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15. o primeiro grande tema da globalidade.

a proteção internacional da pessoa humana e suas três vertentes: direitos


humanos, direito dos refugiados e direito humanitário. o direito de asilo

o presente capítulo é o mais longo deste curso e não termina neste volume. além de
sua temática, a nosso ver, ser uma das mais relevantes na história e na atualidade do
direito internacional, constitui ela a base da democracia, para cuja realização, nos
tempos correntes, se faz imprescindível o respeito continuado e a defesa intransigente
dos direitos humanos, nos ordenamentos internos dos estados e nas relações
internacionais. por outro lado, a natureza globalizante do campo normativo da proteção da
pessoa humana, em nível internacional, justifica sua relevância nos estudos do direito
internacional da atualidade, onde até mesmos os temas tradicionais passaram a ser
“contaminados” pelo novo enfoque centrado nos valores revelados pela novidade da
descoberta da pessoa humana nas relações internacionais! por tais razões, a nosso ver, após
serem estudados os temas mais relevantes em outros campos do direito internacional, e
após uma visão de como eles se encontram regulados nas relações internacionais e nos
ordenamentos jurídicos nacionais, é que será possível um equacionamento das discussões
sobre a compatibilidade, ou eventual oposição dos mesmos com o direito internacional da
pessoa humana.
originalmente distintos em sua emergência histórica, as normas internacionais de
proteção aos direitos humanos e aos direitos dos refugiados e aquelas conhecidas como
direito humanitário, bem assim as normas escritas que regem o instituto do asilo, tiveram
finalidades diversas. os direitos humanos foram concebidos tendo em vista uma situação de
paz, quer dizer, de normalidade interna, onde o estado poderia estabelecer e realizar seus
fins, sem uma excepcional influência de fenômenos externos ou a interveniência de outros
estados, portanto, tendo por campo de atuação, o próprio ordenamento jurídico nacional,
naqueles casos em que os indivíduos se colocavam face ao estado sob cujo ordenamento se
encontravam submetidos, seja por força de sua nacionalidade, seja pelo fato de nele estarem
fisicamente localizados (domicílio ou residência). já os outros três, nasceram para regular
situações em princípio anormais, como as situações de grave comoção interna nos estados
ou de guerras, situações essas em que os ordenamentos jurídicos nacionais se encontram em
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perigo de desagregação (por vezes com as normas constitucionais suspensas), e nas quais
houve necessidade de regulamentar os direitos de pessoas que buscam refúgio ou asilo em
outros estados, ou ainda daquelas pessoas deslocadas por efeito das operações militares, e,
enfim, para conseguir-se um tratamento menos cruel às populações civis e aos próprios
combatentes. contudo, nos dias correntes, em que os marcos de delimitação entre situações
de guerra e de paz são cada vez mais fluidos, em que as atrocidades contra seres humanos
podem ser perpetradas pelos estados, a qualquer instante, tanto na paz, quanto na guerra,
tanto em tempos de normalidade constitucional, quanto em situações de revoluções e
sublevações internas, e, enfim, dada a consciência generalizada no mundo de hoje, de que
os valores da pessoa humana são transcendentais e que devem ser eles protegidos da
maneira mais eficaz possível, verifica-se a busca de uma junção dos direitos humanos,
direitos dos refugiados e dos asilados e do direito humanitário, numa única realidade
normativa. se existe uma consciência da unicidade dos valores protegido, existe,
igualmente, a finalidade de poder conferir-se a estes três últimos, a relativa efetividade que
os direitos humanos tendem a possuir, no direito internacional dos dias correntes, dada sua
administração eficiente por organismos especiais da onu.
a partir de tais fatos, podemos dizer que a expressão “direitos humanos” pode assim,
ter duas acepções. em primeiro lugar, direitos humanos, “stricto sensu”, são aqueles direitos
garantidos em tempos de paz e que dão a configuração democrática aos estados que os
consagram, nos respectivos ordenamentos jurídicos nacionais; são alguns de seus
sinônimos: direitos do homem, direitos fundamentais, liberdades públicas, direitos da
pessoa humana, os quais constituirão o tema da seção 1 do presente capítulo. numa segundo
concepção, direitos humanos “lato sensu”, constituem os direitos humanos conforme a
concepção anterior, e mais as normas de proteção aos asilados e aos refugiados, pessoas
cujas definições pressupõem uma norma internacional e cuja proteção nos ordenamentos
jurídicos nacionais, historicamente, não fazia parte das condições para definir-se a
configuração democrática de um estado e que, nos últimos tempos, passou a fazer. os temas
relacionados a tais fenômenos serão versados na seção 2, “o direito de asilo diplomático e
territorial”, assunto particularmente importante para a américa latina, e na seção 3, “o
direito internacional humanitário e o direito internacional dos refugiados”. acreditamos
que, ao assinalar a existência de tais vertentes da proteção internacional dos direitos da
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pessoa humana, não estaremos insistindo numa divisão artificial do grande tema que são os
direitos humanos, com finalidades de negar a uma visão necessariamente integral da pessoa
humana. indicamos como texto fundamental nesta matéria, cuja metodologia seguiremos, a
tal ponto de ter motivado a denominação do presente capítulo: as três vertentes da
proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito humanitário,
direito dos refugiados, de autoria conjunta dos ilustres juristas antônio augusto cançado
trindade, do brasil, gérad peytrignet, da suíça e jaime ruiz de santiago, do méxico 1, três
vertentes essas, tendo em vista que aqueles autores não consideraram o estudo do instituto
do asilo, conforme regulado na américa latina.
a insistência de autores nacionais de grande nomeada e excepcional valor, em
afirmar que as normas de proteção aos direitos humanos são indivisíveis, a qualquer custo,
tem levado, a nosso ver, a exageros. na verdade, não acreditamos que tal divisão esteja
ultrapassada, porquanto os citados campos mereceriam “uma aproximação nos planos
conceitual, normativo, hermenêutico e operacional”2. há distinções conceituais básicas nos
institutos em cada campo, os sistemas normativos são distintos (com tratados e convenções
internacionais e órgãos de aplicação das normas, fundamentalmente diferentes para cada
campo), a hermenêutica tem suas regras particulares num e noutro caso, e, enfim, a
operacionalização dos mesmos é diferente, tanto nas relações internacionais quanto nos
ordenamentos internos dos estados. ademais, um estudo sistemático dos direitos humanos,
mesmo que sejam eles indivisíveis, e que devam eles basear-se numa “visão
necessariamente integral da pessoa humana”, não invalidaria melhor sistematização
didática que este capítulo se propõe seguir.
como conseqüência do que dissemos no início deste capítulo, o assunto nele
versado, deverá ser completado com a leitura do cap. 21 do presente curso, que se encontra
no ii volume, o qual, ao coroar a presente obra, mostrará , em primeiro lugar, a
convergência e conseqüente unicidade normativa que aqueles quatro campos, a seguir
analisados, possuem, e, em segundo, discutirá a magna questão da compatibilidade entre as

1 antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago, as três vertentes da
proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito humanitário, direito dos
refugiados, brasília, são josé da costa rica, co-edição, instituto interamericano de direitos humanos, comitê
internacional da cruz vermelha, alto comissariado das nações unidas para os refugiados, 1996.
2 flavia piovesan “o direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados”. in: nádia de araújo e
guilherme assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados- uma perspectiva
brasileira, rio de janeiro, são paulo, renovar, 2001, p. 29.
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normas internacionais de proteção da pessoa humana, ou seja, os direitos humanos “lato


sensu”, com as normas internacionais vigentes em outros campos regidos pelo direito
internacional.
seção 1- os direitos humanos “stricto sensu”

conforme visto no cap. 7o da presente obra, a consagração da pessoa humana como


um sujeito de direito internacional, é um fenômeno recente, que se tem afirmado a partir do
final da segunda guerra mundial. se bem que o reconhecimento da personalidade da pessoa
humana no direito internacional tenha seus limites, no relativo à extensão dos direitos a ela
atribuídos (relembrando-se que a plenitude dos direitos inerentes àquela personalidade se
concentram, ainda, nos estados), existem, nos dias correntes, e como marca indelével do
vigente direito das gentes, normas precisas (e uma consciência relativamente generalizada)
de que há direitos fundamentais da pessoa humana, que se constituem no mais autêntico
“corpus” de um “jus cogens”, composto de regras inderrogáveis e oponíveis aos estados e
às organizações intergovernamentais. tal posicionamento superior das normas de proteção
aos direitos humanos, na hierarquia das normas internacionais, determinam padrões
normativos internacionais de proteção, que se configuram como normas exigíveis ora dos
estados (seja nos respectivos ordenamentos internos nacionais, seja no que respeita às
relações internacionais como um conjunto), ora das organizações intergovernamentais
(mesmo daquelas que não foram constituídas com uma competência particular, com vistas à
proteção dos direitos do indivíduo, como, a exemplo, a própria onu).
É mister enfatizar que a emergência dos direitos humanos no direito internacional,
veio trazer uma modificação verdadeiramente revolucionária quanto à noção clássica da
soberania dos estados, pelo menos num aspecto de suma importância: o tratamento que os
estado reservam a seus próprios nacionais (que, em princípio, são indivíduos que gozam da
totalidade dos direitos concedidos), era um assunto que o direito internacional silenciava e
deixava ao total alvedrio dos ordenamentos jurídicos nacionais, pelo menos, até o final da
segunda guerra mundial. posteriormente, aquele tratamento passou a ser exigível de estar
conformes a normas internacionais, e, sendo assim, estas não se limitam à proteção dos
estrangeiros (campo que, de certa forma, era e continua sendo uma competência das normas
internacionais), mas, igualmente, se estendem para o campo dos direitos concedidos aos
próprios nacionais dos estados, no interior dos próprios ordenamentos jurídicos internos. a
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bem da verdade, as normas internacionais de proteção da pessoa humana desconhecem a


distinção entre nacionais e estrangeiros, e representam, assim, o campo mais bem acabado
onde se verificam os fenômenos que temos denominado de globalização vertical
(indiferença entre o ordenamento interno e o sistema jurídico internacional) e o de
globalização horizontal (espraiamento do tema da relevância dos valores inerentes à pessoa
humana, por todos os assuntos de que tratam tanto os ordenamentos domésticos dos
estados, quanto as normas relacionadas às relações externas e as internacionais)!
a entrada dos direitos humanos no campo da normatividade do direito internacional,
conforme o pensamento dos jusfilósofos norberto bobbio3 e celso lafer4, representa um
longo caminho percorrido na história das instituições, em busca de uma positividade
crescente. de uma consciência difusa, porém ansiosa, da necessidade de sua expressão
normativa, caminhou-se até uma sua definição em termos teóricos e racionalmente
coerentes, e, paulatinamente, partiu-se da teoria, à sua realização positiva em grandes textos
normativos superiores, nos ordenamentos jurídicos internos dos estados. a etapa seguinte
constituiu-se no aperfeiçoamento de mecanismos adequados para sua defesa, à medida em
que os estados trabalhavam para darem uma conformação democrática os respectivos
ordenamentos nacionais, sempre baseados em impulsos internos, ou quando muito,
engendrados por emulação a sistemas jurídicos de outros estados. ainda na busca de maior
efetividade, na segunda metade do séc. xx, os estados acharam por bem colocar os direitos
humanos num patamar normativo internacional, que, por sua relevância, deveria servir de
incentivo a futuras normas internacionais e às normas internas dos estados: foi o momento
da edição da declaração universal dos direitos humanos, proclamada por um ato solene da
assembléia geral das nações unidas, a 10 de dezembro de 1948 (em que pese faltar a tal ato
uma expressão na forma de tratado ou convenção internacional). de tal desiderato de
mundialização dos direitos humanos, portanto, já expresso em termos internacionais,
passou-se a um aperfeiçoamento das normas de proteção aos mesmos, pela via de tratados e
convenções internacionais, portanto atos claramente normativos, com regras e mecanismos
precisos para sua efetivação, primeiro, em nível internacional, depois, em nível regional,

3 do prof. norberto bobbio, em particular, destaque-se o cap. “presente e futuro dos direitos do homem”, de
seu livro a era dos direitos, rio de janeiro, editora campus, 1992, p. 25-47.
4 da extensa e variegada obra do prof. celso lafer, sobretudo na área dos direitos humanos, permitimo-nos
citar apenas ensaios liberais, são paulo, siciliano, 1991, em particular, seu cap. 2, “os direitos do homem e a
convergência da Ética e da política”, p. 33-46.
6

nas tentativas de cada vez mais precisar o conteúdo e os mecanismos de efetivação das
normas de proteção aos direitos humanos. finalmente, o que se tem assistido, em particular
nas relações internacionais, são as tendências de constituição de tribunais internacionais,
com uma jurisdição cada vez mais abrangente, e, em casos mais avançados, acionáveis por
quaisquer indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, como é o caso da
convenção européia para a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais,
adotada em roma a 04 de novembro de 1950, após a assinatura do protocolo 11, de 1994, e
sobretudo as fundamentais alterações introduzidas pelo acordo europeu relativo a pessoas
que participam nos procedimentos da corte européia dos direitos humanos, firmado em
estrasburgo, em 05 de maio de 1997 (fenômenos que serão analisados, logo além, neste
capítulo).
o ponto de partida de tal caminhada, estudado com grande maestria pelo prof. fábio
konder comparato5, pode ser vislumbrado num posicionamento ético, revelado em antigos
escritos, como nos salmos do rei david6 e nas admoestações dos profetas hebreus constantes
do antigo testamento7, de que há direitos mínimos devidos aos estrangeiros, ou ainda, mais
claramente, nas falas teatrais de figuras emblemáticas na tragédia grega, como a
personagem antígone, na tragédia homônima de sófocles, cujas palavras já foram
transcritas na introdução da presente obra, repita-se, de que de que há “normas divinas, não
escritas, inevitáveis”, que aquela jovem reafirmou, ao afrontar o rei creonte, ou seja, da
existência de direitos superiores, inerentes à pessoa humana, e que independeriam da
vontade dos governantes, na época, então considerada a fonte primacial do direito. quanto
a uma elaboração sistematizada de tais ideais, verifica-se a emergência de uma consciência
isolada de alguns pensadores na antigüidade, tais os filósofos estóicos e alguns pensadores
romanos por estes influenciados, consciência essa que sofreria decisiva influência da
versão humanística que o cristianismo conferiu aos ideais judaicos (em particular, nas

5 fábio konder comparato, a afirmação histórica dos direitos humanos, são paulo, saraiva, 1999.
6 no salmo 146 (145 da vulgata), versículo 9, o qual segue o tema constante na história dos hebreus, de o
estrangeiro estar sempre assemelhado à situação das viuvas e órfãos (situação essa do mais completo
desamparo), assim se lê: “dominus custodit advenas pupillum et viduam suscipiet et viam peccatorum
disperdet”, na tradução da bíblia de jerusalém: “iaweh protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a
viúva...(mas) transtorna o caminho dos ímpios”.
7 vejam-se, em particular, as advertências que o profeta isaías fazia aos governantes de seu tempo, de que se
lembrassem, a fim de propiciar aos estrangeiros um tratamento mais humano, de que o povo de israel tinha
sido estrangeiro em terras da babilônia. a relevância do profeta isaías em temas fundamentais do direito
internacional, pode, ademais ser atestada pelas suas palavras que ilustram a epígrafe da presente obra.
7

epístolas de são paulo). a visão cristã teria uma reafirmação racional sobretudo na filosofia
escolástica8, em particular, na denominada “segunda escolástica”, onde se ressalta a
exponencial figura de francisco de vitoria, dominicano espanhol, professor de teologia de
salamanca, muitas vezes citado neste livro, em especial, na sua relectio de indiis, na sua
defesa dos direitos dos povos indígenas da américa, em face da política colonial da
espanha; a obra de vitória é, na história do pensamento ocidental, considerada como a
primeira obra jurídica que cuidou dos direitos humanos. a partir do posicionamento desta
filosofia, portanto, com os direitos humanos totalmente despregados da teologia, nos
tempos que se seguiram ao séc. xvi, a sua mais perfeita expressão laicizada seria elaborada
dentro de um racionalismo baseado no conceito da denominada “natureza das coisas”,
particular na filosofia do iluminismo do séc. xvii, com grande destaque para o pragmatismo
inglês de um thomas hobbes e de um john locke9, e mais precisamente, do séc. xviii,
notadamente nos escritos de voltaire, j-j. rousseau e montesquieu.
o passo seguinte foi a expressão dos valores da pessoa humana, enquanto normas
que devem necessariamente constar do rol daquelas que constituem os fundamentos dos
estados modernos. sua relevância nos ordenamentos jurídicos nacionais, seria afirmada pela
força de duas revoluções importantes: a revolução inglesa, constante e latente na história da
inglaterra10, que redundaria na separação dos poderes dentro de um estado, conforme
descrita pela pluma do já citado john locke11, e a revolução francesa de 1789, este, um
8 relembre-se que a escolástica foi a filosofia medieval que se afirmou a partir dos estudos de santo anselmo
(1033-1109) e abelardo (1079-1142), a partir da introdução no ocidente do pensamento de aristóteles, então
conservado pelos filósofos judeus e árabes, ou por estes interpretado (averóis, de sevilha, 1126-1198). teve
sua culminância com santo tomás de aquino (1227-1274) e duns scott (1266-1308). caracteriza-se ela por uma
forte vertente racionalista, em oposição à filosofia então dominante, denominada patrística (com destaque
para santo agostinho, 354-430), altamente influenciada pelo idealismo de platão e de plotino.
9 a extraordinária contribuição dos filósofos ingleses para a consciência dos direito humanos foi estudada com
maestria pelo eminente jusfilósofo francês, michel villey, le droit et les droits de l’homme, 3a edição, paris,
puf, 1998.
10 a denominada revolução inglesa se caracteriza por uma luta constante entre o rei e o parlamento, menos
com vistas a afirmar um direito do indivíduo oponível ao monarca e mais como uma oposição de os
representantes do povo limitarem os poderes daquele. são significativos os seguintes documentos históricos: a
magna carta de joão sem terra de 21 de junho de 1215, a petição de direitos de 7 de junho de 1628, a lei do
habeas corpus de 1679, o bill of rights de 13 de fevereiro de 1689, o ato do estabelecimento de 1701.
11 sua concepção de um poder dividido entre executivo, legislativo e federativo (este último, a continuidade
do estado, investido no monarca, o condutor das relações internacionais, independente da configuração do
poder executivo) foi de fundamental importância na formação do pensamento do iluminismo francês,
nomeadamente montesquieu, com sua teoria da divisão do poder entre executivo, legislativo e judiciário,
como uma técnica de limitação do poder. veja-se nossa obra: Órgãos dos estados nas relações
internacionais: formas da diplomacia e as imunidades, rio de janeiro, editora forense, 2001, em particular,
o seu cap. iii: “a diplomacia e a organização constitucional dos estados modernos: a diplomacia pública”, p.
23-40.
8

momento sangrento de grande ruptura, as quais marcariam momentos pontuais em que se


consagrou a existência de valores normativos superiores, presentes em quaisquer
ordenamentos jurídicos nacionais12. o movimento de petrificar tais valores, nos finais do
séc. xviii, e que pode ser atestado pela sua sistematização em grandes monumentos
legislativos, as constituições escritas13, caracterizou-os, logo de início, como inscritos
naquelas normas instituidoras de algumas condições indispensáveis para definir-se um
estado democrático, tais como: a) a soberania baseada na vontade popular; b) a divisão
funcional do poder, como uma técnica de controle de seu exercício, e, sobretudo, c) a
proteção dos direitos humanos, estes, de início configurados em documentos separados,
conquanto integrados na organização constitucional dos estados, e na seqüência histórica,
como partes constitutivas dos próprios textos das constituições. um grande passo, portanto,
para a consagração das normas de proteção dos direitos humanos: sua consagração nos
textos normativos internos dos estados, numa estatura de normas constitucionais, e como
atestado de que sua constância nos ordenamentos jurídicos internos, seria a prova de que os
estados, que as adotavam, seriam organizações democráticas. portanto, a definição dos
direitos humanos, na legislação interna dos estados, passaria a ser condição de uma
democracia.
do final do séc. xix, e até a eclosão da primeira guerra mundial, alguns assuntos
relacionados, nos dias correntes, à proteção internacional de determinados direitos
humanos, tiveram um reconhecimento pelo direito internacional. a longa prática dos
serviços consulares, e sobretudo o instituto da proteção diplomática, este, de elaboração
costumeira, que naquele período já se tinham cristalizado no direito internacional,
conforme já visto na presente obra, de forma indireta protegiam a pessoa humana, face a

12 a primeira constituição escrita na história da humanidade, foi a constituição dos eua, adotada em 1789,
logo seguida pela constituição francesa de 1791. veja-se nota de rodapé imediatamente seguinte a este.
13 os primeiros textos sistematizados de direitos humanos, de natureza constitucional, adotados na história da
humanidade, foram votados em épocas distintas das primeiras constituições escritas. assim, a declaração de
direitos de virginia, de 1776, a declaração de independência de 4 de julho de 1776 (proclamação da autonomia
das treze colônias), o “bill of rights” que cada estado independente colocou no frontispício das respectivas
constituições escritas, e as dez primeiras emendas à constituição federal (posteriormente denominadas de bill
of rights) votadas em 1787, as quais foram adicionadas à constituição dos eua de 1789, como parte integrante
desta. a famosa declaração dos direitos do homem e do cidadão, adotada a 26 de agosto de 1789 pela
assembléia constituinte de frança, logo após a queda da bastilha, em 14 de julho daquele ano, seria,
posteriormente, colocada no frontispício da constituição de 1791. já na constituição francesa do ano iii
(constituição de 5 do fructidor do ano iii), votada pela convenção após a queda de robespierre, veio precedida
da “declaração do ano iii”, reformulação da declaração de 1789.
9

tratamentos discriminatórios ou degradantes que determinados estados viessem a conferir a


estrangeiros; na atualidade, como em tempos anteriores, os institutos se dirigiam somente a
pessoas que tivessem uma nacionalidade, excluídos, portanto, os refugiados e os apátridas,
relembrando-se, ademais, que aqueles institutos não se configuravam (como ainda hoje não
se configuram) como um direito subjetivo de a pessoa ofendida poder exigir do estado de
sua nacionalidade, aquela proteção. de igual forma, alguns movimentos de proteção a certos
direitos das pessoas, que se tinham iniciado no final daquele século, se prolongavam após a
grande guerra de 1914-1919, em especial, tendo em vista que a sociedade das nações fora
encarregada de dar-lhes seguimento: assim a questão da proteção das minorias, que
constituíam populações deslocadas ao final daquela guerra, os movimentos que se tinham
iniciado no séc. xix, como a proibição internacional do tráfico negreiro (viena 1815) e a
luta internacional contra a escravidão (1890) e o os combates a uma forma tão ou mais
perniciosa de escravidão que aquela então denominada de “tráfico de negros”, o
denominado “tráfico de brancas”( o lenocínio internacional), a pirataria marítima, que ainda
prosseguia nos mares, e, como sinal dos tempos, a admirável emergência em nível
internacional, das normas de proteção ao trabalhador e aos locais de trabalho, obra pioneira
da primeira organização intergovernamental mundial, surgida na história da humanidade: a
organização internacional do trabalho, instituída pela parte xiv do tratado de versalhes de
1919 e com sede em genebra.
contudo, a entrada maciça das normas de proteção dos direitos humanos, ou seja,
todos os aspectos relacionados à pessoa humana e não meramente aqueles assuntos tópicos
versados nos períodos anteriores ao final da segunda guerra mundial de 1939-1845, os
quais continuavam com sua presença no campo internacional, foi acelerada pelos
acontecimentos imediatamente anteriores aos grandes tratados que puserem fim àquele
conflito bélico. sem dúvida, aquela emergência em bloco, tem sido considerada como um
dos passos mais eficazes em direção à citada positivação das mesmas. ademais dos horrores
que acompanham qualquer guerra, em particular aquela, que tinha sido, como a grande
guerra de 1914-1918, uma guerra total14, o mundo tomava consciência de que os
14 a guerra total é um fenômeno típico do séc. xx, caracterizada não só pela extensão mundial do teatro de
guerra, como pela globalização dos objetivos militares, os quais não mais se restringem às destruições do
inimigo no campo de batalha, mas visam, sobretudo, às indústrias da retaguarda, que não mais se distinguem
entre indústrias bélicas ou civis. o papel da ideologia é de fundamental importância na guerra total, de
maneira que, além de objetivos militares, passam eles a compreender, inclusive uma reforma fundamental das
sociedades e das relações internacionais. na guerra total inexiste diferenciação entre soldado e operário, nem
10

fenômenos da mais completa violação de direitos fundamentais da pessoa humana, tinham


sido cometidos no interior de alguns estados europeus, os quais tinham, no entre guerras,
negado sua tradição histórica democrática, em favor de regimes autoritários, nos tempos
imediatamente anteriores à declaração de guerra, portanto em tempos de paz, restando claro
que aqueles regimes antidemocráticos tinham sido os responsáveis pela guerra de 1939-
1945! sendo assim, uma reafirmação solene da prevalência dos direitos humanos, feita pela
maioria dos componentes da comunidade dos estados no pós-guerra, deveria ter uma dupla
finalidade, qual seja: a) definir normas e padrões de conduta nos ordenamentos internos dos
estados, uma vez que os direitos humanos passaram a ser considerados como regras
inerentes aos regimes democráticos, que então se reuniam na organização das nações unidas
e que deveriam prevalecer na totalidade dos estados membros (portanto, a determinação de
que aquelas normas e padrões exigíveis de quaisquer estados, deveriam ter uma expressão
internacional, enquanto valores presentes nos ordenamentos jurídicos nacionais e enquanto
regras a serem introduzidas nos mesmos) e b) definir as próprias regras, em normas
internacionais, através de tratados e convenções multilaterais, dotadas de mecanismos de
controles de sua aplicação e de aperfeiçoamento, posto que normas que regeriam as
próprias relações internacionais (portanto, uma tarefa de codificar e criar direito novo, nas
relações entre os estados, com mecanismos diplomáticos e jurisdicionais para o
aperfeiçoamento de sua vigência e eficácia em nível internacional).
a organização cimeira que então se constituía em 1945, a onu, deveria refletir tais
desideratos, ao mesmo tempo em que os estados tratavam de rearrumar o mundo, no
imediato pós-guerra. tal tarefa constou expressamente da invocação, no primeiro parágrafo
do preâmbulo da carta das nações unidas, nos seguintes termos: “nós, os povos das nações
unidas, resolvidos... a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas
vezes, no espaço de nossas vidas, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a
reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, da dignidade e no valor do ser
humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações
grandes e pequenas...”. foi ela reafirmada, no art. 1o , § 3o da carta, como um dos
propósitos e princípios da onu, expressamente, de esta organização colocar-se com o

entre soldado e cidadão civil, o que dá causa a uma mobilização bélica da sociedade como um todo, com a
conseqüente abrangência dos tratados de paz, para incluírem a reorganização global das sociedades e das
relações internacionais, em tempos de paz, as quais passam a sofrer os embates da ideologia vencedora.
11

objetivo de “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas


internacionais de caráter econômico, social, cultural ou sanitário e para promover e
estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, língua ou religião”. nos outros dispositivos da carta, nos quais se
instituíram os órgãos da onu, particularmente a assembléia geral15 e o conselho econômico e
social, o ecosoc16, há referências expressas aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais. outro aspecto a destacar-se é o fato de a onu, diferentemente de sua
antecessora, a liga das nações, ter consagrado na sua carta, junto com os assuntos relativos
à paz e à regulamentação das relações internacionais que se seguiriam aos tratado de paz
então subscritos, uma importância particular à proteção dos direitos humanos, na esfera
internacional; é digno de nota ter a carta conferido uma especial ênfase ao assunto dos
direitos humanos, ao ter consagrado todo um capítulo particular ao tema: o cap. ix,
“cooperação internacional econômica e social”; neste, reafirmam-se os propósitos e
princípios de as nações unidas favorecerem o “respeito universal e efetivo dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião” (art. 55 alínea c).
ressalte-se, contudo, que a violação dos direitos humanos, por parte dos estados, no
interior de seus respectivos ordenamentos, numa leitura restrita da carta da onu de 1945,
não constituiria, propriamente, uma ameaça à paz; o relacionamento direto entre o respeito
aos direitos humanos e a situação de uma higidez nas relações internacionais, ou seja, a
inserção dos direitos humanos na competência da onu nos assuntos relativos à manutenção
da paz, seria obra de construção diuturna da diplomacia dos estados, que teria como
resultado o alargamento de atribuições de competências originárias dos órgãos da onu (em
particular, da assembléia geral e do conselho de segurança) e a formação de uma
jurisprudência da corte internacional de justiça, a partir de questões políticas especiais e
candentes para cuja solução judiciária foi ela chamada.

