Sunteți pe pagina 1din 68

2

DINÂMICA GRUPAL:
Olhar com Textos
Danúzio Carneiro

Edição especial para distribuição gratuita pela Internet,


através da Virtualbooks, com autorização do Autor.

O Autor gostaria de receber um e-mail de você com seus comentários e críticas sobre o livro.

A VirtualBooks gostaria também de receber suas críticas e sugestões. Sua opinião é muito
importante para o aprimoramento de nossas edições: Vbooks02@terra.com.br Estamos à espera
do seu e-mail.

Sobre os Direitos Autorais:


Fazemos o possível para certificarmo-nos de que os materiais presentes no acervo são de domínio
público (70 anos após a morte do autor) ou de autoria do titular. Caso contrário, só publicamos
material após a obtenção de autorização dos proprietários dos direitos autorais. Se algum suspeitar
que algum material do acervo não obedeça a uma destas duas condições, pedimos: por favor,
avise-nos pelo e-mail: vbooks03@terra.com.br para que possamos providenciar a regularização ou
a retirada imediata do material do site.

www.terra.com.br/virtualbooks

DG: OLHAR COM TEXTOS


3

DINÂMICA GRUPAL:
Olhar com Textos

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

I. O QUE É DINÂMICA GRUPAL.

II. SÍNTESE TEÓRICA E REFLEXÕES SOBRE AS LIMITAÇÕES E


APLICABILIDADE DA TÉCNICA DO GRUPO OPERATIVO.
III. INTRODUÇÃO À TEORIA DOS PAPÉIS SOCIAIS.

IV. LIDERANÇA GRUPAL.

V. QUALIDADE DE VIDA E AÇÃO POLÍTICA NUMA HISTORICIDADE QUE


CONSIDERA O GRUPAL.
VI. INTRODUÇÃO TEÓRICA E APRESENTAÇÃO DE UM MODELO DE
PROJETO DE GRUPO OPERATIVO.
VII. CARTA A UM RELIGIOSO: A PRIMAZIA DO CRISTO NA GRUPALIDADE
HUMANA.
VIII. ÉTICA: CONSENSO EM AÇÃO COMUNICATIVA SÓCIO-GRUPAL

IX. DINÂMICA GRUPAL E CUBISMO: SETE ANOTAÇÕES COM OBSERVAÇÕES


DE PERTINÊNCIAS. OU: SERÃO BLEFES ESSAS OBSERVAÇÕES?

SOBRE O AUTOR

DG: OLHAR COM TEXTOS


4

APRESENTAÇÃO

Dinâmica grupal, olhar com textos. O título indica uma ação duplamente
lógica: de um lado, esta é apenas uma coletânea de nove textos que, de maneira
diversificada, lançam um olhar sobre a Dinâmica Grupal. Por outro lado, em seis
desses textos, há contextos específicos que devem ser observados com muita
atenção. Inclusive porque neles são enunciadas, de maneira mais ou menos
explicita, teses referentes aos múltiplos aspectos (ético, político, religioso etc.) que
dão fundamentação para que a Dinâmica Grupal possa ser considerada uma
ciência, uma arte e ainda uma filosofia. Desse modo, na apresentação sumária de
cada texto que será feita a seguir, observar que os três primeiros são textos básicos,
pois contêm os fundamentos desse saber sobre a grupalidade humana. Já os seis
últimos, são os textos-contextos contendo teses referentes à Dinâmica Grupal.
O primeiro texto é um esquema didático sobre o que é, qual é a história,
como se classifica, e como se aplica a Dinâmica Grupal. Nele são dadas
respostas que indicam que a dinâmica grupal tem uma estrutura conceitual, um
arcabouço histórico, um esquema classificatório e uma multiplicidade de campos de
aplicação clara e sumariamente bem definidos. Em verdade, esse texto é apenas um
resumo da apostila “Dinâmica Grupal: Conceituação, História, Classificação e
Campos de Aplicação” que foi publicada pelo autor.
O segundo texto é uma síntese sobre a mais consistente teoria aplicada à
Dinâmica Grupal: a do Grupo Operativo. Nesse texto, que foi publicado na Revista
de Humanidades da Universidade de Fortaleza (UNIFOR, Centro de Ciências
Humanas, No 4, Ano 6, 1989), também apresento alguns dados sobre a
aplicabilidade e limitações dessa técnica, elaborada pelo psicanalista argentino
Enrique Pichon-Rivière.
No terceiro texto é feito um sumário teórico sobre o que é, qual a gênese,
como se classifica e quais as patologias que, de acordo com os termos da Teoria

DG: OLHAR COM TEXTOS


5

da Pragmática da Comunicação Humana, podem afetar os papéis sociais. É


apenas uma síntese didática, contudo, considero que as proposições nele contidas
são, em termos epistemológicos, bastante férteis, pois, a partir delas, uma ampla
gama de pesquisas e elaborações teóricas podem ser desenvolvidas sobre o
fenômeno papel social - o mais tangível fato psico-social humano.

No quarto texto há um estudo sobre o fenômeno liderança grupal. Esse


estudo é técnico, e segue uma ordem didática clássica, isto é: o que é, como se
forma e quais as funções de uma liderança grupal. Contudo, nessa exposição há
um contexto que, com base num achado experimental, está expresso numa tese
considerada ideológica, qual seja: a forma ideal de organização social (a boa forma
grupal) é alcançada no grupo com liderança democrática. Um outro detalhe
importante: esse texto foi elaborado para servir de roteiro de estudos para um curso
sobre liderança, o qual já foi aplicado em treinamentos com a direção de instituições
como a Unimed-Fortaleza e o Hospital Geral de Fortaleza. Ainda foi desenvolvido
durante o XIV Congresso Brasileiro de Psiquiatria realizado em novembro de 1996
em Belo Horizonte.
O quinto texto é um esquema que, originalmente, foi elaborado para nortear
as discussões durante um debate com um grupo de militantes, quadros profissionais
e parlamentares do Partido dos Trabalhadores (sede do PT, junho de 1999). O tema
do debate era "Militância Partidária e Qualidade de Vida”, e nele procurei fazer
uma articulação de um conceito médico: "qualidade de vida", com um conceito
político: "militância partidária". Com isso, como que numa "lógica transversal",
enunciei uma teoria da historicidade baseada na Dinâmica Grupal, mais
especificamente nas proposições de Wilfredo Bion. Um detalhe merece ser
ressaltado: quando foi enunciada, sabia (e continuo sabendo) que ela era uma
proposta diferente. Porém, durante a apresentação feita perante a pequena platéia
composta por militantes da esquerda versada na tradicional leitura marxista da
história, observei (curioso) que essa proposição foi recebida em atencioso silêncio, e
com bastante interesse pelos participantes.
No sexto texto não há uma tese. Contudo, nele está apresentado uma teoria
e um modelo de projeto de grupo operativo que a experiência tem mostrado ser
consistente e facilmente aplicável. A teoria foi elaborada para servir de introdução à
uma coletânea de onze projetos de grupos operativos (inclusive o modelo que está

DG: OLHAR COM TEXTOS


6

apresentado) que foram desenvolvidos ao longo de minha trajetória profissional com


a Dinâmica Grupal.
O sétimo texto é uma carta teológica que está sendo enviada para alguns
amigos religiosos. Nela, em tom pessoal mas com base em referências bibliográficas
de autores consagrados volto a enunciar uma tese: “Cristo, através da primazia do
amor, instaurou na história a grupalidade e, conseqüentemente, o predomínio da
sociabilidade (sociedade) humana”.
O oitavo texto é apenas um comentário (item “C”) incluído na monografia
“Buscando fundamentar uma decisão sobre um conflito em ética médica” que foi
publicada pelo Conselho Regional de Medicina do Ceará (CREMEC, Livro de
Monografias, 1998). A mesma trata da questão da fundamentação ética e nela é
enunciada mais uma tese: assim como a generalidade dá legitimidade a um fato
científico, a consensualidade dá legitimidade a um fato ético.
O nono texto é o mais original de todos. Até agora, entre as ciências
humanas, somente as escolas da Psicanálise, na qual o próprio Freud foi o pioneiro,
e da Psicologia da Gestalt, esta apenas sob o ponto de vista “percepcional”, eram
utilizadas para analisar autores, obras e escolas de artes plásticas. Neste trabalho
apresento uma outra proposta, a visão da Dinâmica Grupal. Essa proposta, ressalte-
se de antemão: inclui as duas anteriores e será apresentada num trabalho com um
título altamente sugestivo: Dinâmica Grupal e Cubismo: sete anotações com
observações de pertinências. ou: serão blefes essas observações? O
“altamente” fica por conta de três negatividades nele contidas: primeiro: não é uma
relação da Dinâmica Grupal com as artes plásticas de uma maneira geral, mas
apenas com o Cubismo em particular; segundo: não é uma relação de explicação do
tipo causa-efeito, mas apenas uma relação de entendimento através de pertinências
entre esquemas conceituais, referenciais e operativos distintos; terceiro: não é uma
relação que, necessariamente, julgue-se como verdadeira, pois pode até ser um
blefe. Quanto a essa última dúvida, só lendo o próprio texto é que se poderá
encontrar uma solução.
Para encerrar, continuo falando desta relação assinalando que a capa
cubista deste Dinâmica grupal: olhar com textos foi escolhida a caráter. O Busto
de mulher com chapéu às riscas (Picasso, 1939), além de ter como fundo
gestáltico imagens pertinentes aos esquemas topológicos básicos para a Dinâmica
Grupal, quais sejam: os cones e as construções espiraladas, também apresenta,

DG: OLHAR COM TEXTOS


7

como figura igualmente gestáltica, a duplicidade do olhar. Esse duplo, por sua vez,
está desenhado de tal modo que nos lembra o que acontece durante os processos
grupais em que ocorrem múltiplos olhares em duplicidade de ação, por exemplo:
olhar que projeta, olhar que introjeta; olhar do vínculo interno, olhar do vínculo
externo; olhar da identificação, olhar da alteridade; olhar da percepção, olhar da
eleição sociométrica; etc. Portanto, repetindo e concluindo: um duplo olhar é o que,
principalmente, quero que seja considerado nesta obra.

Danúzio Carneiro
Fortaleza, Novembro de 2001

DG: OLHAR COM TEXTOS


8

I. O QUE É DINÂMICA GRUPAL


1. Conceituação
2. História
3. Classificação
4. Campos de Aplicação
1. Conceituação
Há três concepções básicas para a Dinâmica Grupal: ideológica, tecnológica e
fenomenológica. Cada uma dessas reflete uma concepção específica relacionada
a um dos múltiplos conhecimentos que originaram essa especialidade da
Psicologia Social.
1.1. A concepção ideológica considera que a Dinâmica Grupal é uma forma
especial de ideologia política na qual são ressaltados os aspectos de
liderança democrática, participação de todos na tomada de decisões, e
as vantagens, tanto para a sociedade como para o indivíduo, das
atividades cooperativas em pequenos grupos.
1.2. Para a concepção tecnológica, a Dinâmica Grupal refere-se a um
conjunto de métodos e técnicas usadas em intervenções nos chamados
grupos primários, como as famílias, equipes de trabalho e as salas de
aula. Entre as técnicas, citamos: os jogos dramáticos, role-playing,
relaxamento em grupos etc.
1.3. A concepção fenomenológica considera apenas o conjunto de
fenômenos psicossociais que ocorrem nos pequenos grupos. Entre os
fenômenos, relacionamos: a coesão, comunicação, conflitos e
inconsciente grupal. E os defensores desta concepção concentram suas
atividades nas pesquisas sobre a natureza dos grupos - suas leis,
interações e desenvolvimentos.
Estas concepções implicam no fato de que a Dinâmica Grupal considera
um único objeto para análise e intervenção, que é o pequeno grupo ou grupo
primário. Esse, por sua vez, pode ser definido como um conjunto constituído por
número limitado de pessoas - em geral, de quatro a doze pessoas - que se
relacionam e se comunicam diretamente, face a face, e que se reúnem para

DG: OLHAR COM TEXTOS


9

resolverem um problema, realizarem uma tarefa produtiva, ou mesmo para a


sobrevivência e a organização defensiva.
2. História
O interesse científico pela Dinâmica Grupal é recente. Os primeiros trabalhos
nesta área foram elaborados há cerca de cem anos. Na sua história
consideramos a ocorrência de dois conjuntos de fatores que impulsionaram, de
maneira especial, o desenvolvimento de seus conhecimentos.
2.1. O primeiro, relacionamos ao desenvolvimento das Ciências Humanas,
principalmente da Psicologia, que tornou-se objetiva e experimental com
a criação dos primeiros laboratórios de estudos psicológicos (Wilhelm
Wundt, Universidade de Leipzig, Alemanha, 1879); e com a criação da
Sociologia pelo filósofo positivista francês Augusto Comte, em meados
do século XIX.
2.2. O segundo conjunto de fatores está relacionado com as condições
históricas específicas dos Estados Unidos da América, durante a última
década de 30. Nessa época, a sociedade americana vivenciava uma
situação muito especial, em contraposição aos sistemas ditatoriais que
então predominavam no mundo (Fascismo e Stalinismo), os Estados
Unidos adotavam as concepções de democracia e participação. E isso
se refletia em todos os setores e ramos da vida e do conhecimento
social: por exemplo, no campo político, as bases eram os ideais
democráticos dos “Libertadores e Formadores da Nação Americana”, e
foi justamente isso que permitiu aos inúmeros cientistas e pensadores
europeus abandonarem seus países de origem, e irem desenvolver seus
trabalhos nos E.U.A. Entre eles, estavam o judeu alemão Kurt Lewin, um
dos fundadores da Psicologia da Gestalt; e o também judeu, mas
romeno, Jacob Levy Moreno, psiquiatra que criou o Psicodrama e a
Sociometria.
Nesse contexto, por volta dos anos 30, eram desenvolvidos conjuntos
independentes de pesquisas que viriam dar a estrutura conceitual e operativa da
nova ciência Dinâmica Grupal. Entre estas pesquisas destacamos quatro:
2.2.1. As pesquisas na usina de eletricidade de Hawthorne, Chicago, 1928.
Essas pesquisas foram uma primeira demonstração científica de que
os pequenos grupos de trabalho engendram fenômenos psicossociais

DG: OLHAR COM TEXTOS


10

específicos, que se manifestam no estabelecimento de uma


organização informal determinante de modelos de comportamento
coletivo, os quais influenciam as atividades e a produtividade grupal.
2.2.2. O desenvolvimento da Psicoterapia de Grupo . Em 1934, Slavson
criou a psicoterapia de grupos de discussões para adolescentes e
adultos. Nesse mesmo período, Moreno criava o psicodrama como
recurso psicoterápico grupal.
2.2.3. A sociometria, também criada por Moreno na década de 30, deu os
instrumentos necessários para que se demonstre, através de testes,
que todo grupo humano tem uma estrutura afetiva informal, a qual
determina o comportamento dos indivíduos neste grupo.
2.2.4. A Fundação do Primeiro Centro de Pesquisas de Dinâmica de Grupo
(Instituto Tecnológico de Massachusets, 1945) permitiu ao seu
fundador, Kurt Lewin, a possibilidade de dar uma base gestáltica aos
fenômenos dos pequenos grupos. Também lhe permitiu desenvolver
experiências fundamentais nesse campo – uma das mais analisadas
são as pesquisas que relacionam o clima e a produtividade grupal ao
estilo de sua liderança, isto é, liderança democrática, autocrática e
permissiva (laissez-faire).

