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o presente capítulo é o mais longo deste curso e não termina neste volume. além de
sua temática, a nosso ver, ser uma das mais relevantes na história e na atualidade do
direito internacional, constitui ela a base da democracia, para cuja realização, nos
tempos correntes, se faz imprescindível o respeito continuado e a defesa intransigente
dos direitos humanos, nos ordenamentos internos dos estados e nas relações
internacionais. por outro lado, a natureza globalizante do campo normativo da proteção da
pessoa humana, em nível internacional, justifica sua relevância nos estudos do direito
internacional da atualidade, onde até mesmos os temas tradicionais passaram a ser
“contaminados” pelo novo enfoque centrado nos valores revelados pela novidade da
descoberta da pessoa humana nas relações internacionais! por tais razões, a nosso ver, após
serem estudados os temas mais relevantes em outros campos do direito internacional, e
após uma visão de como eles se encontram regulados nas relações internacionais e nos
ordenamentos jurídicos nacionais, é que será possível um equacionamento das discussões
sobre a compatibilidade, ou eventual oposição dos mesmos com o direito internacional da
pessoa humana.
originalmente distintos em sua emergência histórica, as normas internacionais de
proteção aos direitos humanos e aos direitos dos refugiados e aquelas conhecidas como
direito humanitário, bem assim as normas escritas que regem o instituto do asilo, tiveram
finalidades diversas. os direitos humanos foram concebidos tendo em vista uma situação de
paz, quer dizer, de normalidade interna, onde o estado poderia estabelecer e realizar seus
fins, sem uma excepcional influência de fenômenos externos ou a interveniência de outros
estados, portanto, tendo por campo de atuação, o próprio ordenamento jurídico nacional,
naqueles casos em que os indivíduos se colocavam face ao estado sob cujo ordenamento se
encontravam submetidos, seja por força de sua nacionalidade, seja pelo fato de nele estarem
fisicamente localizados (domicílio ou residência). já os outros três, nasceram para regular
situações em princípio anormais, como as situações de grave comoção interna nos estados
ou de guerras, situações essas em que os ordenamentos jurídicos nacionais se encontram em
2
perigo de desagregação (por vezes com as normas constitucionais suspensas), e nas quais
houve necessidade de regulamentar os direitos de pessoas que buscam refúgio ou asilo em
outros estados, ou ainda daquelas pessoas deslocadas por efeito das operações militares, e,
enfim, para conseguir-se um tratamento menos cruel às populações civis e aos próprios
combatentes. contudo, nos dias correntes, em que os marcos de delimitação entre situações
de guerra e de paz são cada vez mais fluidos, em que as atrocidades contra seres humanos
podem ser perpetradas pelos estados, a qualquer instante, tanto na paz, quanto na guerra,
tanto em tempos de normalidade constitucional, quanto em situações de revoluções e
sublevações internas, e, enfim, dada a consciência generalizada no mundo de hoje, de que
os valores da pessoa humana são transcendentais e que devem ser eles protegidos da
maneira mais eficaz possível, verifica-se a busca de uma junção dos direitos humanos,
direitos dos refugiados e dos asilados e do direito humanitário, numa única realidade
normativa. se existe uma consciência da unicidade dos valores protegido, existe,
igualmente, a finalidade de poder conferir-se a estes três últimos, a relativa efetividade que
os direitos humanos tendem a possuir, no direito internacional dos dias correntes, dada sua
administração eficiente por organismos especiais da onu.