15 dentre as atribuições da assembléia geral, consta aquelas compendiadas no art. 13 § 1o, alínea b) da carta,
assim redigido: “a assembléia geral iniciará estudos e fará recomendações destinadas a ... b) promover
cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o
pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção
de raça, língua ou religião”.
16 em particular, das atribuições do ecosoc, destaquem-se aquelas contempladas no art. 62, § 2o “verbis”:
“poderá igualmente fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais para todos”.
12

a partir daqueles desideratos da carta da onu, os estados vitoriosos, profundamente


comprometidos em assegurar os ideais democráticos, logo após o final da segunda guerra
mundial, se propuserem a realizá-los, ao instituírem um sistema de segurança coletiva, na
carta da onu, com ligações essenciais ao respeito dos direitos humanos (mais uma
comprovação de que a consagração dos direitos humanos é condição essencial da ordem
democrática). compreende-se, portanto, que a proclamação solene pela assembléia geral das
nações unidas, na sessão histórica deste colegiado, a 10 de dezembro de 1948, em paris, da
declaração universal dos direitos do homem, nada mais teria sido do que um desejo claro de
especificarem-se, em normas específicas, aquelas normas programáticas gerais constantes
da carta de são francisco. no dia seguinte à adoção daquela declaração universal, os
estados membros da onu, assinaram em paris, ainda no decurso da ag da onu, a 11 de
dezembro de 1948, o primeiro grande tratado multilateral sobre direitos humanos: a
convenção para a repressão e a prevenção do crime de genocídio (no brasil, promulgada
pelo decreto no 30.822, de 06/05/52)17.
deve acentuar-se que, pelo fato de a declaração universal de 1948 não ter-se
revestido da formalidade de um tratado multilateral, eventualmente negociado sob a égide
da onu, mas ter nascido na forma de uma deliberação da assembléia geral da onu,
formalmente adotada pela resolução 217-a (iii) de 10/12/194818 , em absoluto, lhe retira o
valor histórico de documento normativo fundamental; na verdade, a corte internacional de
justiça, no caso do pessoal diplomático e consular dos eua em teerã, na decisão definitiva a
24/05/1980, deixou claro que considera a declaração universal como um costume
internacional, no mesmo pé de normatividade que os dispositivos da carta da onu 19. além do
mais, aquela declaração, serviria de parâmetro para as legislações internas dos estados, no
segundo pós-guerra, nos seus esforços de democratização dos ordenamentos jurídicos
internos, e segundo alguns autores, constituiria, assim, um rol de obrigações de natureza
moral. tais discussões sobre a natureza da declaração universal e sua imperatividade,

17 o texto desta convenção se encontra apud vicente marotta rangel, direito e relações internacionais, 6a
edição revista e atualizada, são paulo, revista dos tribunais, 2000, a p. 653-7.
18 as deliberações da assembléia geral da onu podem adotar as seguintes formas: resoluções (numeradas em
algarismos arábicos, sempre seguidos com a indicação, entre parêntesis e em algarismos romanos, da sessão
da ag onde foram adotadas) e recomendações (dirigidas a estados e a outros órgãos da onu).
19 verbis: “o fato de privar abusivamente da sua liberdade seres humanos e os submeter, em condições
penosas, a um constrangimento físico, é manifestamente incompatível com os princípios da carta das nações
unidas e com os direitos fundamentais enunciados na declaração universal dos direitos do homem”, cf.
nguyen quoc dinh, patrick dailler e alain pellet, direito internacional público, lisboa, id., ibid., p. 601.
13

perderiam sua atualidade, na medida em que, em data posterior, as obrigações nelas


constantes, iriam revestir-se da roupagem de normas jurídicas imperativas, em dois
importantes tratados multilaterais, adotados em plena forma, os dois pactos das nações
unidas, negociados sob a égide de sua assembléia geral, e assinados ambos no mesmo dia
16 de dezembro de 1966, na sede da onu, em nova york: o pacto internacional sobre direitos
econômicos, sociais e culturais e o pacto internacional sobre direitos civis e políticos. deve
dizer-se que os dois pactos tiveram uma aceitação imediata dos estados, tendo em vista que
os mesmos entraram em vigor internacional, a 23 de maio de 1976, após o 35o estado haver
depositado os instrumentos de ratificação, perante o secretário geral das nações unidas. no
que respeita ao brasil, o país os assinou, na data de sua adoção, em dezembro de 1966, mas
somente os ratificou após ter havido a democratização do país, em 23/12/1992, data de sua
promulgação conjunta pelo decreto no 592 desta data, e após a aprovação pelo congresso
nacional, através do decreto legislativo no 226 de 12/12/199120.
os pactos da onu de 1966 retomam os direitos e garantias definidos na declaração
universal, a qual os apresentava sem qualquer listagem, classificam-nos em dois grandes
campos, os direitos civis e políticos, que uma parte da doutrina, em data posterior,
denominaria “direitos-liberdades”, e os direitos econômicos, sociais e culturais, por aquela
doutrina denominados “direitos-crédito”, e, enfim, instituem mecanismos diplomáticos
internacionais, para a verificação de seu cumprimento pelos estados, nos respectivos
ordenamentos jurídicos nacionais.
sendo assim, são reconhecidos, no pacto sobre direitos civis e políticos, sem
qualquer distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, origem ou opinião, os seguintes
direitos: à vida e à incolumidade pessoal, à sua proteção contra a tortura, contra a
escravidão e o trabalho forçado, a proibição da prisão arbitrária, das buscas e requisições
abusivas. visa o pacto, igualmente, a garantir um patamar normativo mínimo, no interior
dos ordenamentos jurídicos nacionais dos estados, no que respeita à administração da
justiça, através da aplicação dos princípios da justiça natural, tais como a independência e
imparcialidade dos tribunais, a presunção da inocência, a irretroatividade da lei penal, o
pleno direito a uma defesa. enfim, proclama ele as grandes liberdade clássicas: de
pensamento, de consciência, de religião, de expressão, de reunião e de associação pacíficas.

20 os textos da declaração universal dos direitos do homem e de ambos os pactos se encontram apud, vicente
marotta rangel, op. cit., id., ibid., respectivamente, p. 645-52, 668-80 e 681-704.
14

no que respeita à proteção das minorias étnicas, religiosas ou lingüisticas, restringia-se, no


art. 27, a proteger as pessoas, no sentido de “não serem privadas do direito de ter,
conjuntamente, com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultual, de professar e
praticar sua própria religião e usar sua própria língua”; seriam tais dispositivos
complementados pela declaração dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais
ou Étnicas, religiosas e lingüísticas, adotada pela ag da onu, em 1992, nos termos da qual,
os estados se obrigam a proteger a existência e a identidade das minorias que sem
encontram nos seus territórios respectivos e a favorecer as condições próprias à promoção
de tal identidade. no que respeita à proibição expressa da pena de morte, assunto que não
constava do pacto dos direitos civis e políticos (seu art. 6o regulava as situações nos países
em que a pena de morte não tinha sido abolida), este seria complementado com um
protocolo suplementar, adotado em 1989, denominado segundo protocolo relativos aos
direitos civis e políticos com vistas a abolir a pena de morte, adotado em nova york, a
15/12/1989 (do qual o brasil não é parte), segundo o qual aos estados partes se institui o
dever de abolir a pena de morte nos ordenamentos jurídicos nacionais, salvo nos casos de
pena de morte em tempo de guerra, em virtude de uma condenação por crime de caráter
militar cometido em tempo de guerra e de extrema gravidade.
deve dizer-se que há possibilidades de suspensões de alguns dos dispositivos do
pacto, autorizadas pelo seu art. 4o (situações que ameacem a existência da nação e sejam
oficialmente proclamadas), restando, contudo proibidas as suspensões daqueles direitos que
podem ser considerados como o “núcleo duro” (“hard core”) dos direitos protegidos, e que
se encontram definidos no seguintes artigos: 6o (direito à vida), 7o (proibição da tortura), 8o
§ 1o (escravidão) art. 8o § 2o (servidão), 11 (proibição de prisão apenas por não cumprir com
obrigação contratual), 15 (definição estritamente legal pelo direito interno ou pelo direito
internacional de um crime e anterioridade da lei penal), 16 (reconhecimento, em qualquer
lugar, da personalidade à pessoa humana) e 18 (liberdade de pensamento, de consciência e
de religião).
são reconhecidos, em linhas gerais, os seguintes direitos pelo pacto internacional
dos direitos econômicos, sociais e culturais, os quais devem ser garantidos pelos estados, a
partir de um máximo de seus recursos disponíveis, fim de assegurar progressivamente o
exercício concreto dos mesmos: direito ao trabalho, direito a condições de trabalho justas e
15

favoráveis, direito de formar sindicatos, direito a um nível de vida adequado, nele


compreendidos o direito à alimentação, a uma vestimenta e a uma moradia adequados;
direito à proteção familiar, inclusive o direito das mães a uma proteção especial antes e
após o nascimento de seus filhos: direito à saúde e à educação, direito a participar da vida
cultural e de beneficiar-se do progresso científico.
a tais direitos, deve ser incluído o direito ao desenvolvimento, como um direito
inalienável do homem, conforme definido pela declaração sobre o direito ao
desenvolvimento, adotada pela ag da onu, a 04/12/1986 (resolução 41/128)21, e, por ter
situado a pessoa humana como o sujeito central do desenvolvimento, confia aos estados a
responsabilidade primeira pela criação de condições favoráveis à sua realização. esta
declaração, que aditou mais um direito ao pacto sobre direitos econômicos, sociais e
culturais, deve ser analisada, na sua emergência, a partir dos fenômenos que se verificaram
a partir da década de 1960 (o ano da África, marcado pela afluência maciça de estados em
vias de desenvolvimento africanos e asiáticos, nos foros da onu), e que marcariam as
tentativas da instituição de uma nova ordem econômica internacional (cujo marco mais
importante foi a instituição da uncatd, a conferência das nações unidas sobre comércio e
desenvolvimento, com sede em genebra, em 1964). já fundamentada sobre a definição que
a própria onu daria, na conferência mundial sobre direitos humanos, realizada em teerã,
em 196822 de que os direitos civis e políticos, de um lado, e os direitos econômicos sociais e
culturais, de outro, constituem uma unidade indivisível e, portanto, são interdependentes, a
declaração sobre o direito ao desenvolvimento de 1986, lançou um desafio a toda
comunidade internacional dos estados, colocando a satisfação das necessidades humanas e
sociais, no centro do desenvolvimento econômico, e desbancando o decantado crescimento
econômico enquanto um valor auto-suficiente. tal posicionamento suporia o
estabelecimento de relações econômicas internacionais eqüitativas, e, consequentemente,
uma verdadeira revolução nos foros multilaterais, onde os problemas econômicos fossem
tratados. na verdade, as relações econômicas internacionais tal como eram versadas,
tradicionalmente, passaram a ser encaradas, a partir da mencionada declaração, na
21 o texto da declaração sobre o direito ao desenvolvimento de 1986, encontra-se traduzida em português,
apud antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 154-159.
22 o texto da proclamação de teerã encontra-se traduzida em português, apud antônio augusto cançado
trindade, a proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos,
id. ibid., p. 121-24.
16

dimensão da proteção do mencionado direito ao desenvolvimento, o qual reconhece uma


desigualdade real entre os estados e, a partir de tal fato, tenta dar uma dimensão eqüitativa
nas relações econômicas internacionais (no equilíbrio monetário, do fmi, nos movimentos
internacionais de créditos de bancos oficiais, com o bird à frente, e enfim, no comércio
internacional, naquele momento histórico, no gatt).
a partir da adoção dos dois pactos das nações unidas, e já estando vigente a
convenção para a repressão e a prevenção do crime de genocídio, o movimento
internacional em direção à especificação dos direitos humanos, a fim de dotá-los de uma
eficácia crescente nas relações internacionais, a nosso ver, passou a ser marcado, a partir de
então, por três grandes fenômenos: a) o aprimoramento dos mecanismos diplomáticos de
reuniões permanentes entre os estados, para negociações de normas internacionais e para
intercâmbio de informações, seja no quadro da diplomacia parlamentar da onu, seja ainda
da diplomacia de congressos e conferências especiais; b) o formal reconhecimento
internacional dos mais importantes direitos humanos subjetivos, através de tratados
multilaterais, em assuntos tópicos e c) o aperfeiçoamento de mecanismos de verificação da
eficácia das normas internacionais de proteção aos direitos humanos, que tanto passaram a
ser instituídos nos mencionados tratados específicos (mecanismos convencionais) quanto
criados e desenvolvidos no quadro institucional da própria onu, na assembléia geral e,
sobretudo no ecosoc, que é o órgão da onu encarregado do campo da proteção dos direitos
humanos (mecanismos não constantes em tratados ou convenções internacionais, mas
elaborados no exercício da diplomacia multilateral do tipo parlamentar, em especial no seio
da comissão de direito internacional das nações unidas, subordinada ao ecosoc).
no que concerne à institucionalização de reuniões permanentes entre estados, no
quadro da diplomacia parlamentar das nações unidas, na esteira dos propósitos da
declaração universal dos direitos do homem, foi instituída uma comissão dos direitos
humanos, por ocasião da primeira reunião do conselho econômico e social da onu, em 1946
(resolução i-5), com sede em genebra, composta de representantes diplomáticos dos
estados, numa base de rotatividade de representação geográfica, para reuniões ordinárias
anuais, por 40 dias, nos meses de fevereiro e março23. com uma jurisdição mundial, sua

23 originariamente prevista para contar com 18 estados, hoje conta com 53, desde 1990. informações apud j. a
lindgren alves, os direitos humanos como tema global, são paulo, perspectiva e brasília, fundação alexandre
de gusmão, 1994, p. 73.
17

atuação tem sido cada vez mais importante, conforme será visto mais além, neste capítulo,
na medida em que tem aprimorado mecanismos de verificação do adimplemento das
normas internacionais, seja nas relações internacionais, seja no interior dos ordenamentos
jurídicos nacionais. de maneira geral, as atribuições da comissão de direitos humanos da
onu, numa leitura estrita de suas bases jurídicas, ou seja, do art. 55 al. (c) e art. 56 da carta
da onu24, como se sabe, inscritos no cap. ix daquela carta, ementado “cooperação
internacional econômica e social”, fariam dela uma entidade voltada a fomentar a
cooperação internacional e de forma alguma, com poderes jurisdicionais ou quasi-
jurisdicionais em relação aos estados. a fim de certa forma amenizar o oficialismo da
representação dos estados e seu caráter por demais político, já nos primórdios de seu
funcionamento, a comissão de direitos humanos, devidamente apoiada pelo ecosoc,
instituiria uma subcomissão de prevenção da discriminação e proteção de minorias 25,
composta, na atualidade, de 26 peritos independentes, indicados pelos governos (mas não
funcionários do mesmo) e escolhidos segundo uma distribuição geográfica equânime, com
funções de fazer estudos e recomendações à comissão, bem como cumprir com as tarefas
que esta comissão ou o ecosoc lhe determinar.
.ainda quanto à atuação dos estados, na diplomacia multilateral realizada por via dos
tratados e convenções, é mister referir-se à prática dos estados, logo após a subscrição do
pacto internacional dos direitos civis e políticos de 1966, de instituir, nos tratados
multilaterais sobre assuntos tópicos, órgãos colegiados autônomos, denominados
“comitês”, entidades independentes das representações diplomáticas dos estados,
compostas de pessoas de alta reputação, com a competência de controlar a aplicação das
normas convencionadas, portanto, com uma competência “ratione materiae” e “ratione
personae” determinadas pelas normas que os instituem, de cuja maioria o brasil é parte,
conforme noticia o embaixador gilberto vergne saboia26. os mais notáveis são o comitê
sobre direitos civis e políticos, instituído no pacto da onu sobre direitos civis e políticos de
1966, do qual o brasil participa, e o comitê de direitos humanos, instituído pelo protocolo

24 o art. 55 alínea (a) acha-se transcrito no texto do início deste capítulo. o art. 56 da carta da onu assim está
redigido: “para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os membros da organização se
comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente”.
25 esta subcomissão se reúne, ordinariamente, a cada mês de agosto, em genebra.
26 gilberto vergne saboia, “o brasil e o sistema internacional de proteção dos direitos humanos”. in: alberto
do amaral júnior e cláudia perrone-moisés, organizadores, o cinqüentenário da declaração universal dos
direitos do homem, são paulo, editora da usp, 1999, p. 219-38, em particular, p. 227.
18

adicional ao pacto sobre direitos civis e políticos, subscrito igualmente em 1966, mas do
qual o brasil se encontra ausente, por não haver subscrito aquele protocolo; importa
observar que este protocolo confere ao referido comitê, a atribuição de poder receber
queixas individuais, contra estados27. mais além, no presente capítulo, descreveremos,
sumariamente, a atuação de ambos os comitês, destacando-se que as reclamações
individuais contra estados podem igualmente ser recebidas pelos comitês previstos na
convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (art.
14 § 1o) e a convenção contra a tortura (art. 21 § 1o e art. 22 § 2o).
igualmente no campo de atuação da diplomacia multilateral, têm sido notáveis as
conferências internacionais convocadas pela onu, tendo como marco a declaração universal,
nas quais são reafirmados ou votados grandes princípios de natureza política e jurídica.
merecem destaque as duas conferências mundiais sobre direitos humanos, realizadas, uma
em teerã, a 1968, em plena guerra fria, com a participação de cerca de 50 países, e outra,
em viena, a 1993, com delegações de cerca de 179 países, em que se reafirmou “a
universalidade dos direitos humanos e da legitimidade da preocupação internacional com
o tema”28. nas palavras do presidente da conferência de viena, o delegado do brasil, o
eminente embaixador gilberto vergne saboia: “a declaração e o programa de ação de viena
são o pronunciamento mais atual e completo sobre os direitos humanos...refletem a
natureza da imensa tarefa de realizar os direitos humanos de maneira universal em
sociedades distintas em suas tradições culturais e características econômicas e sociais”29.
um dos resultados da conferência de viena, foi a instituição pela ag da onu, em dezembro de
1993 (resolução 48/141), de um alto comissário das nações unidas para os direitos do
homem, de hierarquia de secretário-geral adjunto, com a missão de coordenar os programas
das nações unidas no campo dos direitos humanos, de promover a cooperação
internacional, de dispensar serviços consultivos aos estados que os solicitem, de promover e
proteger a realização do direito ao desenvolvimento e de entrar em diálogo com todos os

27 os demais comitês existentes são: o comitê sobre direitos econômicos, sociais e culturais, instituído pelo
pacto da onu sobre direitos econômicos, sociais e culturais, o comitê para a eliminação da discriminação
racial, instituído pela convenção sobre a eliminação da discriminação racial, o comitê para a eliminação da
discriminação contra a mulher, instituído pela convenção sobre a eliminação da discriminação contra a
mulher, o comitê contra a tortura, instituído pela convenção contra a tortura, e o comitê dos direitos da
criança, instituído pela convenção dos direitos da criança.
28 gilberto vergne saboia, op. cit., p. 222.
29 gilberto vergne saboia, op. cit., id., ibid., p. 222.
19

governos, a fim de garantir o respeito efetivo dos direitos humanos, nos respectivos
ordenamentos internos.
ainda no que respeita à diplomacia multilateral, porém fora dos quadros da onu, é
necessário referência à ata final da conferência internacional de helsinki sobre a
cooperação na europa30, reunião multilateral iniciada em 1973, em helsinki, continuada em
genebra em 1973 e finalmente terminada em 1975, das quais participaram, além dos
estados europeus, inclusive do bloco soviético (destaque-se: urss e as duas alemanhas),
igualmente canadá e eua. segundo o prof. nicolas valticos, “tratou-se de um acordo entre
grupos de estados preocupados com a situação numa dada região (do mundo), mas que
tinham ideologias políticas muito diferentes e que chegaram a certos princípios comuns,
notadamente em matéria de direitos do homem e de liberdades fundamentais”31. quanto
ao reconhecimento formal de direitos humanos, em assuntos temáticos, foram adotados,
desde a proclamação da declaração universal e até nossos dias, inúmeros tratados e
convenções multilaterais de vocação universal, na sua maioria, negociados sob a égide das
nações unidas e outros tantos de vocação regional. sua lista, inclusive com os textos em
português, podem ser encontrados numa exemplar obra editada no brasil, em 1991, de
autoria do prof. cançado trindade, ilustre jurista brasileiro, atualmente juiz e presidente da
corte interamericana de direitos humanos32. aquele mestre agrupa os tratados e convenções
multilaterais, em dois grandes campos: instrumentos básicos de proteção no âmbito
global, e instrumentos básicos de proteção geral e particularizada, de âmbito regional.
o primeiro campo, portanto daqueles atos multilaterais vigentes no âmbito global,
(os quais serão indicados, quando vigentes no brasil, com a informação sobre os respectivos
decretos de promulgação e com dados por nós complementados, àqueles colacionados pelo
prof. cançado trindade) comporta a classificação, conforme os temas seguintes:
A) instrumentos de proteção geral: os dois pactos internacionais da onu, de 1966, o
sobre direitos econômicos, sociais e culturais (decreto 591 de 06/07/1992), o

30 excertos do texto da ata final de helsinki encontra-se apud antônio augusto cançado trindade, a proteção
internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id., ibid., p. 129-131.
o texto completo da ata, em inglês, “conference on security and co-operation in europe: final act [august 1,
1975], encontra-se in: 14 ilm 292 (1975).
31 nicolas valticos, “nations, etats, regions et cmmunauté universelle: niveaux et Étapes de la protection des
droits de l’homme”. in: humanité et droit international- mélanges rené-jean dupuy, paris, pedone, 1991,
p. 346.
32 antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos, são paulo, saraiva, 1991.
20

sobre direitos civis e políticos (decreto 592 de 06/12/1992) e a convenção


contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes, de 1984 (decreto 40 de 15/02/1991) a convenção sobre os direitos
da criança, de 1989 (decreto 99.710 de 21/11/1990); e acrescentaríamos nós: o
primeiro protocolo facultativo ao pacto sobre direitos civis e políticos, de 1966
(possibilidades de recebimento de queixas individuais contra estados), bem
como o segundo protocolo facultativo do pacto sobre direitos civis e políticos,
destinado a abolir a pena de morte, de 1989, dos quais o brasil não é parte33;
B) instrumentos de proteção particularizada, que compreendem os seguintes
subtemas:
a) prevenção de discriminação: a convenção relativa à escravatura (assinada
em genebra a 25/09/19266,emendada pelo protocolo aberto à assinatura na
sede das nações unidas, de 07/12/1953, e convenção suplementar sobre a
abolição da escravatura, do tráfico de escravos e das instituições e práticas
análogas à escravatura de 07/09/1956 (todos promulgados no brasil pelo
decreto 58.563 de 01/06/1966), a convenção relativa à luta contra a
discriminação no campo do ensino, de 1960 (decreto 62.223 de 06/09/1968),
a convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial de 1965 (decreto 65.810 de 08/12/1969, a convenção
internacional sobre a eliminação e punição do crime do apartheid, de 1973
(não assinada pelo brasil), a convenção sobre a eliminação de todas as
formas de discriminação contra a mulher, de 1979 (decreto 89.460 de
20/03/1984) e a convenção internacional contra o apartheid nos esportes, de
198534. acrescente-se, ainda, a convenção sobre os direitos da criança no
relativo ao seu envolvimento em conflitos armados e sobre a venda de
crianças, a prostituição infantil e a pornografia envolvendo crianças, e seu
protocolo opcional, adotados pela assembléia geral da onu, este último, a
16/05/2000, com seu texto apud 39 ilm 1285 (2000);
b) asilo, refugiados e apátridas: a convenção relativa ao estatuto dos refugiados,