DG: OLHAR COM TEXTOS


11

3 - Classificação
A dinâmica de grupo é uma ciência Interdisciplinar. No entanto, primariamente
pode ser classificada como um ramo da psicologia social, e secundariamente
como ramo da sociologia.

3.1. Dinâmica Grupal: Psicologia e Sociologia


1.1.1. Behaviorismo
(Psicologia Comportamental)

1.1. Psicologia
Individual

1.1.2. Psicanálise
(Psicologia Dinâmica)

1. Psicologia

1.2.1. Psicologia das Massas


(Multidões)

1.2. Psicologia
Social

1.2.2. Psicologia dos Grupos

Dinâmica
Grupal

2.1. Micro-Sociologia

2. Sociologia

2.2. Macro-Sociologia

Relacionadas à Dinâmica Grupal foram desenvolvidas muitas técnicas com as


quais as pessoas, através de suas vivências em pequenos grupos, tentam crescer
em termos de sua existência individual e social. Para facilitar a apresentação
dessas técnicas, adaptamos um esquema montado por Oswald Saidon em seu livro
sobre práticas grupais.

DG: OLHAR COM TEXTOS


12

3.2. Dinâmica Grupal: Antecedentes e Desdobramentos


Autores Estruturantes Teorias e Técnicas Originais Desdobramentos Técnicos

Grupos de Encontro

Lewin Psicologia da Gestalt T-Group


+ Teoria do Campo

Gestalterapia

Freud+Bion Psicanálise Psicoterapia de Grupo


+ Pichon-Rivière

Grupo Operativo

Psicodrama Análise Institucional


Moreno
+Sociometria
Psicodrama

4. Campos de Aplicação
A Dinâmica Grupal é uma ciência humana interdisciplinar; em conseqüência, são
múltiplos os campos de aplicação dos seus conhecimentos - saúde, educação,
administração de empresas, serviço social etc.
4.1. Na área de saúde é onde se situam os resultados mais promissores das
aplicações práticas da dinâmica de grupo. Por exemplo, na saúde mental,
técnicas grupais para o diagnóstico e o tratamento de distúrbios da
personalidade são largamente utilizadas. Também as psicoterapias
grupais, como o psicodrama por exemplo, já dispõem de uma estrutura
conceitual e operativa bem definida, estando a eficácia de seus métodos
comprovada cientificamente.
Técnicas grupais ainda são utilizadas como adjuvantes no tratamento
de pessoas com doenças orgânicas estabelecidas - Grupos Operativos
com portadores de nefropatias, tuberculoses etc.. Outra doença é o

DG: OLHAR COM TEXTOS


13

alcoolismo, que tem nos grupos de AA (Alcoólicos Anônimos) o


instrumental terapêutico mais efetivo no tratamento desse distúrbio.
Na área de saúde ainda podemos citar a importância de trabalhos com
utilização planejada de técnicas grupais (jogos, treinamentos de papéis,
etc.) , para se atingir objetivos de prevenção da saúde comunitária. Como
exemplo, citamos a utilização destas técnicas em seminários e cursos de
formação dos profissionais e lideranças da saúde comunitária.
4.2. Quanto à educação, a Pedagogia dos Grupos permite uma síntese perfeita
entre instrução e socialização do indivíduo. Os trabalhos de Lewin
propiciaram o desenvolvimento de uma nova mentalidade pedagógica, na
qual se destacam três princípios:
4.2.1. O grupo (classe) não é concebido como ambiente de competição,
mas sim como ele mesmo, sendo um objeto de sua própria
instrução.
4.2.2. O papel do monitor (Professor) é motivar o grupo, controlar seu
funcionamento e seus resultados, e ajudá-los a definir suas
dificuldades.
4.2.3. Os métodos pedagógicos são ativos, ou seja, os “alunos“, através
de suas próprias experiências, devem chegar ao conhecimento.
4.3. No campo administrativo, com as pesquisas na usina de
Hawthorne, ficou constatado que os pequenos grupos de trabalho
tendem a engendrar estruturas informais nas suas relações
humanas, com profundo significado no trabalho, no rendimento e
nas relações formais e hierarquizadas das empresas. Com essas
pesquisas houve mudanças qualificativas nos processos
administrativos que, se antes eram de orientação individualizante,
após elas passaram a reconhecer a importância dos grupos nos
processos de planejamento das atividades e direções das grandes
empresas.
4.4. No sentido prático, foi na área profissional do Serviço Social onde,
inicialmente, se deu a maior receptividade à nova orientação criada
pela Dinâmica Grupal. Nesse serviço têm sido adotados
mecanismos grupais para promoção e administração social, em que
os indivíduos e os grupos socialmente necessitados de assistência,

DG: OLHAR COM TEXTOS


14

são trabalhados e recuperados em sua dignidade com a realização


de atividades cooperativas.

Bibliografia
AMADO, Gilles; GUITTET, André - A Dinâmica da comunicação nos grupos. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1978
BUSTOS, Dalmiro M. - O teste sociométrico: fundamentos, técnica e aplicações.
São Paulo: Brasiliense, 1979.
CARNEIRO, Francisco Danúzio de Macêdo. Síntese teórica e reflexões sobre as
limitações e aplicabilidade da técnica do grupo operativo. Revista de
Humanidades, Ano 6 - N. 4. Fortaleza, 1989. Centro de Ciências Humanas da
Universidade de Fortaleza.
CARTWRIGHT, Dorwin; ZANDER, Alvin - Dinâmica de grupo: pesquisa e teoria.
São Paulo: EPU/EDUSP, 1975.
COURTNEY, Richard. Jogo, teatro & pensamento: as bases intelectuais do Teatro
na Educação. São Paulo: Perspectiva, 1980.
ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo-Rio de Janeiro:
Enciclopaedia Britannica do Brasil, 1979. (Verbetes: Grupo; Gestalt;
Sociologia).
FREUD, Sigmund - Psicologia de grupo e a análise do ego. Ed. Standard
Brasileira, vol XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
KAPLAN, Haroldo I. SADOCK, Benjamin J. Compêndio de psicoterapia de grupo,
(tradução de José Octávio de A. Abreu e Dayse Batista, revisão de Adonay
Genovese Filho). Porto Alegre: artes Médicas, 1996.
LUFT, Joseph - Introdução à dinâmica grupal. Santos/Brasil: Martins Fontes, 1968
MAXIMIANO, Antônio César Amaru – Introdução à administração. São Paulo: Atlas,
1990.
MUCCHIELLI, Roger – A dinâmica de grupo, (tradução de Renato Couto Bacelar
Nunes). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979.
NAFFAH NETO, Alfredo. Psicodrama: descolonizando o imaginário (um ensaio
sobre J.L.Moreno). São Paulo: Brasiliense, 1979.
OSÓRIO, Luiz Carlos et al. – Grupoterapia hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
PICHON-RIVIÈRE, Enrique - O Processo grupal. São Paulo: Martins Fontes,1982

DG: OLHAR COM TEXTOS


15

ROMAÑA, Maria Alice – Do psicodrama pedagógico à pedagogia do drama.


Campinas SP: Papirus, 1996.
SAIDON, Osvaldo et al. Práticas Grupais. Rio de Janeiro: Campus, 1983.

II. SÍNTESE TEÓRICA E REFLEXÕES SOBRE AS LIMITAÇÕES E


APLICABILIDADE DA TÉCNICA DO GRUPO OPERATIVO

1 - Introdução
Neste trabalho me proponho a fazer uma síntese dos principais conceitos
relacionados à técnica do Grupo Operativo (GO). Nele, também, apresento
algumas reflexões sobre as limitações e a aplicabilidade dos conhecimentos dessa
técnica.
Os primeiros grupos operativos foram introduzidos em 1957 pelo médico e
psicanalista argentino Enrique Pichon-Rivière na sua famosa “Experiência Rosario“.
A partir dessa experiência, Pichon-Rivière procurou elaborar uma teoria integrativa
dos processos de mudança em grupo, baseado numa metodologia interdisciplinar
que inclui os conhecimentos dos postulados de Kurt Lewin, da teoria psicanalítica
(tanto freudiana como kleiniana) e dos achados da psicologia social, da sociologia e
da teoria da comunicação.
Ressalte-se que ‘Grupo Operativo’ não é um termo utilizado para se referir a
uma técnica específica de grupos – como o psicodrama, por exemplo, nem a um
tipo determinado de grupo classificado em função de seu objetivo único – por
exemplo, grupo terapêutico, grupo de aprendizagem ou grupo de discussão, mas
refere-se a uma forma de pensar e operar que pode se aplicar à coordenação da
diversidade de tipos e momentos grupais, existindo, portanto, Grupos Operativos
com atividade terapêutica, de aprendizagem, de reflexão entre outros.
2 - Os Conceitos de Grupo e de Grupo Operativo
Para uma melhor compreensão do significado da técnica do Grupo Operativo,
torna-se necessário esclarecer o conceito de grupo delineado por Pichon-Rivière.
Pichon-Rivière entende grupo como um “conjunto de pessoas ligadas entre si
por constantes de tempo e espaço, e articuladas por sua mútua representação
interna, que se propõe, de forma explícita ou implícita, a uma tarefa que constitui
sua finalidade”.

DG: OLHAR COM TEXTOS


16

Nesta definição, encontramos dois aspectos que merecem análise mais


apurada:
1º - “Conjunto de pessoas articuladas por sua mútua representação interna”.
Supõe que essas pessoas tenham algo que as una num nível superior a
uma simples serialidade (quando as pessoas se somam sem
estabelecerem laços que as unam). Isso é, na verdade, conseguido pelo
compartilhar de uma seqüência temporal que ocorre no espaço do aqui-
agora grupal. Implica, ainda, que as pessoas se relacionam de um modo
articulado e complementar, no sentido de que se comprometem, não
apenas a um nível de interações observáveis, mas que se envolvem pela
história de vida de cada um, pela representação que cada um tem de si e
a que faz do outro, nesse processo de convivência.
2º - “Que se propõe, de forma explícita ou implícita, a uma tarefa que constitui
sua finalidade”, significa que a tarefa estrutura o grupo como tal, e se
constitui como organizadora dos processos de pensamento, comunicação
e ação que se dão entre os membros do grupo.
Com esta compreensão de grupo, Pichon-Rivière observou que os elementos
desse campo grupal podem ser organizados, ou seja, a interação pode ser
regulada para potencializá-la, para fazê-la mais eficaz quanto ao seu objetivo. A
isso denominou planificação, e daí criou a técnica operativa que visa à
instrumentação planificada da ação grupal.
3 – A Técnica do Grupo Operativo
A técnica do Grupo Operativo se caracteriza por estar centrada de forma explícita
numa tarefa, num trabalho produtivo e planificado, cuja realização constitui a razão
de ser do grupo, por exemplo, aprendizagem, cura, diagnóstico, institucional etc.
Sob essa tarefa explícita, subjaz outra: a implícita. Essa consiste na
totalidade das operações mentais que devem realizar os membros do grupo, de
maneira conjunta, para constituir, manter e desenvolver a sua grupalidade como
equipe de trabalho.
Pichon-Rivière entende a realização de uma qualquer tarefa grupal como
uma situação de aprendizagem - “a noção de situação de aprendizagem refere-se a
todo processo de interação, a todo tipo de manipulação ou apropriação do real, a
toda tentativa de resposta coerente e significativa às demandas da realidade”. Essa

DG: OLHAR COM TEXTOS


17

situação de aprendizagem gera, nos sujeitos que dela participam, dois medos
básicos que são caracterizados como: (a) Medo de perda, (b) Medo de ataque.
(a) Medo de perda do equilíbrio já obtido na situação anterior.
(b) Medo de ataque determinado por uma nova situação a qual o sujeito não
conhece e nem se sente adequadamente instrumentado para enfrentá-
la.
Esses dois medos básicos, que coexistem e cooperam entre si, configuram,
quando aumenta seu montante, uma situação de resistência à mudança, e isto
dificulta a comunicação, estereotipa a aprendizagem, e paralisa o desenvolvimento
do grupo.
Portanto, também é necessário não só uma abordagem planificada da tarefa
explícita, mas ainda a resolução dos medos e conflitos surgidos durante estas
situações de aprendizagem, o que significa a resolução da tarefa implícita.
4 - O Funcionamento do Grupo Operativo
Na busca do seu objetivo, ou seja, a realização de uma tarefa que
compreende simultaneamente os processos de integração, aprendizagem e
produtividade, o grupo passa por diversas instâncias, das quais duas são mais
significativas: etapas temporais, momentos dinâmicos.
1. As etapas temporais são três: abertura, desenvolvimento e fechamento das
atividades grupais.
2. Os momentos dinâmicos em que se divide a realização de uma tarefa grupal
também são três: pré-tarefa, tarefa, projeto.
a. No momento da pré–tarefa há o predomínio de condutas significativas
dos medos da resistência à mudança. Essas condutas, que paralisam o
prosseguimento do trabalho grupal (4), se manifestam por uma situação
de impostura, assim, ocorre algo ‘como se’ – “como se o grupo
trabalhasse” , “como se efetuasse alguma tarefa específica”. Quer dizer,
o grupo realiza uma série de ações para passar o tempo (protelação
atrás da qual se oculta a impossibilidade de suportar as frustrações do
início e do término da tarefa), e postergar a abordagem da tarefa. Esse
momento é habitual no desenvolvimento de qualquer trabalho de grupo.
Porém, se a conduta estereotipada adquirir uma rigidez crescente, o
desenvolvimento e a produtividade grupal tornar-se-ão nulas.