a partir de tais fatos, podemos dizer que a expressão “direitos humanos” pode assim,
ter duas acepções. em primeiro lugar, direitos humanos, “stricto sensu”, são aqueles direitos
garantidos em tempos de paz e que dão a configuração democrática aos estados que os
consagram, nos respectivos ordenamentos jurídicos nacionais; são alguns de seus
sinônimos: direitos do homem, direitos fundamentais, liberdades públicas, direitos da
pessoa humana, os quais constituirão o tema da seção 1 do presente capítulo. numa segundo
concepção, direitos humanos “lato sensu”, constituem os direitos humanos conforme a
concepção anterior, e mais as normas de proteção aos asilados e aos refugiados, pessoas
cujas definições pressupõem uma norma internacional e cuja proteção nos ordenamentos
jurídicos nacionais, historicamente, não fazia parte das condições para definir-se a
configuração democrática de um estado e que, nos últimos tempos, passou a fazer. os temas
relacionados a tais fenômenos serão versados na seção 2, “o direito de asilo diplomático e
territorial”, assunto particularmente importante para a américa latina, e na seção 3, “o
direito internacional humanitário e o direito internacional dos refugiados”. acreditamos
que, ao assinalar a existência de tais vertentes da proteção internacional dos direitos da
3
pessoa humana, não estaremos insistindo numa divisão artificial do grande tema que são os
direitos humanos, com finalidades de negar a uma visão necessariamente integral da pessoa
humana. indicamos como texto fundamental nesta matéria, cuja metodologia seguiremos, a
tal ponto de ter motivado a denominação do presente capítulo: as três vertentes da
proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito humanitário,
direito dos refugiados, de autoria conjunta dos ilustres juristas antônio augusto cançado
trindade, do brasil, gérad peytrignet, da suíça e jaime ruiz de santiago, do méxico 1, três
vertentes essas, tendo em vista que aqueles autores não consideraram o estudo do instituto
do asilo, conforme regulado na américa latina.
a insistência de autores nacionais de grande nomeada e excepcional valor, em
afirmar que as normas de proteção aos direitos humanos são indivisíveis, a qualquer custo,
tem levado, a nosso ver, a exageros. na verdade, não acreditamos que tal divisão esteja
ultrapassada, porquanto os citados campos mereceriam “uma aproximação nos planos
conceitual, normativo, hermenêutico e operacional”2. há distinções conceituais básicas nos
institutos em cada campo, os sistemas normativos são distintos (com tratados e convenções
internacionais e órgãos de aplicação das normas, fundamentalmente diferentes para cada
campo), a hermenêutica tem suas regras particulares num e noutro caso, e, enfim, a
operacionalização dos mesmos é diferente, tanto nas relações internacionais quanto nos
ordenamentos internos dos estados. ademais, um estudo sistemático dos direitos humanos,
mesmo que sejam eles indivisíveis, e que devam eles basear-se numa “visão
necessariamente integral da pessoa humana”, não invalidaria melhor sistematização
didática que este capítulo se propõe seguir.
como conseqüência do que dissemos no início deste capítulo, o assunto nele
versado, deverá ser completado com a leitura do cap. 21 do presente curso, que se encontra
no ii volume, o qual, ao coroar a presente obra, mostrará , em primeiro lugar, a
convergência e conseqüente unicidade normativa que aqueles quatro campos, a seguir
analisados, possuem, e, em segundo, discutirá a magna questão da compatibilidade entre as
1 antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago, as três vertentes da
proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito humanitário, direito dos
refugiados, brasília, são josé da costa rica, co-edição, instituto interamericano de direitos humanos, comitê
internacional da cruz vermelha, alto comissariado das nações unidas para os refugiados, 1996.
2 flavia piovesan “o direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados”. in: nádia de araújo e
guilherme assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados- uma perspectiva
brasileira, rio de janeiro, são paulo, renovar, 2001, p. 29.
4
3 do prof. norberto bobbio, em particular, destaque-se o cap. “presente e futuro dos direitos do homem”, de
seu livro a era dos direitos, rio de janeiro, editora campus, 1992, p. 25-47.
4 da extensa e variegada obra do prof. celso lafer, sobretudo na área dos direitos humanos, permitimo-nos
citar apenas ensaios liberais, são paulo, siciliano, 1991, em particular, seu cap. 2, “os direitos do homem e a
convergência da Ética e da política”, p. 33-46.