33 os textos de ambos os protocolos se encontram apud josé augusto lindgren alves, a arquitetura
internacional dos direitos humanos, são paulo, ftd, 1997, respectivamente, p. 69-72 e 72-4.
34 o decreto 91.524 de 09 de agosto de 1985 estabelece restrições ao relacionamento com a África do sul.
21

de 1951 (decreto 50.215 de 28/01/1961, modificado pelo decreto 98.602 de


19/12/1989 e retificado pelo decreto 99.757 de 03/12/199035), a convenção
sobre a redução dos casos de apatrídia, de 1961 (não promulgada, nem
ratificada, mas já aprovada pelo decreto legislativo 38 de 1995) e o
protocolo sobre o estatuto dos refugiados, de 1967 (decreto 70.946 de
07/08/1972);
c) proteção aos trabalhadores (relações trabalhistas), atos internacionais que o
prof. cançado trindade arrola: os dispositivos pertinentes da constituição da
oit de 1919 e as seguintes convenções internacionais do trabalho, dentre as
inúmeras adotadas por aquela organização intergovernamental em genebra:
convenção no 87 de 1948, sobre liberdade sindical e a proteção do direito
social (não consta haver o brasil promulgado esta convenção36), convenção
no 98 de 1949, sobre o direito de organização e de negociação coletiva
(decreto 33.196 de 29/06/1953), convenção no 100 de 1951, sobre igualdade
de remuneração (decreto 41.721 de 25/06/1957), convenção no 105 de 1957,
sobre abolição do trabalho forçado (decreto 58.822 de 14/07/1966),
convenção no 111 de 1958, sobre discriminação em matéria de emprego e
profissão (decreto 62.150 de 19/02/1968) e convenção no 135 de 1971, sobre
a proteção de representantes dos trabalhadores (decreto 131 de 22/05/1991).
acrescentem-se ainda duas recentes convenções da oit: a convenção relativa
à proibição e imediata eliminação das piores formas de trabalho infantil, de
17/06/199 e a convenção sobre a proteção da maternidade, aprovada
juntamente com a recomendação sobre a proteção da maternidade, em
15/06/2000 (textos , respectivamente, apud: 38 ilm 1207 (1999) e 40 ilm 1
(2001);
d) conflitos armados, ou seja, o campo do direito internacional humanitário:
convenções de genebra sobre direito internacional humanitário de 1949
(decreto 42.121 de 21/08/1957), e os seus protocolos adotados em 1977

35 veja-se, além, no presente capítulo, uma explicação sobre as razões de tantos decretos relacionados à
convenção sobre o estatuto dos asilados, de genebra, a 28 de julho de 1951.
36 a convenção 87 de 1948 da oit, sobre liberdade sindical, conforme informações apud arnaldo sussekind,
convenções da oit, 2a edição, ampliada e atualizada até 15/08/1998, consta, a p. 467, da quarta parte;
“convenções da oit ainda não ratificadas pelo brasil”.
22

(decreto 849 de 25/06/1993), ou seja, o protocolo adicional i, relativo à


proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais e o protocolo
adicional ii, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados não-
internacionais;
e) os crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra: convenção
para a prevenção e repressão do crime de genocídio, de 1948 (decreto
30.822 de 06/05/1952), e convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes
de guerra e crimes de lesa-humanidade de 1969 (não assinada pelo brasil), às
quais nos permitimos acrescentar o importantíssimo estatuto da corte
internacional penal, a ser sediado na haia, o qual foi adotado por uma
conferência diplomática “ad hoc” das nações unidas, para o estabelecimento
de uma corte internacional penal, reunida em roma a 17 de julho de 1998, (o
qual se encontra, ao tempo em que redigíamos este curso, ainda em processo
de aguardo de sua entrada em vigor internacional, e no que respeita ao
brasil, da aprovação pelo poder legislativo brasileiro)37.
no rol dos instrumentos básicos de proteção geral e particularizada, de âmbito
regional, aquele autor agrupa os tratados multilaterais regionais em quatro grandes
conjuntos: a) no continente americano: além de textos anteriores ao final da segunda guerra
mundial, como a convenção sobre o instituto indigenista interamericano, de 24/02/1940
(decreto 36.098 de 19/08/1954), bem assim dos importantes textos adotados em 1948, tais a
declaração americana dos direitos e deveres do homem38, a carta americana de garantias
sociais e da carta da organização dos estados americanos, oea (carta de bogotá)39, as
seguintes convenções multilaterais internacionais: a) a) convenção interamericana sobre
concessão dos direitos civis à mulher, de 1948 (decreto 31.643 de 23/10/1952); b) as duas
37 a convenção de roma sobre o tribunal internacional penal necessita, para sua entrada em vigor
internacional, de 60 (sessenta) depósitos de instrumentos de ratificações, aprovações ou adesões, junto ao
secretário geral da onu, nos termos de art. 136 § 1o do estatuto de roma.
38 a declaração americana dos direitos e deveres do homem, foi adotada no decurso da ix conferência
internacional americana reunida em bogotá, em abril de 1948, pela resolução xxx, conforme a ata final
daquela conferência. seu texto encontra-se apud luiz flávio gomes e flávia piovesan, organizadores,
coordenadores, o sistema interamericana de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro, são
paulo, editora revista dos tribunais, 2000, p. 391-396.
39 a carta da oea foi adotada a 23/08/1948, no decurso da ix conferência interamericana, em sucessão aos
tratados e convenções que regulavam a união panamericana. seria aquele instrumento internacional emendado
pelo protocolo de buenos aires de 1967 (iii conferência interamericana extraordinária) e pelo protocolo de
cartagena de Índias de 1985 (14o período de sessões da ag da oea). seu texto, com as emendas, se encontra
apud vicente marotta rangel, op. cit., id. ibid., p. 87-128.
23

convenções adotadas em caracas a 28/03/1954, por ocasião da x conferência interamericana


reunida naquela capital, sobre asilo diplomático e sobre asilo territorial (decreto 55.929 de
14/04/1965) e que procuraram substituir antigas convenções sobre asilo, vigentes no
continente americano40, c) a convenção americana sobre direitos humanos, o denominado
“pacto de san josé” de 1969 (decreto 678 de 06/11/1992)41, d) a convenção interamericana
para prevenir e punir a tortura, de 1985, e) o protocolo adicional à convenção americana
sobre direitos humanos, em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, denominado
“pacto de san salvador”, de 1988 (decreto 3.321 de 30/12/1999) e f) o protocolo adicional à
convenção americana sobre direitos humanos referente à pena de morte, de 1990 (decreto
2.754 de 27/08/1998)42 e g) muito recentemente, a convenção interamericana para prevenir,
punir e erradicar a violência contra a mulher, de 1994, denominada “convenção de belém
do pará”43; b) no continente europeu44, e c) no continente africano45. consta do mencionado
livro do prof. cançado trindade, igualmente um projeto de carta dos direitos humanos e dos
povos do mundo Árabe, subscrito em túnis, em 1971, que, na época da edição daquele livro
(1991) não tinha sido adotado, mas que em 15/09/1994, o conselho da liga dos estados
Árabes aprovaria com aquela denominação46.
no que respeita ao aperfeiçoamento de mecanismos de verificação da eficácia das
normas internacionais de proteção aos direitos humanos, entendendo-se, como tal, os
mecanismos de controle e monitoramento da efetiva aplicação das normas internacionais no
interior dos ordenamentos jurídicos dos estados e nas respectivas relações internacionais,

40 veja-se, além, neste capítulo, a seção sobre asilo diplomático e asilo territorial..
41 o pacto de san josé foi aprovada numa conferência diplomática “ad hoc” convocada pela oea e reunida em
san josé da costa rica, a 22/11/1969, à qual o brasil não participou. em 25/09/1992, o brasil daria sua adesão e
a promulgaria pelo mencionado decreto no 678 de 06/11/1992.
42 adotado em assunção a 08/06/1990, foi assinado pelo brasil a 07/07/1994 e encontra-se promulgado no
país, pelo decreto 2.754 de 27/08/1998.
43 seu texto se encontra publicado, igualmente, apud luiz flávio gomes e flávia piovesan, coordenadores, op.
cit., id., p. 459-66
44 sendo a referida obra do prof. cançado trindade de 1991, nela encontram-se arrolados: dispositivos
pertinentes do estatuto do conselho da europa (1949), convenção européia para a proteção dos direitos
humanos e liberdade fundamentais, roma, (1950), a carta social européia, turim, (1961), os seguintes
protocolos à convenção de roma, no 1 (1961), no 2 (1963), no 3 (1963), no 4 (1963), no 5 (1966), no 6
(1983), no 7 (1984) e no 8 (1985) e o protocolo à carta social européia (1987).
45 dispositivos pertinentes da carta da organização da unidade africana (1963), a convenção da oua regendo
aspectos específicos dos problemas dos refugiados na África (1969) e a carta africana dos direitos humanos e
dos povos, denominada: “carta de banjul” (1981).
46 seu texto, com comentários de m. a. al midani, “introduction à la charte arabe des droits de l’homme”
pode ser encontrado in: boletim da sociedade brasileira de direito internacional, rio de janeiro, (1996), p.
183-189
24

podem ser classificados em dois grande conjuntos: a) mecanismos convencionais,


instituídos em convenções temáticas, e b) os mecanismos não convencionais, que foram
elaborados através de decisões da comissão de direitos humanos da onu, que nada mais
fizeram do que formalizar um costume que se desenvolveu no dia a dia da prática da
diplomacia parlamentar no seio daquela comissão, e dadas as necessidades de maior
eficácia conforme exigidas pelos estados, foram, enfim, reconhecidos pelo ecosoc e pela
assembléia geral da onu.
os mecanismos convencionais de verificação do adimplemento dos direitos
humanos, constantes nas convenções sobre assuntos tópicos, de maneira geral, seguem,
com algumas variantes, a tipologia consagrada no pacto sobre direitos civis e políticos e no
seu primeiro protocolo adicional; consistem, de maneira geral, em procedimentos de
comunicações (denominadas “petições”, quando de trata de indivíduos), de relatórios e de
investigações (“fact findings”), conduzidos por órgãos oficiais. o ponto central, no caso do
citado pacto, é a existência e a atuação do comitê de direitos humanos, composto de 18
membros, eleitos a título pessoal, portanto, sem a qualidade de delegados dos estados, mas
na condição de serem nacionais dos estados partes do pacto, “pessoas de elevada reputação
moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos, levando-se em
consideração a utilidade da participação de algumas pessoas com experiência jurídica”
(art. 28 § 2o do pacto sobre direitos civis e políticos). o procedimentos de controle se
encontram centrados na obrigação de os estados partes apresentarem relatórios periódicos
sobre o adimplemento de seus deveres constantes no pacto, os quais são examinados pelo
comitê, que encaminha suas próprias observações aos estados “sub studio”, em particular
no que respeita a falhas no adimplemento das obrigações, com suas recomendações; segue-
se uma fase de os representantes dos estados formularem suas próprias observações às
observações do comitê, em documentos escritos, e de responderem, oralmente, aos
questionamentos de delegados de outros estados. após este diálogo, sem dúvida construtivo
entre o comitê e o representante do estado (na verdade, não se trata de qualquer contencioso
acusatório!), nos termos do art. 41 do pacto analisado, sob reserva do consentimento
expresso dos estados envolvidos no referido relatório, e após o esgotamento de instâncias
de bons ofícios por parte do comitê, podem um estado ou grupo de estados apresentar uma
“comunicação” (na verdade, autêntica reclamação) contra aquele, a qual será examinada
25

por uma comissão de conciliação, composta de 5 representantes de outros estados, cujo


relatório é comunicado, pelo comitê, às partes envolvidas. para os estados que
subscreveram o primeiro protocolo facultativo referente ao pacto sobre direitos civis e
políticos (do qual o brasil não é parte), confere-se ao comitê os poderes de receber
“comunicações” (leia-se: queixas) de particulares (indivíduos ou organizações não
governamentais) que se pretendem vítimas de violações dos direitos garantidos por aquele
instrumento internacional. neste caso, o exame da reclamação é feito em caráter
confidencial, sendo que tanto os estados envolvidos, quanto os particulares, não podem
participar das deliberações, as quais, quanto a uma decisão sobre o mérito, dependem: a)
do esgotamento pela vítima dos recursos no ordenamento jurídico local, caso aqueles sejam
eficazes e estejam a ela disponíveis (a regra do esgotamento prévio); b) a ausência de
procedimentos semelhantes e paralelos em outras instâncias internacionais e c) a
posterioridade da violação do direito, quanto à entrada em vigor do procedimento em
relação ao estado envolvido.
deve notar-se que o sistema dos mecanismos previstos nas convenções, embora com
grande criatividade no que respeita aos meios de atuação dos comitês (na verdade, a
interação de procedimentos de aconselhamento, conciliação, investigação e de busca de
soluções negociadas, com a interveniência de um organismo composto de peritos),
apresenta grandes falhas, tendo em vista que os estados, além de não estarem vinculados a
uma aceitação expressa da competência daqueles comitês, tendo em vista a facultatividade
de reconhecerem os seus poderes, devem, ainda, aceitar de boa fé, as “constatações” dos
mesmos. a possibilidade de um estado trazer ao conhecimento dos comitês temáticos
violações de outros estados, limita-se à questão da proteção dos nacionais daquele, o que de
certa forma, “politiza” o tratamento de questões, ao dar-lhes a conotação de proteção
diplomática, as quais, no entanto, deveriam ser tratadas no nível neutro, da proteção
indiscriminada dos direitos das pessoas humanas. o ponto mais fraco do sistema, contudo,
refere-se ao seguimento das constatações e a aplicação das medidas recomendadas, no
interior dos estados. dentro de tal espectro, deve notar-se que a partir de 1990, o comitê de
direitos humanos do pacto de direitos civis e políticos, nomeou um relator especial, com as
funções de verificar o seguimento da aplicação das recomendações do mesmo, no interior
dos ordenamentos jurídicos nacionais.
26

no que respeita aos mecanismos não convencionais, representam eles, na atualidade,


um grande aperfeiçoamento do sistema de proteção internacional aos direitos humanos, em
nível global; na verdade, são os responsáveis pela veiculação mundial das violações dos
direitos humanos, portanto, um fator da grande publicidade internacional e de mobilização
da opinião pública internacional, com os reflexos na tomada de providências por parte dos
estados que violam, eles mesmos aqueles direitos, ou que permitem, por uma atitude laxa
ou de complacência, que sejam violados, por suas autoridades internas. o que mais importa
observar é que os mecanismos não convencionais, instituídos por simples decisões da
comissão de direitos humanos da onu, e por ela aplicados, de maneira diuturna,
diferentemente daqueles previstos nas convenções temáticas e com a atuação dos comitês,
repousam na possibilidade de independerem, para seu funcionamento, de qualquer
aceitação dos estados, sejam eles partes ou não dos tratados e convenções sobre direitos
humanos, que estejam sob exame daquela comissão. os mecanismos não convencionais
foram inaugurados com a resolução 1235 do ecosoc (1967), adotada a partir das
reivindicações dos países africanos, de considerar-se a escandalosa situação do “apartheid”
na África do sul, face, inclusive, à então recentemente adotada convenção internacional
sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, de 1965 47; o fato mais
importante e que importou numa universalização destes procedimentos, foi a adoção pelo
ecosoc da resolução 1503 (xlviii) de 1970, intitulada “procedimento para lidar com
comunicações relativas a violações de direitos humanos e liberdades fundamentais”48, que
permitiu petições diretas de indivíduos e dispensou o requisito de aceitação pelos estados
dos mecanismos então instituídos. na sua essência, tratava-se da formação de grupos de
trabalho, para exame das situações “sub studio”, em procedimentos confidenciais, no nível
da comissão de direitos humanos, sendo que a grande sanção prevista para as violações era
a publicidade, que era dada, porém no nível do órgão colegiado maior, o ecosoc. este
sistema, que passou a ser conhecido como “controle confidencial”, evoluiu para outro, o

47 tal fato se daria com a adoção da resolução 1235 do ecosoc (1967), “questão da violação dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, incluindo políticas de discriminação racial e segregação e de apartheid
em todos os países, com referência particular aos países e territórios coloniais independentes”, cujo texto
traduzido em português se encontra apud josé augusto lindgren alves, a arquitetura internacional dos
direitos humanos, são paulo, ftd, 1997, p. 258-9
48 uma análise competente e detalhada da resolução 1503 de 1970 do ecosoc, “procedimento ..., encontra-se
feita pelo embaixador josé augusto lindgren alves, apud a arquitetura internacional dos direitos humanos,
id. ibid, p. 247-50, onde a p. 259-62, se encontra seu texto em português.
27

denominado “procedimentos ostensivos”49, instituídos por várias decisões do ecosoc (em


particular, basicamente consistente na nomeação de um grupo especial de peritos (ou seja,
um grupo de trabalho no interior da comissão dos direitos humanos da onu), designados
para um tema específico e num país específico, e com os poderes de realizar investigações,
inclusive no interior dos estados contra os quais haja suspeitas de violações das normas
internacionais: tais procedimentos foram utilizados no caso de violações na África do sul,
em israel e no chile do general pinochet. enfim, um terceiro tipo de procedimento surgiu em
1980, com a constituição de um grupo de trabalho sobre desaparecimentos forçados ou
involuntários, para monitorar a situação dos direitos humanos no brasil, argentina,
guatemala e uruguai e que foram disciplinados pela resolução 1996/46 da comissão de
direitos humanos, ementada “direitos humanos e procedimentos temáticos”50: trata-se do
procedimento de relatores temáticos, com uma “jurisdição” sobre todos os estados
membros ou não membros da onu. subordinados a um tema, os relatores têm competência
para investigar as situações no interior dos estados, com poderes de emitirem um
comunicado urgente aos governos, no sentido de restabelecer-se uma situação de violação
dos direitos protegidos. assim, foram estabelecidos alguns relatores especiais, dentre outros,
nos temas de tortura, sobre intolerância religiosa, sobre o uso de mercenários como fator
de violação dos direitos humanos e empecilhos ao direito dos povos à autodeterminação, e
ainda sobre venda de crianças e prostituição infantil... destaque-se a grande publicidade que
os procedimentos com relatores temáticos gozam, na mídia internacional. tem sido através
da atuação dos procedimentos por relatores temáticos, que o governo brasileiro tem sido
cobrado “a respeito do assassinato de menores, de ameaças a testemunhas, de homicídios,
de brutalidades contra pessoas detidas, de atos de violência e assassinatos de líderes rurais,
indígenas e movimentos da sociedade civil”51.
há diferenças entre os procedimentos estabelecidos no protocolo facultativo do
pacto de direitos civis e políticos, e os que fr9am constituídos pela diplomacia parlamentar
no ecosoc e na comissão de direitos humanos, quer dizer, aqueles constantes das
mencionadas resoluções 1235 e 150352. o que importa notar é a constante aplicação das
49 uma competente a pormenorizada análise dos controles ostensivos é realizada pelo embaixador josé
augusto lindgren alves, a arquitetura internacional dos direitos humanos, id., ibid, p. 250-58.
50 o texto desta resolução da cdu da onu encontra-se apud josé augusto lindgren alves, a arquitetura
internacional dos direitos humanos, id. ibid, p. 262-65.
51 cf. josé augusto lindgren alves, os direitos humanos como tema global, id. ibid., p. 67.
52 veja-se uma breve análise de tais diferenças, in prof. jaime ruiz de santiago, “o direito dos refugiados em
28

resoluções 1235 e 1503, dada sua informalidade e pelo fato de não dependerem de uma
aceitação expressa por parte dos estados que se encontram sob exame, no relativo à sua
inadimplência das obrigações internacionais.
foi, contudo, no nível da regulamentação regional da proteção dos direitos humanos,
que a evolução das normas internacionais atingiu seu maior refinamento, no que respeita à
declaração dos direitos dos indivíduos e deveres dos estados e, sobretudo, no
aperfeiçoamento das técnicas de verificação de sua adimplência pelos estados. ao mesmo
tempo em que na europa então dita “ocidental”, os estados buscavam reconstruir suas
economias, através de novas técnicas de cooperação econômica regional53, com a
instituição de órgãos de integração econômicas subregionais, como as comunidades
européias54 e a “european free trade area” (dotando as primeiras de um tribunal em
luxemburgo), ao mesmo tempo definiam, em termo precisos, os direitos humanos, em dois
grandes tratados multilaterais: a convenção européia para a proteção dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais, assinada em roma, a 04/11/1950 e a carta social européia,
adotada em turim, a 18/10/1961, ambas por iniciativa do conselho da europa (organização
européia, que se compõe dos ministros da justiça dos países dela integrantes, cujo número
incluiu e ultrapassa o número de estados membros daquelas organizações regionais de
integração econômica regional). ressalte-se que tal conjunto normativo seria dotado, já no
seu nascedouro, de poderosos instrumentos de verificação da adimplência de suas normas,
através da instituição de uma comissão européia de direitos humanos (organismo composto
de representantes dos estados partes, porém escolhidos por suas qualidades

sua relação com os direitos humanos e em sua evolução histórica”. in: antônio augusto cançado trindade,
gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago, as três vertentes da proteção internacional dos direitos
humanos- direitos humanos, direito humanitário, direito dos refugiados, id., ibid., p. 242-4.
53 julgamos da mais alta relevância o fato de que os direitos humanos foram definidos no mesmo momento
histórico em que a europa ocidental definia sua reconstrução econômica. um dos principais aspectos, foi a
emergência quase que simultânea de dois tribunais internacionais regionais: a corte de estrasburgo (direitos
humanos) e a corte de luxemburgo (integração econômica regional). para um estudo de tais fenômenos, veja-
se nosso trabalho “a união européia, o mercosul e a proteção dos direitos humanos”, texto elaborado a partir
da apresentação oral, no tema correspondente à sua denominação, efetuada por ocasião do seminário “direitos
humanos e mercosul”, organizado pela procuradoria geral do estado de são paulo e pela faculdade de direito
da puc-sp, de 07 a 09 de agosto de 2000, no “campus” desta pontifícia universidade, em são paulo, sp. no
prelo de publicação, provavelmente com a denominação do referido seminário, sob responsabilidade da
mencionada procuradoria geral do estado de sp.
54 foram três as comunidades instituídas, através de dois grandes tratados multilaterais: a convenção de paris
de 18 de abril de 1951, que instituiu a comunidade européia do carvão e do aço, ceca, e o tratado de roma de
25 de março de 1957, que instituiu a comunidade econômica européia, cee, e a comunidade européia da
energia atômica, ceea ou euratom.
29

personalíssimas55), e de uma corte européia de direitos humanos (juizes internacionais


independentes), ambos sediados em estrasburgo. deve ser igualmente ressaltado, como um
fato de extraordinária importância para a proteção internacional dos direitos humanos, que,
em data relativamente recente, o sistema normativo europeu sofreria um grande
aperfeiçoamento, a partir de 1994, com a adoção do protocolo 11 e com as posteriores
modificações introduzidas pelo acordo europeu relativo a pessoas que participam nos
procedimentos da corte européia dos direitos humanos, firmado em estrasburgo, a 05 de
maio de 1997; nos termos de tais reformas, foi suprimida a comissão européia (que tinha a
incumbência de, entre outras, examinar e decidir sobre o encaminhamento à corte européia
das reclamações de indivíduos contra os estados partes) e estendeu-se a competência da
corte européia dos direito humanos, para o fim de poder receber, diretamente, as
reclamações dos indivíduos contra quaisquer estados partes (inclusive os das
nacionalidades dos reclamantes ou de quaisquer outras nacionalidades). o texto da
convenção européia para a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais,
assinada em roma, a 04/11/1950, tal qual vigente na atualidade, portanto, com as
modificações introduzidas com os mencionados atos internacionais, especialmente o
protocolo 11, se encontra na internet, no “site”: www.dhnet.org.br.
o sistema europeu ocidental, antes das reformas deflagradas após o referido
protocolo 11, serviria de modelo para o continente americano, onde, a 22/11/1969, seria
assinada a convenção americana sobre direitos humanos, em san josé da costa rica
(conhecida como pacto de san josé), ao final de uma conferência internacional “ad hoc”,
realizada sob a égide da organização dos estados americanos (oea). consagrou-se a técnica
da declaração formal dos direitos protegidos, através de um articulado preciso, bem como
da instituição de uma duplicidade de órgãos de verificação da adimplência daqueles
direitos, ou seja, uma comissão composta de sete pessoas eleitas pela oea, a comissão
interamericana de direitos humanos56, sediada em washington e de um tribunal

55 interessante observar que o protocolo n o 8 adicionaria um § 3o ao texto primitivo da convenção européia,


claramente calcado no pacto de san josé (veja-se além, no presente capítulo), assim redigido: “os candidatos
deverão gozar da mais alta reputação moral e reunir as qualificações exigidas ao exercício de altas funções
judiciais ou serem pessoas de reconhecida competência em direito nacional ou internacional”. deve notar-se
que a comissão européia seria extinta com o protocolo 11, como será dito mais além. o texto do protocolo n o 8
encontra-se apud antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos humanos:
fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 456-61.
56 o estatuto da comissão interamericana de direitos humanos foi aprovado pela resolução ag/res. 447 (ix-
079) adotada pela assembléia geral da oea, no seu nono período ordinário de sessões, realizado em la paz, na
30

internacional, a corte interamericana de direitos humanos, composta de sete juizes


nacionais dos estados membros da oea, a qual seria, em data posterior, sediada em san josé,
na costa rica57. o brasil veio a aderir à convenção americana de direitos humanos, somente a
25/09/1992, tendo a mesma sido promulgada no país, pelo decreto nº 678 de 06/11/1992;
na ocasião, o brasil valeu-se da faculdade de não reconhecer “como obrigatória, de pleno
direito e sem convenção especial, a competência da corte em todos os casos relativos à
interpretação ou aplicação da convenção” (art. 62 § 1o do pacto de san josé). deve notar-se
que a 10 de dezembro de 1998, conforme lhe faculta o mesmo art. 62 do pacto de san josé,
após o referendo de aprovação antecipada dada pelo congresso nacional, através do decreto
legislativo no 89 de 03/12/1998, o governo brasileiro passaria nota ao secretário geral da
oea, depositário da convenção de san josé, segundo a qual o brasil daria “reconhecimento
da competência obrigatória da corte interamericana de direitos humanos em todos os
casos relativos à interpretação ou aplicação da convenção americana de direito humanos
para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo
primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional”58.
no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, os procedimentos de
verificação do adimplemento das normas do pacto de san josé, se encontram centrados na
atuação da comissão interamericana dos direitos humanos, como se disse, órgão composto
de 7 membros “que deverão ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em
matéria de direitos humanos” (art. 34 do pacto citado), com mandato de 4 anos,
reconduzíveis uma única vez, eleitos pela oea, por propostas dos seus estados membros.
com poderes de receber comunicações de estados partes (na condição de haver o
reconhecimento de tais poderes, pelo estado a respeito do qual houver tal comunicação), ou
petições de qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental
legalmente reconhecida em um ou mais estados membros da oea, que contenham denúncias

bolívia, em outubro de 1979. seu texto, em português, encontra-se apud flávia piovesan e luiz flávio gomes,
op. cit., p. 420-7.
57 o estatuto da corte interamericana de direitos humanos foi aprovado pela resolução ag/res. 448 (ix-0/79),
adotada pela assembléia geral da oea, no mesmo nono período ordinário da assembléia geral da oea,
mencionada na nota de rodapé anterior. seu texto, em vernáculo, se encontra no mesmo livro citado no
referido rodapé, luiz flávio gomes e flávia piovesan, coordenadores, op. cit, id., a p. 428-52.
58 o texto do decreto legislativo no 89 de 03/12/1998, juntamente com a mensagem do presidente da república
e da exposição de motivos do ministério das relações exteriores, encontra-se publicado no diário oficial da
união, de 04/12/1998, p. 2, e se acha igualmente reproduzido apud luiz flávio gomes e flávia piovesan,
coordenadores, op. cit., id., p . 437-441.
31

ou queixas de violações do pacto de san josé, cometidas por um estado-parte (art. 44). são
condições de recebimento das comunicações e petições: a) que hajam sido interpostos e
esgotados os recursos da jurisdição interna de acordo com os princípios de direito
internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis
meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido
notificado da decisão definitiva (evidentemente, em relação aos ordenamentos jurídicos
nacionais dos estados partes); c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja
pendente de outro processo de solução internacional e d) que, nos casos da petição de
particulares, haja as identificações dos mesmos (art. 46 § 1o ). os requisitos enumerados em
(a) e (b) poderão se dispensados nas hipóteses de: “a) não existir na legislação interna do
estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção de direito ou direitos que
se alegue tenham sido violados; b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em
seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de
esgotá-los e c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos”
(art. 46 § 2o). admitidas a comunicação ou a petição, após solicitar informações ao estado
ao qual pertença a autoridade apontada como responsável pela violação alegada, e tendo
decidido que há procedência ou admissibilidade das mesmas, poderá a comissão proceder a
uma investigação “in loco”59 e pedir informações ao estado (as quais poderão ser fornecidas
por escrito ou exposições orais que apresentem os interessados); finalmente, a comissão
poderá colocar-se à disposição das partes interessas, a fim de chegar-se a uma solução
amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na convenção
de san josé (art. 48). nos casos graves e urgentes, a investigação é realizada imediatamente
(art. 49). alcançada uma solução amistosa, a comissão redigirá um relatório, a ser
encaminhado ao interessado e aos estados partes, e posteriormente, à oea, para publicação
(art. 49). se não se chegar a uma solução amistosa, será redigido um relatório pela