DG: OLHAR COM TEXTOS


18

b. No momento da tarefa a abordagem do objeto de conhecimento


(atividade planificada) se faz simultaneamente com a elaboração das
ansiedades daí decorrentes. Ao contrário do momento anterior, as
fantasias dos sujeitos em grupo não se destacam, nem predominam
sobre a realidade. Desse modo, esses sujeitos operam com uma
percepção global dos elementos em jogo, com a possibilidade de
manipulá-los e com um contato com a realidade, no qual, por um lado,
lhes é acessível o ajuste perceptivo, ou seja, o situar-se como sujeito
desalienado, e por outro lado, lhes é possível elaborar táticas e
estratégias mediante as quais podem intervir nas situações de tarefa
provocando transformações. Essas transformações, por sua vez,
modificarão a situação que se tornará nova para os sujeitos, e assim, o
processo recomeça outra vez.
c. O projeto surge neste processo dialético. Surge como emergente da
tarefa, e dá-se quando todos os membros do grupo conseguem
visualizar este objetivo grupal, isso significa ter conhecimento de que
pertence a uma grupalidade específica, com objetivos também
específicos. O projeto se concretiza na elaboração de um plano de
trabalho.
5 - A Estrutura do Grupo Operativo
A característica estrutural básica do grupo operativo é a interdisciplinaridade.
Essa se efetiva na formação de grupos heterogêneos, para os quais cada membro
traz o seu conjunto de conhecimentos, experiências e afetos. Neste processo, há
diferenciação nos papéis.
O conjunto de experiências, conhecimentos e afetos com que o indivíduo
pensa e age, constitui o que Pichon-Rivière chamou de Esquema Conceitual
Referencial e Operativo (ECRO-Individual). No trabalho em equipe operativa, estes
esquemas individuais adquirem unidade grupal e, quando isso acontece, há a
configuração de um novo quadro com a estruturação de um Esquema Conceitual
Referencial e Operativo Grupal (ECRO-Grupal).
Na prática, o processo de estruturação de um ECRO-Grupal ocorre porque,
em sua vida de relação, o ser humano sempre assume ou atribui papéis aos outros.
Em condições normais, cada um pode assumir vários papéis ao mesmo tempo - por
exemplo, uma pessoa tem o papel de professor na escola, de pai de família em

DG: OLHAR COM TEXTOS


19

casa, de amigo nas relações sociais, etc. Estabelece-se assim um permanente jogo
entre o assumir e o atribuir papéis. Todas as relações interpessoais em um grupo
social são regidas por este permanente interjogo de papéis, e é isto, o que,
precisamente, cria a coerência entre os vínculos individuais e grupais.
A teoria de papéis baseia-se na teoria do vínculo, a qual, por sua vez, se
relaciona à teoria das relações de objeto: Uma relação objetal é uma estrutura na
qual estão incluídos um sujeito e um objeto, que estabelecem entre si uma relação
particular - por exemplo, a dupla formada pelo recém-nascido e sua mãe. Ao ser
introjetada, essa relação de objeto passa a constituir a estrutura interna do vínculo,
que, no entanto, inclui um outro campo: o psicológico externo.
Assim temos: (a) o campo interno do vínculo está constituído pelo objeto
e sua relação internalizada; (b) o vínculo externo, que é “aquilo que interessa do
ponto de vista psicossocial“ sendo tudo aquilo que parte do indivíduo para fora, ou
seja, são suas relações com o mundo exterior a si.
É claro que ambos os campos psicológicos são mutuamente
interdependentes, e que os papéis que estão incluídos pelo campo externo são
também resultado do significado ou interpretação particular que o sujeito dá a eles
ao assumi-los ou atribuí-los - por exemplo, é principalmente o significado particular
que cada pessoa dá ao papel de líder que diferencia as lideranças nos tipos
autocrática, democrática e laissez -faire.
Em resumo, o grupo se estrutura com base na organização de um ECRO-
Grupal. Esse, por sua vez, tem sua existência dependente dos múltiplos vínculos
que os componentes do grupo estabelecem entre si.
6 - Características do Grupo Operativo
Pelo que foi afirmado anteriormente, pode-se concluir que as características
básicas do GO são a planificação e a interdisciplinaridade.
Na planificação leva-se em consideração o momento vivenciado no aqui-
agora grupal (pré-tarefa, tarefa, projeto), e também a interdisciplinaridade. Essa,
conforme afirmação anterior, tem sua base genética na teoria dos papéis e, durante
as atividades de GO, se efetiva na formação de grupos heterogêneos.
A partir dessa lógica, Pichon-Rivière enunciou uma lei básica para a técnica
do GO: quanto maior a heterogeneidade entre os membros de um grupo, e maior a
homogeneidade na tarefa, maior a produtividade grupal.

DG: OLHAR COM TEXTOS


20

No que se refere aos papéis, num GO, podem ser observados tanto papéis
formalmente estabelecidos – exemplos: coordenador e observador de atividades
grupais, como também papéis que emergem na “informalidade” das atividades do
grupo – exemplos: papéis de líder, porta-voz e bode expiatório.
– O líder é aquele indivíduo que, no acontecer grupal, se faz depositário
dos aspectos positivos do grupo, tornando-se uma espécie de direcionador
das diversas atividades desenvolvidas pela grupalidade.
– O porta-voz é o membro que, em um dado momento, denuncia o
acontecer grupal, as fantasias que o moveu, as ansiedades e as
necessidades de autonomia e totalidade. Nele, se conjugam o que Pichon-
Rivière chamou de verticalidade e horizontalidade grupal. Entendendo-se
por verticalidade aquilo que se refere à história pessoal do sujeito, e por
horizontalidade o processo atual que acontece no aqui-agora da totalidade
dos membros.
– O bode expiatório, ao contrário do líder, se faz depositário dos aspectos
negativos e aterrorizantes da tarefa ou do grupo. Nessas situações,
aparecem os mecanismos de segregação que fazem com que este
membro seja isolado das atividades em andamento.
Quanto aos papéis “formais”, o coordenador tem como tarefa refletir com o
grupo sobre a relação que os seus integrantes estabelecem entre si e com a tarefa
prescrita. Co-pensar e co-trabalhar em grupos lhe dá condições de estar atento ao
esquema referencial estruturado no momento, permitindo-lhe, assim, regular um
nível ótimo de ansiedade grupal. Em conseqüência disso, ocorre a facilitação do
posicionamento e da decisão grupal.
O coordenador pode integrar-se numa equipe com um observador. Esse é
geralmente não participativo, e sua função consiste em recolher todo material
verbal e não verbal expresso no grupo, com o objetivo de ‘realimentar’ o
coordenador facilitando a utilização das técnicas de condução.
7 - Avaliação de Grupo Operativo
A constatação sistemática de certos fenômenos que se apresentam em sessões de
GO levou Pichon-Rivière à elaborar uma escala de avaliação dos processos de
interação grupal.
Essa escala, ele chamou de Esquema do Cone Invertido, pois utilizou a
figura de um cone invertido para “graficar” a dinâmica entre o explícito e o implícito

DG: OLHAR COM TEXTOS


21

grupal. O explícito, sendo o observável, ocupa a base do cone que é a maior


superfície visível. O implícito localiza-se no vértice. Por dentro do cone, como que
circulando numa espiral dialética, estão os elementos que significam modelos de
conduta grupal, quais sejam: (1o) identificação, (2) pertença, (3) cooperação, (4)
pertinência, (5) comunicação, (6) aprendizagem, (7) tele.
(1o) A identificação é a afiliação aos processos grupais, com os quais, no
entanto, os indivíduos mantêm uma determinada distância, sem
incluir-se totalmente nele.
(2o) A pertença representa um passo à frente da identificação. Aqui, os
indivíduos mantêm uma maior integração grupal, e isso já permite
uma planificação com otimização da produtividade.
(3o) A cooperação consiste na contribuição, ainda que silenciosa, para
com a tarefa grupal. Estabelecem-se sobre os papéis diferenciados. É
através da cooperação que se torna manifesto o caráter
interdisciplinar do GO. Ela também situa-se no cruzamento do
interjogo que anteriormente foi definido como verticalidade e
horizontalidade.
(4o) A pertinência consiste na concentração do grupo na tarefa prescrita, e
no esclarecimento da mesma. Isto corresponde ao aqui-agora na
tarefa. Avalia-se a qualidade da pertinência de um grupo, de acordo
com o montante de ansiedade, criatividade e produtividade grupal
manifestada durante o desenvolvimento de suas atividades.
o
(5 ) A comunicação pode ser verbal e/ou não verbal. Na avaliação,
procura-se observar o conteúdo da mensagem, mas também como e
a quem é dirigida essa mensagem. Quando há contradições entre os
elementos, configura-se o mal-entendido no grupo. Essas
perturbações são denominadas pela teoria da comunicação de
“ruídos”. Na teoria de Pichon-Rivière elas adquirem a dimensão do
“terceiro” que é existente em toda relação vincular.
(6o) A aprendizagem é a síntese instrumental conseguida pelo grupo. É
avaliada pela adaptação ativa à realidade, pela resolução das
ansiedades, e pela criatividade e capacidade de elaboração de
projetos grupais.

DG: OLHAR COM TEXTOS


22

(7o) O tele, de acordo com Jacob Levy Moreno, criador do Psicodrama e


da Sociometria, que o concebeu, é uma capacidade de apreciação e
sensibilidade pela estrutura real do outro. Ao contrário da
transferência, que se dá com a mobilização de fantasias estabelecidas
com vínculos do passado, o tele refere-se, globalmente, ao aqui-agora
das inter-relações grupais. É este caracter de realidade que torna
esse fator o principal elemento de coesão e integração grupal.
7 - Conclusão
Finalizando, apresento o que considero ser a principal limitação, e também
algumas das áreas privilegiadas para aplicabilidade da técnica do GO
A principal limitação do GO advém das ainda frágeis bases teórico-
conceituais dos conhecimentos da Dinâmica Grupal. Assim, nessa área, perguntas
fundamentais ainda precisam ser respondidas, como a relação da técnica do GO
com outras teorias (a teoria lewiniana de grupo, por exemplo), e práticas grupais
(como o psicodrama e a sociometria).
Quanto à aplicabilidade, diversas experiências demonstram que a técnica do
GO pode ser aplicada amplamente, contemplando diversas situações da
grupalidade humana. Especificamente na área da saúde, essa técnica tanto pode
ser aplicada em grupos naturais - na família por exemplo, onde é possível a
formação de um GO familiar, cuja tarefa seja trabalhar, com finalidade clínico-
pedagógica, uma psicose apresentada por dos seus membros. Também pode ser
aplicada nos chamados grupos artificiais, ou seja, nos grupos cuja existência
depende da vontade manifesta dos seus membros. Dessa maneira, pode-se formar
um GO terapêutico, cuja tarefa é trabalhar a saúde mental dos seus componentes;
um GO pedagógico, como método ativo de aprendizagem para crianças
excepcionais; um GO organizacional, para o diagnóstico e a execução de trabalhos
organizacionais em empresas de saúde etc.

Bibliografia
AMADO, Gilles; GUITTET, André. A dinâmica da comunicação nos grupos.
Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
BLEGER, José. Grupos operativos do ensino. In: “Temas de Psicologia,
Entrevistas e Grupos”, 1979.
BERSTEIN, M. Contribuições de Pichon-Rivière à psicologia de grupo. In:

DG: OLHAR COM TEXTOS


23

Osório, Luiz Carlos “Grupoterapia Hoje”. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
MORENO, Jacob Levi. Fundamentos do psicodrama, (tradução de Maria
Sílvia Mourão Neto; revisão técnica de Paulo Roberto Topal). São Paulo:
Summus, 1983.
PICHON-RIVIÈRE, Enrique. O Processo grupal, (tradução de Marco
Aurélio Velloso; revisão técnica de S.M. da Silva). São Paulo: Martins Fontes,
1982.
PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teorias do vínculo, (seleção e organização
Fernando Taragano; tradução de Eliane Toscano Zemikhouwsky). São Paulo:
Martins Fontes, 1982.
POLTARRIEU, M.L.B.; JUBERT-OKLANDER, J. Grupos operativos. In:
Osório, Luiz Carlos “Grupoterapia Hoje”. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
RAJ.,Jaci. Grupo e grupo operativo. In: Gayotto, M.L.C. et alli, “A
Psicologia Social De Enrique Pichon-Riviére”. São Paulo, Grupo de Psicologia
Social da PUC-São Paulo (s/d)

DG: OLHAR COM TEXTOS


24

III. INTRODUÇÃO À TEORIA DOS PAPÉIS SOCIAIS

1 - Concepção Histórica
O termo papel é derivado do teatro, e foi introduzido em 1932 na Dinâmica
Grupal, uma ciência que se origina simultaneamente da Sociologia e da Psicologia
Social, pelo psiquiatra e criador do Psicodrama e da Sociometria, Jacob Levy
Moreno.
Para Moreno, o papel indicaria a posição (status) que a pessoa assume
dentro da sociedade. Essa concepção é semelhante ao da Sociologia atual, que
assim define o papel social: padrão determinado de comportamento que reflete e
caracteriza uma posição especial do indivíduo dentro do grupo humano a que
pertence.
2 - Gênese
Os termos teóricos sobre a origem dos papéis numa vida humana ainda estão mal
delineados. Moreno apenas categorizou a sua natureza, ou seja, disse do papel
como um “eu tangível”. Contudo, é na psicanálise onde se encontra a
fundamentação mais consistente para explicar geneticamente os múltiplos papéis
que um ser humano pode desempenhar em suas relações sociais. Sobre isso,
apresenta-se uma síntese teórica considerando os postulados de duas vertentes
psicanalíticas: Escola Kleiniana e Psicologia do Ego.
Enrique Pichon-Rivière, um psiquiatra e psicanalista da Escola Kleiniana que criou
a técnica do Grupo Operativo, busca explicar a genética dos papéis sociais com sua
Teoria do Vínculo.
Para Pichon-Rivière, vínculo é a unidade primária da interação social. O vínculo
inclui um sujeito, um objeto, sua interação recíproca e, no caso dos indivíduos
adultos, a mútua compreensão de que há comunicação e aprendizagem.
Ele coloca na base de todo vínculo uma relação objetal. Essa, que é
primordialmente estabelecida na díade formada entre o recém-nascido e sua mãe, é
uma relação especial, pois, sempre para o bebê, e em certas circunstâncias para a
mãe, não há diferenciação entre um Eu e um Tu e, consequentemente, não há
discernimento quanto à interação social que é estabelecida.

DG: OLHAR COM TEXTOS


25

A relação objetal, enquanto uma globalidade, é assim internalizada pelo recém-


nascido e passa então a constituir-se como estrutura interna do seu vínculo.
Ressalte-se que em seu crescimento e desenvolvimento, essa estrutura introjetada é
que dará o conteúdo afetivo, e que modulará a aprendizagem e a disponibilidade do
ser humano para estabelecer novas relações e assumir novos papéis no contexto
social.
O passo inicial desse processo acontece entre o terceiro e o sexto mês de vida.
Se as condições do desenvolvimento infantil forem favoráveis, completa-se aí a
estruturação interna do seu vínculo e, com isso, a criança torna-se disponível para
estabelecer e manter vínculos externos com outras pessoas.
A principal sinalização desse processo de disponibilidade está no denominado
“sorriso do terceiro mês”. Essa reação, que foi estudada por René Spitz, um
psicanalista da escola de Psicologia do Ego, consiste no fato de que por volta dos
três meses de idade, regularmente o bebê sorri com a aproximação de um rosto
humano, sendo isso interpretado como uma demonstração de que ele já é capaz de
diferenciar o seu mundo interno, e perceber a existência de um mundo externo, com
o qual ele, doravante, se relacionará cada vez mais de maneira ativa e
intencionalmente dirigido.
Isto é, esse seu comportamento ativo constitui-se na primeira expressão de um
desempenho de papéis, ou seja, conforme o senso comum, a ele é atribuído o papel
de um bebê carinhoso, o qual ele demonstra assumir carinhosamente.
A partir desses momentos iniciais, e caso continue a situação favorável, é então
estabelecido pela criança em desenvolvimento um permanente jogo entre o assumir
e o atribuir papéis sociais. E é precisamente esse interjogo de papéis o que cria a
coerência entre o seu vínculo, como uma pessoa individual, e os vínculos dos
demais componentes em qualquer grupo no qual esteja inserido.

DG: OLHAR COM TEXTOS


26

3 - Classificação
Familiar
Natural
Tribal, Etc.
Formal
Ocupacional
Artificial Funcional
Oficial, Etc.