6
nas tentativas de cada vez mais precisar o conteúdo e os mecanismos de efetivação das
normas de proteção aos direitos humanos. finalmente, o que se tem assistido, em particular
nas relações internacionais, são as tendências de constituição de tribunais internacionais,
com uma jurisdição cada vez mais abrangente, e, em casos mais avançados, acionáveis por
quaisquer indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, como é o caso da
convenção européia para a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais,
adotada em roma a 04 de novembro de 1950, após a assinatura do protocolo 11, de 1994, e
sobretudo as fundamentais alterações introduzidas pelo acordo europeu relativo a pessoas
que participam nos procedimentos da corte européia dos direitos humanos, firmado em
estrasburgo, em 05 de maio de 1997 (fenômenos que serão analisados, logo além, neste
capítulo).
o ponto de partida de tal caminhada, estudado com grande maestria pelo prof. fábio
konder comparato5, pode ser vislumbrado num posicionamento ético, revelado em antigos
escritos, como nos salmos do rei david6 e nas admoestações dos profetas hebreus constantes
do antigo testamento7, de que há direitos mínimos devidos aos estrangeiros, ou ainda, mais
claramente, nas falas teatrais de figuras emblemáticas na tragédia grega, como a
personagem antígone, na tragédia homônima de sófocles, cujas palavras já foram
transcritas na introdução da presente obra, repita-se, de que de que há “normas divinas, não
escritas, inevitáveis”, que aquela jovem reafirmou, ao afrontar o rei creonte, ou seja, da
existência de direitos superiores, inerentes à pessoa humana, e que independeriam da
vontade dos governantes, na época, então considerada a fonte primacial do direito. quanto
a uma elaboração sistematizada de tais ideais, verifica-se a emergência de uma consciência
isolada de alguns pensadores na antigüidade, tais os filósofos estóicos e alguns pensadores
romanos por estes influenciados, consciência essa que sofreria decisiva influência da
versão humanística que o cristianismo conferiu aos ideais judaicos (em particular, nas
5 fábio konder comparato, a afirmação histórica dos direitos humanos, são paulo, saraiva, 1999.
6 no salmo 146 (145 da vulgata), versículo 9, o qual segue o tema constante na história dos hebreus, de o
estrangeiro estar sempre assemelhado à situação das viuvas e órfãos (situação essa do mais completo
desamparo), assim se lê: “dominus custodit advenas pupillum et viduam suscipiet et viam peccatorum
disperdet”, na tradução da bíblia de jerusalém: “iaweh protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a
viúva...(mas) transtorna o caminho dos ímpios”.
7 vejam-se, em particular, as advertências que o profeta isaías fazia aos governantes de seu tempo, de que se
lembrassem, a fim de propiciar aos estrangeiros um tratamento mais humano, de que o povo de israel tinha
sido estrangeiro em terras da babilônia. a relevância do profeta isaías em temas fundamentais do direito
internacional, pode, ademais ser atestada pelas suas palavras que ilustram a epígrafe da presente obra.
7
epístolas de são paulo). a visão cristã teria uma reafirmação racional sobretudo na filosofia
escolástica8, em particular, na denominada “segunda escolástica”, onde se ressalta a
exponencial figura de francisco de vitoria, dominicano espanhol, professor de teologia de
salamanca, muitas vezes citado neste livro, em especial, na sua relectio de indiis, na sua
defesa dos direitos dos povos indígenas da américa, em face da política colonial da
espanha; a obra de vitória é, na história do pensamento ocidental, considerada como a
primeira obra jurídica que cuidou dos direitos humanos. a partir do posicionamento desta
filosofia, portanto, com os direitos humanos totalmente despregados da teologia, nos
tempos que se seguiram ao séc. xvi, a sua mais perfeita expressão laicizada seria elaborada
dentro de um racionalismo baseado no conceito da denominada “natureza das coisas”,
particular na filosofia do iluminismo do séc. xvii, com grande destaque para o pragmatismo
inglês de um thomas hobbes e de um john locke9, e mais precisamente, do séc. xviii,
notadamente nos escritos de voltaire, j-j. rousseau e montesquieu.