59 o art. 48 alínea d assim está redigido: se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de
comprovar os fatos, a comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto na
petição ou comunicação. se for necessário e conveniente, a comissão procederá a uma investigação para
cuja eficaz realização solicitará, e os estados interessados lhe proporcionarão, todas as finalidades
necessárias”. o brasil apresentou a seguinte reserva, que consideramos interpretativa e portanto permitida pelo
art. 75 da convenção (reservas segundo as disposições da convenção de viena sobre direito dos tratados, de
1969, que no seu art. 19 determina ser a reserva permitida e ser compatível com o objeto e a finalidade do
tratado): o governo brasileiro entende que o art. 43 e 48 alínea d, não incluem o direito automático de visitas
e inspeções “in loco” da comissão interamericana de direitos humanos, as quais dependerão de anuência
expressa do estado” (decreto 678 de 06/11/1992, , que promulga a convenção).
32

comissão, com a exposição dos fatos e suas conclusões, com eventuais proposições e
recomendações, o qual será encaminhado aos estados interessados, aos quais não será
facultado publicá-lo (art. 50 e §§). em três meses, se não tiver havido uma solução do caso
pelo estado ou se não houver o caso sido remetido à corte interamericana de direitos
humanos, a comissão poderá emitir sua opinião e conclusões, com recomendações
pertinentes e a fixação de um prazo para o estado tomar as medidas que lhe competem para
remediar a situação examinada; após os mencionados três meses, a comissão decidirá, pelo
voto da maioria absoluta, se o estado tomou ou não as medidas adequadas e se publica ou
não seu relatório (art. 51 e §§).
no que concerne à corte interamericana de direitos humanos, como se disse, é ela
composta de “sete juizes nacionais dos estados membros da oea, eleitos a título pessoas
dentre os juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria
de direitos humanos e que reunam as condições requeridas para o exercício das mais
elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do estado do qual sejam nacionais, ou do
estado que os propuser como candidatos” (art. 52 § 1o). eleitos por um período de seis
anos, reelegíveis uma única vez, gozam, assim como os membros da comissão
interamericana dos direitos humanos, de privilégios e imunidades reconhecidos aos agentes
diplomáticos pelo direito internacional, e, no exercício de seus cargos, igualmente dos
privilégios diplomáticos necessários para o desempenho de suas funções (art. 70)60. a
competência da corte é dupla: a) em matéria consultiva, a pedido dos estados membros da
oea em matéria de interpretação do pacto de san josé ou de outros tratados concernentes à
proteção dos direitos humanos nos estados americanos, e ainda sobre a compatibilidade
entre qualquer das leis internas e os mencionados instrumentos internacionais, ou a pedido
da reunião de consultas dos ministros das relações exteriores deste estados e da comissão
consultiva de defesa da oea, previstas no cap. x da carta da oea (art. 64), e b) em matéria
contenciosa, por provocação de um estado-parte ou da comissão interamericana de direitos
humanos, neste caso, esgotados os procedimentos descritos no parágrafo anterior (art. 61 e
§§), em qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições do pacto de san

60 os privilégios diplomáticos necessários para o desempenho de suas funções referem-se a fenômenos que
ultrapassam as pessoas envolvidas (e que dizem respeito às imunidades diplomáticas, portanto, as mais
amplas, e a inviolabilidade das pessoas e de seus familiares e de seus bens particulares), como a questão da
inviolabilidade de locais de trabalho, de arquivos, de escritos e de comunicações com o exterior. veja-se o cap.
12 deste curso.
33

josé, que lhe seja submetido (art. 62 § 3o), inclusive com poderes de decretação de medidas
provisórias em casos de extrema gravidade e urgência (art. 63 § 1o). no exercício de sua
competência contenciosa, no julgamento dos casos, no número dos juizes, deverá constar
sempre um juiz da nacionalidade do estado-parte ou dos estados-partes, no caso submetido
à corte, e se estes não figurarem no rol dos juizes em função, serão nomeados juizes “ad
hoc” com as qualificações adequadas (art. 55 e § 1o, § 20 e § 3o)61. tanto no julgamento de
medidas provisórias, quanto no julgamento “de meritis”, a corte poderá decidir que houve
violação de um direito ou liberdade protegidos pelo pacto de san josé, e determinar que se
assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados; determinará,
igualmente, se tal for procedente, que sejam reparadas as conseqüências da medida ou
situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de
indenização compensatória e justa à parte lesada, compensação essa que poderá ser
executada no país respectivo, pelo processo interno vigente para a execução de sentença
contra o estado (art. 63 § 2o e art. 68 § 2o). a sentença da corte é definitiva e inapelável,
deverá ser motivada (com votos dissidentes ou individuais apresentados em separado),
admitidos embargos declaratórios, e será notificada às partes no caso e transmitida aos
estados-partes do pacto de san josé (art. 67 e art. 69). finalmente, consta do pacto de san
josé, a obrigação de que “os estados-partes na convenção comprometem-se a cumprir a
decisão da corte em todo caso em que forem partes” (art. 68 § 1o).
na África, em janeiro de 1982, seria aprovada pela conferência ministerial da
organização da unidade africana, reunida em banjul, no quênia, a carta africana dos direitos
humanos e dos povos, denominada “carta de banjul”; a qual seria formalmente subscrita
pelos chefes de estado e de governo dos estados membros daquela organização, na xviii
sessão de sua assembléia, reunida em nairobi, igualmente no quênia, a 28/06/1981. adota
ela a técnica da declaração formal dos direitos protegidos (note-se a introdução, no universo
dos direitos protegidos, de certos “direitos dos povos”, como a livre disposição de seus
recursos naturais, ao desenvolvimento, à paz e à segurança, bem como o direito a um meio
ambiente satisfatório), institui a comissão africana dos direitos humanos e dos povos,
composta de 11 membros, com personalidades africanas, eleitas a título pessoal
61 a presença necessária de um juiz da nacionalidade de um estado “sub judice”, seja o juiz em exercício, seja
um juiz “ad hoc” é norma de direito internacional, conforme se pode verificar pelo estatuto da corte
internacional de justiça, art. 31 e §§ (o qual é repetição da norma que regia a antiga corte permanente de
justiça internacional, que funcionou no entre-guerras).
34

(independentemente de sua nacionalidade), com as funções de verificar a adimplência das


obrigações convencionadas, por parte dos estados partes, através da publicação de
relatórios e de notificações endereçadas aos estados. no sistema africano de proteção aos
direitos humanos, com a vigência internacional regional do protocolo à carta africana de
direitos humanos e dos povos sobre o estabelecimento de uma corte africana de direito
humanos e dos povos (projeto adotado em setembro de 1995, por um comitê de peritos
reunidos em cape town, na África do sul, e a partir de 1997, em exame pela comissão
africana dos direitos humanos e dos povos), passará o mesmo a contar com uma instância
jurisdicional, para a verificação do cumprimento dos deveres e obrigações, em nível
regional, em coordenação com os poderes da comissão africana dos direito humanos e dos
povos.
com pesar, deve-se registrar que inexiste qualquer tratado ou convenção de proteção
internacional subregional aos direitos humanos, no continente asiático. as explicações têm
variado, desde argumentos de que se trata de uma região onde os aspectos eminentes de
direitos das coletividades organizadas na forma de estados, primam sobre os direitos dos
indivíduos, até outras mais elaboradas, como uma proteção existente, porém distinta e
inusitada, conforme os moldes vigentes nas demais regiões do mundo. a nosso ver, tais
justificativas são totalmente inconvincentes e, portanto, incompatíveis com a consciência
generalizada na comunidade de todos os estados da atualidade.
outra lacuna notável, esperamos que no presente momento seja ela um fato da
história passada, se refere à antiga área de influência da extinta urss, a qual era justificada
pela doutrina então dominante naqueles espaços, por considerarem os então países
socialistas, a proteção dos direitos humanos, através de normas internacionais (em
particular, os direitos civis e políticos), como aspectos de uma filosofia burguesa,
individualista e decadente, própria dos países capitalistas, e que, portanto aqueles direitos já
estariam consagrados nos sistemas das denominadas “democracias populares”, as quais já
contemplariam, na sua própria essência, em particular, os direitos econômicos e sociais (e,
sendo assim, ao ver daqueles estados, seria, quando muito supérflua a existência de tratados
ou convenções internacionais globais ou regionais que os declarassem e instituíssem
mecanismos para a proteção dos mesmos). por outro lado, era um posicionamento comum
dos países do bloco socialista, sobretudo no auge da guerra fria, que os assuntos de direitos
35

humanos constituiriam domínio reservado dos estados, e que, nos termos do art. 2o § 7o da
carta da onu62, estariam, portanto, excluídos do poder regulatório da onu e dos tratados
multilaterais que sob sua égide fossem adotados. na medida em que países do antigo bloco
soviético se tornem membros do sistema regional europeu da união européia, (e de modo
muito especial, nas comunidades européias), e sendo condição essencial para tal filiação,
um efetivo comprometimento dos estados com a decisiva proteção dos direitos humanos,
nos moldes da convenção européia para a proteção dos direitos humanos e liberdades
fundamentais de roma, de 1950, e da carta social européia de turim, de 1961, por expresso
mandamento do tratado da união européia (maastricht, 1992), reafirmado pelo tratado de
amsterdam de 199763, que consagraram a denominada “cláusula democrática”64, é de
esperar-se que aquela lacuna no continente europeu seja sanada, mesmo porque, são
extremamente poderosas as sanções previstas para os estados, sejam os já participantes,
sejam os postulantes, que não respeitem as normas européias de proteção aos direitos
humanos65.
os direitos humanos consagrados nos diversos diplomas normativos internacionais,
na maioria, constituem uma unidade conceitual, e o fato de eventualmente haver vários atos

62 relembre-se o disposto no art. 2o § 7o: “nenhum dispositivo da presente carta autorizará as nações unidas
a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer estado ou obrigará os
membros a submeterem tais assuntos a uma solução nos termos da presente carta...
63 para um estudo do condicionamento entre a participação da união européia e o referido comprometimento
com os direitos humanos, veja-se nosso trabalho já referido: “a união européia, o mercosul e a proteção dos
direitos humanos”, in: “direitos humanos e mercosul”, id. ibid.
64 a “cláusula democrática” consta expressamente no § 2o do art. f do tratado de maastricht de 1992 e assim
se acha escrita, no tratado de amsterdam de 1997, no seu art. seu art. 6 o § 2o: “a união respeita os direitos
fundamentais, tais quais se encontram garantidos pela convenção européia de proteção dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais, assinada em roma a 04 de novembro de 1950 e tais quais resultem das
tradições constitucionais comuns aos estados membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário”
( em nossa tradução livre do texto do tratado de amsterdam, conforme: “version consolidée du traité sur
l’union européenne”, apud le traité d’amsterdam, paris, dalloz, 1998, p. 304-392, citação retirada de p. 307.
65 tratar-se-ia da aplicação do art. 7o do tratado de amsterdam (ex. art. f.1 de maastricht), assim redigido: “§
1o – o conselho, reunido em nível de chefes de estado ou de governo e decidindo por unanimidade, por
proposta de um terço dos estados membros ou da comissão, e após parecer conforme do parlamento europeu,
pode constatar a existência de uma violação grave e persistente por um estado membro dos princípios
enunciados no artigo 6o parágrafo 1o, após haver convidado o governo deste estado membro a apresentar
suas observações sobre a matéria”. § 2o - “desde que uma tal constatação seja feita, o conselho, decidindo
por maioria qualificada, pode decidir suspender certos direitos decorrentes da aplicação do presente tratado,
em relação ao estado membro em questão, neles compreendidos o direito do representante do governo deste
estado membro no seio do conselho. ao assim decidir, o conselho levará em conta as eventuais conseqüências
de tal suspensão sobre os direitos e obrigações das pessoas físicas e morais. ”as obrigações que incumbem
ao estado membro em questão, decorrentes do presente tratado, quaisquer que sejam as circunstâncias,
permanecem exigíveis deste estado”. (em nossa tradução livre, conforme fonte mencionada no parágrafo
anterior).
36

normativos que lidam com os mesmos direitos, somente serve para reforçar sua importância
e a busca de mecanismos complementares para sua defesa. por outro lado, a concomitância
de direitos humanos reconhecidos em tratados e convenções internacionais, mundiais e
regionais, e ao mesmo tempo vigentes nos ordenamentos jurídicos internos dos estados,
constitui, de igual forma, uma garantia de sua eficácia, tendo em vista que os ordenamentos
jurídicos internos e internacionais devem ser considerados como complementares uns dos
outros.
parte importante da doutrina internacionalista, na qual se incluem os eminentes
jusfilósofos várias vezes referidos neste trabalho, os professores n. bobbio e celso lafer,
costuma classificar os direitos humanos, segundo “gerações” ou “fases”. conforme o prof.
bobbio: “num primeiro momento, afirmam-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles
direitos que tendem a limitar o poder do estado e reservar para o indivíduo, ou para os
grupos particulares, um esfera de liberdade em relação ao estado; num segundo momento,
foram propugnados os direitos políticos, os quais- concebendo a liberdade não apenas
negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia- tiveram
como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos
membros da comunidade no poder político (liberdade no estado); finalmente, foram
proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências-
podemos mesmo dizer, de novos valores- como os do bem-estar e da igualdade não apenas
formal e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do estado”66.
tal concepção, confessadamente elaborada numa perspectiva histórica, encontra-se
refletida no pensamento do prof. celso lafer, segundo o qual, na primeira geração,
encontram-se os direitos elaborados na declaração francesa de 1789, “aos quais a herança
liberal foi incorporando, com base na liberdade de associação reconhecida na primeira
emenda da constituição americana, os direitos individuais exercidos coletivamente (dentre
eles, o direito à greve, o direito de criação de partidos políticos, etc.)”67. esta primeira
geração, “viu-se igualmente complementada historicamente pelo legado do socialismo,
vale dizer, pela reivindicação organizada dos desprivilegiados, afirmativa do direito de
participar, como observa miguel reale, do “bem-estar social”, entendido como os bens que
os homens, através de um processo que não é apenas individual mas também coletivo, vão

66 n. bobbio, a era dos direitos, id. ibid., p. 32-3.


67 c. lafer, ensaios liberais, id., ibid., p. 40.
37

acumulando no tempo”68. enfim, os direitos de terceira geração, provenientes da “crescente


interdependência dos estados e das sociedades e a velocidade do progresso científico-
tecnológico, que significa a maior capacidade de o homem dominar e destruir a natureza e
os outros homens, traduziram-se em novos riscos e possibilidades para a existência dos
indivíduos”; dentre eles se contam: 1o) o direito ao meio ambiente (esforço de disciplinar
técnicas da sociedade industrial), 2o) o direito à paz (viabilização da sobrevivência da
sociedade, face á letalidade das armas de destruição maciça existentes na atualidade) e 3o)
o direito ao desenvolvimento, “que é um objetivo para tornar realizável, em escala global,
os benefícios almejados pelos direitos de segunda geração”69.
em nossa opinião, esta visão dos direitos humanos, sem dúvida fortemente
influenciada pelo modelo liberal da revolução francesa, tendo em consideração o tríptico
dos ideais democráticos de 1789, “liberté”, “égalité” e “fraternité”, deve ser interpretada
num contexto histórico. os denominados direitos liberais, como o direito à vida e o direito à
liberdade, correspondentes ao lema da “liberté”. os da segunda geração compreendem
aqueles direitos subjetivos do indivíduo, enquanto componentes de uma unicidade dentro
da sociedade, exigíveis do próprio estado (direito à saúde, à educação, ao trabalho), que
eqüivaleriam à transposição do ideal da “égalité”. enfim, os da terceira geração
significariam aqueles direitos que a comunidade como um todo, pode exigir do estado, no
que respeita aos ordenamentos jurídicos nacionais ou às relações do mesmo com outros
estados, (direito à paz, a um meio ambiente sadio, ao desenvolvimento de toda nação),
reflexos do postulado normativo da “fraternité”, o qual impõe aos estados um dever de
cooperação internacional.
outra distinção, menos preocupada com aspectos dos momentos históricos em que
as normas internacionais de proteção aos direitos humanos foram geradas, baseia-se no
arrolamento que fizerem os dois pactos da onu de 1966: a) direitos civis e políticos e b)
direitos econômicos, sociais e culturais. segundo a corrente doutrinária que os divide de tal
forma, os direitos civis e políticos, denominados igualmente liberdades públicas, ou direitos
liberais, seriam aqueles inerentes à pessoa humana e, em qualquer circunstância, sempre
exigíveis aos estados, sendo a regra, seu exercício imediato, conforme definidos no pacto,
ainda que dependam de normas internas dos estados (os quais se comprometem a tornar

68 c. lafer, ensaios liberais, id. ibid., p. 41


69 c. lafer, ensaios liberais, id. ibid., p. 42-3.
38

aqueles direitos efetivos, cf. art. 2o § 2o do pacto sobre direitos civis e políticos); assim,
dentre outros, os direitos à vida, ao reconhecimento da personalidade do indivíduo, à
liberdade e segurança pessoal, ao trabalho livre, à integridade física, à liberdade de
pensamento e de opinião, à livre circulação, à liberdade de reunião, de participação nas
atividades políticas e em partidos políticos e à igualdade perante tribunais e cortes de
justiça.
os direitos econômicos, sociais e culturais não seriam, tal qual definidos no pacto da
onu a eles referentes, imediatamente exigíveis dos estados, os quais, no entanto se
encontram sob o dever de “adotar medidas, tanto por esforço próprio, como pela
assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico,
até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por
todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente pacto,
incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas” (art.2o § 1o do pacto sobre
direitos econômicos, sociais e culturais). assim, dentre os direitos definidos, encontram-se:
o direito ao trabalho livremente escolhido ou aceito, inclusive o de formação técnica e
profissional, e com uma remuneração justa e favorável para garantir a subsistência própria
e da família, o direito de fundar e de participar em sindicatos e de estes federarem-se em
outras organizações internas nos estados, o direito de greve, o direito da pessoa à
previdência social, à constituição de uma família, o direito a um matrimônio consentido
pelos nubentes, o direito a um nível adequado de vida para a pessoa e sua família, o direito
contra a fome e que assegure uma produção, conservação repartição eqüitativa de gêneros
alimentícios, a um elevado nível de saúde física e mental, direito à educação, gratuidade da
educação primária, participação da vida cultural e de desfrutar do progresso científico e
suas aplicações e os direitos à liberdade da pesquisa científica e à atividade criadora.
há autores que chegam, inclusive, a negar aos direitos econômicos, sociais e
culturais a natureza de verdadeiros direitos, como maurice cranston70 tendo em vista que
lhes faltariam “alguns requisitos como a praticabilidade, a universalidade e a clareza
quando às obrigações decorrentes das prescrições, quanto ao seu conteúdo e quem seja o

70 para uma descrição competente e atualizada das discussões sobre a exigibilidade direta dos direitos
econômicos, sociais e culturais nos ordenamentos internos dos estados, veja-se carlos weis, direitos
humanos contemporâneos, são paulo, malheiros editores, 1999., onde a p. 46 se encontra a referência a
maurice cranston, o que são os direitos humanos, são paulo, difel, 1979, em particular, p. 65.
39

sujeito passivo”71. ora, somente uma concepção extremamente positivista e ultrapassada,


que desconheceria a técnica moderna existente nos mais avançados sistemas jurídicos
nacionais comparados, da existência das denominadas normas programáticas, que, não só
por constarem expressamente nas constituições dos estados, mas ainda por sua própria
natureza, são autênticas normas jurídicas, portanto exigíveis dos estados,
independentemente de, no seu conteúdo, de serem auto aplicáveis ou dependentes de
regulamentação. por outro lado, a distinção seria perigosa, conforme vários autores, muito
bem referenciados por carlos weis, pois poderia servir de pretexto a uma política dos
estados de somente darem eficácia nos ordenamentos jurídicos internos, às normas do pacto
sobre direitos civis e políticos, relegando aquelas do pacto sobre direitos econômicos,
sociais e culturais, às calendas gregas, ao ver de tais estados, por não serem exigíveis, de
maneira imediata, por parte deles. nas palavras daquele jovem jurista, ao analisar uma
situação que diz respeito ao brasil, constata: “assim, o programa nacional de direitos
humanos do governo brasileiro, para justificar a não-inclusão dos direitos sociais no seu
horizonte, destaca em sua introdução, que: “o fato de os direitos civis e políticos em todas
as três gerações- a dos direitos civis e políticos, a dos direitos sociais, econômicos e
culturais e a dos direitos coletivos – serem indivisíveis, não implica que, na definição de
políticas específicas – a dos direitos civis – o governo deixe de contemplar de forma
específica de uma dessas dimensões”.
no ordenamento jurídico nacional brasileiro, a questão tem sido discutida pelos
cultores do direito constitucional, portanto, na discussão sobre o fundamento de quaisquer
outras normas internas daquele ordenamento. para um correto encaminhamento da questão,
ou seja, da natureza jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais, na perspectiva do
direito constitucional brasileiro atual, remetemos o leitor ao insuperável livro do prof. josé
afonso da silva, titular de direito constitucional da faculdade de direito da usp, em
importante obra insistentemente citada na jurisprudência dos tribunais superiores nacionais,
já na sua 3a edição revista, ampliada e atualizada, aplicabilidade das normas
constitucionais72 na qual desvenda, com maestria, a p. 68 e seguintes, existir, de longa
data, na teoria da interpretação das normas constitucionais no brasil, uma tradicional
distinção entre normas constitucionais auto-aplicáveis ou não auto-aplicáveis, ou “bastantes

71 citação apud carlos weis, direitos humanos contemporâneos, id. ibid., p. 46-7.
72 josé afonso da silva, aplicabilidade das normas constitucionais, são paulo, malheiros editora ltda, 1988.
40

em si” ou “não bastantes em si” (pontes de miranda) estas últimas dependentes de


legislação ordinária , teorias essas que, por sua vez, se tem baseado em famosas teorias,
como dos constitucionalistas norte-americanos, que distinguem as normas constitucionais
em “self –executing e “non self-executing”, ou de g. del vecchio que as faz distintas entre
primárias ou secundárias (as primeiras, auto-aplicáveis e as segundas, dependentes de
outras normas). assim dentro de tal perspectiva, a técnica que a constituição brasileira
adotou na regulamentação dos assuntos sob sua tutela, dentre as quais se encontram,
claramente, os direitos econômicos, sociais e culturais, se realiza sob uma tríplice tipologia:
73
a) as normas constitucionais de eficácia plena , as normas constitucionais de eficácia
contida74, e as normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida75.
na verdade, as denominadas “normas constitucionais de eficácia contida” e as
“normas de eficácia limitada ou reduzida” são um notável aperfeiçoamento de teorias sobre
a hermenêutica das normas constitucionais, de há muito desenvolvidas no sistema jurídico
brasileiro. importa notar que, ainda na leitura do prof. josé afonso da silva, há duas
subespécies de normas de eficácia limitada: 1) normas definidoras de princípio institutivo
ou organizativo e 2) normas definidoras de princípio programático, ou, simplesmente,
normas constitucionais de princípio programáticos (id. p. 118). ainda segundo o magistério
daquele professor da usp.: ”as programáticas envolvem um conteúdo social e objetivam a
interferência do estado na ordem econômica, mediante prestações positivas, a fim de
propiciar a realização do bem comum, através da democracia social. as de princípio
institutivo, têm conteúdo organizativo e regulativo dos órgãos e entidades, respectivas
atribuições e relações. têm, pois, natureza organizativa; sua função primordial é
esquematizar a organização, criação ou instituição dessas entidades ou órgãos” (op., cit.,
op. 125).
a discussão sobre a diferença de natureza das normas contidas no pacto sobre

73 nas palavras do prof. josé afonso da silva: “todas as normas que, desde a entrada em vigor da
constituição, produzem todos os efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos
visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente,
incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto” (op. cit., p. 82).
74 segundo o prof. josé afonso da silva, “in verbis”: “normas que incidem imediatamente e produzem efeitos
(ou podem produzir, todos os efeitos queridos), mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua
eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias”. (id. ibid. p. 82).
75 ainda nas palavras do prof. josé afonso da silva: “são aquelas que não produzem, com a simples entrada
em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não
estabeleceu sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador
ordinário ou a outro órgão do estado” (id., ibid., p. 82).
41

direitos econômicos, sociais e culturais, que tem grande relevância nas magnas discussões
sobre sua exigibilidade por parte dos estados, refere-se, a nosso ver, fundamentalmente a
uma questão relacionada aos ordenamentos jurídicos nacionais, em particular, como no
brasil, ao campo superior das normas constitucionais; contudo, no direito internacional, o
problema reveste-se de outra dimensão, a seguir descrita.
da mesma forma, a classificação dos direitos humanos conforme “gerações”, tem
recebido críticas, em nossa opinião, em parte, bastante procedentes, como as formuladas
por autores internacionais e, sobretudo brasileiros, para apenas citar alguns, como os
luminares doutrinadores, antônio augusto cançado trindade76, o já citado carlos weis, dalmo
de abreu dallari77 e flávia piovesan78. os argumentos de tal crítica se resumiriam a que o
conceito de “geração” seria inadequado, porquanto alguns dos direitos da segunda e terceira
geração já constavam do rol dos direitos da primeira geração, os denominados direitos
liberais, e, sobretudo, que aqueles não se originaram, tal como os filhos, destes. por outro
lado, como já apontamos, nas observações de carlos weis, anteriormente transcritas, a
reunião dos direitos humanos em gerações, conforme concebida pelo programa brasileiro
de direitos humanos (que, por sinal, faz uma curiosa simbiose entre critérios históricos, das
gerações, e dos direitos civis e políticos, confrontados com os direitos econômicos, sociais
e culturais), poderia servir de pretexto a que os estados dessem eficácia, nos ordenamentos
jurídicos nacionais, a uma geração (em particular a primeira, tradicional do
constitucionalismo liberal do séc. xviii) e deixassem os de outras gerações, para quando o
estado tivesse uma situação econômica a tal ponto desenvolvida, que pudesse aplicar os
direitos das outras gerações!
na verdade, não se pode deixar de concordar com e efetiva existência no mundo
jurídico das normas e os princípios do direito internacional dos direitos humanos,
constantes dos dois pactos da onu, solenemente declarados em várias ocasiões, em especial
naquelas particulares, onde os estados deram, de modo direito, seu reconhecimento de que
os direitos humanos são “inerentes, universais, indivisíveis e interdependentes, e enfim,

