgurante
de formigas fervilhantes e estrelas
sem fim a nos olhar
estalando nossos olhares
de tanto lembrar e brilhar

III

noite contida eu sei


de cada canto seu
cada recanto de breu
ou brilho
noite pequena eu sei

só não sei o porquê de todo dia toda noite


eu não sei mais noite mais íntima sei
onde acabas com as casas
onde as asas divisam
onde as abas da noite
só não sei porque estas beiras
me cheiram sem eira nem beira
não sei porque que te beijam
meus beiços com tanto ardor

lua cheia de quintal


encheste o meu posta
para o sem fim de mim
tão pequeninim
noite do meu morrim

201
tu és em cada poste cada luz
cada lua e cada estrela
cada telha cada casa
e casa-te com cada para-
lelepípedo negro de amor
que te carrega de dia
e se consome de noite no seu fulgor
abraçando-nos brincando-nos de nós
nos nós do futuro
noite o futuro é escuro
quero-te passada luz-minada

202
tapera

tapera é uma casa


(abando nada)
no meio do mato
de mato no meio

tem umas que nem tem chão


é chão batido
mais que chão chão
que quando cavuca
só fica buraco sem chão
vão

tapera é uma espera


no meio do nada
no veio do dia plantada
no seio da noite rebrotada

tapera é uma fera muda


que muda nos cantos
da beira

tapera
brotada de Deus
pra desbotar o vento
que a leva na leva

tapera aba do nada


beira de ninguém se eira
na esteira do musgo
e do lodo na esteira

tapera na capoeira
grota de vaca fugida
greta de visco ungido
fundida no cisco
fugido pro zóio
doído de luz
que tampa a tapera

tapera uma sombra


salpicada de sol
picada de noite
no veio do dia

203
tapera é um foi casa
de gente banhada
de vida
banhada
de seiva encarnada
de seiva encantada de seiva
desamparada
seiva ceifada

tapera é um é casa
de seiva enfrestada
seiva denotada
ou não mas que não
sabe-se seiva
nunca ceifada
sempre safada
sábia seiva

204
jurubeba

jurubeba é uma biloca verde


margosa
feito fel
que levada ao céu
da boca leva a boca
ao céu

feito o amor
depois da dor
feita a vida
desfeita de uma ferida

jurubeba é um ensina-
dor
jurubeba é um amar
gor

é uma esfera repleta de flor


antes e depois de flor
na embriagada língua
eufórica
sofrida
queimada de antiflor

jurubeba é um desvéu
que desvela
o amargo-doce

é um favo de fel no céu


da boca ávida
de mel

é mel tão apurado que amarga

205
sou
o que lembro e o que lembro
é mandinga pra eu ter sido
o que sonhei um dia ido
e dolorido não sei se setembro

não sei se me relembro ou a lembrança


que há de vir ao ar se insinuar
é o enchimento amanhã do esvaziar
que ficou perdido na manhã esperança

acordes pobres de pardais infância


fios de postes das catadupas ignoradas
pela alegria brincando sem nada
pensar sobre as pedras da rua sem ânsia

sobre a perda a distância medita esferográfica


sobre a mesa dos tempos idos só doridos
e sarados neste retraçar florido
de alma velha sem viço pra ginástica

ó pardais e jabuticabas bobos e bolos


cidade natal pós-modernamente em cacos
nesta cabaça podre que a guarda saco
de gatos lentos e sem unhas do desconsolo

206
arrasto um punhado de pó
pelas ruas
arauto das casas desertas
e puídas
pelo silêncio e pela treva
carcomida
de luz entrante de uma fresta
(festa de meninos)
gatos conhecem-na biblicamente
entre móveis silentes calmamente
roçam pêlos nas suas entranhas
casa estranha trêmulo vácuo
arrepio de frio sob a tarde de morrinhos
quintal pomar escuro mar de podridão doce
muro de frinchas funcho e hortelã
lã estas redes de madeira teto
tateante alto de barro
piso em falso
um braço de halo
sobra do sol
que arrasto

207
Joaquim Papudo
vagueias ruas alheias
paradas vivas

208
SUMÁRIO
Prelúdio.............................................................................................................................5
Porque quando invade o ser.......................................................................................6
Pontos de Fuga...........................................................................................................7
O Reverso do Verso.................................................................................................10
A maré .............................................................................................................. 11
Ânsia........................................................................................................................12
Neura....................................................................................................................... 13