o passo seguinte foi a expressão dos valores da pessoa humana, enquanto normas
que devem necessariamente constar do rol daquelas que constituem os fundamentos dos
estados modernos. sua relevância nos ordenamentos jurídicos nacionais, seria afirmada pela
força de duas revoluções importantes: a revolução inglesa, constante e latente na história da
inglaterra10, que redundaria na separação dos poderes dentro de um estado, conforme
descrita pela pluma do já citado john locke11, e a revolução francesa de 1789, este, um
8 relembre-se que a escolástica foi a filosofia medieval que se afirmou a partir dos estudos de santo anselmo
(1033-1109) e abelardo (1079-1142), a partir da introdução no ocidente do pensamento de aristóteles, então
conservado pelos filósofos judeus e árabes, ou por estes interpretado (averóis, de sevilha, 1126-1198). teve
sua culminância com santo tomás de aquino (1227-1274) e duns scott (1266-1308). caracteriza-se ela por uma
forte vertente racionalista, em oposição à filosofia então dominante, denominada patrística (com destaque
para santo agostinho, 354-430), altamente influenciada pelo idealismo de platão e de plotino.
9 a extraordinária contribuição dos filósofos ingleses para a consciência dos direito humanos foi estudada com
maestria pelo eminente jusfilósofo francês, michel villey, le droit et les droits de l’homme, 3a edição, paris,
puf, 1998.
10 a denominada revolução inglesa se caracteriza por uma luta constante entre o rei e o parlamento, menos
com vistas a afirmar um direito do indivíduo oponível ao monarca e mais como uma oposição de os
representantes do povo limitarem os poderes daquele. são significativos os seguintes documentos históricos: a
magna carta de joão sem terra de 21 de junho de 1215, a petição de direitos de 7 de junho de 1628, a lei do
habeas corpus de 1679, o bill of rights de 13 de fevereiro de 1689, o ato do estabelecimento de 1701.
11 sua concepção de um poder dividido entre executivo, legislativo e federativo (este último, a continuidade
do estado, investido no monarca, o condutor das relações internacionais, independente da configuração do
poder executivo) foi de fundamental importância na formação do pensamento do iluminismo francês,
nomeadamente montesquieu, com sua teoria da divisão do poder entre executivo, legislativo e judiciário,
como uma técnica de limitação do poder. veja-se nossa obra: Órgãos dos estados nas relações
internacionais: formas da diplomacia e as imunidades, rio de janeiro, editora forense, 2001, em particular,
o seu cap. iii: “a diplomacia e a organização constitucional dos estados modernos: a diplomacia pública”, p.
23-40.
8
12 a primeira constituição escrita na história da humanidade, foi a constituição dos eua, adotada em 1789,
logo seguida pela constituição francesa de 1791. veja-se nota de rodapé imediatamente seguinte a este.
13 os primeiros textos sistematizados de direitos humanos, de natureza constitucional, adotados na história da
humanidade, foram votados em épocas distintas das primeiras constituições escritas. assim, a declaração de
direitos de virginia, de 1776, a declaração de independência de 4 de julho de 1776 (proclamação da autonomia
das treze colônias), o “bill of rights” que cada estado independente colocou no frontispício das respectivas
constituições escritas, e as dez primeiras emendas à constituição federal (posteriormente denominadas de bill
of rights) votadas em 1787, as quais foram adicionadas à constituição dos eua de 1789, como parte integrante
desta. a famosa declaração dos direitos do homem e do cidadão, adotada a 26 de agosto de 1789 pela
assembléia constituinte de frança, logo após a queda da bastilha, em 14 de julho daquele ano, seria,
posteriormente, colocada no frontispício da constituição de 1791. já na constituição francesa do ano iii
(constituição de 5 do fructidor do ano iii), votada pela convenção após a queda de robespierre, veio precedida
da “declaração do ano iii”, reformulação da declaração de 1789.