76 antônio augusto cançado trindade, na maioria de seus escritos, e em particular no seu tratado de direito
internacional dos direitos humanos, id., ibid.
77 dalmo de abreu dallari, em muitos de seus escritos, em particular: elementos de teoria geral do estado,
16a edição, são paulo, saraiva, 1991, e em o que são direitos das pessoas, coleção primeiros passos –14, são
paulo, abril cultural/brasiliense, 1984.
78 flávia piovesan, direitos humanos e direito constitucional internacional, são paulo, max limonad, 1996.
42

transnacionais”79. tal reconhecimento ainda consta de outros instrumentos bastante claros e


insofismáveis, como a proclamação de teerã, adotada no curso da conferência mundial
sobre direitos humanos, realizada naquela capital, em 1968, e, de modo mais expressivo,
na declaração de sobre direitos humanos, adotada ao final da segunda conferência
internacional sobre direitos humanos, convocada pela onu, em viena, em 1993. ressaltem-
se, inclusive, outros reconhecimento em inúmeras deliberações da assembléia geral da onu
(para somente citar: a declaração sobre o direito ao desenvolvimento, de 1986 e a
declaração sobre os direitos da criança, de 1989), do conselho de ministros do conselho da
europa (órgão responsável pela aplicação da convenção européia de direitos humanos e
liberdades fundamentais, adotada em roma, em 1950 e de seus protocolos), da oea, da união
européia, e em documentos multilaterais elaboradas durante reuniões diplomáticas da mais
alta importância, como a ata final da conferência de helsinki sobre segurança e cooperação
na europa, de 1975.
as discussões sobre a aplicabilidade direta das normas de direito internacional nos
ordenamentos jurídicos internos dos estados, se dependem ou não da manifestação expressa
das autoridades do poder executivo, com ou sem a colaboração dos poderes legislativos
dos estados, se são normas exigíveis de imediato (como as constantes no pacto sobre
direitos civis e políticos) ou se dependem de outras circunstâncias factuais e políticas,
derivadas de situações domésticas dos estados (como as do pacto sobre direitos
econômicos, sociais e culturais), não são questões pertinentes ao direito internacional
público. da mesma forma, a internalização dos mandamentos jurídicos internacionais no
interior dos ordenamentos jurídicos nacionais, pode assumir as mais diversas formas,
conforme demonstra o direito comparado, sem que ao direito internacional incumba dizer
qual a mais adequada, em que época, ou em que oportunidade. o que o direito internacional
publico disciplina, no capítulo da responsabilidade internacional dos estados, é o fato de um
estado haver ou não adimplido com seus deveres estatuídos nas suas normas, nas formas
que aquele direito especifica.
releia-se o art. 2o do pacto sobre direitos econômicos sociais e culturais de 1966, a
nosso ver, uma das chaves para o bom entendimento daquele instrumento internacional, e

79 para empregar os termos empregados por carlos weis, na caracterização dos mesmos, conforme cap. 5,
“características dos direitos humanos” do seu livro mencionado, direitos humanos contemporâneos, id.,
ibid., p 109 e seguintes.
43

que dá o verdadeiro sentido das obrigações nele incorporadas e exigíveis dos estados:
art. 2o- § 1o – cada estado-parte do presente pacto compromete-se a
adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e
cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico,
até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar,
progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos
direito reconhecidos no presente pacto, incluindo, em particular, a adoção de
medidas legislativas.
§ 2o – os estados-partes do presente pacto comprometem-se a
garantir que os direitos neles enunciados se exercerão sem discriminação
alguma por motivo de raça, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento
ou qualquer outra situação.
§ 3o – os países em desenvolvimento, levando devidamente em
consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão
determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos
no presente pacto àqueles que não sejam seus nacionais.

não precisaria haver muita perspicácia para revelar-se que as obrigações


internacionais contidas nestes dispositivos, são do tipo das obrigações de resultado, que,
conforme descrevemos no cap. 9 (seção 9.1 responsabilidade internacional dos estados)
deste curso, constituem aquelas que criam tipos de deveres aos estados, os quais, no
entanto, deixam aos seus destinatários, a tarefa de escolher os meios para realizar os fins
propostos pela norma (segundo seu desejo, o que inclui, certamente, levar-se em
consideração suas peculiaridades, e suas reais possibilidades). o fato de as obrigações não
serem do tipo obrigações de conduta, nem porisso lhes retira o caráter da obrigatoriedade
jurídica na sua implementação, e conseqüente adimplemento!
por outro lado, em nossa visão, não vemos como uma abordagem que mostre, numa
perspectiva histórica e abrangente, os direitos humanos, agrupados em “gerações”, ou
“facetas”, ou “fases”, ou “perspectivas”, ou ainda, qualquer que seja outra denominação,
como um desserviço à causa da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos
direitos humanos! apoiando-nos nas confissões expressas dos jusfilósofos citados no
presente capítulo desta obra, de que se trata, naquela metodologia, de agrupar os direitos
humanos por “gerações”, antes de explicar o evolver da consciência dos direitos humanos,
na história da humanidade, e menos de dizer da natureza de cada qual. somos, portanto,
partidários da metodologia, sem preocupar-nos de tratar-se ou não de uma família,
constituída por gerações sucessivas.
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seção 2 – o direito de asilo diplomático e asilo territorial


tem sido freqüente a sinonimia entre asilo e refúgio, em parte devido a que, salvo a
américa latina, o instituto do asilo não tem um regime de regência por normas multilaterais
escritas, e também porque os próprios atos internacionais sobre asilo e mesmo legislações
internas dos estados a ele relativas, por vezes empregam termos e expressões como
“refugiado”, “buscar refúgio”, que ainda mais trazem confusão para a área. há mesmo quem
pretenda que “asilo” seja uma palavra para indicar o gênero e “refúgio” seja o indicativo da
espécie. além das origens históricas dos institutos serem totalmente distintas e sem
correlação recíproca, é mister considerar, em primeiro lugar, que houve, no sistema das
nações unidas, o desenvolvimento de um campo particular, regulado por normas
multilaterais precisas, sob a égide de uma organização que funciona sob a égide da onu, o
alto comissariado das nações unidas para os refugiados (acnur); em segundo, existe, nos
dias correntes, uma particularidade no direito internacional da américa latina, onde o asilo
é regulamentado por normas multilaterais muito especiais, que nada mais fizeram do que
cristalizar costumes já consagrados entre os países desta área. torna-se, portanto, evidente
que é necessário definir cada campo, a fim de marcar-se uma substancial diferença entre o
instituto do asilo, nas suas duas formas, o asilo territorial e o asilo diplomático e o instituto
do refúgio, conforme será visto, logo mais, neste capítulo, devendo notar-se que o
tratamento dispensado pelo direito brasileiro ao asilado e ao refugiado, constituem regimes
totalmente diferenciados.
a declaração universal dos direitos humanos reconhece expressamente o direito a
uma pessoa de “buscar asilo” em outro estado, diferente daquele sob cuja jurisdição se acha
submetido, em virtude de nacionalidade, domicílio ou residência (simples presença física).
tal fato se dá de forma direta, no art. 14 (§ 1o – “todo homem vítima de perseguição, tem o
direito de procurar e gozar asilo em outros países. § 2o – este direito não pode ser
invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crime de direito comum ou
por atos contrários aos objetivos e princípios das nações unidas”) e, por conseqüência da
aplicação do art. 13 § 2o (“todo homem tem direito de deixar qualquer país, inclusive o
próprio, e a este regressar”). na verdade, o emprego do terno “asilo” tem levado muitos
autores a dizer que designa um instituto de natureza geral, em confronto com o de
“refúgio”, que é regulamentado em normas precisas da onu. na verdade, reconhecemos que
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a regra do art. 13 § 2o da declaração universal, contempla um direito subjetivo de uma


pessoa buscar proteção sob a jurisdição de outro estado, tanto na forma de asilo quanto na
de refúgio, mas não autoriza a que se considerem os institutos como genéricos ou
específicos, conforme demonstraremos, no correr deste capítulo.
por outro lado, aquela regra do art. 14 da declaração universal, encontra-se
transcrita, de modo mais claro, na declaração americana dos direitos e deveres do homem,
adotada em bogotá, ao final da ix conferência americana, em abril de 1948, no seu art.
xxvii, verbis: “toda pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território
estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direito comum, e
de acordo com a legislação de cada país e com as convenções internacionais”.
deve ser enfatizado, no entanto, que nem os dois pactos da onu de 1966, nem a
convenção européia para a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais,
adotada em roma a 04 de novembro de 1950, reconhecem o direito de asilo, conforme
definido no referido art. 14 da declaração universal. contudo, a convenção americana sobre
direitos humanos, o pacto de san josé, no seu art. 22 (“direito de circulação e de
residência”), § 7o, dá àquelas regras da declaração universal uma roupagem normativa de
uma convenção formal entre estados, nos seguintes termos: “toda pessoa tem o direito de
buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos
políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada
estado e com os convênios internacionais”. da mesma forma, a carta africana dos direitos
humanos e dos povos, de 1981, reconhece no art. 12 § 3o: “toda pessoa tem direito, em caso
de perseguição, de buscar e de obter asilo em território estrangeiros, em conformidade
coma lei de cada país e as convenções internacionais”80
a possibilidade de um indivíduo buscar subtrair-se aos poderes de autoridades
locais, em especial em situações de perseguições (justificadas ou injustificadas), ao
refugiar-se em lugares considerados sagrados, como templos, cemitérios ou outros locais
dedicados às divindades, era prática na antigüidade81. a idéia era de que tais locais estariam
protegidos pelos deuses, portanto domínio das “res sacrae”, sob as quais as autoridades
80 texto conforme antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional..., id., ibid., p. 480.
81 para um competente estudo sobre os antecedentes históricos do instituto do asilo, veja-se o trabalho de josé
henrique fischel de andrade, incluído, contudo, numa coletânea sobre direito dos refugiados, “breve
consideração histórica da tradição que culminou na proteção internacional dos refugiados”. in: nádia de
araújo e guilherme assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados- uma
perspectiva brasileira, id., ibid., p. 99-125.
46

leigas não tinham jurisdição; no cristianismo, a prática tem seqüência, e os locais como as
igrejas, mosteiros, santuários e igualmente os cemitérios, passaram a ser considerados como
fora da jurisdição das autoridades leigas, porquanto dedicados ao serviço de deus, num
entendimento nem sempre expresso, de estarem regidos por normas sagradas.
esta noção de sacralidade de determinados locais, será a responsável a que, tão logo
conformado o estado moderno, de feição absolutista, no séc. xvi, por força dos costumes da
época, as missões diplomáticas permanentes, que carregavam as qualidades do soberano
que as enviava (ungido pelas leis divinas), adquirissem as características de estarem fora da
jurisdição das autoridades leigas, fortemente assentada na noção de territorialidade do
ordenamento jurídico nacional, onde se encontrassem situados. com a evolução da prática
das missões diplomáticas permanentes, e a definitiva erradicação da idéia da sacralidade
dos locais de sua situação, esta foi aos poucos sendo substituída, em benefício da
concepção de que as autoridades nacionais devem respeito às pessoas e aos locais da
missão diplomática, a fim de não causar empecilhos ao exercício da função diplomática
(relembre-se a regra de vattel, “ne impediatur legatio”), inclusive com os deveres de
respeitar sua inviolabilidade. o fato de uma pessoa buscar refúgio numa missão
diplomática, então considerado como uma ficção de prolongamento do território de um
estado estrangeiro (ainda há autores que se referem à extraterritorialidade dos locais da
missão diplomática), e portanto colocar-se a salvo dos poderes das autoridades do estado
acreditante, passou a ser considerado como um corolário dos deveres que este tem em
relação a um estado soberano que as envia (o estado acreditado), em particular, aqueles
relativos à proteção e à inviolabilidade dos locais da missão diplomática. configurava-se,
costumeiramente, o instituto do asilo diplomático, em tudo baseado no respeito à
inviolabilidade dos locais da missão diplomática e na manifestação inequívoca de vontade
do estado asilante em conceder o asilo a um indivíduo procurado pelas autoridades do
estado onde estavam sediadas as mesmas. em definitivo, o conceito de considerarem-se os
locais da missão diplomática, e posteriormente, navios, aeronaves e acampamentos
militares autorizados a estacionarem no território de um estado, como uma extensão do
território do estado acreditado ou do estado daqueles bens e locais militares, o que
permitiria, em tese, um pedido de extradição82 de um asilado que se encontrasse em tais

82 veja-se mais além as consideração sobre o instituto da extradição.


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lugares, formulado pelas autoridades locais, ao chefe de missão, foi sepultado com as
sentenças da corte internacional de justiça, no caso haia de la torre, decidido em 1950 e
195183, a seguir relatado (asilo diplomático concedido pela embaixada da colômbia em
lima, a um líder político acusado de crimes políticos). na parte que interessa, a cij, ao
considerar as implicações da extradição, conforme reconhecida num tratado entre peru e
colômbia, no que respeita ao instituto do asilo diplomático, estatuiu que este ato
internacional (o acordo bolivariano sobre extradição), reconhecia o asilo, mas nem porisso,
seria possível a extradição, que não poderia, portanto, derrogar qualquer norma ou
procedimento relacionados ao asilo diplomático (tendo em vista, no caso então ‘sub
judice”, que o asilado se encontrava no território do estado eventualmente requerente da
extradição). eis os termos da sentença, “verbis”: “ao contrário, no caso do asilo
diplomático, o refugiado encontra-se no território do estado no qual cometeu o delito: a
decisão de asilo derroga a soberania do estado territorial e subtrai o delinqüente à justiça”
(sentença de 20/11/1950).
por outro lado, à medida em que o estado moderno é formado, insista-se, com sua
forte base territorial, o fato de um indivíduo nacional de um estado, para fugir das
autoridades que o perseguem, atravessar suas fronteiras de outro estado, de modo urgente, e
buscar refúgio no território deste, configurava-se outro tipo de asilo: o asilo territorial. os
pressupostos eram e continuam sendo de que os poderes persecutórios do outro estado,
estancassem nas fronteiras do estado asilante e de que este teria dado seu consentimento
para a entrada e estada daquele indivíduo estrangeiro, em seu território. paralelamente ao
instituto do asilo territorial e, da mesma forma baseado no conceito de que os poderes de
um estado se estancam nas fronteiras de outro, desenvolveu-se, historicamente, o instituto
da extradição84, instituto relacionado à cooperação internacional em matéria criminal e de
processo penal, segundo o qual, um estado entrega um indivíduo, acusado ou reconhecido
culpado de um delito ou crime85, mas inocente segundo o seu ordenamento jurídico, a

83 excertos das sentenças se encontram in: nations unies, résumé des arrêts, avis consultatifs et
ordonnances de la cour internationale de justice, 1948-1991, nova york, nations unies, 1992,
respectivamente p. 19-20, 21 e 24-5.
84 de nosso conhecimento, um estudo extremamente interessante sobre o instituto da extradição e suas
vinculações com a questão do crime político, no tema do combate ao terrorismo internacional, se encontra no
curso ministrado na haia, em 1989 do prof. guillaume gilbert, terrorisme et le droit international. in: recueil
des cours, academia de direito internacional, haia, 1989, vol. ii (tomo 215), p. 291-416.
85 o direito internacional público conhece a distinção entre delito e crime, em função da gravidade dos
comportamentos, tendo em vista os valores protegidos pela norma. contudo, na maioria das convenções e
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pedido de outro estado que o reclama e que é competente para julgá-lo e aplicar-lhe a pena,
no caso de ter competência para tanto (em geral, porque um delito foi cometido no seu
território e nos outros casos em que tenha ele competência em matéria criminal, por crime
cometidos fora do seu território)86. o dever de entrega pode ser um dever legal, caso haja
normas bilaterais ou multilaterais que o instituam, ou pode ser baseado na cortesia
internacional (dependente ou não de reciprocidade), no caso de inexistência de atos
internacionais entre o estado requerente e o estado requerido. claro está que a extradição
sofreria uma evolução histórica, na medida em que o pedido somente poderia ser justificado
por uma acusação ou condenação da pessoa extraditanda no território do estado requerente,
que o fato fosse qualificado como passível de extradição no estado requerido (ou seja,
igualmente considerado um delito ou crime) e que, enfim, o estado requerido tivesse dado
sua expressa aceitação na entrega do extraditando, após um exame dos fatos inquinados,
segundo suas normas nacionais87.
na evolução dos dois institutos, do asilo diplomático e do asilo territorial,
designados com o nome genérico de “asilo político”, aos poucos foram sendo delineados os
seus elementos comuns, em função de usos e costumes internacionais, na europa e no correr
do séc. xx, na américa latina. deveria tratar-se de uma pessoa perseguida por motivos
políticos, inclusive acusado ou condenado por um delito político (e no direito brasileiro,
ainda por delito de opinião), cuja qualificação deveria ser dada pelo estado asilante. no caso

tratados internacionais, que não versem especificamente sobre direito penal internacional ou sobre direito
processual penal internacional, emprega-se o termo “delito” para um comportamento em desconformidade
com uma norma de natureza civil ou mesmo penal. em particular, veja-se o projeto da onu sobre
responsabilidade internacional dos estados, onde “crime internacional” aparece unicamente no art. 19,
ementado “delitos e crimes internacionais”, no seu § 2o onde se lê: “o fato internacional ilícito resultante de
uma violação pelo estado de uma obrigação internacional tão essencial para a salvaguarda de interesses
fundamentais da comunidade internacional que sua violação seja reconhecida como crime por esta
comunidade em seu conjunto, constitui um crime internacional” (seguindo-se uma enumeração
exemplificativa dos crimes internacionais).
86 para um breve estudo sobre questões correlatas à extradição, como a extraterritorialidade da lei penal e a
questão do crime internacional, veja-se nosso trabalho: "o meio ambiente e a justiça no mundo globalizado".
in: 6 justiça penal: críticas e sugestões; 10 anos da constituição e a justiça penal: meio ambiente, drogas,
globalização e o caso pataxó. coordenador: jacques de camargo penteado. são paulo, editora revista dos
tribunais, 1998, p. 65-118.
87 no brasil, é competente para conceder a extradição, o presidente do supremo tribunal federal, que examina,
entre outros fatores, se a justiça brasileira não seria igualmente competente, se o delito é igualmente punível
segundo as leis brasileiras e se não serão aplicadas, no estado requerente, penas desconhecidas no direito
brasileiro, como a pena de morte. destaque-se, sobretudo, as normas da constituição federal de 1988, do art. 5o
, inc. li – ‘nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado
antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na
forma da lei” e inc. li – “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.
49

do asilo diplomático, em princípio, o estado territorial deveria conceder um “salvo-


conduto” ou documento com outra denominação, mas suficientemente hábil para que o
asilado saísse da missão diplomática e se dirigisse ao território do estado asilante; contudo,
tal obrigatoriedade só seria exigível, no caso de tratados ou convenções entre os estados, e,
na hipótese da inexistência de um dever convencional, ficaria ao arbítrio do estado
territorial, conceder o citado salvo-conduto (caso verificado nos asilos concedidos pelas
embaixadas dos eua em varsóvia, e em budapeste, logo após o final da segunda guerra
mundial, respectivamente aos cardeais vichinky e mindszenti, os quais permaneceram
naqueles missões, durante anos, enquanto duraram os tempos mais duros dos regimes
socialistas na polônia e na hungria). na hipótese do asilo territorial, o estado asilante, no
caso de haver tratados ou convenções bilaterais sobre cooperação judiciária, não seria
obrigado a conceder a extradição pedida pelo estado de nacionalidade ou de domicílio do
asilado, inclusive por motivos de condenação por um delito comum (desde que cometidos
com fins políticos, portanto, estando presente a noção de que os delitos comuns seriam
englobados pelo delito político, o que impediria a extradição). em ambos os casos,
conforme a maioria dos precedentes históricos, a concessão de asilo diplomático ou
territorial tem sido feita a altas personalidades e a pessoas de relevo na vida pública de um
país, que, num dado momento histórico, foram apeadas do poder, por movimentos sociais
violentos, seja por ocasião de guerras (o kaiser guilherme ii da alemanha, considerado um
dos responsável pela primeira guerra mundial, encontraria asilo territorial nos países
baixos), seja por revoluções ou graves perturbações ou comoções internas nos estados, (as
constantes revoluções militares ou golpes de estado, dos quais a história da américa latina
se encontra recheada, inclusive na indigitada revolução de 31 de março, no brasil, em 1964)
não poderia ser considerada um ato inamistoso em relação ao estado de nacionalidade ou de
domicílio do asilado; portanto, a concessão de asilo não poderia dar causa a uma legítima
ruptura de relações diplomáticas, mesmo que os asilados passem a ser, nos novos regimes
ou governos, considerados inimigos indesejáveis, ou, no mínimo, acusados de crimes
comuns (claro está que tais crimes são assim tipificados pelos novos regimes ou governos),
o que os qualifica de vítimas de perseguições e outros atos desumanos.
tendo em vista que os institutos sempre tiveram por escopo a proteção da pessoa
humana, em que haveria a certeza de que seus atos anteriores, ou as acusações por delitos
50

atuais, estavam ligados a motivos políticos, a concessão do asilo serviria para salvaguardar
sua vida e sua incolumidade, motivo pelo qual, na atualidade, fazem dos mesmos, matéria
importante da proteção internacional dos direitos humanos. destaque-se, sempre, que o
principal efeito jurídico dos dois tipos de asilo, é a impossibilidade de sua concessão ser
considerada, conforme já acentuamos, como um ato inamistoso do estado asilante, em
relação ao estado da nacionalidade ou domicílio dos asilados (relembre-se, trata-se de
pessoas procuradas pelas autoridades deste estado), e portanto, no direito internacional da
atualidade, (com mais forte razão, na américa latina, onde o instituto é regulado por
convenções multilaterais específicas), a concessão de asilo não pode ser um pretexto para
justificar ações de retaliação e muito menos de simples rompimento de relações
diplomáticas.
na américa latina o instituto do asilo é tradicional e foi regulamentado por
convenções especiais: uma primeira, a “convenção sobre asilo”, assinada em havana, ao
término da vi conferência internacional americana, a 20 de fevereiro de 1928 (no brasil
promulgada pelo decreto no 18.956 de 22/10/1929)88, uma segunda, a “convenção sobre
asilo político”, assinada em montevidéu, ao término da vii conferência internacional
americana, a 26 de dezembro de 1933 (no brasil promulgada pelo decreto no 1.570 de
13/04/1937)89 , uma outra, assinada em 1939, ao final do congresso sul-americano de
direito internacional (do qual o brasil não participou) e ratificada unicamente pelo paraguai
e uruguai, e finalmente, já ao tempo da vigência da declaração universal dos direitos
humanos, as duas mais modernas, que pela natureza de seus dispositivos, representam
sensíveis melhoras das anteriores90, assinadas ambas em caracas, ao término da x
conferência interamericana, a 28 de março de 1954: a “convenção sobre asilo diplomático”
88 seu texto encontra-se apud antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos
humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 323-4.
89 seu texto encontra-se apud antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos
humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 324-6. esta convenção tem um
especial interesse, no caso do brasil, tendo em vista que foi sob suas normas, que os asilos a brasileiros, hoje
ilustres, foram concedidos por missões diplomáticas sediadas no rio de janeiro, na situação imediatamente
posterior à revolução de 31 de março de 1964. na verdade, as convenções de caracas de 1954, conquanto
aprovadas pelo congresso nacional em 12/08/1964, somente foram ratificadas em 14/01/1965, e promulgadas
pelo decreto 55.929 de 14/04/1965.
90 na verdade, não se poderia referir a uma revogação ou derrogação das anteriores, pois, como há estados
que permanecem partes apenas de umas e não de outras, as antigas continuam vigentes entre os estados que as
ratificaram, conjuntamente. para uma listagem dos países que ratificaram as duas primeiras, veja-se
hildebrando accioly, tratado de direito internacional público, 2a edição, rio de janeiro (sem indicação de
editor), 1o vol., 1956, a pg. 483, e para os estados que ratificaram as duas assinadas em caracas, veja-se, na
internet: www.oas.org/juridico/spanhish/firmas/a-46.html e idem/a-47.html.
51

e a “convenção sobre asilo territorial”; estas últimas foram assinadas por todos estados
latino-americanos membros da oea, portanto, com exceção dos países anglófonos 91, e
ratificadas pela maioria dos signatários92 (ambas promulgados no brasil, conjuntamente,
pelo decreto 55.929 de 14/04/1965)93. deve ser enfatizado que todas essas convenções,
elaboradas as duas primeiras, sob a égide da união panamericana e as duas últimas, sob a
égide da oea, pelo fato de não terem sido assinadas pelos países anglófonos membros destas
organizações, nomeadamente os eua e o canadá, confere ao asilo, nas suas duas
modalidades, o caráter de ser um instituto totalmente regulado por normas escritas do
direito internacional, vigentes entre países latino-americanos, com a nítida indicação de ser
uma das provas da existência de um direito internacional público regional latino-americano.
no que respeita ao asilo diplomático, a corte internacional de justiça teve
oportunidade de pronunciar-se, num famoso caso conhecido como haya de la torre, que
opôs os governos da colômbia e do peru (oficialmente denominado: caso do direito de
asilo), com duas sentenças pronunciadas em 1950 (a primeira, de mérito, a 20 de
novembro, que declarou alguns efeitos do asilo diplomático concedido pela colômbia, em
sua embaixada em lima, em relação ao peru, e a segunda, de 27 de novembro, que decidiu
sobre embargos declaratórios interpostos pela colômbia) e outra em 13/vi/1951 (tendo
havido a intervenção de cuba, sentença essa que decidiu sobre matéria nova, qual seja, a
maneira de executar-se a sentença de 20 de novembro de 1950). os fatos constam do
relatório da primeira sentença: a 30/10/1948, após ter havido uma rebelião militar no peru,
tendo o governo deste país considerado victor raul haya de la torre, chefe do partido
político aliança popular revolucionária americana (apra), o responsável por ela (na verdade,
intimações judiciais tinham sido publicadas, a fim de que o mesmo comparecesse perante
uma corte militar, para submeter-se a julgamento sumário por rebelião, sedição e motim
popular, numa situação política interna, que perduraria no período entre 04/x/1948 e
começos de fevereiro de 1949, no qual o peru foi declarado em estado de sítio), buscou
aquele homem público peruano asilo diplomático na embaixada da colômbia, em lima. a