Vagar...............................................................................................................................14
Encanto................................................................................................................................... 15
Cantiga Cântica........................................................................................................16
pedras e árvores....................................................................................................... 17
Ladainha.................................................................................................................. 18
Cantar De Amares .................................................................................................. 21
Amar Maria..............................................................................................................22
Amar-te................................................................................................................22
Amar em ti........................................................................................................... 23
Desencanto.............................................................................................................................. 25
Um Pouco................................................................................................................ 26
Solideña................................................................................................................... 29
Excêntrico................................................................................................................30
Querelas................................................................................................................... 31
Todos os poetas....................................................................................................... 32
Quando dor tiveres...................................................................................................34
O papel do poeta é algo mudando para algo mundano que algo............................. 35
Poemescuros............................................................................................................ 36
1........................................................................................................................... 36
2........................................................................................................................... 37
3........................................................................................................................... 38
a dança límpida........................................................................................................41
Nem nada ainda....................................................................................................... 42
Febres.......................................................................................................................44
Refúgio Romântico..................................................................................................49
O Fantasma.......................................................................................................... 49
O Monstro............................................................................................................50
O Louco............................................................................................................... 51
Mas o mais duro dess’ida........................................................................................ 55
a morte..................................................................................................................... 56
Anteteorema.............................................................................................................57
Degredo................................................................................................................................... 58
Devaneios................................................................................................................ 59
I............................................................................................................................59
II...........................................................................................................................60
III ........................................................................................................................ 61
Cantos de Jerá..........................................................................................................63
A Cidade.................................................................................................................. 65

209
A Rua.......................................................................................................................66
A Casa......................................................................................................................67
Lunar........................................................................................................................72
Solar.........................................................................................................................73
Sol Lunar................................................................................................................. 74
Bosque..................................................................................................................... 76
A Caverna................................................................................................................ 77
O tronco................................................................................................................... 80
Rio........................................................................................................................... 83
tríade vinal............................................................................................................... 84
Autoarco.................................................................................................................. 85
Eternal......................................................................................................................87
Átimo....................................................................................................................... 88
embora como pluma................................................................................................ 90
Soneto...................................................................................................................... 91
Alegre é que tudo flui. O rio....................................................................................94
Guardas um templo sagrado e eterno oculto no findo tempo.................................. 95
Meditações...............................................................................................................96
Self...........................................................................................................................97
The Self....................................................................................................................98
My Self.................................................................................................................... 99
Fluentes................................................................................................................99
Forjas................................................................................................................... 99
Flutuantes...........................................................................................................100
Ave Maria das Cinzas............................................................................................102

Interlúdio......................................................................................................................104
Ambos....................................................................................................................105
Poema direto.......................................................................................................... 106
Cantos do esquecimento........................................................................................ 107
cinza cor.................................................................................................................109
A aldeia..................................................................................................................111
Poslúdio em dó menor........................................................................................... 112
Terras fluidas......................................................................................................... 114
O servo...................................................................................................................115
Em vento................................................................................................................116
Prosa fixa............................................................................................................... 117
A Fortaleza........................................................................................................ 117
A Árvore............................................................................................................ 117
Motivos da Árvore.............................................................................................118
O doido.............................................................................................................. 119
Cavaleiros de Machado......................................................................................... 120
vela que o vento leva e que o vento come............................................................. 121
A esmo...................................................................................................................122
El degredo..............................................................................................................125
Desterro................................................................................................................. 128
A Gulla ................................................................................................................. 129
Aspirar................................................................................................................... 131
Espirais.................................................................................................................. 133
Expirar................................................................................................................... 136

210
Tentativa de Norte....................................................................................................... 138

Poslúdio.........................................................................................................................195
os ladrilhos verdes que vejo...................................................................................196
Agosto de Deus......................................................................................................198
de madrugada.........................................................................................................199
3 noites...................................................................................................................200
tapera..................................................................................................................... 203
jurubeba................................................................................................................. 205
sou..........................................................................................................................206
arrasto um punhado de pó......................................................................................207
Joaquim Papudo.....................................................................................................208

211

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