Papel Social

Líder

Informal Bode Expiatório

Porta-Voz
Boicotador
Considerando o esquema do sociólogo Max Weber, os papéis formais são
geralmente atribuídos de dois modos: (1) através de um estatuto legal, no caso dos
papéis burocráticos-funcionais; (2) através de um sistema de crenças numa
dignidade ou santidade que conferem legitimidade social, no caso das funções
patriarcais-naturais.
Quanto aos papéis informais, seria mais pertinente relacioná-los à dominação
carismática, pois, ainda conforme o esquema weberiano, esses papéis traduzem um
movimento de regressão, isto é, ocorrem com a substituição dos quadros lógicos de
raciocínio pelas formas de natureza mágica.
Considerando também o esquema de Pichon-Rivière, observa-se que nos
papéis formais, de uma maneira geral, predominam os elementos comportamentais
mais relacionados ao vínculo externo, ou seja, comunicabilidade, sociabilidade etc.
No entanto, deve-se lembrar que é a natureza do vínculo interno que confere o

DG: OLHAR COM TEXTOS


27

conteúdo afetivo e a modulação motivacional dessa ação individual em busca do


social.
Nos papéis informais, a predominância é de uma outra qualidade, e varia
conforme o papel e a situação do seu desempenho: por exemplo, no papel de líder,
quando em situações históricas consideradas normais, geralmente predominam os
aspectos relacionados à sua disponibilidade para vinculação externa como as já
citadas comunicabilidade e sociabilidade. A mesma coisa pode não acontecer em
situações adversas, quando então poderá ser necessário que sua ação social
ocorra de acordo com os processos internos, muitas vezes inconscientemente
introjetados durante o desenvolvimento de sua formação como liderança – na teoria
política, o termo virtú, criado por Nicolau Maquiavel para designar determinadas
qualidades do príncipe, pode ser aplicado nessas situações.
Por fim, nos termos da Teoria da Comunicação, os papéis classificados como
formais sempre exigem um complementar, por exemplo, o papel de pai
necessariamente deve se complementar com o de filho; o de professor com o de
aluno, etc. Quando se estabelece uma simetria (“igualdade”) entre diferentes
papéis, isso tende a ser feito dentro da lógica cooperativista. E, como resultante
dessa cooperação, é freqüente a formação de equipes para a realização de uma
tarefa.
Quanto aos papéis classificados de informais, a complementaridade nem sempre
é exigida – dos três citados, somente o papel de líder se complementa com o de
liderado. Contudo, a simetria é sempre colocada entre esses papéis, os quais,
mesmo que não aceitáveis como no caso do papel de bode-expiatório, emerge
igualmente na mesma dinâmica do grupo social.
4 - Patologias Potenciais
Considerando apenas os termos da Teoria da Comunicação, pode se observar
que há, potencialmente, duas possibilidades de patogenia na interação dos papéis
sociais.
Nos papéis que se articulam em simetria observa-se um fenômeno patológico
descrito como “escalada simétrica”. Ou seja, explicando com um exemplo: numa
equipe de trabalho encontra-se a arrogância como padrão cultural de
comportamento de um determinado papel profissional. Caso um papel simétrico
manifeste o mesmo padrão de arrogância, pode se estabelecer entre esses dois

DG: OLHAR COM TEXTOS


28

papéis uma competição em que as atitudes arrogantes de um redundam em novas


arrogâncias pelo outro, e assim por diante.
Nos papéis articulados como complementares, a patologia manifesta-se através
de rigidez no desempenho de papéis. Por exemplo, uma pessoa que
profissionalmente exerça um papel autocrático numa classe militar, pode copiar de
modo estereotipado esse padrão autocrático em suas demais relações grupais, o
que, obviamente, poderá redundar em muitos conflitos situacionais.

Bibliografia
BUBER, Martin. Eu e tu. São Paulo: Ed. Moraes, 1974
CARNEIRO, Francisco Danúzio de Macêdo. Síntese teórica e reflexões sobre as
limitações e aplicabilidade da técnica do grupo operativo. Revista de
Humanidades, Ano 6 - N. 4. Fortaleza : Centro de Ciências Humanas da UNIFOR,
1989.
CARNEIRO, Francisco Danúzio de Macêdo. Curso: Liderança grupal. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE PSIQUIATRIA, 140, 1996, Belo Horizonte.
ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo-Rio de Janeiro:
Enciclopaedia Britannica do Brasil, 1979. (Verbete: Papel Social)
MAQUIAVEL, Nicolau – O príncipe, (tradução, introdução e notas de Antônio
D’Elia). São Paulo: Círculo do Livro, 1989.
MARTÍN, Eugenio Garrido – J. L. Moreno: psicologia do encontro, (tradução de
Maria de Jesus A. Albuquerque). São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1984.
PICHON-RIVIÈRE, Enrique – Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1982
SPITZ, René Arpad – O primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico do
desenvolvimento normal e anômalo das relações objetais, (tradução de Erotildes
Millan Barros da Rocha). São Paulo: Martins Fontes, 1979.
WATZLAWICK, P; BEAVIN, J. H; JACKSON, D. D. Pragmática da comunicação
humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação; (Tradução
de Álvaro Cabral). São Paulo: Cultrix, 1981
WEBER, Max – Sociologia, (tradução Amélia Cohn e Gabriel Cohn). São Paulo: Ática,
1991.

DG: OLHAR COM TEXTOS


29

IV. LIDERANÇA GRUPAL


1 – Conceito e Classificação
1.1. Etimologia: Do inglês "to lead", "conduzir, dirigir, guiar, comandar, persuadir,
chefiar".
1.2. Conceito: O substantivo concreto Líder designa aquele que, em uma dada
situação social, influencia por suas idéias e ações o pensamento e as atitudes
dos outros. O substantivo abstrato liderança implica num processo de
estímulo mútuo, pelo qual, por meio de ações recíprocas bem sucedidas, as
diferenças individuais são controladas, e a energia humana que delas deriva,
encaminhada em benefício de uma causa comum.
1.3. Classificação: A liderança pode ser classificada de duas maneiras - uma
considera a origem do poder da liderança; a outra considera os modos como
se pode exercitá-la.
1.3.1. Uma análise da origem do poder da liderança foi empreendida por Max
Weber em sua Teoria do Três Tipos Puros de Dominação Legítima.
Quais sejam: carismática, tradicional, legal.
a) Dominação Carismática. Caracteriza-se pelo exercício de uma liderança
personalista legitimada pela suposta origem sobrenatural do seu poder e,
particularmente, por suas faculdades mágicas, atitudes heróicas e poder
intelectual ou de oratória. O tipo que manda é o líder, o profeta, figura
deificada. O tipo que obedece é o apóstolo, o devoto, o sequaz.
Geralmente sua aceitação pelo grupo está ligado a períodos de pesadas
frustrações e depressões coletivas. Traduz, portanto, um movimento de
regressão quando ocorre a substituição dos quadros lógicos de raciocínio
pelas formas de natureza mágica.
b) Dominação Tradicional. Surge em virtude da crença na santidade das
ordenações e dos poderes senhoriais de há muito existente. Seu tipo mais
puro é o da dominação patriarcal. A associação dominante é de carácter
comunitário. O tipo daquele que ordena é o "senhor", e os que obedecem
são "súditos", enquanto o quadro administrativo é formado por
"servidores". Obedece-se à pessoa em virtude de sua dignidade própria,

DG: OLHAR COM TEXTOS


30

santificada pela tradição: por fidelidade. O conteúdo das ordens está


fixado na tradição, cuja violação por parte do senhor poria em perigo a
legitimidade do seu próprio domínio, que repousa exclusivamente na
santidade delas.
c) Dominação Legal. É exercida em virtude de um estatuto. Seu tipo mais
puro é a dominação burocrática. Obedece-se não à pessoa em virtude de
seu direito próprio, mas a regra estatuída, que estabelece ao mesmo
tempo a quem e em que medida se deve obedecer. O tipo daquele que
ordena é o "superior", o quadro administrativo consiste de funcionários e
os subordinados são membros da associação -cidadãos, camaradas etc.
O domínio é exercido através do trabalho profissional e em consequência
do dever objetivo do cargo. Seu ideal é o agir racional, sem a menor
influência dos sentimentos pessoais. Corresponde ao poder no estado
moderno, nas empresas capitalistas e nas associações com fins utilitários.
1.3.2. Quanto aos modos de se exercitar uma liderança, a referência está na
Teoria dos Três Climas. Esta teoria foi desenvolvida por Kurt Lewin
que, através de experiências em laboratório, fez pesquisas em torno do
quer deva ser uma "boa forma" de um grupo, ou seja, para que tipo de
organização um grupo deve se dirigir. Como resultado dos trabalhos
foram propostas três formas diferentes de "climas" no campo grupal,
cada um correspondendo a um tipo específico de liderança:
a) Liderança Democrática. Procura trabalhar em espírito de comunhão
e co-responsabilidade. As decisões são tomadas através de um
processo com participação e diálogo. O líder mostra sensibilidade
quanto ao grupo e a cada elemento integrante do mesmo. Facilita a
comunicação e a interação de todos buscando a melhor
organização.
b) Liderança Autocrática. O líder concentra em si a linha de ação e
reflexão do grupo, determinando a distribuição de tarefas a se
realizar. Acentua a dependência dos liderados em relação a ele e
reduz os contatos inter individuais entre os componentes do grupo.
c) Liderança Permissiva (Laissez-Faire). O líder não impõe nem
propõe nada, o grupo é entregue a si mesmo. É um grupo sem
diretrizes.

DG: OLHAR COM TEXTOS


31

Na "experiência dos três climas", Lewin demonstrou que no grupo autocrático


a tarefa é efetuada sem entusiasmo, a produção é média, as relações interpessoais
são tensas, os participantes sentem-se frustrados e suas atitudes oscilam entre a
apatia e agressividade, e assim que o experimentador deixa a sala, o trabalho é
interrompido. No grupo permissivo a produção é pequena, os participantes mostram
um sentimento de frustração e de fracasso, a agressividade entre os membros é
grande. No grupo democrático, a produção é alta, o nível de satisfação é elevado, as
relações entre os participantes baseia-se na cooperação com a redução das
tensões, o grupo é suficientemente autônomo para prosseguir com as tarefas
quando o coordenador se ausenta.
Além dessas duas classificações, pode-se ainda classificar a liderança
conforme outros dois aspectos:
a) Liderança de Tarefa e Liderança Sócio-Emocional. A primeira trabalha ao
nível de um problema objetivo colocado pelo grupo (tarefa explícita). A
segunda funciona na solução das tensões e conflitos intra-grupal e
também incrementando a motivação dos componentes do grupo.
b) Liderança Estatutária e Liderança Espontânea. A primeira tem suas
funções de direção determinada externamente por uma imposição legal. A
segunda emerge na própria dinâmica interna do grupo.
2 - Como se Forma a Liderança
Há diversas teorias sobre os processos de formação de uma liderança.
Destaco duas que mesmo não sendo convergentes, no entanto, não são
necessariamente divergentes. A primeira é denominada de Teoria dos Traços, e a
segunda Teoria Funcional.
1. Teoria dos Traços. Centra seus postulados na personalidade do líder. Nela
busca-se características invariantes da personalidade que sempre são
apresentadas em todas as situações de liderança, quais sejam:
• A liderança implica sempre relações interpessoais e, nessa medida,
qualidades como fluência verbal e traços como cooperação e sociabilidade
são componentes da personalidade de um líder;
• A liderança exige predisposição para influenciar e, portanto, traços como
ascendência, dominação e motivação (exemplo, motivo para o poder)
estão associados à capacidade do líder;

DG: OLHAR COM TEXTOS


32

• A liderança diz respeito à realização de objetivos específicos de sua tarefa


e, por consequência, traços como o motivo do sucesso, iniciativa, sentido
de responsabilidade, energia e competência específica deverão ser
características do líder.
Ainda dentro dessa lógica “personalística” incluo a vinculação da liderança
com o fenômeno de carisma. Max Weber define carisma como "uma certa qualidade
duma personalidade individual, por virtude da qual ele se situa à margem dos
homens comuns e é tido como dotado de poderes sobre-humanos, sobrenaturais, ou
pelo menos de poderes ou qualidades específicas excepcionais. É com base nessas
qualidades que o indivíduo é tratado como líder.
2. Teoria Funcional. Baseada na teoria do Grupo Operativo criada pelo
psiquiatra e psicanalista argentino Enrique Pichon-Rivière, busca
explicação do fenômeno da liderança através de sua função como papel
social.
Conforme Pichon-Rivière, na vida de relações os seres humanos
sempre assumem e/ou atribuem papéis sociais. Em condições normais
cada pessoa pode assumir vários papéis ao mesmo tempo: diretor numa
instituição, pai de família em casa, amigo nas relações sociais etc. Cada
um desses papeis exige (para sua real ação e legitimação institucional) a
presença de um papel complementar. Assim é estabelecido, nas
interações humanos do meio social, um permanente jogo entre o assumir
e o atribuir papéis. Ademais é precisamente esse interjogo de papéis o
que cria a coerência entre o vinculo de um indivíduo e os vínculos dos
demais componentes em qualquer grupo no qual esteja inserido.
Vínculo é uma unidade primaria de interação. Inclui um sujeito, um
objeto, sua interação e, no caso dos indivíduos adultos, a mútua
compreensão de que há comunicação e aprendizagem. Pichon-Rivière
coloca a gênese do vínculo na relação objetal estabelecida entre o recém-
nascido e sua mãe. Essa é uma relação especial, pois, para o bebê e em
certas circunstâncias para a mãe, não há diferenciação entre o Eu, o Tu
e a interação que estabelecem.
O recém-nascido internaliza essa globalidade que passa então a
constituir-se como estrutura interna do seu vínculo. Em seu crescimento e
desenvolvimento, essa estrutura introjetada dá o conteúdo afetivo e

DG: OLHAR COM TEXTOS


33

modula a aprendizagem e a disponibilidade do ser humano para


estabelecer novas relação e assumir novos papéis no contexto social.
Assim, temos no vínculo uma dupla dinâmica: uma do campo
psicológico interno do indivíduo formado em sua história pessoal; outra do
campo externo, psicossocial, que é representado pelas interações do
indivíduo com o mundo exterior e se estabelece no aqui-agora de suas
relações humana.
O cenário desses dois campos vinculares - interno e externo -
estabelece-se na carência. Essa é decorrência da raridade com que o ser
humano se defronta em seu viver e que procura superar através da
transformação de si, da natureza e da sociedade. Porém, na lógica dessa
ação transformadora necessariamente está implícito o conflito. A relação
com o outro do campo externo ainda mais inscreve-se nesse conflito,
nessa luta contra a raridade: de alimentos; de mão de obra; de máquinas;
de consumidores etc. Em compensação, é nessa relação onde instaura-se
a troca que fundamenta a coexistência humana: troca de bens; troca de
serviços; troca de informações etc.
Nessa estrutura interacional há a emergência, definição e consolidação
dos papéis sociais. Entre estes, destaca-se o papel do líder por sua
primordial função de mediação dos conflitos e facilitação da reciprocidade
e cooperatividade nos grupos humanos.
O líder, em geral, emerge espontaneamente da dinâmica grupal
humana. Pode-se afirmar sua universalidade por que assume uma função
necessária para a integridade de qualquer agrupamento social -
implicitamente ele se faz depositário dos aspectos positivos do grupo, e é
isso o que o torna, explicitamente, direcionador das diversas tarefas
desenvolvidas por esse mesmo grupo. Ressalte-se que é na realização de
tarefas que a grupalidade se constitui e tem sua finalidade, pois é através
das atividades conjuntas que se organizam os processos de pensamento,
comunicação e ação intragrupal.
Ainda pode-se enquadrar dentro dessa mesma lógica funcional os achados
básicos da sociometria; bem como algumas concepções de Kurt Lewin; e também a
idéia que grupos cristãos têm do papel do carisma na formação da liderança
religiosa. Dese modo:

DG: OLHAR COM TEXTOS


34

ƒOs testes sociométricos demonstram que o líder ("Estrela Sociométrica


Positiva") preenche dois requisitos básicos para ser considerado como tal:
primeiro, apresenta o maior índice de escolhas mutuamente congruentes no
grupo; segundo, apresenta o melhor índice da percepção de sua situação no
contexto grupal.
ƒKurt Lewin, psicólogo da corrente gestáltica, explica o fenômeno da liderança
utilizando-se dos conceitos da Teoria de Campo. Conforme essa teoria que é
originada dos conceitos da física do campo magnético, a liderança aparece
como reunindo um campo social de alto privilégio e funciona como centro de
atração de todos os movimentos coletivos.
ƒPara congregações de religiosos cristãos, charisma é dom, força divina
conferida a uma só pessoa. Porém, é um privilégio permitido por Deus em
função da necessidade de todos os que compõem a comunidade.
3 - Funções Desempenhadas pela Liderança
Cada forma de classificação da liderança implica em desempenho específico
de funções. Considerando o destino e objetivo deste curso, as funções de uma
liderança serão relacionadas de acordo com o pressuposto de que lidera de maneira
democrática e de que sua dominação é legitimada por um estatuto legal. O esquema
teórico usado será o da teoria do grupo operativo. Conforme essa teoria, no
cotidiano de um grupo de trabalho o líder exerce funções primárias e secundárias:
3.1. As funções primárias dizem respeito ao primordial papel do líder na
execução das tarefas grupal. A liderança age tanto ao nível da tarefa
explícita como da tarefa implícita.
3.1.1. A tarefa explícita é o objetivo referendado e previamente definido pelo
grupo. Neste nível o líder age como:
ƒCoordenador, quando assume e atribui tarefas.
ƒEspecialista, quando planeja, executa, acompanha e avalia a
realização da tarefa.
ƒSímbolo, quando mantém as regras instituída internamente e é
representante externo do grupo.
3.1.2. A tarefa implícita refere-se às tensões, conflitos e fatores motivacionais
inerentes ao ser humano quando em atividade grupal. A atuação do
líder é complexa nessas circunstâncias, porém, relacionaremos
algumas funções básicas:

DG: OLHAR COM TEXTOS


35

ƒÁrbitro ou mediador de conflitos interpessoais


ƒProteção e apoio individual
ƒIncremento da motivação individual
ƒFortalecimento do moral grupal
ƒCentro de recompensas e sanções
3.2. As funções secundárias são aquelas exercidas somente em situações
excepcionais para o papel do líder na dinâmica grupal. Entre estas,
destacam-se as situações em que o líder assume uma função de porta-
voz ou de bode expiatório para o grupo.
3.2.1. O porta-voz é o membro que, em um dado momento, denuncia o
acontecer grupal, as fantasias que o moveu, as ansiedades e as
necessidades de totalidade do grupo. Uma situação privilegiada para o
exercício dessa função está quando o líder torna explícita a emergência
de outros lideres no contexto grupal.
3.2.2. O bode expiatório, ao contrario do líder, se faz depositário dos aspectos
negativos e aterrorizantes da tarefa e do grupo. Nestas situações,
aparecem mecanismos de segregação, que fazem com que este membro
seja isolado das atividades em grupo. Usualmente, a situação em que o
líder exerce este papel está relacionada a frustrações e fracasso do grupo
na realização de sua tarefa.

Bibliografia
1. Amado, Gilles; Guittet, André - A dinâmica da comunicação nos grupos. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1978
2. Beal, G.M; Bohlen, J. M. Raudabaugh, J. N. - Liderança e dinâmica de grupo. Rio
de Janeiro: Zahar, 1972.
3. Buber, Martin. Eu e tu. São Paulo: Ed. Moraes, 1974
4. Bustos, D. M. - O teste sociométrico: fundamentos, técnica e aplicações. São
Paulo: Brasiliense, 1979.
5. Carneiro, F. D. de M. - Síntese teórica e reflexões sobre as limitações e
aplicabilidade do grupo operativo. Revista de Humanidades da Universidade de
Fortaleza, 4:52-58, 1989.
6. Cartwright, Dorwin; Zander, Alvin - Dinâmica de grupo-pesquisa e teoria. São
Paulo: EPU/EDUSP, 1975.

DG: OLHAR COM TEXTOS


36

7. Castilho, Áurea - Liderando grupos: um enfoque gerencial. Rio de Janeiro:


Qualitymark, 1992
8. Cohn, Gabriel (Org.); Fernandes, Florestan (Coord.). Sociologia: Max Weber.. São
Paulo: Ática, 1991. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13)
9. Demory, Bernard - Anime suas reuniões. Editorial Inquérito, s/l, s/d
10. ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL. São Paulo-Rio de Janeiro:
Enciclopaedia Britannica do Brasil, 1979. (Verbetes: Grupo; Gestalt; Liderança;
Sociologia).
11. Grinberg, Leon; Sor, Dário; Bianchedi, E. de T. - Introdução às idéias de Bion. Rio
de Janeiro: Imago, 1973
12. Jesuíno, J.C. - Processos de liderança. Lisboa: Livros Horizonte, 1987
13. Luft, Joseph - Introdução à dinâmica grupal. Santos/Brasil: Martins Fontes, 1968
14. Moreno, J. L. - Quem sobreviverá: fundamentos da sociometria, psicoterapia de
grupo e sociodrama. Volume 1. Goiânia: Dimensão, 1992
15. Pichon-Rivière, Enrique - O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes,1982
16. Weil, Pierre - Liderança, tensões, evolução: aspectos psicossociológicos da
organização moderna. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1972

V. QUALIDADE DE VIDA E AÇÃO POLÍTICA NUMA


HISTORICIDADE QUE CONSIDERA O GRUPAL

DG: OLHAR COM TEXTOS


37

1. O que é Qualidade de Vida – QV.


1.1. Definição – O conceito de QV é abstrato, sujeito a muitas interpretações e
tem sido abordado de diversas perspectivas. A discussão conceitual, mesmo
persistindo, levou à emergência de um modelo consensual. A formulação
que surgiu define QV funcionalmente, pela percepção pessoal do
desempenho em quatro áreas: ocupacional, psicológica, interação social e
sensações somáticas. Objetividade, subjetividade e multidimensionalidade,
são os atributos essenciais dessa concepção.
1.2. Aplicação no campo da saúde – O conceito foi inicialmente elaborado no
campo de ação dos ambientalistas. Contudo, foi rapidamente absorvido pelo
campo da saúde. Em 1994 a Organização Mundial de Saúde (OMS)
elaborou uma escala de QV para uso transcultural. Nessa escala, QV é: (a)
Definida como: “percepção de uma pessoa de sua posição na vida, no
contexto do sistema de valores e da cultura em que vive e em relação as
suas metas, expectativas, padrões e interesses”; (b) Conceitualmente
abrangente que engloba a saúde física do indivíduo, estado psicológico,
nível de independência, relacionamentos sociais, crenças pessoais e
relações com aspectos importantes do ambiente.
2. QV na Atualidade
Por que da sua emergência nos tempos atuais? Duas causas históricas ocupam
espaço privilegiado:
2.1. A conscientização ambientalista – a defesa da mãe terra.
2.2. O avanço informático – “a liberação de tempo em trabalho propiciando
mais tempo em livre fazer”.
3. Opiniões Ideológicas Socialmente Predominantes em Questões de QV
3.1. QV como algo hedonista – por acentuar o culto ao corpo, é de natureza
individualista, sendo vinculado, exclusivamente, ao prazer momentâneo
– práticas: malhação em academias, segue o lema: “não às drogas”,
usa revigorantes (suplementos vitamínicos) etc. Opinião bastante
difundida por obras denominadas de auto-ajuda.
3.2. QV como uma ação entusiasmada em torno de um projeto – Pela
consciência de uma idéia projetada é de natureza dialética. Portanto,
dialógica. Daí, coletivista. Práticas: trabalho cotidiano em coletivos
grupais – equipes, oficinas, tribos, troupes etc. Exercícios de escuta e

DG: OLHAR COM TEXTOS


38

manifestação de opinião; respeito a si mesmo e aos demais;


espontaneidade na manifestação de sentimentos; engajamento em
atividades que propiciam alegria e prazer.
4. Um Comentário sobre o Entusiasmo
A palavra entusiasmo etimologicamente significa: “Deus dentro de si”, “Sob
inspiração divina”. Observar que são várias as concepções de Deus:
ƒNo Ocidente judáico-cristão: Deus Tu (cristão), Deus Tudo (panteista),
Deus Eu (hassídico).
ƒNo oriente indiano – Deus em relação (hare krishna)
5. Comentários sobre o Projeto
A idéia de projeto na ciência e na arte da Dinâmica Grupal foi, explicitamente,
colocada por dois autores:
5.1.1. Enrique Pichon-Rivière, argentino, psiquiatra e psicanalista criador da
teoria e da técnica do Grupo Operativo. Para ele: “o projeto emerge da
ação consciente de um grupo reunido em torno de uma tarefa”.
5.1.2. Max Pagès, francês, professor de psicologia social que desenvolveu a
concepção do “trabalho amoroso”. Para ele: “todo grupo, mesmo
inconscientemente, tem o seu projeto de autonomia e autogestão”.
6. Projeto de QV e Historicidade que Considera o Grupal
6.1. A historicidade e a questão da proposição do real
6.1.1. A ação de grupos governa a história. Exemplos na atualidade: a
comissão parlamentar, o conselho governamental, o plenum jurídico, o
comando militar, a equipe de produção etc.
6.2. A proposição do real e seus pressupostos básicos
6.2.1. Wilfredo Bion, inglês, psicanalista da Tavistock Clinic em Londres
afirma: “subjacente a toda atividade grupal, encontram-se três
pressupostos básicos: luta-fuga, dependência, acasalamento”.
6.2.1.1. Pressuposto de luta-fuga – O modo primário é a ação, e o objetivo
do processo é a preservação do grupo a todo custo.O líder é encarado
como o mais corajoso e arguto de todos os membros grupais, e assim
ele é chamado a mobilizar o grupo como se fosse para ataque ou
fuga. Daí esse pressuposto ser característico dos grupos militares.As
manifestações emocionais predominantes - medo e raiva, deixam

DG: OLHAR COM TEXTOS


39

implícito que o modo primário de atuação grupal está centrado na


evitação.
6.2.1.2. Pressuposto de dependência - O grupo age primariamente com
passividade em pensamentos e ações, e isso faz com que este se
comporte como se um dos seus membros fosse capaz de tomar a
liderança, e cuidá-lo totalmente. Esse líder, onipresente, onisciente é
idealizado a nível quase religioso. Daí, esse tipo de pressuposto básico
ser característico de grupos religiosos. Emoções predominantes –
culpa, ciúmes, ressentimentos, se manifestam com desapontamento,
hostilidade, disputa (muita vezes surda) entre os membros.
6.2.1.3. Pressuposto de acasalamento - Neste pressuposto o objetivo do
grupo é reproduzir-se. Quanto ao líder, esse é imaginado como ainda
não nascido, havendo a crença coletiva e inconsciente de que os
problemas e necessidades do grupo, sejam quais forem, serão
solucionados no futuro por alguém ou algo que ainda está por vir.
Existe, nesse sentido, uma esperança do tipo messiânica. Essas
características fazem com que o pressuposto seja aplicado em grupos
partidários do tipo aristocrático. As emoções predominantes são a
esperança e o otimismo a respeito do futuro. O termo acasalamento
significa que, quando em atividade grupal, esse clima de alegria e
esperança leva a um movimento peculiar em que dois indivíduos,
independentemente do sexo de cada um, formam um casal sob o
beneplácito do restante dos elementos do grupo.
6.3. Os pressupostos básicos e a governabilidade na história
6.3.1. O pressuposto de dependência foi predominante no período feudo-
medievalista – a dependência do senhor feudal, a hegemonia da Igreja
papista etc.
6.3.2. O pressuposto de luta-fuga foi, e ainda é, predominante nesta fase
secular da história.
6.3.2.1. O imperialismo do capitalismo anglo-francês – O colonialismo; a
agressividade intervencionista etc.
6.3.2.2. O nazi-fascismo – A mistificação com mobilização paranóica de uma
raça; a fé cega em homens feitos deuses (Hitler, Mussoline) cruéis e
conquistadores etc.

DG: OLHAR COM TEXTOS


40

6.3.2.3. O stalinismo – O isolacionismo (“construção do socialismo num só


país”); os expurgos; a esquizo-paranóia de um só: Stalin; a
burocratização etc.
6.3.2.4. O neo-liberalismo norte americano – O capitalismo selvagem; a
competitividade pelos mercados; “as fugas de capitais”, o trabalho
radicalmente expropiado pela fetichização absoluta da mercadoria
dinheiro etc.
6.3.3. O pressuposto de acasalamento será predominante na ‘pós-
modernidade’ do século XXI. Isso já se manifesta através de:
6.3.3.1. A feminilização do trabalho
6.3.3.2. O culto mariano na religiosidade católica
6.3.3.3. O ambientalismo – a “mãe terra”
6.3.3.4. O respeito à diferença – feminismo, movimento gay etc.
6.3.3.5. A proteção do futuro – amparo à criança, movimento pró-terceira
idade, saúde coletiva e preventiva etc.
7. Conclusão Final
A partir do que acima foi relatado, chama-se a atenção do militante para que,
em sua ação entusiasmada em torno de um Projeto Histórico para Global Qualidade
de Vida, considere sua ação em termos estratégicos e táticos.
Estrategicamente observar que todo processo histórico é dialético. Mas que,
na especificidade dos tempos atuais, se explicita como sumamente dialógico,
sendo por isso essencialmente amoroso (“amar ao próximo como a si mesmo”), e
no cotidiano emerge através da escuta, da manifestação de opinião, e da
reciprocidade interpessoal.
Taticamente considerar os pressupostos básicos apresentados. Quanto a
isso, Dalmiro Bustos, argentino, psicodramatista e sociometrista, diz o seguinte:
“Diferentes projetos estimulam aspectos diferentes, como se na referência
cibernética pudéssemos nos ver como sendo movidos por diferentes programas.
Dependendo de qual deles seja ativado, teremos como resultado um tipo de vínculo.
Há quem nos ative o programa competitivo ou o desejo de ajudar, ou o programa
erótico”.
Para concluir com essa afirmativa, observar que a cada um desses
programas corresponde um pressuposto básico, o qual, por sua vez, determina
diferentes modelos de conduta. Ou seja: o programa competitivo corresponde ao

DG: OLHAR COM TEXTOS


41

modelo projetado pela luta-fuga; a ação que se dá em torno do desejo de ajuda,


vincula-se à dependência; o programa erótico (Eros é o amor que, como afirma
Sigmund Freud, alemão, criador da psicanálise, mantém unido tudo o que existe no
mundo) corresponde ao modelo de acasalamento.