91 bahamas, barbados, belize, canadá, dominica, eua, granada, guiana, jamaica, saint kitts e nevis, santa lucia,
e são vicente e granadinas.
92 não ratificaram a convenção sobre asilo diplomático: bolívia, chile, colômbia e cuba. não ratificaram a
convenção sobre asilo territorial: argentina, bolívia, chile, honduras e república dominicana. informações
apud: www.oas.org/juridico/spanhish/firmas/a-46..html e /a-47..html.
93 seus textos se encontram apud vicente marotta rangel, direito e relações internacionais, id. ibid., 6a
edição, a p.658-63 (asilo diplomático) e p. 664-7 (asilo territorial).
52

04/01/1949, o embaixador da colômbia comunicaria ao governo do peru haver concedido o


asilo diplomático e, ao mesmo tempo, solicitaria a expedição de um salvo-conduto para que
o asilado (a sentença da cij não emprega o termo “asilado” (asilé), mas o termo “refugié”,
refugiado94) pudesse deixar o país, tendo, a 14 daquele mesmo mês e ano, qualificado haia
de la torre como “refugiado político”. o governo do peru contestaria tal qualificação e
recusaria a concessão do salvo-conduto, com argumentos de que haia de la torre tinha
cometido crimes comuns e não poderia beneficiar-se do asilo diplomático. após troca de
correspondência diplomática, ambos os países firmariam um compromisso, em lima, a
31/08/1949, de submissão do caso à corte internacional de justiça. o caso foi ajuizado na
cij, tendo por peça inicial um pedido da colômbia e um pedido reconvencional apresentado
pelo peru. a base jurídica para a decisão da cij, seria o acordo bolivariano de 1911 sobre
extradição95, bem como a “convenção sobre asilo”, assinada em havana, a 20 de fevereiro
de 1928, únicos instrumentos internacionais vigentes entre ambos os países litigantes96.
por 14 votos contra 2, a cij decidiria que a colômbia não tivera direito a qualificar
unilateralmente a natureza do delito (como crime político) e de maneira que fosse
obrigatória em relação ao peru. deve notar-se que a faculdade exclusiva de o estado asilante
qualificar a natureza do delito, era inexistente na convenção da havana de 1928 e que
somente com a convenções de montevidéu sobre asilo político de 193397, seria formalmente
reconhecida em normas internacionais (por sinal, regra repetida na convenção de caracas
sobre asilo diplomático98, e indiretamente, na sobre asilo territorial99). por 15 votos contra 1,

94 na verdade, a confusão entre refúgio e asilo, entre asilado e refugiado, apesar de já ao tempo da sentença
no caso haia de la torre existirem as normas da onu sobre refugiados, explica-se pelo fato de que a convenção
de havana de 1928, que serviu de base jurídica para aquela sentença, empregar por duas vezes, o verbo
“refugiar-se”, na acepção de “buscar asilo”.
95 conforme já anunciado anteriormente, na parte da sentença de 20/11/1950 da cij, a invocação do acordo
bolivariano sobre extradição, além de precisar as implicações do asilo diplomático e da extradição, ainda
considerou que o mesmo reconhecia o asilo diplomático como uma instituição conforme os princípios do
direito internacional, mas que tais princípios de direito internacional não reconheceriam, ao estado asilante, o
direito de qualificar unilateralmente um crime como político.
96 na verdade, a colômbia invocara, igualmente, a convenção de montevidéu de 1933, relativa a “asilo
político”, mas que a cij não considerou, tendo em vista o peru não tê-la ratificado. note-se que as duas
convenção de caracas sobre asilo, somente seriam adotadas em 1954, portanto, após as decisões da cij.
97 art. 2, verbis: “compete ao estado que dá asilo a qualificação do delito político”
98 art. iv, verbis: “compete ao estado asilante a classificação da natureza do delito ou dos motivos da
perseguição”. observe-se que esta definição se acha concordante com os motivos do asilo diplomático,
consagrados pela convenção de caracas: pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos.
99 art. iv, verbis: “a extradição não se aplica, quando se trate de pessoas que, segundo a classificação do
estado suplicado, sejam perseguidas por delitos políticos ou delitos comuns cometidos com fins políticos,
nem quando a extradição for solicitada obedecendo a motivos predominantemente políticos” (com ênfase por
nós acrescentada).
53

a cij decidiria, a nosso ver, numa interpretação sibilina e literal da convenção de havana de
1928 (art. 2o § 3o, verbis; “o governo do estado poderá exigir que o asilado seja posto fora
do território nacional, dentro do mais breve prazo; e o agente diplomática do país que
tenha concedido o asilo poderá, por sua vez, exigir as garantias necessárias para que o
refugiado sai do país, respeitando-se a inviolabilidade de sua pessoa”), que, pelo fato de o
governo do peru não ter exigido a saída do asilado do território daquele país, este governo
não estava obrigado a conceder o salvo-conduto. por outro lado, por 15 votos contra 1,
rejeitou a tese do peru de que o sr. haia de la torre era acusado de um crime comum, tendo
constatado que o principal e único motivo da acusação contra aquela pessoa, era o de
rebelião militar e que rebelião militar não era, por si só, um crime comum. enfim, a
sentença reconheceu que inexistiam, na letra da convenção de havana de 1928 (art. 2o § 1o
verbis: “ o asilo não poderá ser concedido senão em casos de urgência e pelo tempo
estritamente indispensável para que o asilado se ponha, de qualquer outra maneira, em
segurança”), as condições necessárias para que fosse legítima a concessão do asilo, nos
seus termos: na verdade, a cij constatou, mirabile dictu!, que havia condições normais para
o exercício da jurisdição dos tribunais peruanos, naquele momento, que o poder judiciário
não estava subordinado ao executivo, e que a convenção de havana não tinha o condão de
garantir aos asilados, o privilégio de escapar às suas jurisdições nacionais!
a segunda sentença no caso haia de la torre, refere-se ao julgamento de embargos
declaratórios interpostos pela colômbia. as dúvidas diziam respeito a três questões; a) em
que sentido conviria reconhecer efeitos jurídicos à qualificação feita pela embaixada da
colômbia, em lima, quanto ao delito imputado a haia de la torre; b) em que sentido o peru
não teria direito a exigir a entrega do asilado, nem a colômbia tinha a obrigação de entregá-
lo e c) ou, ao contrário, em que sentido a colômbia deve entregar o asilado. a cij, por 12
votos contra 1, na sentença de 17 de novembro de 1950, rejeitaria os pedidos, com o
argumento de que se tratava de matérias não submetidas à sua apreciação e, sendo assim,
rejeitaria o pedido da colômbia, de interpretação da sentença embargada.
enfim, como se relata na terceira sentença no caso haia de la torre, exarada pela cij,
a 13 de junho de 1951, tão logo conhecido o teor da sentença de 20 de novembro de 1950, o
governo do peru solicitaria à embaixada da colômbia em lima executá-la, e convidou-a a
por fim a um proteção diplomática indevida, com a entrega do asilado às autoridades locais.
54

a colômbia responderia que uma entrega do asilado desconheceria a sentença de 20 de


novembro de 1950, além de violar os termos da mencionada convenção de havana de
1928; sendo assim, dirigiu-se, novamente à cij, com um pedido depositado a 13 de
dezembro de 1950 (ao qual, juntar-se-ia cuba como interveniente, que foi admitido pela cij,
com os argumentos de que havia interesse na interpretação de novos aspectos trazidos a
julgamento, no tocante à citada convenção de havana). os argumentos dos litigantes foram
os seguintes: a) a colômbia pedia que a cij determinasse a maneira de executar o sentença
de 20 de novembro de 1950, bem como estatuísse que na execução da mesma, não estava
obrigada a entregar o asilado à autoridades peruanas; b) o peru solicitava um
pronunciamento da cij no referente à execução da sentença, que esta rejeitasse os pedidos
da colômbia sobre a falta de fundamento de que este país não se encontrava obrigado a
entregar o asilado e, enfim, de declarar que, por força da primeira sentença, o asilo tinha
terminado e portanto havia o dever da entrega do asilado, a fim de que a justiça peruana
pudesse retomar seu curso, então suspenso. com o fundamento de que não era competência
judiciária da cij determinar as possíveis e diversas formas pelas quais um asilo diplomático
poderia terminar, julgou: a) por 13 votos a 1, que a colômbia não era obrigada a entregar
haia de la torre às autoridades peruanas e b) por unanimidade, que o asilo deveria ter
cessado a partir da sua sentença de 11 de novembro de 1950 e que deveria ter um fim
(verbis: “contudo, deve presumir-se quem estando as relações jurídicas recíprocas [entre
colômbia e peru] doravante tornadas precisas, as partes estarão ma medida de encontrar
uma solução prática satisfatória, inspirando-se nas considerações de cortesia e boa
vizinhança que, em matéria de asilo, sempre tiveram um grande lugar nas relações entre as
repúblicas da américa latina”)100.
uma análise atual dos julgados pela cij no caso haia de la torre, revela que muitos
dos incidentes considerados, à luz da interpretação da convenção de havana sobre asilo de
1928, talvez tenham servido de parâmetro para o aperfeiçoamento do instituto do asilo
diplomático, pelo menos em nível do direito internacional regional da américa latina.
relembre-se que a convenção de montevidéu sobre asilo político de 1933, que não tinha
sido considerada pela cij (pela falta de ratificação pelo peru), já apresentava determinados
pontos de melhoria na regulamentação do instituto (que, nesta convenção, tratava

100 verbatim, em nossa tradução livre, conforme texto publicado em nations unies, résumé des arrêts, avis
consultatifs et ordonnances de la cour internationale de justice, 1948-1991, , id., ibid., p. 25.
55

unicamente do asilo diplomático), como a definição da competência do estado que dá asilo,


para a qualificação do delito político (art. 2o) e a enumeração das condições de proibição da
conceder-se o asilo diplomático, a “pessoas inculpadas de delitos comuns que se acharem
devidamente processadas ou tiverem sido condenadas por tribunais ordinários, assim
como aos desertores de terra e mar” (art. 1o § 1o ). na verdade, a convenção de caracas
sobre asilo diplomático de 1954 (relembre-se: vigente internacionalmente entre a maioria
dos países da américa latina), é aquela que refletirá as regras definidas pela cij, num
documento de 24 artigos, cujas principais disposições são as seguintes: a) o asilo é
concedido a pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos (portanto, evitando-se as
discussões sobre a necessidade de haver qualquer procedimento administrativo ou judicial
contra os asilados); b) o direito de concessão do asilo pertence ao estado, que não se acha
obrigado a concedê-lo, nem a declarar por que o nega; c) não se concede asilo diplomático
a pessoas acusadas, processadas ou condenadas por delitos comuns; d) compete ao estado
asilante qualificar a natureza do delito ou dos motivos da perseguição; e) o asilo pressupõe
casos de urgência e pelo tempo estritamente indispensável a que o asilado deixe o país, com
as garantias acordadas pelo estado territorial, cabendo ao estado asilante tipificar o que seja
urgência; f) o estado territorial pode a qualquer momento exigir que o asilado seja retirado
do país, para o que deverá conceder um salvo-conduto e as garantias necessárias para tanto
(art. xi); g) “concedido o salvo-conduto, o estado asilante poderá pedir a saída do asilado
para o território estrangeiro, sendo o estado territorial obrigado a conceder,
imediatamente, salvo caso de força maior, as garantias necessárias” (art. xii, que
representa um grande aperfeiçoamento do instituto do asilo diplomático, conforme se pode
verificar com o caso haia de la torre); h) os asilados não poderão ser desembarcados em
ponto algum do estado territorial, em lugar que dele esteja próximo, salvo por necessidade
de transporte; i) o estado asilante não é obrigado a conceder permanência a um asilado, mas
não o poderá mandar de volta a seu país de origem, salvo por vontade expressa do asilado:
j) enfim, o asilo diplomático não estará sujeito à reciprocidade, e qualquer pessoa, seja qual
for sua nacionalidade, pode estar sob sua proteção (art. xx, no qual, contudo, nada diz a
respeito dos apátridas).
no que respeita ao asilo territorial, a 14/12/1967, a xxii assembléia geral da onu
adotaria, por unanimidade, a resolução 2.314, denominada “declaração sobre asilo
56

territorial”101, que, no seu preâmbulo, após recordar os já mencionados art. 13 § 1 o e art. 14


da declaração universal dos direitos do homem, e expressamente reconhecer que “a
concessão de asilo por um estado a pessoas que tenham direito de invocar o artigo 14 da
declaração universal...é um ato pacífico e humanitário e que, como tal, não pode ser
considerado inamistoso por nenhum outro estado”, recomenda que, “sem prejuízo dos
instrumentos existentes sobre o asilo e o estatuto dos refugiados e apátridas, os estados se
inspirem, em sua prática relativa ao asilo territorial,” nos princípios que passa a expor,
num articulado de 4 artigos. de tais princípios, destaquem-se:
a) a proibição de conceder-se asilo a territorial a qualquer pessoa “sobre a qual
exista suspeita de ter cometido um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime
contra a humanidade, conforme definido nos instrumentos internacionais elaborados para
adotar disposições sobre tais crimes” (art. 1o § 2o);
b) a faculdade exclusiva concedida ao estado de qualificar as causas que motivam
um asilo por ele concedido (art. 1o § 2o);
c) nenhuma das pessoas compreendidas pelo disposto no art. 14 da declaração
universal, poderá “ser sujeita a medidas tais como a recusa de admissão na fronteira ou, se
já tiver entrado no território onde busca asilo, a expulsão ou devolução compulsória a
qualquer estado onde possa ser submetida a perseguição” (art. 3o § 1o), salvo em casos
excepcionais de motivos fundamentais de segurança nacional ou para salvaguardar a
população, como no caso de afluência em massa de pessoas” (art. 3o § 2o);
d) nos casos de constarem-se as exceções previstas e um estado decidir-se pela
recusa de admissão na fronteira, pela expulsão ou pela devolução compulsória do asilado,
“deverá considerar a possibilidade de conceder à pessoa interessada, nas condições que
julgar apropriadas, uma oportunidade, em forma de asilo provisório de ou outro modo, de
ir para outro estado” (art. 3o § 3o).
mister esclarecer os conceitos ligados ao instituto do asilo territorial, quais sejam, o
de recusa de admissão na fronteira de pessoas que buscam o asilo territorial (o termo
adotado pela doutrina, inclusive nacional, refere-se a “ non refoulement”)102, de deportação
101 seu texto em português encontra-se antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos
direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 276-8.
102 o dictionnaire de la terminologie du droit international, publicado sob o patrocínio da union
académique internationale, (paris, sirey, 1960), assim define o termo, no verbete: “refoulement
(d’étrangers)”: “ato pelo qual as autoridades estabelecidas na fronteira se opõem à entrada no território de
um estado, estrangeiros que procuram nele penetrar e nele permanecer” (em nossa tradução livre).
57

de expulsão ou de devolução compulsória de pessoas que buscam aquele asilo e que já se


encontram no território de um estado. trata-se de conceitos que se ligam intimamente aos
poderes dos estados, no relativo a entrada de estrangeiros nos seus territórios e à
permanência neles, conforme várias modalidades, tais como: passageira, provisória ou
permanente. trata-se de um domínio que ainda se considera, na atualidade, cercado de quase
que exclusiva competência dos estados (claro, que limitada pelos deveres internacionais);
em alguns aspectos, trata-se da competência de um estado adotar e aplicar uma política de
imigração, que nem sempre condiz com os ideais de uma livre circulação internacional de
pessoas, dadas as implicações que comportam uma abertura indiscriminada das fronteiras à
penetração de contingentes humanos, que podem, não só causar graves problemas internos,
como representar a admissão de mão de obra estrangeira. na verdade, de normas internas
adotadas dentro da persistência do domínio reservado dos estados em matéria de controle
da entrada e permanência de estrangeiros, podem conflitar com as normas internacionais,
em particular, com aquelas constantes dos art. 13 § 2o e art. 14 § 1o da declaração universal
dos direitos do homem, mesmo que estas se revistam de um caráter humanitário e, por
certo, em alguns casos, previstas para casos de urgência!
a convenção sobre asilo territorial, assinada em caracas, em 1954 (vigente na
maioria dos estados da américa latina), de certa forma, já contemplava os princípios da
declaração sobre asilo territorial da onu, de 1967. uma primeira observação necessária, é a
de que nesta convenção americana, inexiste qualquer condicionamento quanto a denegação
de asilo territorial a qualquer pessoa “sobre a qual exista suspeita de ter cometido um crime
contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, conforme definido
nos instrumentos internacionais elaborados para adotar disposições sobre tais crimes”,
constante do art. 1o § 2o da declaração da onu. assim, numa breve análise de seus
dispositivos, fica claro que: a) nenhum estado é obrigado a entregar a outro estado ou a
expulsar de seu território pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos (art. iii); b)
“a extradição não se aplica, quando se trate de pessoas que, segundo a classificação do
estado suplicado, sejam perseguidas por delitos políticos ou delitos comuns, cometidos
com fins políticos, nem quando a extradição for solicitada obedecendo a motivos
predominantemente políticos” (art. iv) ; c) o estado não se encontra obrigado a estabelecer
distinções entre os estrangeiros, para discriminar os asilados, na sua legislação interna, nem
58

a atender a pedidos de outro estado, a adotar medidas excepcionais contra asilados, por
motivos de opinião contrária àquele ou na sua liberdade de reunião; d) no caso de haver um
pedido de internamento ou de vigilância de asilados que se encontrem no território do
estado asilante, feito pelo estado de onde procedeu o asilado, o internamento deverá ser
feito, a uma distância prudente das fronteiras, a as despesas ocorridas, deverão ser
suportadas pelo estado que o solicitar (art. ix e seus §§).
no brasil, as normas sobre entrada e permanência no território nacional de asilados,
que são estrangeiros, se regem pelo denominado “estatuto dos estrangeiros” (lei no 6.815
de 19/08/1980, com as alterações da lei no 6.964 de 09/12/81 e um sem número de outros
atos normativos como o regulamento expedido pelo decreto no 86.715 de 10/12/1981 e
outras normas da legislação complementar ou correlata). nela somente se prevêem os casos
de entrada de estrangeiros, de sua permanência, e sua deportação (recusa de permanência
no território nacional, por falta de requisitos de legalidade na entrada ou estada do
estrangeiro, como a expiração de vistos de permanência, com a devolução da pessoa a
outros estados, de preferência, aos da nacionalidade)103, expulsão (ato administrativo de
fazer cessar a permanência de um estrangeiro no território nacional, pelos motivos
elencados na lei, de natureza cível ou criminal, que configuram o expulsando, em grandes
linhas, como uma “pessoa indesejável”) e a extradição de estrangeiros (entrega de um
estrangeiro, inocente no território nacional, a pedido de um poder judiciário estrangeiro,
seja de sua nacionalidade ou não, por motivos de uma condenação de privação de liberdade
no estado estrangeiro ou estar sua prisão autorizada por juiz, tribunal ou autoridade
competente deste último, conforme os temos do art. 78 do estatuto dos estrangeiros). no
título iii, integrado por dois únicos artigos, o art. 28 e 29, o estatuto dos estrangeiros regula
a condição do asilado, que a lei denomina “asilado político” e que a doutrina e práticas
nacionais têm considerado como referente tanto ao estrangeiro beneficiado pelo asilo
territorial (entrada pelas fronteiras terrestres ou marítimas, sem quaisquer documentos
autorizatórios do governo brasileiro, com a expectativa de beneficiar-se da proteção das
normas internacionais e conseguir a condição de asilado, a ser definida, quando a pessoa já

103 conquanto haja a definição dos elementos factuais para a deportação, no estatuto dos estrangeiros, no art.
57, ou seja, a entrada ou estada irregular do estrangeiros, não contemplam a hipótese de um pedido de entrada
no território nacional, que pode ser recusado, ainda quando o postulante não se encontra sob a jurisdição das
autoridades nacionais. esta fenômeno se enquadra no que se denomina “refoulement”, como será analisado
oportunamente, no exame da situação dos refugiados.
59

se encontra no território nacional), quanto pelo asilo diplomático (entrada em portos ou


aeroportos internacionais brasileiros, de posse de um salvo-conduto concedido pelo
governo brasileiro, quando o asilado se encontrava em lugares no exterior susceptíveis de
abrigar um postulante a asilo, na condição de asilado já reconhecida pelo mesmo). as regras
gerais são de que ao asilado político se apliquem as normas brasileiras relativas aos
estrangeiros, bem como as que lhe impõe o direito internacional ou as que o governo
brasileiro lhe fixar (a ex.: fixação de residência em determinados locais, no brasil, em geral,
longe das fronteiras do estado de sua nacionalidade ou residência, ao tempo anterior da
concessão do asilo (art. 28 do estatuto do estrangeiro). o art. 29 impõe ao asilado político o
dever de somente sair do território nacional, com a prévia autorização do governo
brasileiro, sob pena de considerar-se renúncia ao asilo, o que impedirá o reingresso, naquela
condição (art. 29 e seu parágrafo único, do estatuto do estrangeiro).
É necessário enfatizar que, ainda que somente na constituição federal de 1988 104 se
tenha expressamente estatuído que “a república federativa do brasil rege-se nas suas
relações internacionais pelos seguintes princípios: ... x- concessão de asilo político” e que
tal preceito constitucional era inexistente nas constituições anteriores, o país, desde sempre,
reconheceu, respeitou e aplicou, incontáveis vezes, os princípios relativos à proteção dos
asilados no território nacional, seja aqueles que solicitaram e obtiveram asilo, já dentro do
território nacional, seja aqueles que estavam asilados em missões diplomáticas brasileiras
no exterior, ou outros lugares no exterior susceptíveis de oferecer asilo e que foram
encaminhados ao mesmo. por outro lado, em momentos de golpes de estado, de revoluções
ou de sublevações internas graves, o governo brasileiro concedeu salvo-condutos a
brasileiros asilados em missões diplomáticas sediadas no rio de janeiro, então capital
federal do país, e na hipótese de asilo territorial concedido a brasileiros no exterior,
respeitou as regras internacionais, pois não rompeu com as relações diplomáticas com os
países asilantes, da mesma forma que, se não se absteve de solicitar extradição, ou o
fazendo, soube dar às negativas de concessão de extradição ou de entrega dos asilados, as
devidas proporções.
na verdade, a situação dos asilados no interior dos ordenamentos jurídicos
104 a propósito do tema do “asilo político” na constituição federal de 1988, veja-se o trabalho de thamy
pogrebinschi, “o direito de asilo e a constituinte de 1997-88”. in:: nádia de araújo e guilherme assis de
almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados- uma perspectiva brasileira, id., ibid., p.
319-42.
60

nacionais, no direito comparado, pode ser assimilável, com notáveis temperamentos, à


situação dos estrangeiros. destes temperamentos, se há imposições particulares, como a
possível residência forçada, em geral longe das fronteiras do país de onde o asilado se
retirou, direitos de opinião pública restringidos, sobretudo contra o estado de onde saiu
como asilado, há igualmente, alguns privilégios. se é verdade que o asilado se encontra no
território nacional de um estado, por uma decisão soberana deste, e que esta foi dada, tendo
em vista uma situação de proteção a situações humanitárias, é claro que deste estado são
exigíveis condições de vida e subsistência, as quais este estado, em geral, não tem o dever
de proporcionar a qualquer estrangeiro, que tenha livremente escolhido viver sob sua
jurisdição. sendo assim, há deveres para o estado asilante, segundo os princípios que regem
o instituto, dos quais os mais notórios são: a) obrigação de fornecer ao asilado as condições
para uma existência digna; b) as proibições de entrega, expulsão ou extradição para o país
de proveniência do asilado; c) um tratamento adequado, não discriminatório, quanto aos
demais estrangeiros, que se achem no território nacional; d) total independência nos atos de
concessão se asilo, sem levar em consideração qualquer pedido do estado estrangeiro,
quanto a causas do asilo e causas da urgência em concedê-lo.
enfim, deve notar-se uma característica importante, que faz com que o asilo, tal qual
regulamentado na américa latina, seja um instituto de efeitos limitados, no relativo à
proteção dos direitos humanos. tanto o asilo diplomático, quanto o asilo territorial são
institutos que têm como destinatário de suas normas, os estados, uma vez que estas os
tratam como uma faculdade concedida ao estado asilante, a quem cabe julgar das condições
de sua admissibilidade. em nenhuma hipótese, há normas que confiram a um indivíduo
perseguido por motivos ou delitos políticos, o direito subjetivo de conseguir asilo
diplomático ou territorial, pelo simples fato de ter havido uma situação de urgência, no seu
país de nacionalidade ou domicílio e de estar o asilado nele perseguido.
insista-se, portanto, sobre os característicos do direito de asilo, conforme seus
elementos definidos nas normas internacionais vigentes na américa latina: a) trata-se, como
dissemos, um direito exclusivo que cabe ao estado parte nas convenções temáticas,
conceder ou não; b) o controle da aplicação das normas convencionais sobre asilo, depende
unicamente da vontade dos estados, portanto, dentro do quadro geral da regras sobre
responsabilidade internacional dos estados, em virtude da inadimplência de normas
61

convencionais; c) implica na existência de uma situação de perseguição por motivos