9
entre soldado e cidadão civil, o que dá causa a uma mobilização bélica da sociedade como um todo, com a
conseqüente abrangência dos tratados de paz, para incluírem a reorganização global das sociedades e das
relações internacionais, em tempos de paz, as quais passam a sofrer os embates da ideologia vencedora.
11
15 dentre as atribuições da assembléia geral, consta aquelas compendiadas no art. 13 § 1o, alínea b) da carta,
assim redigido: “a assembléia geral iniciará estudos e fará recomendações destinadas a ... b) promover
cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o
pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção
de raça, língua ou religião”.
16 em particular, das atribuições do ecosoc, destaquem-se aquelas contempladas no art. 62, § 2o “verbis”:
“poderá igualmente fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais para todos”.
12
17 o texto desta convenção se encontra apud vicente marotta rangel, direito e relações internacionais, 6a
edição revista e atualizada, são paulo, revista dos tribunais, 2000, a p. 653-7.
18 as deliberações da assembléia geral da onu podem adotar as seguintes formas: resoluções (numeradas em
algarismos arábicos, sempre seguidos com a indicação, entre parêntesis e em algarismos romanos, da sessão
da ag onde foram adotadas) e recomendações (dirigidas a estados e a outros órgãos da onu).
19 verbis: “o fato de privar abusivamente da sua liberdade seres humanos e os submeter, em condições
penosas, a um constrangimento físico, é manifestamente incompatível com os princípios da carta das nações
unidas e com os direitos fundamentais enunciados na declaração universal dos direitos do homem”, cf.
nguyen quoc dinh, patrick dailler e alain pellet, direito internacional público, lisboa, id., ibid., p. 601.
13
20 os textos da declaração universal dos direitos do homem e de ambos os pactos se encontram apud, vicente
marotta rangel, op. cit., id., ibid., respectivamente, p. 645-52, 668-80 e 681-704.
14
23 originariamente prevista para contar com 18 estados, hoje conta com 53, desde 1990. informações apud j. a
lindgren alves, os direitos humanos como tema global, são paulo, perspectiva e brasília, fundação alexandre
de gusmão, 1994, p. 73.
17
atuação tem sido cada vez mais importante, conforme será visto mais além, neste capítulo,
na medida em que tem aprimorado mecanismos de verificação do adimplemento das
normas internacionais, seja nas relações internacionais, seja no interior dos ordenamentos
jurídicos nacionais. de maneira geral, as atribuições da comissão de direitos humanos da
onu, numa leitura estrita de suas bases jurídicas, ou seja, do art. 55 al. (c) e art. 56 da carta
da onu24, como se sabe, inscritos no cap. ix daquela carta, ementado “cooperação
internacional econômica e social”, fariam dela uma entidade voltada a fomentar a
cooperação internacional e de forma alguma, com poderes jurisdicionais ou quasi-
jurisdicionais em relação aos estados. a fim de certa forma amenizar o oficialismo da
representação dos estados e seu caráter por demais político, já nos primórdios de seu
funcionamento, a comissão de direitos humanos, devidamente apoiada pelo ecosoc,
instituiria uma subcomissão de prevenção da discriminação e proteção de minorias 25,
composta, na atualidade, de 26 peritos independentes, indicados pelos governos (mas não
funcionários do mesmo) e escolhidos segundo uma distribuição geográfica equânime, com
funções de fazer estudos e recomendações à comissão, bem como cumprir com as tarefas
que esta comissão ou o ecosoc lhe determinar.