Bibliografia
Bion, Wilfredo R. Experiências com grupos: os fundamentos da psicoterapia de
grupo, tradução e prefácio de Walderedo Ismael de Oliveira. 2a edição. Rio de
Janeiro: Imago, 1975.
Campos, Eugênio de Moura, Caetano, Dorgival. Qualidade de vida de pacientes
esquizofrênicos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, volume 47, número 2, pág. 19-
22, 1998.
Carneiro, Francisco Danúzio de Macêdo. Abordagem multidisciplinar sobre o
trabalho humano. Fortaleza, set 1994. 15 p. (Monografia apresentada à
disciplina Saúde e Trabalho, Responsável: Prof./Dr. José Jackson Sampaio,
Mestrado em Saúde Pública, Universidade Estadual do Ceará).
Kollontai, Alexandra. A nova mulher e a moral sexual, tradução: Roberto Goldkron,
revisão: Armandina Venâncio. São Paulo: Global, 1979.
Mirador-Enciclopédia Mirador Internacional. São Paulo-Rio de Janeiro:
Enciclopaedia Britannica do Brasil, 1979. .
Miranda, Valton de. A paranóia do soberano: uma incursão na alma da política.
Petrópolis: Vozes, 2000.
Nudel, Benjamin Waitrob. Moreno e o hassidismo: princípios e fundamentos do
pensamento filosófico do criador do psicodrama. São Paulo: Agora, 1994.
Pagés, Max. A vida afetiva nos grupos. Coleção Concientia, n. 1, 1974, Ed. Vozes,
Petrópolis, RJ.
Pichon-Rivière, Enrique. O Processo grupal São Paulo: Martins Fontes, 1982.
Santos, Sady Ricardo dos. Viva mais e melhor. Curitiba: Juruá, 1999.
Trotsky, Leon. Programa de transição. São Paulo: Proposta Editorial, 1980.

VI. INTRODUÇÃO TEÓRICA E APRESENTAÇÃO DE UM MODELO


DE PROJETO DE GRUPO OPERATIVO

DG: OLHAR COM TEXTOS


42

1O - Introdução Teórica
Pelo que sabemos, o conceito de projeto foi introduzido na Dinâmica Grupal pelo
psiquiatra e psicanalista argentino Enrique Pichon-Rivière em sua teoria e técnica do
Grupo Operativo.
Para Pichon, o projeto surge como emergente da tarefa executada por um
grupo, e seu surgimento dá-se quando todos os membros conseguem visualizar um
objetivo para essa grupalidade. Isto é, quando têm conhecimento de que pertencem
a uma estrutura grupal específica, com objetivos também específicos.
Podemos dizer que toda elaboração pichoniana sobre o projeto resume-se a
esta constatação. Pois ele, ao contrário do conceito de tarefa, não aprofundou os
aspectos teóricos em relação a essa proposição, e praticamente não deixou
nenhuma diretriz sobre a aplicabilidade do seu conceito de projeto.
Quanto a isso, uma crítica que se poderia fazer a Pichon é que ele pouco se
preocupou em desenvolver a idéia de projeto, certamente devido à sua formação
básica ter se dado no campo de uma psicanálise (individual) cujos princípios e
regras determinam uma postura abstinente para o analista durante a condução do
processo terapêutico. Isso implica em preceituar que a condução terapêutica seja a
mais neutra e a menos diretiva possível, devendo então o profissional limitar-se,
quase que exclusivamente, a interpretar e a assinalar sobre o discurso do
analisando.
Uma outra crítica relativa à sua idéia de projeto pode ser formulada em
relação a uma atribuição de abrangência para o termo tarefa que ele propõe.
Pichon-Rivière procurou elaborar uma teoria integrativa para o processo de
resolução da tarefa baseado numa metodologia interdisciplinar que inclui os
postulados da Psicologia Topológica de Kurt Lewin, da Razão Crítica e Dialética de
Jean Paul Sartre, e do Psicodrama de Jacob Levy Moreno.
1. Da topologia lewiniana, o princípio da contemporaneidade foi absorvido na
idéia do aqui-agora como expressão da horizontalidade dos processos
grupais;
2. A proposição dialética de Sartre foi absorvida de dois modos: um é
específico e diz respeito à idéia de que é uma necessidade o que impulsiona
o grupo. Quanto a isso, observa-se que Pichon-Rivière ampliou o conceito
sartreano de necessidade - além dos fatores sócio-econômicos, incluiu os

DG: OLHAR COM TEXTOS


43

fatores chamados de subjetivos, como desejos e ansiedades. Também com


isso, ele rejeitou a idéia de instinto em Freud e a substituiu pela necessidade
que, segundo ele, permite uma adequada expressão para a dinâmica social;
o outro modo é global, pois a lógica dialética foi globalmente absorvida no
modelo de mudanças construído por Pichon-Rivière, e definido em três
etapas: pré-tarefa, tarefa e projeto.
3. O conceito psicodramático de espontaneidade está implicitamente referido à
idéia de projeto como a busca da autonomia do ser. Isso, do ponto de vista
ontológico, implica num estado de ser espontâneo e criativo.
Desses três postulados, o único que foi explicitamente absorvido por Pichon
em seu conceito de tarefa foi o primeiro - A noção de que o aqui-agora abrange toda
a tarefa grupal, que implica na regra de coordenação: “respeitar o emergente do
grupo”, e que determina a supracitada diretriz: “O profissional deve limitar-se a
interpretar e a assinalar sobre o discurso da grupalidade”.
De acordo com esse modelo, a função do coordenador não pode ser
propositiva. Quer dizer: ele não pode agir ativamente para que as coisas
aconteçam no grupo.
Contudo, deve-se considerar que Pichon-Rivière, ao incluir em seu Grupo
Operativo um modelo para se avaliar o ‘acontecer grupal’, objetivamente deu as
condições necessárias para que sua técnica fosse utilizada sem essa visão
restritiva. Esse modelo, que implica numa postura pró-ativa do coordenador, foi
chamado por ele de Esquema do Cone Invertido, e inclui sete critérios de avaliação:
identificação, pertença, comunicação, cooperação, pertinência, aprendizagem e
tele.
É um modelo que também, tanto está implicitamente referido à historicidade
referida na teoria sartreana (especialmente no critério de cooperação), como
através do critério télico, explicitamente se vincula ao sentido teleológico (utópico)
da criação moreniana.
Moreno, em sua utopia, foi fortemente influenciado pelo hassidismo - uma
seita judia que apregoa o encontro com Deus através de uma dinamização da
grupalidade de crentes por meio de lideranças santas e justas (o tzadik), e então
propôs a criação de uma utópica comunidade sociométrica. Para isso apresentou a
Sociometria como o instrumento para implementar esse modelo comunitário; e

DG: OLHAR COM TEXTOS


44

desenvolveu o Psicodrama (drama em grego significa: ação) como o instrumento


para ativar a espontaneidade e criatividade grupal.
A proposição de Sartre implica em diretividade – a cooperação só prevalece
sobre o conflito se houver um mediador, que torna-se assim o direcionador (o líder)
das atividades grupais. Esse mediador tanto pode ser encarnado na figura de um
líder pessoal, como também pode ser expresso num estatuto de permanência (num
“juramento”, segundo a linguagem sartreana) para o grupo, sendo pois esse estatuto
o que se chama de projeto, e é isso o que consideramos no nosso trabalho com
grupos operativos.
Antes de apresentar um modelo de projeto, é necessário ressaltar que sua
adoção significa estabilidade para um grupo. Contudo, essa estabilidade pode ter
dois desdobramentos: um positivo, em que a estabilidade permanente seria
alcançada através de um projeto de autogestão que surgisse através de um
compromisso (“juramento”) democrático e espontâneo mantido, continuamente,
como base da grupalidade. Outro negativo, onde o grupo se burocratiza. Ou seja,
em lugar de se organizar baseando-se, sobretudo, numa operação de autonomia
sobre si mesmo, o grupo toma o seu próprio sistema de compromissos (o
“juramento”, as regras institucionais) como objetivo principal. Assim, uma
estabilidade permanente só poderia ser conseguida através de obrigações, medidas
autoritárias e centralizadoras provenientes do exterior.
O projeto de grupo operativo apresentado a seguir está sendo desenvolvido
no Hospital Geral de Fortaleza desde janeiro de 1998. Ele serviu de modelo para
implantação de dois outros grupos operativos – cirurgia oncológica e
acompanhantes do serviço de pediatria -, no mesmo hospital.
2o Apresentação do Projeto de Grupo Operativo com Familiares e Pacientes
Renais Crônicos Atendidos no Serviço de Hemodiálise do HGF
1. Introdução
• Um Grupo Operativo (GO) é definido como um conjunto de pessoas que têm
um objetivo comum, objetivo esse que tentam abordar trabalhando em equipe.
Um GO pode se reunir para realizar múltiplas tarefas: terapêuticas;
aprendizagens; produtividades etc
2. Identificação

DG: OLHAR COM TEXTOS


45

• GO será direcionado para os familiares e pacientes, de ambos os sexos,


portadores de insuficiência renal crônica que estejam em atendimento no
programa de hemodiálise do HGF.
3. Objetivo Geral
• Oportunizar aos pacientes um espaço para informação, orientação e reflexão
sobre as implicações da insuficiência renal e das conseqüências para as suas
vidas.
4. Objetivos Específicos
• Favorecer ao grupo expor seus questionamentos e dúvidas;
• Transmitir informações sobre a doença e os métodos terapêuticos;
• Estimular a mudança de hábitos que favoreçam a melhoria de vida do
paciente;
• Incentivar a participação dos familiares no tratamento do seu paciente;
• Conscientizar o paciente sobre as vantagens de seguir as instruções médicas;
• Sensibilizar para o transplante renal;
• Estimular a integração grupal, favorecendo a inserção social do paciente.
5. Estrutura
• Estruturalmente, o grupo será uma unidade com três dimensões: a primeira
engloba todos os componentes, e é o GO formado pelos pacientes com
insuficiência renal, seus familiares e uma equipe técnica multidisciplinar; a
segunda inclui somente a equipe técnica; e na terceira participam apenas os
pacientes e os familiares.
• A equipe denomina-se de operativa, pois, através de uma ação interdisciplinar
e planificada, coordena as tarefas do GO. Neste momento do projeto, a
operatividade da equipe se dará através de três papéis: (1) Supervisor; (2)
Coordenador; (3) Orientadores de tarefas especiais, tais como: nefrologia;
psicologia; enfermagem e nutrição.
6. Funcionamento
• As reuniões do GO serão realizadas mensalmente. Dia: última quinta-feira de
cada mês. Horário: 10:00 às 11:00 horas. Local: sala de aula do setor de Raio
X.

DG: OLHAR COM TEXTOS


46

• As reuniões da equipe operativa serão trimestrais. Preferencialmente no mês


de dezembro (para avaliação e planejamento anual); e nos meses de março,
junho e setembro.
• A previsão é de uma reunião semestral com a participação de somente
pacientes e familiares.
7. Metodologia
• Por ser a planificação inerente ao método, a coordenação terá uma atuação
explicitamente diretiva, e operacionalizará diversos tipos de tarefas:
♦ Encontros para estabelecimento de ajuda interpessoal.
♦ Seminários e exposições para transmissão de informações relevantes à
hemodiálise.
♦ Oficinas para aprendizagem de alternativas (alimentação, por exemplo) que
facilitem a convivência com o problema etc.
♦ Jogos dramáticos para, através de uma convivência social alegre e afetiva,
incrementar a capacidade do paciente para administrar sua problemática.
8. Conclusão
• As atividades em Grupo se inserem na perspectiva de um vida saudável para o
hemodialisado, permitindo-lhe viver de maneira espontânea e criativa com sua
patologia.

DG: OLHAR COM TEXTOS


47

VII. CARTA A UM RELIGIOSO: A PRIMAZIA DO CRISTO NA


GRUPALIDADE HUMANA.
Esta carta é apenas um primeiro ensaio, ainda mal alinhavado e pouco
fundamentado, sobre algumas idéias que venho tendo no campo da teologia.
Essas idéias giram em torno de duas teses: Primeira Tese - Cristo, iniciando-
se por sua Sagrada Família, instaurou na história a grupalidade e,
consequentemente, o predomínio da sociabilidade (sociedade) humana; Segunda
Tese - Cristo operacionalizou sua missão dentro de um contexto, real e simbólico,
estritamente vinculado à grupalidade (inclusive familiar) humana.
Como se pode ver, essas duas teses tratam não propriamente de uma
teologia “a la escolástica”, mas de uma concepção da missão de Jesus como algo
eminentemente social e operacionalizada através de uma metodologia grupal.
Antes de apresentar alguns argumentos para fundamentar essas duas teses,
acho que é necessário ressaltar que sua concepção já foi apresentada a outras
pessoas do âmbito religioso, e tenho notícias de que elas concordam com seu
conteúdo. Contudo, ainda necessito encontrar mais e melhores interlocutores para
uma discussão aprofundada sobre o assunto. Daí, descobri que o senhor, por sua
formação pessoal e pela dedicação aos trabalhos de evangelização, pode ser mais
um dos meus abalisados críticos.
Quanto à Primeira Tese, a de que Cristo instaurou a grupalidade humana,
tenho visto em muitas fontes dados que podem fundamentá-la. Por exemplo, no
erudito livro A Condição Humana (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999),
a respeitadíssima pensadora alemã Hanna Arendt, apresenta toda uma
argumentação que pode ser usada neste sentido.
Numa passagem, Arendt afirma: A prática de vender crianças e enjeitar
filhos foi exercida durante toda a antiguidade.
Através dessa passagem que, como todo esse livro de Hanna, está referida
apenas à cidadania aristocrática da polis greco-romana, pode-se concluir que ao
tornar ‘excluível’ um dos seus elementos constituintes – os filhos -, a família da
idade clássica (pré-cristã) também excluía a possibilidade de vir a se constituir
enquanto uma grupalidade natural, sendo por isso muito mais um clã com fortes
características de horda, do que um grupo familiar propriamente dito. Isto é, falo de
um grupo constituído por três elementos, individualmente distintos: pai, mãe, filho/s.