políticos a uma pessoa, por multidões ou por autoridades de um estado, em casos de
urgência, e em situações em que esta não tenha como pôr-se em segurança (portanto, nos
casos de graves comoções internas, perseguições por motivos de crenças, opiniões e
filiação política ou por atos que possam ser considerados delitos políticos), descartadas,
portanto, situações de penúria econômica nos países de onde as pessoas buscam evadir-se;
d) concedido o asilo, criam-se obrigações a outros estados partes, de conceder um salvo-
conduto e de não esperarem que o estado asilante venha a conceder extradição, mesmo que
haja tratados bilaterais sobre extradição; e) inexistem, nas normas regionais na américa
latina, quaisquer restrições quanto a atos qualificados como delitos políticos, passíveis de
concessão de asilo, como se sabe, ato unilateral do estado asilante, restrições essas como
suspeita de que a pessoa pretendente a asilo ou já asilada, tenha praticado atos atentatórios
aos princípios da carta da onu, ou “cometido um crime contra a paz, um crime de guerra ou
um crime contra a humanidade, conforme definido nos instrumentos internacionais
elaborados para adotar disposições sobre tais crimes” (art. 1o § 2o da resolução 2.314 da ag
da onu, denominada “declaração sobre asilo territorial” anteriormente analisada).
seção 3 – o direito internacional humanitário e o direito internacional dos refugiados
como afirmamos no início deste capítulo, situações de guerra ou de graves
perturbações internacionais, foram os fenômenos que determinaram a emergência de dois
campos particulares das normas internacionais da proteção das pessoas humanas, o direito
internacional humanitário e o direito internacional dos refugiados. historicamente, as
primeiras normas a virem a lume, foram as relativas à proteção dos combatentes e não
combatentes, motivadas pelas atrocidades observadas por henri dunant, na batalha de
solferino, no norte da itália, em 24 de junho de 1859 (entre os exércitos franco-sardos de
napoleão iii e os austríacos, verdadeira carnificina que resultou em cerca de 40 mil mortos),
cujo livro “un souvenir de solferino”, editado em 1862, teve uma decisiva influência nos
governos; seus ideais resultariam na fundação do movimento conhecido como cruz
vermelha, sob cuja influência seria elaborado pelos estados, através de convenções
internacionais multilaterais, um conjunto de normas que passou a ser denominado direito
internacional humanitário. as segundas foram aquelas destinadas a administrar uma
situação, que, dadas as extensões das destruições militares, no curso da primeira guerra
62

mundial, deixaram uma cruel seqüela no pós-guerra, de inteiras populações deslocadas,


cuja sorte deveria ser regulamentada em nível internacional (o que começaria a ser feito,
por atuação da sociedade das nações); a repetição do fenômeno, após a segunda guerra
mundial, levou a que onu passasse, diretamente a regular o mesmo, com a instituição de um
organismo intergovernamental, o alto comissariado das nações unidas para os refugiados, o
acnur, com sede em genebra. conforme será visto, o direito que assim se formaria, o direito
internacional dos refugiados, teria seu campo de atuação cada vez mais alargado, para
incluir igualmente movimentações transfronteiriças de pessoas, não só por motivos de
revoluções e outros acontecimentos militares no interior dos estados (formalmente não
definidos como “guerra”), mas também de pessoas em situações perseguidas por motivos
de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.
no que respeita ao direito internacional humanitário, conquanto, na sua origem
tenha sido motivado pelo fenômeno da guerra, no final do séc. xix (1864, convenção sobre
melhorar a sorte dos feridos nos exércitos em campanha), suas normas constituem o
denominado “direito de genebra” (originário da atuação da diplomacia em congressos e
conferências internacionais, com a adoção de tratados multilaterais, em genebra, sob a
decisivo impulso do comitê internacional da cruz vermelha, o cicv, tanto ao tempo da
sociedade das nações, no entre-guerras e continuado sob o a vigência da onu 105), não deve
confundir-se com o denominado “direito da haia”, este um corpo de normas jurídicas
escritas, elaboradas a partir de duas conferências internacionais da paz, realizadas na haia,
em 1899 e 1907, durante as quais foram elaboradas, respectivamente, 3 e 13 convenções
multilaterais106 sobre o “jus ad bellum”, ou seja, as normas internacionais que regulam tanto
o direito de ir à guerra e o direito de prevenção da guerra, quanto o “jus in bello”107, ou
seja, as normas internacionais sobre a condução das hostilidades, nos dois tipos de guerras,
105 poder-se-ia cogitar de um “direito de nova york”, na medida em que as decisões dos órgãos da onu, ou de
normas previstas em tratados multilaterais adotados sob sua égide, tratam de temas do direito humanitário
internacional.
106 as 13 convenções adotadas na haia a 18/10/1907, foram assinadas pelo brasil, ratificadas e conjuntamente
promulgadas pelo decreto no 10.719 de 04/02/1914.
107 “jus in bello” e “jus ad bellum” são expressões relativamente recentes no direito internacional,
cunhadas pelo prof. louis delbez in: manuel de droit international public: droit général et droit
particulier des nations unies. 2a ed., paris, lgdj, 1951. a expressão tradicional para “direito da guerra” era,
desde os escritores da idade média, “jus belli”, então associado à questão das discussões sobre a guerra justa
e a partir de grotius, às normas sobre o começo e fim das guerras, a condução das hostilidades, a neutralidade
e o tratamento dos prisioneiros e da população civil. a propósito dos conceitos do prof. delbez, veja-se nosso
trabalho, "a guerra nuclear e o direito". in: causas e conseqüências de uma guerra nuclear". coord. ernest
hamburger. são paulo, cesp, 1985. p.49-73.
63

então existentes, a guerra terrestre e a guerra marítima (hoje complementado com normas
sobre a guerra aérea e sobre o desarmamento), bem como o regime da neutralidade. o
“direito da haia”, na sua finalidade específica, em particular do “jus in bello”, será objeto
de estudos do cap. 20 deste livro. na verdade, uma análise das normas do “direito da haia”,
perfeitamente identificado como um “direito dos meios e métodos de combate”, confere ao
“direito de genebra”, a característica de um “direito de proteção das vítimas”. contudo, deve
notar-se que “a quase totalidade das disposições das antigas convenções da haia, relativas
a condução das hostilidades, se incorporaram ao direito de genebra, mediante adaptação
e modernização, e se encontram agora incluídas no protocolo i de 1977 [à convenção de
genebra de 1949] relativo aos conflitos armados internacionais”108.
as fontes normativas do direito humanitário internacional, (“direito de genebra”)
são: a) as 4 convenções adotadas a 12/08/1949 (no brasil promulgadas pelo decreto no
42.121 de 21/08/1957), ao final de uma conferência internacional de representantes de
estados, realizada em genebra, por convocação do governo suíço e por proposta do comitê
internacional da cruz vermelha, o qual foi o responsável pelos respectivos projetos: (i), para
a melhoria da sorte dos feridos e enfermos dos exércitos em campanha; (ii), para a melhoria
da sorte dos feridos, enfermos e náufragos das forças armadas no mar; (iii), relativa à
proteção dos prisioneiros de guerra; (iv), relativa à proteção dos civis em tempo de guerra;
e b) os 2 protocolos adotados a 08/06/1977, igualmente em genebra, ao final da conferência
diplomática sobre reafirmação de desenvolvimento do direito humanitário, aplicável nos
conflitos armados, convocada, igualmente, pelo governo suíço, sob o impulso do cicv: o
protocolo i, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais e o
protocolo ii, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados não internacionais
(ambos conjuntamente promulgados no brasil, com o decreto no 849 de 25/06/1993) . pelo
fato de logo após sua assinatura, terem entrado em vigor internacional e pelo número de sua
ratificação, as 4 convenções de genebra de 1949 provam sua aceitação pela quase totalidade
dos estados da atualidade, entre 186 estados que as ratificaram, da mesma forma que os 2
protocolos de 1977, o primeiro, entre 135 estados ratificantes. e o segundo, entre 125
estados, nas mesmas circunstâncias. deve destacar-se que os dois protocolos de 1977 foram
108 gérard peytrignet, “sistemas internacionais de proteção da pessoa humana: o direito internacional
humanitário”. in: antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago, as três
vertentes da proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito humanitário,
direito dos refugiados, id., ibid., p. 128.
64

decorrência dos freqüentes conflitos internacionais regionalizados, no imediato segundo


pós-guerra, e que exigiam uma regulamentação que compreendesse fenômenos que fugiam
à tipicidade das guerras tradicionais, como as guerras de libertação nacional, as guerras de
descolonização e as guerras revolucionárias, cujos efeitos na população, eram talvez
maiores que as guerras clássicas (como demonstrou a guerra civil espanhola).
a cruz vermelha é uma denominação genérica que melhor se denominaria
“movimento da cruz vermelha”, originariamente baseado nas idéias do referido suíço henri
dunant, mas que teve, em data posterior, um desenvolvimento impulsionado pelos próprios
estados; trata-se, portanto, de um fenômeno intimamente associado ao desenvolvimento do
direito humanitário internacional. o movimento compreende, na verdade, três realidades: a)
o comitê internacional da cruz vermelha, uma ong de direito suíço, sediada em genebra, b)
as sociedades nacionais da cruz vermelha, ou do crescente vermelho 109, entidades nacionais,
pessoas jurídicas de direito privado, constituídas segundo as leis dos países em que estão
sediadas e, enfim, c) a federação das sociedades da cruz vermelha e do crescente vermelho,
entidade que congrega as associações nacionais dedicadas ao direito humanitário, sediada
em genebra. como entidade suprema do movimento, as mencionadas convenções de
genebra de 1949, instituíram uma conferência internacional, composta de delegados dos
estados partes nas mesmas, e que se reúne a cada 4 anos, e que no intervalo das sessões,
funciona na forma de um comitê permanente, com sede em genebra; trata-se, na verdade,
da técnica que foi aperfeiçoada pelos tratados e convenções internacionais atuais, de
instituição de um órgão de controle de aplicação e aperfeiçoamento dos seus dispositivos
constantes nos tratados e convenções internacionais. importa notar que todos os bens
afetados ao “movimento”, na sua atuação internacional ou no interior dos países, bem assim
como seus funcionários e pessoas a seu serviço, gozam de privilégios e imunidades,
outorgados pelas citadas convenções de genebra, com a finalidade de proteger os serviços e
as funções110.

109 a denominação de crescente vermelho foi uma exigência de certos países islâmicos, em 1919
(particularmente a turquia, que passava a ser admitida no conjunto dos estados independentes da comunidade
internacional, na liga das nações), que consideram a cruz, menos como um símbolo do cristianismo, e mais
como um símbolo das cruzadas.
110 claro está que as pessoas, bens e serviços das sociedades nacionais estarão protegidos, na medida em que
o ordenamento jurídico dos estados em que estão sediadas, ou em cujo território sejam exercidas as
atividades, os reconheçam. trata-se de imunidades e privilégios claramente concedidos em razão da natureza
das atividades desenvolvidas, assimiláveis às imunidades e privilégios concedidos a organizações
intergovernamentais (um serviço público internacional).
65

o comitê internacional da cruz vermelha, o cicv, cujo emblema é uma cruz


vermelha sobre fundo branco (as cores e a insígnia invertidas da bandeira da suíça) e que
tem por divisa o mote: “inter armas caritas”, foi fundada em 1863 e, na atualidade, é
composta de 25 membros, unicamente cidadãos suíços; à sua competência de fornecer
assistência e proteção às vítimas de guerra e de servir de intermediário no plano
humanitário, entre os estados em conflito, foram acrescentados poderes de investigação111,
em algo similares aos poderes dos comitês das convenções sobre direitos humanos, por
disposições expressas nas 4 convenções de genebra de 1949 e seus 2 protocolos de 1977. a
atuação do cicv tem crescido, na medida em que as atribuições das denominadas “potências
protetoras”, previstas naquelas convenções de 1949 e nos dois protocolos, ou seja estados
que, em situação de guerra ou de conflitos generalizados, entre dois outros estados, são
indicados como representantes diplomáticos de um contendor perante o outro, no caso de
rompimento de relações diplomáticas, têm sido diretamente exercidas pelo cicv; tais
situações são relevantes, nos casos de movimentos revolucionários internos nos estados, ou
de golpes de estado, em que os nacionais de um terceiro estado, não tenham seus direitos
humanos respeitados, (e que este terceiro estado não possa exercer a proteção diplomática),
os delegados do cicv, que têm imunidades e privilégios garantidos, passam a atuar como
relevantes defensores dos direitos humanos daquelas pessoas. por outro lado, pelo fato de
contar o cicv com um exemplar serviço de informações sobre serviços médicos (em
particular, as ongs dedicadas a saúde pública e aos serviços médicos, paramédicos e de
assistência hospitalar), tem grandes possibilidades de arregimentar pessoas, serviços e
recursos financeiros, seja em coordenação com as sociedades nacionais, seja em
complementação ou mesmo substituição das mesmas.
a federação internacional foi instituída em 1919 com a denominação de liga das
sociedades da cruz vermelha e do crescente vermelho (a partir de 1991 adotou a atual
denominação de “federação internacional”), com sede em genebra e congrega as 163
associações civis nacionais, organizadas segundo as leis de cada país, denominadas ora

111 em particular, o disposto no art. 126 da iii convenção de genebra de 1949 sobre o tratamento de
prisioneiros de guerra, os representantes das potências protetoras (estados que aceitam a representação de um
estado, frente a outro, no caso de rompimento de relações diplomáticas) e delegados do cicv têm a faculdade
permitida pelos estados partes de visitarem quaisquer lugares onde haja prisioneiros de guerra, entrevistar os
prisioneiros ou seus representantes, sem o acompanhamento de testemunhas, pessoalmente ou através de
intérpretes. o estado onde se verifica a inspeção tem somente o poder de indicar qual é o estado protetor,
sendo tal indicação, ainda dependente da aprovação dos delegados do cicv.
66

sociedades da cruz vermelha, ora sociedades do crescente vermelho. sua função principal é
coordenar a atuação das sociedades nacionais, em caso de catástrofes naturais ou
antrópicas, no caso de estas não estarem em condições de atuar. como o cicv, sua ajuda
igualmente se estende a situações em tempos de paz, na assistência a refugiados, tanto nos
campos de batalha quanto fora das zonas de conflito.
as sociedade nacionais da cruz vermelha, ou do crescente vermelho (em alguns
países islâmicos), como se disse, são entidades organizadas segundo as leis internas dos
países onde sediadas, mas que, em virtude das 4 convenções de genebra de 1949 e dos 2
protocolos de 1977, têm garantias internacionais para sua atuação, no território dos estados
onde instituídas. além de poderem ostentar os símbolos externos que lhes garantem os
privilégios e imunidades reconhecidos nas normas internacionais, a seus funcionários, a
pessoas e bens a seu serviço, estes merecem uma proteção e os indivíduos encarregados de
aplicar as normas internacionais, devem gozar de ampla liberdade de circulação e de
investigação (em particular, quando exercem funções acometidas por normas ou órgãos
internacionais humanitários). suas atribuição são de atender às necessidades nos conflitos
armados, em particular como apoio aos serviços militares de intendência e de saúde das
forças armadas, e, em tempos de paz, prover a atendimento no campo da saúde, educação,
atendimento nos casos de desastres naturais ou causadas pelo homem, e, enfim, difundir os
princípios e normas do direito internacional humanitário (entre o pessoal militar e entre a
população civil).
no que importa ao presente capítulo, a atuação das entidades integrantes do
movimento da cruz vermelha, melhor serão descritas no capítulo 21 da presente obra. no
entanto, é necessário enfatizar que, mesmo que tenha havido uma extensão das atribuições
do direito humanitário, para os tempos de paz e que as entidades da cruz vermelha tenham,
por um costume internacional, invadido campos que, tradicionalmente lhe eram estranhos
(como as situações em tempos de paz, não tendo havido uma declaração formal de guerra),
já as 4 convenções de genebra de 1949 e os 2 protocolos de 1977, prevêem hipóteses que a
doutrina dos internacionalistas reconhecia como próprios do campo de regulamentação
pertinente aos direitos humanos “stricto sensu”. trata-se dos 3 artigos iniciais, que contêm
dispositivos comuns àquelas 4 convenções, do art. 75, “garantias fundamentais” do
protocolo i (proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais) e dos art. 4o,
67

“garantias fundamentais”, e art. 5o,”pessoas privadas de liberdade”, do protocolo ii


(proteção das vítimas dos conflitos armados não-internacionais)112.
mais moderno que o direito internacional humanitário, é o direito internacional dos
refugiados, ambos, como ressaltamos, na sua origem, motivados por situações de guerra. se
bem que a situação de grande número de pessoas ficasse, ao final das guerras, em todos os
tempos, num estado de extrema penúria, algumas deportadas e perseguidas, outras,
desabrigadas e vítimas de epidemias e da fome, outras ainda desprovidas de uma
nacionalidade ou com brutais mutações de sua nacionalidade (decorrentes de anexações
territoriais), somente ao final da primeira guerra mundial o fenômeno receberia a atenção
dos estados. em 1919, as incipientes normas do direito humanitário, naquele período
histórico, ou aquelas do direito da haia relativas a prisioneiros de guerra ou à proteção de
não combatentes, não contemplavam a proteção dos direitos de tais pessoas, razão pela
qual, os estados encarregaram a sociedade das nações de disciplinar e tentar resolver o
assunto, no imediato pós-guerra, dados os problemas na europa, conforme relata um
precioso estudo do prof. josé henrique fischel de andrade, “breve consideração histórica da
tradição que culminou na proteção internacional dos refugiados”113. seria, assim, nomeado
um alto comissário para os refugiados, na pessoa do sr. fridtjof nansen114, prêmio nobel da
paz em 1923; em conseqüência da eficaz atuação da sociedade das nações, através de
nomeações de altos comissários para assuntos temáticas, graves problemas na europa foram
resolvidos, com o assentamento do grande contingente de armênios dispersados por vários
países, e de gregos, turcos, assírios, assírios-caldeus e assimilados, com a ocorrência da

112 os textos se encontram reunidos no livro do prof. antônio augusto cançado trindade, a proteção
internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 308-9,
309-12 e 312-25, respectivamente.
113 . in: nádia de araújo e guilherme assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos
refugiados- uma perspectiva brasileira, id., ibid., p. 99-125. em outro estudo, o mesmo professor fischel de
andrade discorre sobre os mesmos fatos e ainda as outras organizações intergovernamentais instituídos após a
ii guerra mundial, no capítulo “o direito internacional dos refugiados em perspectiva histórica”, in: alberto do
amaral júnior e cláudia perrone-moisés, organizadores, o cinqüentenário da declaração universal dos
direitos do homem, id., ibid., p. 75-120 e no livro direito internacional dos refugiados: evolução histórica
(1921-1952), rio de janeiro, renovar, 1996.
114 uma das grandes contribuições de nansen, foi a instituição do “passaporte nansen”, então expedido às
pessoas que hoje seriam consideradas como “refugiadas”, o qual, aceito por todos os países-membros da
sociedade das nações, permitiu o retorno aos países de origem de inúmeras pessoas. veja-se, a propósito, o
trabalho do prof. jaime ruiz de santiago, “o direito dos refugiados em sua relação com os direitos humanos e
em sua evolução histórica”. in: antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago,
as três vertentes da proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito
humanitário, direito dos refugiados, id. ibid., p. 258 e ss.
68

guerra entre a grécia e turquia, em 1922, ou a volta de milhares de refugiados a seus países
de origem como os russos emigrados após a revolução bolchevista, e situação inacreditável
de alemães e austríacos expulsos de seus países, pelo feroz regime do iii reich alemão. a
situação de pessoas deslocadas, no final da segunda guerra mundial, ainda em maiores
proporções que no primeiro pós-guerra, e em situações ainda mais calamitosas, no
continente europeu115, exigiu uma providência imediata dos estados; assim é que, nem bem
ainda estavam formalizados os tratados de paz, nem mesmo constituída a onu, 44 países
resolveram instituir, sob a égide dos eua, em 1943, a administração das nações unidas para
o auxílio e reabilitação, com base de atuação em genebra, conhecida por sua sigla em
inglês, unrra116, a qual, até 1947, data de sua auto-extinção e transferência de bens e
atribuições para a uma nova instituição internacional que seria então instituída, a
organização internacional dos refugiados, conseguiu repatriar mais de 7 milhões de
pessoas; na época funcionaria, igualmente na europa, o comitê intergovernamental para as
migrações européia, o cime, de 1952 a 1955, que contou com um escritório de
representação no rio de janeiro e que conseguiu encaminhar grande número de imigrantes
ao brasil, não considerados como refgiados. como se disse, a 15/12/1946, a ag da onu, em
votação estreita, a provar que o assunto dos refugiados já era uma questão política na guerra
fria (30 a favor, 5 contra e 18 abstenções), instituiria a organização internacional para os
refugiados, sediada em genebra, que na sua curta vida, teve a participação de apenas 18
estados do sistema das nações unidas, e equacionou a questão de assentamentos de 1
milhão de pessoas, basicamente nos eua, a repatriação de mais de 63 mil pessoas e
conseguiu que 410.00 pessoas permanecessem nos países onde se encontravam refugiadas,
tendo deixado um saldo de 410 mil refugiados, a cargo da entidade que lhe sucederia.
finalmente, dadas as oposições de países do bloco socialista, no correr da
denominada “guerra fria”, para os quais o assunto dos refugiados, assim como os relativos à
proteção dos direitos humanos deveriam ser de competência exclusiva dos estados (no
entendimento de que se deveria aplicar, para tais campo, o art. 2o § 7o da carta da onu, que

115 uma perfeita crônica da situação dos refugiados na europa, logo após o fim da segunda guerra mundial,
bem como um estudo pormenorizado dos antecedentes do acnur, encontra-se no curso da academia de direito
internacional da haia, do primeiro diretor desta instituição da onu, dr. g. j. van heuven goedhart, “the problem
of refugees”, in: recueil des cours, a w. sijthoff, leiden, 1953, i, tomo 82, p. 261-369.
116 united nations relief and rehabilitation administration. seu ato constitutivo não reconheceria uma
personalidade jurídica internacional à unrra, que, no entanto, num julgamento em um tribunal dos países
baixos, teve tal reconhecimento.
69

consagra o denominado “domínio reservado dos estados”) os estados membros daquela


organização, não conseguiram constituir uma organização intergovernamental, no sistema
da onu, para lidar com a questão dos refugiados: em seu lugar, a 03/12/1949, a ag da onu,
pela resolução 319 (iv), denominada “refugiados e pessoas apátridas” (“refugees and
stateless persons”), proporia a criação de um alto comissariado das nações unidas para os
refugiados, o acnur, que teria sua sede fixada em genebra, o qual teve, um ano depois, seu
estatuto (resolução 429(v) de 14/12/1950); destaque-se que o acnur principiou suas
atividades em 01 de janeiro de 1951, data expressiva, que servirá como limite temporal para
a aplicação da convenção internacional relativa ao estatuto dos refugiados, que seria
adotada, em genebra, ao final de uma conferência diplomática convocada pela onu, naquela
cidade, a 28 de julho de 1951. até os dias correntes, o acnur persiste em suas funções,
sempre sediada em genebra, e tem tido uma atuação cada vez mais relevante, não só como
órgão de execução das normas internacionais que seriam adotadas, em data posterior, como
um centro de estudo para o aperfeiçoamento das mesmas.
a citada convenção sobre o estatuto dos refugiados, como se disse, adotada em
genebra a 26/07/1951, constitui a magna carta dos refugiados e foi elaborada a partir de
projeto elaborado sob a égide do acnur; sua maior importância advém do fato de
caracterizar-se como um documento normativo multilateral, que tipifica o “status” de
refugiado, institui seus direitos subjetivos, através de um arrolamento dos mesmos, institui
obrigações aos estados partes de respeitarem tal “status”, bem como os deveres de
internalizarem nos respectivos ordenamentos jurídicos nacionais as normas protetoras
assim definidas, e, sobretudo, centraliza num único órgão da onu, o acnur, juntamente com
seus auxiliares, as tarefas concernentes à implementação e à aplicação eficaz das normas
internacionais específicas117.
a convenção sobre o estatuto dos refugiados de 1951, nasceria marcada pelas
dificuldades do momento de sua adoção: a) havia a necessidade de reconhecer-se a
situação das pessoas que se tinham beneficiado das normas votadas pela sociedade das
nações; b) havia, igualmente, necessidade de precisar a situação daquelas pessoas a quem
não fora possível aplicar as normas da organização internacional dos refugiados (essas, por
117 um dos grandes problemas que tinha enfrentado a sociedade das nações, era a multiplicidade de
convenções específicas, que versavam sobre um dado assunto, e sempre com caráter regional, cuja aplicação e
seguimento era de competência de “comissários” temáticos, como se pode verificar com o comissário para
refugiados russos, estabelecido pelo acordo sobre refugiados russos de 05/07/1922.
70

sua vez, sucessoras das normas do unrra), mas cujos direitos a refúgio não estavam
excluídas; c) as necessidades de regular-se a situação dos refugiados, antes da constituição
do acnur, ou seja, “acontecimentos antes de 1o de janeiro de 1951”. a tais condicionamentos
de ordem temporal, que passou a ser denominada de “reserva temporal”, havia ainda a
questão de definir-se qual a extensão geográfica dos acontecimentos que deram origem à
situação de refugiados, ou seja, se acontecimentos ocorridos unicamente na europa, ou
ocorridos na europa ou alhures (tal fenômeno será incluído na convenção, como uma opção
dada aos estados partes, e passaria a ser conhecido como “limitação ou reserva
geográfica”). tais dificuldades, ademais, eram acentuadas pelo posicionamento político dos
países do bloco socialista, naquele momento histórico, em que as questões dos direitos
humanos, particularmente dos refugiados, se apresentavam como um dos motivos para a
oposição leste-oeste, dada a inflexibilidade de não arredarem-se do conceito de que o tema
constituía domínio reservado dos estados. uma leitura direta do texto daquela convenção,
revela um documento recheado de concessões, de alternativas aos estados, e sobretudo,
com a nítida idéia de que se tratava de uma regulamentação internacional de um assunto
particular, ou seja, o problema dos refugiados na europa, que, tão logo resolvido, deixaria
exaurida a finalidade daquele ato internacional; em suma, uma convenção internacional
circunstancial, limitada no tempo e restrita ao espaço europeu, portanto, uma liqüidação de
assuntos do entre-guerras e da segunda guerra mundial, ocorridos na europa. foi assim que
o brasil, ao ratificar a convenção, pelo decreto 50.215 de 28/01/1961, fez uso da faculdade
de considerar como refugiado, as pessoas às quais se aplicassem as definições da mesma,
mas que tivessem sido atingidas por “acontecimentos ocorridos antes de 1o de janeiro de
1951 na europa ou alhures” (opções do art. 1o, seção b, § 1o inciso b).
no que diz respeito ao primeiro grande defeito da convenção sobre o estatuto dos
refugiados de 1951, qual seja, o da “reserva temporal”, os acontecimentos na europa e no
resto do mundo comprovaram que o problema dos refugiados ainda persistia, que não se
tratava de resolver-se um rescaldo de guerras naquele continente, e, sobretudo, que havia
necessidade de estender-se a definição de refugiado, para além daquela data limite de 1o de
janeiro de 1951. foi assim que os estados partes daquela convenção, em 31 de janeiro de
1967, na sede da onu, em nova york, assinariam o protocolo sobre o estatuto dos refugiados
71