.ainda quanto à atuação dos estados, na diplomacia multilateral realizada por via dos
tratados e convenções, é mister referir-se à prática dos estados, logo após a subscrição do
pacto internacional dos direitos civis e políticos de 1966, de instituir, nos tratados
multilaterais sobre assuntos tópicos, órgãos colegiados autônomos, denominados
“comitês”, entidades independentes das representações diplomáticas dos estados,
compostas de pessoas de alta reputação, com a competência de controlar a aplicação das
normas convencionadas, portanto, com uma competência “ratione materiae” e “ratione
personae” determinadas pelas normas que os instituem, de cuja maioria o brasil é parte,
conforme noticia o embaixador gilberto vergne saboia26. os mais notáveis são o comitê
sobre direitos civis e políticos, instituído no pacto da onu sobre direitos civis e políticos de
1966, do qual o brasil participa, e o comitê de direitos humanos, instituído pelo protocolo
24 o art. 55 alínea (a) acha-se transcrito no texto do início deste capítulo. o art. 56 da carta da onu assim está
redigido: “para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os membros da organização se
comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente”.
25 esta subcomissão se reúne, ordinariamente, a cada mês de agosto, em genebra.
26 gilberto vergne saboia, “o brasil e o sistema internacional de proteção dos direitos humanos”. in: alberto
do amaral júnior e cláudia perrone-moisés, organizadores, o cinqüentenário da declaração universal dos
direitos do homem, são paulo, editora da usp, 1999, p. 219-38, em particular, p. 227.
18
adicional ao pacto sobre direitos civis e políticos, subscrito igualmente em 1966, mas do
qual o brasil se encontra ausente, por não haver subscrito aquele protocolo; importa
observar que este protocolo confere ao referido comitê, a atribuição de poder receber
queixas individuais, contra estados27. mais além, no presente capítulo, descreveremos,
sumariamente, a atuação de ambos os comitês, destacando-se que as reclamações
individuais contra estados podem igualmente ser recebidas pelos comitês previstos na
convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (art.
14 § 1o) e a convenção contra a tortura (art. 21 § 1o e art. 22 § 2o).
igualmente no campo de atuação da diplomacia multilateral, têm sido notáveis as
conferências internacionais convocadas pela onu, tendo como marco a declaração universal,
nas quais são reafirmados ou votados grandes princípios de natureza política e jurídica.
merecem destaque as duas conferências mundiais sobre direitos humanos, realizadas, uma
em teerã, a 1968, em plena guerra fria, com a participação de cerca de 50 países, e outra,
em viena, a 1993, com delegações de cerca de 179 países, em que se reafirmou “a
universalidade dos direitos humanos e da legitimidade da preocupação internacional com
o tema”28. nas palavras do presidente da conferência de viena, o delegado do brasil, o
eminente embaixador gilberto vergne saboia: “a declaração e o programa de ação de viena
são o pronunciamento mais atual e completo sobre os direitos humanos...refletem a
natureza da imensa tarefa de realizar os direitos humanos de maneira universal em
sociedades distintas em suas tradições culturais e características econômicas e sociais”29.
um dos resultados da conferência de viena, foi a instituição pela ag da onu, em dezembro de
1993 (resolução 48/141), de um alto comissário das nações unidas para os direitos do
homem, de hierarquia de secretário-geral adjunto, com a missão de coordenar os programas
das nações unidas no campo dos direitos humanos, de promover a cooperação
internacional, de dispensar serviços consultivos aos estados que os solicitem, de promover e
proteger a realização do direito ao desenvolvimento e de entrar em diálogo com todos os
27 os demais comitês existentes são: o comitê sobre direitos econômicos, sociais e culturais, instituído pelo
pacto da onu sobre direitos econômicos, sociais e culturais, o comitê para a eliminação da discriminação
racial, instituído pela convenção sobre a eliminação da discriminação racial, o comitê para a eliminação da
discriminação contra a mulher, instituído pela convenção sobre a eliminação da discriminação contra a
mulher, o comitê contra a tortura, instituído pela convenção contra a tortura, e o comitê dos direitos da
criança, instituído pela convenção dos direitos da criança.