DG: OLHAR COM TEXTOS


48

Ainda na mesma Arendt, outras passagens que reforçam essa idéia. Cito
mais uma: Ë significativo que a palavra social seja de origem romana, sem
qualquer equivalente na língua ou no pensamento grego. Não obstante, o uso
latino da palavra societas tinha também originalmente uma acepção
claramente política, indicava certa aliança entre pessoas para um fim
específico, como quando os homens se organizam para dominar outros ou
para cometer um crime. Somente com o ulterior conceito (da era cristã) de
uma societas generis humani, uma sociedade da espécie humana, é que o
termo social começa a adquirir o sentido geral de condição humana
fundamental.
Em outras fontes bibliográficas pode-se também encontrar outros dados que,
mais explicitamente, fundamentam a mesma tese. Por exemplo, a pensadora
francesa Elisabeth Badinter, em sua obra Um Amor Conquistado: o Mito do
Amor Materno” (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, pagina 30), afirma:
Cidadã de Atenas ou de Roma, a mulher tinha durante toda a sua vida uma
condição jurídica de menor, ou pouco diferente da condição de seus filhos.
Foi preciso esperar a palavra de Cristo para que as coisas se modificassem.
Guiado por esse princípio revolucionário que é o amor, Jesus proclamou que
a autoridade paterna não se estabelecera no interesse do pai, mas no do filho,
e que a esposa-mãe não era sua escrava, mas sua companheira.
Desse modo, pode-se também concluir que, como não poderia haver a
constituição do grupo familiar, antes de Cristo não poderia haver o que na
atualidade se conhece por sociedade (sociabilidade) humana. Isto acontece porque
a família, como o protótipo dos grupos primários, é a primeira e principal base da
dinâmica social do ser humano.
Como tentativa de fundamento para a Segunda Tese, ou seja, a de que é
notavelmente pertinente a relação entre os termos da missão cristã e a ciência da
Dinâmica Grupal, apresentarei quatro fragmentos de comentários sobre aspectos e
palavras dos Evangelhos.
1) A cruz é, em alegoria, representativa de um cruzamento entre a dimensão
individual (expressa na sua vertical subjetividade) e a dimensão grupal
(expressa na horizontalidade objetivada socialmente) do ser humano.
Sobre isso, num artigo jornalístico (O Povo, “Jornal do Leitor”, 01/02/1998)
denominado de A geometria Evangélica da Cruz, o padre cearense Antônio

DG: OLHAR COM TEXTOS


49

Vieira diz: Não foi sem razão que Cristo escolheu a cruz como instrumento
de sua paixão e morte. Além de ser o mais torturante e crucial dos
suplícios aplicados aos crimes mais ominosos e abjetos, para Cristo tinha
uma dimensão infinita e universal de sua missão redentora (...) A cruz é a
figura geométrica mais perfeita, mais rica de simbolismo, mais refulgente
de motivações místicas e espirituais. A matemática na sua estrutura álgida
de certeza e exatidão absolutas, pontifica que se duas paralelas se
encontrassem na plenitude dos tempos, unindo o céu à terra, Deus ao
homem (...) Cristo é linha vertical que liga o céu à terra. A humanidade é a
linha horizontal, distendida no tempo e no espaço, marcando a direção e
destino da história (...).
2) “Cristo, objetivamente, percebeu a especial fertilidade da organização grupo
humano. Ele manifestou isso, de maneira acurada, no episódio do Milagre da
Multiplicação dos Pães. Esse foi assim descrito por Lucas (9,14): Jesus,
porém, disse aos seus discípulos - fazei a multidão acomodar-se por
grupos. Assim fizeram, e todos se acomodaram. E tomando os cinco pães
e os dois peixes, Ele os abençoou e deu aos discípulos para que
distribuíssem à multidão. Todos comeram e foram saciados.
Quanto a isso, num opúsculo chamado de Bíblia e Organização Popular,
pertencente à série Estudos Bíblicos (Petrópolis: Vozes, 1985), está escrito:
Jesus propõe (no Milagre da Multiplicação dos Pães) a divisão do povo em
pequenos grupos para facilitar a descoberta, através do diálogo, de sua
própria situação. A massa reunida só é capaz de ter força, quando
organizada.
3) De acordo com a teoria do Grupo Operativo, que foi concebida pelo psiquiatra e
psicanalista argentino Enrique Pichon-Rivière, quando em tarefa, num grupo
emergem, de maneira informal e muitas vezes de modo inconsciente para seus
membros, quatro tipos de papéis sociais: líder, porta-voz, bode expiatório,
boicotador. Cristo, de maneira explicitamente consciente, assumiu esses quatro
papéis: (1) Líder glorificado na entrada triunfal em Jerusalém; (2) Porta-voz do
divino entre os homens como está em João 15-21: Eu rogarei ao Pai, e Ele vos
dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito
da Verdade); (3) Bode expiatório para remissão dos pecados da humanidade;
(4) Boicotador para aqueles, como os da seita dos Zelotas, que queriam

DG: OLHAR COM TEXTOS


50

restringir a sua tarefa apenas ao aspecto da libertação do jugo romano pelo seu
povo.
4) Finalmente, deve-se ressaltar que Cristo operacionalizou seus ensinamentos
através do grupo dos doze apóstolos. Com eles, inclusive, os dados indicam
que manteve uma relação típica do que se chama atualmente de liderança
democrática. Ou seja, aquele líder que age com reciprocidade, e antes de tomar
uma decisão, como nos informa Mateus (16.13) “consulta a base”. Isto é: Jesus
perguntou aos seus discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do
Homem? (...) E vós quem dizeis que eu sou?’ Simão Pedro respondeu: ‘Tu
és o Messias, o Filho do Deus vivo’. Respondendo Jesus lhe disse: ‘Tu és
Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja”.

DG: OLHAR COM TEXTOS


51

VIII. ÉTICA: CONSENSO EM AÇÃO COMUNICATIVA SÓCIO-GRUPAL


A questão da fundamentação é a grande controvérsia do campo da ética.
Inclusive há um momento de passagem, um divisor na história – antes, até a idade
média, a fundamentação ética era religiosa; daí, o alcance dos fundamentos da
moral era uma tradição: a palavra de Deus é o fundamento último; depois, com o
renascimento, o iluminismo, as descobertas e as revoluções, veio a
contemporaneidade e a fundamentação ética acabou sendo rejeitada ou buscada
com argumentos de outros campos.
Há uma rejeição no campo Nietzscheano, niilista, defensor da tese de que a
moral, em sentido comum, acabou depois que a fundamentação religiosa foi
rejeitada; também depois que outras tentativas de fundamentação não religiosa
como a kantiana fracassaram (Tugendhat, 1996).
Outro campo de rejeição, é a lógica dos pensadores vinculados ao círculo de
neopositivistas formado no início do século XX em Viena. Eles são da concepção
de que a pergunta pela fundamentação dos nossos juízos morais não possui
nenhum sentido. A hipótese desses empiristas é a de que todas as proposições de
conteúdo de conhecimento (ou seja, com sentido) ou são tautologias apriorísticas
da matemática e lógica ou juízos empíricos de fatos. Uma vez que as proposições
éticas não são nem umas nem outras, seriam necessariamente emocionais,
expressão de sentimentos, daí, inferem que os juízos éticos não possuem conteúdo
gnosiológico (Heinemann, 1983).
Já entre os que, como nós, são da opinião de que há fundamentos
conhecíveis na ética, encontra-se a idéia central de que toda ação moral implica
num juízo de valor sobre uma situação de fato (objeto, atitude) a partir de um modelo
ideal (bem, fim). O problema ético da fundamentação da ação moral é o problema da
determinação deste valor, deste bem ou deste ideal; e também é fundamentação por
que se trata de buscar a base, a raiz última da ação moral (Landim, 1992).
Nessa idéia há dois aspectos: um, centrado no termo juízo de valor; outro, no
termo modelo ideal. Esses poderíamos fundamentar com múltipla argumentação,
quais sejam: em torno de cada um per sí, ou com os dois em coordenação; sendo
um causa, outro conseqüência; o primeiro em termos da gênese, o segundo da
formalização, etc.

DG: OLHAR COM TEXTOS


52

Nesta tarefa, tentaremos clarificar algumas idéias sobre a gênese e a


formalização. Termos que consideramos os mais fundamentais para se entender a
Ética.
(1°) Gênese. Historicamente, na questão genealógica, desenvolveram-se
duas concepções: religiosa; não religiosa (natural).
A primeira, como já vimos, fundamenta em Deus o princípio da moral (Mora,
1993). Portanto, é uma concepção que deve ser desenvolvida num estudo de
teologia; e não, pelo menos de maneira imediata, num trabalho feito estritamente
no campo ético, como este.
A segunda, busca a fundamentação na natureza do ser humano, sendo por
isso chamada de ontológica (Landim, 1992). Achamos essa mais compatível com o
nosso intento, e para desenvolvê-la procuraremos responder a uma pergunta
decisiva: como deve ser compreendida a motivação (motivo da ação; motor da ação)
na moral humana? Para respondê-la, novamente colocam-se duas proposições: a
razão em Kant; a compaixão em Schopenhauer (Schopenhauer, 1995).
Da célebre distinção que Kant fez entre o fenômeno e a coisa-em-si
originaram-se tanto o próprio enunciado kantiano, como o “Schopenhaueriano”: (1)
Kant, parte da coisa-em-sí, uma razão pura definida por ele como liberdade; para
chegar à razão prática, um fenômeno que se expressa num imperativo categórico
(Kant, 1980); (2) Schopenhauer, parte de um fenômeno “prático”, a compaixão;
para chegar à vontade definida como a coisa-em-sí.
A primeira proposição é sintética – do absoluto de uma razão pura, chega-se
a um imperativo categórico particular, prático, do tipo: age de tal modo que a
máxima de tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de
uma legislação universal (Kant, 1989); a segunda é analítica – parte de um
sentimento particular de compaixão, cuja expressão mais acabada são as palavras
evangélicas: ama a teu próximo como a ti mesmo (Schopenhauer, 1995); para
chegar a uma cosmologia da vontade una, indestrutível e liberta de qualquer
causalidade.
Do racionalismo da primeira, ao “irracionalismo” da segunda, podemos tirar
conseqüências substanciais em torno dos juízos morais.
Por exemplo, observamos que a proposta “irracionalista” de Schopenhauer
permite um padrão confortável para quem, no cotidiano, quer tomar decisões que
se considere boas em termos de juízo moral.

DG: OLHAR COM TEXTOS


53

Quanto à proposta racionalista de Kant, entendemos que ela se insere, como


pressuposto perfeitamente análogo (Tugendhat, 1996), na definição das normas
contratualisticas (“Dez Mandamentos da Lei de Deus”; “Declaração Universal dos
Direitos do Homem”; “Código de Ética Médica”; etc.) primordial para o
estabelecimento da cooperação e, consequentemente, desenvolvimento da
civilização humana.
Com esse entendimento chegamos ao segundo termo fundamental: o da
formalização de um modelo ideal.
(2°) Formalização. Assim como ocorre quanto à gênese do juízo moral, em
termos históricos, também apresentaram-se duas vias de formação para justificar a
adoção de um modelo ideal no campo da ética: religiosa, e não religiosa.
De acordo com a via religiosa, um modelo ideal justifica-se por sua
formalização em Deus – o exemplo maior desta concepção está nos mandamentos
da lei mosaica. Já a via não-religiosa, aponta a natureza civilizatória da
humanidade, como a responsável por esse processo histórico de formalização e
adoção justificada de um modelo ético ideal.
Mais uma vez, pela pertinência ao trabalho, apenas falaremos sobre o
modelo naturalista. Antes é necessário uma informação, na área das ciências que
envolvem o comportamento humano (Watzlawick, 1981) é célebre a distinção que
se faz entre o como, e o por quê. No campo moral o por quê se refere à gênese, e
o como à formalização de um modelo ideal.
Sabemos que se pode formalizar um modelo ético ideal em dois níveis, ditos
metaforicamente: superior e inferior (Tugendhat, 1996). O inferior é o do
contratualismo moral, explícito em códigos, normas e mandamentos. O superior
refere-se àquilo que os antigos filósofos chamavam de metas mais elevadas da
vida humana, e cuja expressão está ou numa felicidade (eudaimon), como em
Aristóteles, ou num prazer hedonista, ou numa virtude estóica, ou numa iluminação
do ser (Plotino), ou ainda numa utilidade (Bentham).
Pensamos que o fundamental para formalização de qualquer um desses
modelos está num como; ou seja: como foi formalizado o modelo ético ideal?
Para essa pergunta temos uma resposta: através de uma consensualidade
obtida, num momento historicamente determinado, por um conjunto sócio-
grupal em torno do que considera um supremo bem.

DG: OLHAR COM TEXTOS


54

Dessa resposta, gera-se uma outra pergunta: como é obtida essa


consensualidade? Novamente respondemos: através de uma ação social similar
ao que se denomina de ação comunicativa (Oliveira, 1993).
Ora, afirmaremos como preâmbulo da conclusão: se uma das características
fundamentais desse tipo de ação reside no fato de que sua intencionalidade básica é
produzir consenso, e se é a intencionalidade que doa sentido (Husserl, 1980) a um
ato, então, é a “intenção consensualizada” que dá sentido, e, portanto,
cognoscibilidade (ou validade, ou legitimidade) ao fato expresso no termo supremo
bem.
Então concluímos – assim como a generalidade (Carneiro, 1996) dá
legitimidade a um fato científico, a consensualidade deve dar legitimidade a um fato
moral.
À guisa de escólio ainda diremos: se a falsificabilidade (Popper, 1993)
representar algo para um fato científico, a unanimidade também o representará para
um ato moral como um bem supremo.

Bibliografia
Carneiro, Francisco Danúzio de Macêdo - K. Raymund Popper e outras coisas.
Ensaio não publicado (quatro páginas), Fortaleza, agosto de 1996.
Heinemann, Fritz. A flosofia no século XX (tradução e prefácio de Alexandre F.
Morujão). 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1983.
Husserl, Edmund. Investigações lógicas: sexta investigação: elementos de uma
elucidação fenomenológica do conhecimento (seleção e tradução de
Zeljko Loparié e Andréa Maria Altino de Campos Loparié). - São Paulo:
Abril Cultural, 1980 (Os pensadores).
Kant, Immanuel - Crítica da razão pura; (tradução de Valério Rodhen e Udo Baldur
Moosburger). – São Paulo: Abril Cultural, 1980 – (Os pensadores).
Landim, Raimundo do Nascimento Batista - Ética e realidade: apontamentos
metafísicos acerca da fundamentação ontológica da avaliação moral hoje.
Revista de Humanidade Ano 8-1992, Fortaleza-Ce, Centro de Ciências
Humanas da Universidade de Fortaleza, Anual.
Mora, José Ferrater – Dicionário de filosofia; (tradução Roberto Leal Ferreira,
Álvaro Cabral). São Paulo: Martins Fontes, 1993.

DG: OLHAR COM TEXTOS


55

Oliveira, Manfredo Araújo de - Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola,


1993 (Coleção Filosofia: 28).
Popper, Karl Raymund. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1993.
Schopenhauer, Arthur - Sobre o fundamento da moral; (tradução de Maria Lúcia
Cacciola). São Paulo: Martins Fontes, 1995 (Coleção Clássicos).
Tugendhat, Ernst. Lições sobre ética; (tradução: grupo de doutorandos do curso de
Pós-graduação em Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul).
Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
Watzlawick, P; Beavin, J. H; Jackson, D. D. Pragmática da comunicação humana:
um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação; (Tradução
de Álvaro Cabral). São Paulo: Cultrix, 1981.

DG: OLHAR COM TEXTOS


56

IX. DINÂMICA GRUPAL E CUBISMO: SETE ANOTAÇÕES COM


OBSERVAÇÕES DE PERTINÊNCIAS. OU: SERÃO BLEFES
ESSAS OBSERVAÇÕES?