(no brasil, promulgado pelo decreto 70.946 de 07/08/1972)118, cujo dispositivo principal foi
ter considerado a definição de refugiado, constante naquela convenção, sem a constância
das referências aos acontecimentos anteriores a 1o de janeiro de 1951. portanto, a definição
de refugiado, nas normas internacionais da atualidade, é a seguinte: “qualquer pessoa..
que... temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social
ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em
virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem
nacionalidade e se encontra fora do país no qual tenha sua residência habitual em
conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temos, não quer
voltar a ele”(art. 1o seção a § 2o da convenção, com a redação dada pelo protocolo de 67).
no brasil, com a edição da lei 9.474 de 22 de julho de 1997 119, “define mecanismos para a
implementação do estatuto dos refugiados de 1951, e determina outras providências”,
aquela definição da convenção de 1951, a qual revela uma nítida técnica de redação de atos
normativos segundo a “common law”, foi assim transcrito, no espírito da redação dos atos
normativos do sistema romano-germânico (dito: a “civil law”), e conforme as opções
possíveis que aquela convenção permite e que foram eleitas pelo legislador brasileiro
verbis:
art. 1o será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
i – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se
fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à
proteção de tal país;
ii – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve
sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em
função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
[iii – devido à grave e generalizada violação de direitos humanos,
é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em
outro país].
deve notar-se que o inciso iii, do artigo transcrito, entre colchetes e em itálico,
contém normas que inexistem na convenção de 1951 e seu protocolo de 1967, tendo sido
introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de compatiblizar seus dispositivos, no
tema da proteção dos refugiados, com os princípios da declaração de cartagena de 22 de

118 os textos da convenção de 1951 (versão original) e do protocolo de 1967, encontram-se in: nádia de
araújo e guilherme assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados- uma
perspectiva brasileira, id., ibid., respectivamente a p. 385-412 e p. 413-19.
119 veja-se de josé henrique fischel de andrade, “o brasil e a proteção dos refugiados: a discussão tem início”
in pensando o brasil, brasília, congresso nacional, no 16, set/nov., 1996, p. 7-12.
72

novembro de 1984, analisada mais além, neste capítulo.


no que respeita à limitação ou reserva geográfica da convenção sobre o estatuto dos
refugiados de 1951, ou seja, sua aplicação unicamente à situação dos refugiados no
continente europeu, (relembre-se, uma faculdade concedida aos estados signatários), a
princípio foi aceita pelo brasil e pelos estados latino-americanos. em data posterior, tais
condicionamentos foram retirados por muitos deles, tendo o brasil suspendido a
denominada “reserva geográfica”, a 19/12/1989. portanto, aquela definição de refugiado se
aplica a qualquer parte do mundo e sem qualquer condicionamento do tempo dos
acontecimentos que dão causa à condição de refugiado.
quanto à vigência no brasil da convenção relativa ao estatuto dos refugiados, é
necessário explicar os motivos de haver três decretos de promulgação, no país. um
primeiro, decreto no 50.215 de 28/01/1961, promulgou a mesma, com a indicação de que ao
brasil se aplicaria a opção do art. 1o, seção b, § 1o inciso a, e com exclusão dos seus artigos
15 e 17, tendo em vista haver o poder legislativo brasileiro (decreto legislativo no 11 de
07.07/1960), recusado aprovação dos mesmos; ambos consagram a obrigação de o pais
signatário conceder tratamento mais favorável que o concedido aos nacionais de um país
estrangeiro, relativamente a “direitos de associação”, no art. 15, inclusive sindicatos, e
relativamente a profissões assalariadas”, no art. 17, inclusive restrições impostas aos outros
estrangeiros, para a proteção do mercado nacional de trabalho. em 1972, o brasil aderiria ao
protocolo sobre o estatuto dos refugiados adotado em nova york, a 31 de janeiro de 1967,
que como já dito, seria promulgado no país, pelo decreto 70.946 de 07/08/1972; na ocasião
do depósito do seu instrumento de adesão, o brasil retiraria as suas reservas apostas aos
mencionados art. 15 e art. 17; faltava, assim, colocar no ordenamento jurídico nacional, tal
retirada daquelas exceções ao texto convencional, e portanto, restabelecer, no território
nacional, a vigência do texto integral da convenção sobre o estatuto dos refugiados. tal
desiderato teria sido a finalidade do decreto no 98.602 de 19/12/1989, o qual, no entanto,
repete, kafkianamente, os mesmo termos do decreto 50.215 de 28/01/1961, “ipsis litteris”,
mantendo as reservas aos mencionados art. 15 e art. 17. portanto, a situação era bizarra,
pois o brasil se comprometia, internacionalmente, face a um texto internacional, a retirar
suas reservas a outro texto internacional, mas, ao mesmo tempo, reafirmava, num decreto
inútil, que repetia outro, que mantinha aquelas reservas no seu ordenamento jurídico
73

interno. isto posto, finalmente, o decreto no 99.757 de 03 de dezembro de 1990, no primeiro


de seus consideranda, declarando que o brasil, ao efetuar o depósito em 9 de abril de 1972
da carta de adesão ao protocolo de 1967 sobre o estatuto dos refugiados, retirara as reservas
aos artigos 15 e 17, e no segundo, reconhecendo que o decreto n o 98.602 de 19/12/1989
não levara em consideração aquela retirada de reservas, enfim: “decreta que a convenção
relativa ao estatuto dos refugiados será executada e cumprida tão inteiramente como nela
se contém, e que, para os efeitos da mesma, com relação ao brasil, se aplicará o disposto
na seção b.1 (b) do artigo 1o”. portanto, na atualidade, a convenção sobre o estatuto dos
refugiados de 1951, se encontra em vigor no brasil, por força do decreto no 99.757 de
03/12/1990120, e diga-se, sem qualquer reserva, e com as opções que aquela convenção lhe
faculta, conforme o mencionado artigo 1o .
uma análise das normas internacionais sobre refugiados, contempladas na
convenção de 1951 e no seu protocolo de 1967, revela a face verdadeiramente intrusiva
destas normas (o fenômeno que temos denominado de globalização vertical), na medida em
que obrigam aos estados conferirem direitos especiais aos refugiados, nos respectivos
ordenamentos jurídicos nacionais, as quais, certamente, instituem um regime jurídico
nitidamente diferenciado daquele que, nos estados democráticos, são conferidos aos
estrangeiros com residência permanente, ou aos que postulam um visto de entrada. uma
excelente síntese com a descrição dos efeitos do tratamento dispensado pelas normas
internacionais aos refugiados, nos ordenamentos jurídicos nacionais, encontra-se num curso
da academia de direito internacional da haia, em 1953, ministrado pelo primeiro alto
comissário do acnur, dr. g. j. van heuven goedhar121. podem-se distinguir quatro
tratamentos instituídos naquelas normas internacionais, relembrando que tais fenômenos se
encontram introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro:
a) igualdade de tratamento com aquele conferido aos nacionais do estado que
concede o refúgio; assim: a liberdade de praticar sua religião e liberdade de instrução
religiosa dos seus filhos (art. 4o), o direito ao livre acesso aos tribunais (art. 16 § 1o ), o
direito à educação primária (art. 22), o direito à assistência médica e à assistência social, em
particular a refugiados considerados indigentes (art. 23), o direito ao trabalho e a condições
120 o texto da mesma pode ser consultado apud nádia de araújo e guilherme assis de almeida, coordenadores,
o direito internacional dos refugiados- uma perspectiva brasileira, id. ibid., p. 385-412.
121 “the problem of refugees”, in: recueil des cours, 1953, i, tomo 82, p. 261-369, já citado em rodapé
anterior, em particular, p. 206-7.
74

dignas de trabalho e direito à seguridade social (art. 24), os deveres de submeterem-se a


racionamentos, nas mesmas condições impostos à população em geral (art. 20) e igualdade
de imposição de deveres tributários exigidos dos nacionais do estado que concede o refúgio
(art. 29);
b) igualdade de tratamento no estado do refúgio, com aquele por este conferido aos
nacionais do refugiado; trata-se da aplicação, no caso dos refugiados, daquelas situações em
que existem favores recíprocos instituídos em tratados bilaterais, aplicáveis, no território de
cada estado, aos nacionais do outro, em geral, na dependência de reciprocidade. são várias
situações, mas no que se refere aos refugiados, a convenção expressamente cita: o
reconhecimento dos direitos de propriedade industrial e direitos de autor (art. 14) o direito à
assistência judiciária e favores de isenção de cauções judiciais (art. 16 § 2o);
c) tratamento mais favorável que aquele concedido a estrangeiros, nas mesmas
circunstâncias122, como: o direito de associação em entidades sem fins políticos nem
lucrativos e aos sindicatos profissionais (art. 15), e, nas atividades assalariadas (art. 17 §
1o);
d) tratamento tão favorável quanto possível, e, em todo caso, tratamento não menos
favorável do que é dado, nas mesmas circunstâncias, a estrangeiros em geral, como o
direito ao exercício de profissões assalariadas (art. 18) ou de uma profissão liberal aos
portadores de diplomas universitários (art. 19), aquisição de bens móveis ou imóveis (art.
13), direito à educação e o acesso a ela, além do ensino primário, reconhecimento de
certificados de estudos, de diplomas e títulos universitários estrangeiros, direito à isenção
de taxas e à concessão de bolsas de estudo (art. 22 § 2o).
acreditamos que as mais importantes regras da convenção sobre o estatuto do
refugiado de 1951 e no seu protocolo de 1967, são aquelas relativas aos direitos subjetivos
de admissão de um refugiado no país de refúgio, inclusive suas expectativas de direito a
tanto (as normas de proibição de “refoulement”, ou seja, o rechaço de um pretendente a
refúgio, nas fronteiras do estado), o arrolamento das causas de recusa do estado em
conceder aquela condição, as proibições de “refoulement”, de deportação, de expulsão e de
extradição e, enfim, as causas da cessação da condição de refugiado. É digno de nota que
122 a convenção, no art. 6o, define as implicações no uso da expressão “nas mesmas circunstâncias”, no art.
6o: as condições que teria um interessado qualquer de preencher, notadamente à duração e às condições de
permanência ou de residência, para poder exercer um direito em causa, se não fosse um refugiado, com
exceções daquelas que, em razão de sua natureza, não podem ser preenchidas pelo refugiado.
75

tais elementos, dentre outros que serão analisados mais além, neste capítulo, tornam o
refúgio um instituto visceralmente distinto do instituto do asilo político, conforme existente
na américa latina. no que respeita à entrada, nenhum estado poderá rechaçar um postulante
a refúgio e devolver a pessoa para os territórios de outros estados (“refoulement”), em
particular daqueles nos quais sua vida ou sua liberdade sejam ameaçadas, em virtude de
raça, religião, nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas
(art. 33 § 1o ); da mesma forma, e nas mesmas circunstâncias, não poderá deportá-la123 ou
restituir a pessoa, a não ser que seja considerado como um perigo para a segurança do pais
em que se encontre ou que tendo sido condenada, definitivamente, por crime ou delito
particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do estado em que se encontre e
no qual deseja solicitar refúgio (art. 33 § 2o). no caso de expulsão de refugiados, a qual
nunca poderá ser para o país de onde proveio, deverão os estados signatários conceder ao
refugiado um tempo para este obter admissão legal em outro país (art. 32 § 3o ). as entradas
irregulares de tripulantes de navios ou aeronaves ou de passageiros clandestinos, não
poderão ser impedimentos para um estrangeiro solicitar refúgio (art. 11)124. são condições
para a não aplicação dos dispositivos da convenção (na verdade, casos legítimos para a os
estados poderem denegar a condição de refugiado, aos pretendentes a refúgio): a) a
comissão de um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade,
no sentido dos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes (devendo
notar-se que na lei brasileira, ao transcrever tal dispositivo, ainda acrescentou: “crime
hediondo, participação em atos terroristas ou tráfico de drogas”125) ; b) a comissão de um
crime grave comum, fora do país de refúgio, antes de seus autores serem nele admitidas
como refugiados; c) às pessoas culpadas de atos contrários aos fins e princípios das nações
unidas (art. 1o, seção f). enfim, a cessação da condição de refugiado não mais depende de
um ato discricionário dos estados, mas sim de um ato administrativo vinculado às

123 a convenção, no art. 33, se encontra ementado como “proibição de expulsão ou de rechaço” e, portanto,
se refere a “expulsão”, que, a nosso entender, deveria ter sido “deportação”. na verdade, a expulsão é um ato
administrativo, que pressupõe estar o refugiado já em situação de permanência autorizada no território do
estado. ainda no nosso entender, a ato de não conceder permanência, a uma pessoa que já se encontra,
fisicamente, no território nacional, é um ato de “deportação”.
124 no ordenamento jurídico brasileiro, a lei 9.474 de 22/07/1997, segundo seu art. 8o a entrada irregular não
constitui impedimento para solicitação de refúgio, e segundo o art. 10, e a simples solicitação, suspenderá os
procedimentos administrativos ou criminais na jurisdição local, pela entrada irregular.
125 trata-se do art. 3o, inciso iii, da lei 9.474 de 22/07/1997, “define mecanismos para a implementação do
estatuto dos refugiados de 1951, e determina outras providências”
76

condições arroladas na convenção, no art. 1o seção c: a) se o refugiado voltou a valer-se da


proteção diplomática do país de que é nacional; b) havendo perdido a nacionalidade, o
refugiado a recuperou voluntariamente; c) se o refugiado adquirir nova nacionalidade e
goza da proteção diplomática do país cuja nacionalidade adquiriu; d) se o refugiado, de
maneira voluntária, novamente se estabeleceu no país que abandonou ou fora do qual
permaneceu por medo de ser perseguido; e) se, por terem deixado de existir as
circunstâncias em conseqüências das quais foi reconhecido como refugiado, este não
poderá mais continuar a recusar valer-se da proteção do país de que é nacional (art. 1 o seção
c, inciso 5), ou sendo apátrida, o refugiado estar em condições de voltar ao país no qual
tinha sua residência habitual (art. 1o, seção c, inciso 6o).
no que respeita à aplicação da convenção sobre o estatuto dos refugiados na europa,
África e américa latina, a situação é complexa e sua análise em detalhes, fugiria ao âmbito
deste capítulo, limitando-nos, apenas, a citar os fatos mais relevantes. na europa, sobretudo
da próspera comunidade européia, a situação dos refugiados, que pareceria encerrada, se
agrava, com a entrada de imigrantes provenientes de países do oriente médio, via alemanha
(aproveitando-se de sua legislação extremamente benevolente para com os estrangeiros
imigrantes), das antigas colônias inglesas e francesas (do magreb, da África e da Ásia), e a
imigração maciça de pessoas que fugiam do desmembramento da antiga iugoslávia, em
especial da situação das minorias albanesas neste antigo país e após a queda ao regime
socialista, e o esfacelamento político na albânia, após a derrocada de idêntico regime
socialista: o problema tem sido equacionado através de normas da comunidade européia, no
campo da regulamentação da mão de obra estrangeira e das normas de livre circulação de
pessoas, no espaço comunitário europeu. no que respeita à África, sob os auspícios da oua,
seria adotada, a 1969, a convenção da oua regendo os aspectos específicos dos problemas
dos refugiados na África126; à vista da situação endêmica de guerras contínuas nos países
daquele continente, problemas novos eram regulamentados, como o movimento

126 importante observar que, ademais de adotar expressamente as definições de refugiado estatuídas na
convenção sobre o estatuto dos refugiados de 1952 e no seu protocolo de 1967, esta convenção africana ainda
acrescentou: “o termo “refugiado” também será aplicado a qualquer pessoa que, devido a agressão externa,
ocupação, dominação estrangeira ou eventos que seriamente prejudiquem a ordem pública, ou em parte ou na
totalidade do seu país de origem ou nacionalidade, é compelida a deixar seu lugar de residência habitual, a
fim de buscar refúgio em outro lugar fora de seu país de origem ou nacionalidade”. texto livremente
traduzido, conforme reproduzido apud josé henrique fischel de andrade, “regional policy approaches and
harmonization: a latin american perspective”, in international journal of refugee law, oxford university
press, vol. 10, number 3, july 1998, 10th anniversary, p. 389-409, em particular, p.393.
77

transfronteirico maciço de inteiras populações, por entre os países africanos, não só por
questões raciais ou de movimentos revolucionários ou sediciosos internos, mas igualmente,
dada a situação de penúria econômica a que estavam submetidos no países de origem. na
américa latina, as agudas questões de refugiados na américa central, em particular as
situações tormentosas vividas pelo méxico e panamá, com o êxodo incontrolável de
refugiados, devido às guerras naquela sub-região, e como resultado de vários acordos
internacionais de pacificação, dos quais se destaca o empreendido pelo denominado “grupo
de contadora”127 e várias outras reuniões regionais, dariam causa à adoção da declaração de
cartagena, a 22 de novembro de 1984; por seus termos gerais, e não meramente episódicos
para regular a situação na américa central, a declaração de cartagena128, (a mesma acabaria
por influir diretamente no ordenamento jurídico do brasil relativamente aos refugiados),
provou ser um importante ato normativo internacional, que dava ao refugiado, no que
respeita à américa latina, um tratamento jurídico adequado, em perfeita coordenação com as
competências e recursos do acnur.
no brasil, mesmo após ter havido uma internalização das normas do estatuto dos
refugiados, conforme estabelecidas pela convenção de 1951 e seu protocolo de 1967, foi,
como se disse, editada a referida lei 9.474 de 22 de julho de 1997129, “define mecanismos
para a implementação do estatuto do refugiado de 1951, e determina outras providências”,
inclusive com as normas e a filosofia da declaração de cartagena. esta lei concede ao
refugiado os direitos e deveres específicos, diferenciados daqueles que no ordenamento
jurídico nacional são conferidos e exigidos dos estrangeiros, tendo em vista a remissão
expressa à convenção sobre o estatuto dos refugiados de 1951 e ao seu protocolo de 1967 (o
que implica na introdução no sistema jurídico interno do brasil, daqueles tratamentos
diferenciados instituídos pelas normas internacionais, em relação aos direitos e deveres
conferidos e exigidos dos estrangeiros em geral) e reproduz as normas relacionadas à

127 quanto à questão da pacificação da américa central, veja-se nosso trabalho "soluções pacíficas de litígios
na américa latina: retrospectiva 1988", in: revista da faculdade de direito da usp, são paulo, v. 83,
(jan./dez. 1988)., p. 176-218 e, sobretudo, um precioso estudo mais moderno, do prof. dr. fredys
orlando sorto, américa central: relações internas e externas, crise política e solução pacífica, dissertação
de mestrado apresentada à faculdade de direito da usp, em direito internacional, em 1990.
128 o texto da declaração de cartagena encontra-se transcrito, em português, in: nádia de araújo e guilherme
assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados..., id., ibid., p. 421-30.
129 veja-se de josé henrique fischel de andrade, “o refugiado à luz do direito internacional e do direito
brasileiro” in o advogado: desafios e perspectivas no contexto das relações internacionais, brasília,
conselho federal, 1997, p.149-64.
78

entrada, pedido de refúgio, proibições ao rechaço, à deportação., e à expulsão. como


novidade, a lei brasileira regula um assunto que não consta na convenção sobre o estatuto
dos asilados e no protocolo de 1967: a questão da extradição dos refugiados, em 3 artigos,
do seu título v, “dos efeitos do estatuto de refugiados sobre a extradição e a expulsão”: no
art. 33 manda sustar qualquer pedido de extradição formulado em relação a um refugiado, e
que tenha por base os fatos que fundamentaram a concessão de refúgio; no art. 34,
determina que a solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo
de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que
fundamentaram a concessão de refúgio; no art. 35, determina que para os efeitos dos artigos
33 e 34, qualquer solicitação de reconhecimento como refugiado deverá ser comunicada ao
órgão onde tramitar o processo de extradição.
ademais de haver transformado as normas internacionais em dispositivos do
ordenamento jurídico interno do brasil, segundo as suas necessidades e potencialidades, foi
instituído, no âmbito do ministério da justiça, como órgão de deliberação coletiva, o
conselho nacional para os refugiados, conare, integrado por representantes dos ministérios
da justiça, das relações exteriores, do trabalho, da saúde, da educação e desportos, do
departamento da política federal, de uma ong que se dedique a atividades de assistência e
proteção dos refugiados no brasil (a presente, a caritas, entidade brasileira, representada
pela caritas arquidiocesana do rio de janeiro e a de são paulo) e, enfim , como convidado, o
acnur, com direito a voz mas sem voto. mister referir-se, igualmente, à ativa participação da
oab, por suas seções de são paulo e do rio de janeiro, que, através de um “convênio sobre
assistência jurídica e entrevistas a refugiados e solicitantes de refúgio”130, celebrado com o
acnur (treinamento, assistência em questões técnicas e informações sobre a situação em
outros países) e a caritas (recursos financeiros e assistência moral e religiosa às pessoas),
participa, através de entrevistas com postulantes a refugiados, as questões da
admissibilidade de conceder-se o estatuto aos mesmos, com a emissão de um parecer, a ser
aprovado pelo conare..
enfim, é mister retomar o parágrafo final de seção 2 do presente capítulo, para
melhor distinguir-se, de um lado, o instituto do asilo político, conforme regulado nos usos e
130 confira-se, de fernando fernandes da silva, numa análise dos pontos principais da lei 9.474 de 22/07/1997,
apud: “a proteção do refugiados no ordenamento jurídico brasileiro: o fundamento constitucional e as
medidas legislativas e administrativas aplicáveis” in: revista trimestral de direito público, malheiros, são
paulo, 2002 (no prelo).
79

costumes regionais da américa latina e nas convenções multilaterais vigentes nos países
latino-americanos, e de outro, o instituto do refúgio, conforme regulado na convenção sobre
o estatuto dos refugiados de 1951 e no seu protocolo de 1967 e de cuja aplicação se
encontra encarregado um órgão da onu, o acnur131. preliminarmente, é necessário dizer que
as convenções multilaterais sobre asilo político, têm uma vigência parcial, mesmo entre os
estados latino-americanos, ao passo que a convenção de 1951 e o protocolo de 1976
relativos ao estatuto dos refugiados, além de serem convenções mundiais, têm maior
aceitação entre os estados latino-americanos, tendo em vista que somente cuba e méxico
não nos assinaram . dito isto, os principais traços característicos do instituto do refúgio
internacional são: a) os estados partes naqueles instrumentos internacionais, não têm a
discricionariedade de conceder ou não o refúgio: dadas as condições objetivas para sua
concessão, terão o dever de proceder afirmativamente: b) o controle da aplicação das
normas convencionais sobre refúgio depende de órgãos internacionais, ficando, portanto a
responsabilidade dos estados por inadimplência de seus deveres, no regime de violação de
normas específicas, sob controle de órgãos internacionais multilaterais; c) os motivos para a
concessão de refúgio não são as simples perseguições por motivos políticos, mas ainda
outras, por motivos de raça, grupo social, religião, e sobretudo situação econômica de
grande penúria; d) há deveres precisos de os estados partes, concederem aos refugiados
documentos de identidade e de viagem, e, no caso brasileiro, proibições expressas de
deportação aos postulantes, e de casos particulares de proibições de expulsão e de
extradição aos refugiados, e d) por tratar-se de um instituto regulamentado sob a égide da
onu, as normas que regem o refúgio têm salvaguardas de denegação de refúgio a pessoas
que tenham cometido um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a
humanidade, no sentido dos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes,
bem como proibições de conceder refúgio a pessoas culpadas de atos contrários aos fins e
princípios das nações unidas. as discussões sobre tratar-se de crime de direito comum ou de
um crime político, que são centrais nas convenções sobre asilo, uma vez que determinantes
da concessão de asilo político a pessoas perseguidas em seus países de origem ou residência
permanente, são irrelevantes na questão do estatuto dos refugiados, onde às motivações
políticas para a perseguição, e mais ainda, para a insustentabilidade de uma pessoa

131 um exemplar estudo comparativo entre ambos os institutos, encontra-se apud josé henrique fischel de
andrade, “regional policy approaches and harmonization: a latin american perspective”, id., ibid., p. 393.
80

permanecer em seu país de origem ou residência permanente, se somam questões


relacionadas a motivos religiosos, de pertencimento a determinados grupos sociais e, nos
dias correntes, de estar obrigado a viver numa situação de penúria econômica.
tal exercício de comparação entre os institutos do asilo político e do refugiado, sem
dúvida serve de apoio às considerações científicas sobre as diferenças fundamentais entre
ambos. mas, igualmente serve para afastar os argumentos daqueles autores brasileiros que
sustentam que a proteção dos asilados, no ordenamento jurídico nacional, tem sua base
constitucional no inciso x do art. 4o da constituição federal de 1988, recorde-se: “a
república federativa ao brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pelos seguintes
princípios:...x- concessão de asilo político”. a nosso ver, este dispositivo serve, como se
pode deduzir de seu enunciado, unicamente ao asilo político, o que não significa que o
instituto do refúgio não tenha uma base constitucional! tem, sim: no mesmo art. 4 o, porém
no inciso “ii- prevalência dos direitos humanos” e no inciso “ix- cooperação entre os povos
para o progresso da humanidade”!
como dissemos, no início deste capítulo, o assunto da convergência dos direitos
humanos “stricto sensu”, do direito dos asilados, na américa latina, do direito dos
refugiados e do direito internacional humanitário, será aprofundado no cap. 21 desta obra.
contudo, na conclusão do presente capítulo, é mister deixar registrado um fato político de
extrema importância, que diz respeito ao brasil, e que revela, na prática, a citada
convergência; caso não tivesse havido a interveniência do acnur, numa situação particular
no chile, o próprio instituto do asilo político na américa latina, teria permanecido letra
morta, no referente à proteção da pessoa humana. após o movimento militar no brasil, em
1964, e suas seqüelas, como o famigerado o ai-5 de 1968, várias pessoas, inclusive
personalidades da vida política, intelectual e de legítima representação de interesses de
brasileiros (sindicatos e movimentos estudantis), buscaram asilo diplomático ou territorial
no chile; lá se encontravam, quando houve, em 1973, o golpe militar do general pinochet,
mais feroz e menos respeitoso dos valores da pessoa humana que aquele do brasil. foi por
intervenção decisiva do acnur, que os brasileiros asilados no chile não foram devolvidos ao
brasil, juntamente com cerca de outros 5.000 refugiados de outros nacionalidades que se
encontravam naquele país, e mais um em número de chilenos perseguidos, foram
repatriados para outros 10 países, nos quais era plena a democracia e, portanto, vigente um
81

sistema jurídico de respeito aos direitos humanos132.

132 veja-se in; prof. jaime ruiz de santiago, “o direito dos refugiados em sua relação com os direitos
humanos e em sua evolução histórica”. in: antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz
de santiago, as três vertentes da proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito
humanitário, direito dos refugiados, id., ibid., p. 276.

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