Introdução
Ainda no começo de minha carreira como psiquiatra, e no mesmo tempo em
que começava a formação psicodramática, fui presenteado com um álbum sobre
Picasso... Após uns vinte anos de vivências com a Dinâmica Grupal, e também de
diversas leituras e “olhares” críticos sobre o Cubismo, comecei a observar que havia
diversas pertinências entre os termos da Dinâmica e do Cubismo. Daí por diante,
passei a fazer comparações e anotações entre o que essa crítica especializada dizia
sobre o Cubismo, e o que eu sabia sobre a Dinâmica Grupal. Neste trabalho
apresento sete das anotações já realizadas.
Elas consistem numa espécie de narrativa com ilustrações de seis obras
cubistas. Antes de apresentá-las, quero ressaltar duas coisas: certa vez Picasso
ironizou: matemática, trigonometria, química, psicanálise, música e sabe Deus
o quê, todas procuraram explicar o cubismo. mas tudo isso não tem sido mais
do que palavras, nonsense, e produziu o terrível resultado de cegar as pessoas
com a ciência (1). Sobre essa ironia ressalto que a minha pretensão não é explicar
o Cubismo através da Dinâmica Grupal, nem vice-versa; mas sim, como o próprio
termo em tese indica, através de anotações “livremente” escritas, e aleatoriamente
apresentadas, pretendo mostrar que há múltiplas e simultâneas pertinências entre
os dois saberes; como o título torna explícito, considero a hipótese deste trabalho vir
a ser um simulacro, um blefe, ou mesmo, conforme uma lógica dita neo-positivista
que se apregoa como verdadeira, uma mentira. Quanto a isso, novamente recorro a
uma genial afirmativa de Picasso: A arte é uma mentira que nos permite atingir a
verdade (2), para concluir que o meu maior desejo é que destas “mentiras” sejam
tiradas novas e sempre necessárias verdades, tanto para o Cubismo, como para a
Dinâmica Grupal.

DG: OLHAR COM TEXTOS


57

Anotação 1 – Um princípio epistemológico em comum


Um crítico afirma sobre o Cubismo: Ao contrário de outros movimentos
artísticos modernos e do que pode aparentar a teorização da época, o
Cubismo não foi a ilustração de uma teoria, mas uma experiência direta a partir
dos problemas que a pintura apresentava aos artistas (3).
Essa mesma afirmativa pode se aplicar à Dinâmica Grupal. O princípio
epistemológico considerado fundamental para o desenvolvimento das ciências
humanas, que inclui a Dinâmica Grupal, foi apresentado por Giambattista Vico
(1688-1744) em sua obra: Principi di uma scienza nuova intorno alla commune
natura delle nazioni (1725, “Princípios de uma ciência nova: sobre a natureza
comum das nações”). Nessa obra ele estabeleceu a diferença entre Ciências
Naturais e Ciências Humanas, e, como base de estudo dessa última, propôs o
preceito latino: verum ipsum factum – isto é, só o feito é verdadeiro; ou, só
posso demonstrar logicamente o que é obra minha (4).
Nos termos da Dinâmica Grupal, esse preceito implicou diretamente na
contemporânea metodologia científica denominada de pesquisa-ação – aonde o
sujeito pode demonstrar logicamente um fenômeno grupal que também é feito,
verdadeiramente, por ele enquanto membro desse grupo em estudo. Ou seja, ele
torna-se sujeito-objeto da pesquisa.
Há também uma notável pertinência epistemológica dessa proposição com a
Teoria da Espontaneidade de Moreno. A palavra espontâneo, um termo central na
teoria moreniana, etimologicamente deriva do latim sua sponte: ‘de livre vontade’;
o que se produz por iniciativa própria do agente, sem ser o efeito de uma
causa exterior. Dado que se demonstra a relação dos estados espontâneos
com as funções criadoras (5), então pode-se presumir que, em verdade, só o que
é criado de maneira espontânea, “de livre vontade”, pode ser considerado como
obra minha; e também disso inferir que só o espontaneamente feito é verdadeiro.

Anotação 2 – A “planeidade” no Cubismo, o “hic et nunc” na Dinâmica Grupal


Assim como aconteceu no cubismo, que solucionou uma contradição
fundamental da pintura, qual seja: figura/fundo; a dinâmica grupal, através dos
postulados do grupo operativo, também solucionou uma contradição fundamental
nas relações humanas; qual seja: explícito/implícito. Do postulado anterior, veio o
fato de que os cubistas passaram a representar os objetos com todas as suas

DG: OLHAR COM TEXTOS


58

partes num mesmo plano (planeidade). Idem para a dinâmica grupal que
representa os seus “objetos” num só plano espaço-temporal: o do aqui-agora (hic et
nunc).

Anotação 3 – “Moça diante do espelho” e Teoria do Vínculo


Nesse Picasso de 1932, um crítico viu o seguinte fantasma: Marie Thérèse
(uma das amantes de Picasso) assume aqui um papel mais atuante,
contemplando sua imagem num espelho. A diferença das duas imagens da
moça é surpreendente; sugere, entre outras coisas, que a figura espelhada é
o lado escuro ou o inconsciente freudiano dela (6).
Digo fantasma e acrescento que a fantasia freudiana clássica, que apenas
leva em consideração o duo consciente-inconsciente individual, só permite uma
visão parcial, isto é: bidimensional, dessa pintura. Para que ela seja compreendida
em sua globalidade, ou seja: em sua tridimensionalidade, é necessário se recorrer
a um desdobramento dessa fantástica psicanálise clássica, qual seja, o
desdobramento psico-social (portanto: não mais individual, mas grupal) da Teoria
do Vínculo de Enrique Pichon-Rivière.
Para demonstrar isso, basta se observar que a tríplice aparição do rosto de
Marie Thérèse – como intimidade de dupla, e como figura espelhada – corresponde
a este célebre conceito pichoniano: Todo vínculo é bi-corporal e tripessoal, isto
é, nele há uma presença sensorial corpórea dos dois, mas há um personagem
que está interferindo sempre, que é o terceiro. O mecanismo bicorporal e
tripessoal opera em todas as situações. Sempre há alguém na mente de um
ou outro que está olhando, vigiando e corrigindo (7).

Anotação 4 - A Díade no Cubismo


O Cubismo foi o único movimento nas Artes Plásticas em que, de maneira
explícita, um coletivo foi o sujeito. Isso aconteceu com a díade Picasso-Braque. Um
crítico descreve essa formação diádica caracterizando-a como um momento de
verdadeira auto-anulação individual, no qual eles passaram três semanas de
trabalho quase lado a lado em Céret, no sul da França, em agosto de 1911.
Essa singular aventura resultou numa série de pinturas em que é
verdadeiramente difícil separar os Braques dos Picassos. Entre eles figuram o
Homem com um violão do primeiro, e o Acordeonista do segundo (8).

DG: OLHAR COM TEXTOS


59

Uma outra crítica confirma essa relação diádica dizendo: Durante seis anos
Picasso e Braque, os únicos a se compreenderem e a se apoiarem um ao
outro, conduzirão juntos a desintegração das formas e sua recomposição
numa nova óptica. É esse o único momento em que, falando da pintura,
Picasso dirá nós (9).

Anotação 5 – A Sociometria inscrita num círculo cubista


A apresentação gráfica de um Teste Sociométrico é, classicamente, feita
através de dois tipos de Sociogramas – um, para registrar a rede formada pelas
eleições sociométrica entre os indivíduos do grupo; o outro, para cotejar a percepção
sociométrica de cada um desses indivíduos com as eleições que os demais
membros do grupo fez em relação a ele. Classicamente, o sociograma das eleições
sociométricas é feito através de um diagrama formado por círculos concêntricos,
no qual os indivíduos com maior número de eleições são colocados nos círculos do
centro (no núcleo, coloca-se a “Estrela Sociométrica”), e os com menor número de
eleições (sociometricamente, “os rejeitados”) colocados nos círculos periféricos.
Lendo sobre o Cubismo, me deparei com o extraordinário “Primeiro disco” de
Robert Delaunay (10). Nele, imediatamente, observei que poderia ser inscrita uma
rede de eleições sociométricas. Depois fiquei estupefato quando vi que Delaunay,
em sua obra “Drama político”, utilizou-se (como “fundo gestáltico”) desse “Primeiro
disco” para nele inscrever um notável drama sociométrico. Nessa obra, que foi
inspirada numa ilustração publicada pela primeira página de um jornal francês (Le
Petit Journal) sobre um espetacular fato histórico ocorrido em 1914 (o assassinato
de um importante jornalista pela esposa do então ministro das finanças da França) o
artista apresenta uma explícita cena da sociometria política do eu-tu. Na pintura
(assinalo que há um drama em cubos) está narrado o encontro/desencontro fatal
entre a mulher que, vinculando-se com o jornalista através de um tiro da arma de
fogo, é a assassina; e ele, em pose de dramática “aceitação vincular”, é o
assassinado.

DG: OLHAR COM TEXTOS


60

Anotação 6 - A centralidade dos olhares em Les Demoiselles d`Avignon


Um crítico diz: Em Les Demoiselles, a arquitetura do quadro se
harmoniza com um extremo rigor espacial, complicado pela multiplicação dos
pontos de vista. A imagem converge para o centro do quadro, concentrada e
isolada do que a cerca, o que acentua sua força plástica (11).
Como tudo converge para o centro, no centro da pintura está, em pé, uma
das cinco demoiselles. Ela olha fixamente para você, o visor. Com ela, ao lado e
logo à sua direita, está uma outra que também olha para você, o ainda visor. Além
dessas duas mulheres, outras duas olham para a primeira, a figura central que
passa então a estar no lugar (topos) que na Sociometria é chamado de posição
aristo-télica. Ou seja, num lugar privilegiado (aristo) pelas atenções do grupo que
continua a visar você, um visor em contra-posição télica. Uma quinta demoiselle,
com um olhar simultâneo, vincula as duas posições télicas.

Anotação 7 - O conceito é essencial tanto para o Cubismo como para a


Dinâmica Grupal. Ou: encontrei Juán Gris que mostra isso.
Numa crítica ao “Homem num café” (1912), um clássico cubista de Juan
Gris, encontrei a idéia mais perfeita para o significado do conceito para se ver um
Grupo. O crítico diz: Imprimindo ao personagem de cartola um movimento
inquieto, sendo que, para inferir suas feições e seus gestos, o observador é
obrigado a juntar os pedaços do rosto, da gravata, da mão e da cartola, em
meio aos múltiplos recortes de perfis apresentados, e a dar sentido à relação
entre eles. A concepção é a chave para a inferência. Na verdade nós nunca
vemos um objeto em todas as suas dimensões ao mesmo tempo. Portanto é
preciso preencher a lacuna de nossa visão. A concepção nos torna
consciente dos objetos que não serÍamos capazes de ver (12). A concepção
também é a chave para existência do objeto grupo. Na realidade, acontecem duas
situações: uma, internamente um conjunto de pessoas só é verdadeiramente grupo,
no sentido de que tem um projeto de autonomia, quando seus membros dizem:
somos um grupo; duas, externamente quem vê um “pequeno” aglomerado de
pessoas à distância, só poderá afirmar (“com certeza”) que é um grupo, se lhe
disserem que assim o é.

DG: OLHAR COM TEXTOS


61

***********************************

DG: OLHAR COM TEXTOS


62

Ilustrações

Ilustração 1 - Moça diante do espelho, Picasso 1932. Óleo sobre tela.

DG: OLHAR COM TEXTOS


63

Ilustração 2 - Homem com um violão, Georges Braque 1911, Óleo sobre tela

Ilustração 3 - Acordeonista – Pablo Picasso, 1911, Óleo sobre tela

DG: OLHAR COM TEXTOS


64

Ilustração 4 - Primeiro disco - Robert Delaunay, 1914, Óleo sobre tela

Ilustração 5 - Drama político – Robert Delaunay, 1914, Óleo e colagem sobre


papelão

DG: OLHAR COM TEXTOS


65

lustração 6 – “Lê Petit Journal” – 29 de março de 1914, Foto da primeira


pagina

Ilustração 7 - Lês demoiselles d`Avignon, Pablo Picasso, 1907, Óleo sobre tela

DG: OLHAR COM TEXTOS


66

Ilustração 8 - Homem num café - Juán Gris, 1912, Óleo sobre tela

*****************************

DG: OLHAR COM TEXTOS


67

Bibliografia
(1), (2) O pensamento vivo de Picasso, Coordenação editorial Martin Claret,
Pesquisa de texto e tradução José Geraldo Simões Jr. São Paulo: Martin
Claret Editores, 1985, pag. 70
(3) Enciclopédia Mirador Internacional. São Paulo-Rio de Janeiro: Enciclopaedia
Britannica do Brasil, 1979. (Verbete: Cubismo) Pág. 3096.
(4) Burke, Peter – Vico, tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1997. (Contracapa).
(5) Naffah Neto, Alfredo. Psicodrama: descolonizando o imaginário (um ensaio sobre
J.L.Moreno). São Paulo: Brasiliense, 1979. (pág. 53)
(6) Harris, Nathaniel - Vida e obra de Picasso; tradução de Talita M. Rodrigues. Rio
de Janeiro, Ediouro 1995. Pág. 49
(7) Baremblitt, Gregório – Grupos: teoria e técnica. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1986. Pág 185
(8) Cottington, David – Cubismo, Tradução: Luiz Antônio Araújo. São Paulo: Cosac
& Naify Edições, 1999 (Pág. 56)
(9) Giroud, Françoise - O Século de Picasso, In: O pensamento vivo de Picasso,
Martin Claret Editores, 1985, pag. 23
(10) Cottington, David – Cubismo, Tradução: Luiz Antônio Araújo. São Paulo:
Cosac & Naify Edições, 1999 (Pág 9)
(11) Picasso e o cubismo. São Paulo: Editora Globo, 1997. Coleção de Arte (Sem
autor). (Pág. 04)
(12) Cottington, David – Cubismo, Tradução: Luiz Antônio Araújo. São Paulo: Cosac
& Naify Edições, 1999 (Pág. 55)

*****************************

DG: OLHAR COM TEXTOS


68

SOBRE O AUTOR

• Francisco Danúzio de Macêdo Carneiro


• Médico, formado pela Universidade Federal do Ceará (1975-1981).
• Especialização em Psiquiatria pela Residência Médica do Hospital de Saúde
Mental de Messejana (1982-1983).
• Especialização em Psicodrama pela Federação Brasileira de Psicodrama (1979-
1983).
• Mestre em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará (1994-1997).
• Professor da disciplina “Dinâmica Grupal e Relações Humanas”, no Curso de
Psicologia da Universidade de Fortaleza (1987-1990).
• Professor da disciplina “Grupoterapia”, na Residência Médica do Hospital de
Saúde Mental de Messejana (1984-1993).
• Professor da disciplina “Sociometria”, no Curso de Especialização em
Psicodrama do Instituto do Homem de Fortaleza (1994-1999).
• Médico-Psiquiatra e Supervisor do Grupo Operativo com Pacientes do Serviço de
Hemodiálise do Hospital Geral de Fortaleza (1996-1999)
• Endereço Comercial: Condomínio Clinics, Rua Coronel Linhares, 1741, Aldeota,
CEP 60170-241, sala 304, fone (085) 224.8767, Fortaleza-Ce. E-Mail:
danuziomc@secrel.com.br

DG: OLHAR COM TEXTOS

S-ar putea să vă placă și