28 gilberto vergne saboia, op. cit., p. 222.
29 gilberto vergne saboia, op. cit., id., ibid., p. 222.
19
governos, a fim de garantir o respeito efetivo dos direitos humanos, nos respectivos
ordenamentos internos.
ainda no que respeita à diplomacia multilateral, porém fora dos quadros da onu, é
necessário referência à ata final da conferência internacional de helsinki sobre a
cooperação na europa30, reunião multilateral iniciada em 1973, em helsinki, continuada em
genebra em 1973 e finalmente terminada em 1975, das quais participaram, além dos
estados europeus, inclusive do bloco soviético (destaque-se: urss e as duas alemanhas),
igualmente canadá e eua. segundo o prof. nicolas valticos, “tratou-se de um acordo entre
grupos de estados preocupados com a situação numa dada região (do mundo), mas que
tinham ideologias políticas muito diferentes e que chegaram a certos princípios comuns,
notadamente em matéria de direitos do homem e de liberdades fundamentais”31. quanto
ao reconhecimento formal de direitos humanos, em assuntos temáticos, foram adotados,
desde a proclamação da declaração universal e até nossos dias, inúmeros tratados e
convenções multilaterais de vocação universal, na sua maioria, negociados sob a égide das
nações unidas e outros tantos de vocação regional. sua lista, inclusive com os textos em
português, podem ser encontrados numa exemplar obra editada no brasil, em 1991, de
autoria do prof. cançado trindade, ilustre jurista brasileiro, atualmente juiz e presidente da
corte interamericana de direitos humanos32. aquele mestre agrupa os tratados e convenções
multilaterais, em dois grandes campos: instrumentos básicos de proteção no âmbito
global, e instrumentos básicos de proteção geral e particularizada, de âmbito regional.
o primeiro campo, portanto daqueles atos multilaterais vigentes no âmbito global,
(os quais serão indicados, quando vigentes no brasil, com a informação sobre os respectivos
decretos de promulgação e com dados por nós complementados, àqueles colacionados pelo
prof. cançado trindade) comporta a classificação, conforme os temas seguintes:
A) instrumentos de proteção geral: os dois pactos internacionais da onu, de 1966, o
sobre direitos econômicos, sociais e culturais (decreto 591 de 06/07/1992), o
30 excertos do texto da ata final de helsinki encontra-se apud antônio augusto cançado trindade, a proteção
internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id., ibid., p. 129-131.
o texto completo da ata, em inglês, “conference on security and co-operation in europe: final act [august 1,
1975], encontra-se in: 14 ilm 292 (1975).
31 nicolas valticos, “nations, etats, regions et cmmunauté universelle: niveaux et Étapes de la protection des
droits de l’homme”. in: humanité et droit international- mélanges rené-jean dupuy, paris, pedone, 1991,
p. 346.
32 antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos, são paulo, saraiva, 1991.
20
33 os textos de ambos os protocolos se encontram apud josé augusto lindgren alves, a arquitetura
internacional dos direitos humanos, são paulo, ftd, 1997, respectivamente, p. 69-72 e 72-4.
34 o decreto 91.524 de 09 de agosto de 1985 estabelece restrições ao relacionamento com a África do sul.
21
35 veja-se, além, no presente capítulo, uma explicação sobre as razões de tantos decretos relacionados à
convenção sobre o estatuto dos asilados, de genebra, a 28 de julho de 1951.
36 a convenção 87 de 1948 da oit, sobre liberdade sindical, conforme informações apud arnaldo sussekind,
convenções da oit, 2a edição, ampliada e atualizada até 15/08/1998, consta, a p. 467, da quarta parte;
“convenções da oit ainda não ratificadas pelo brasil”.
22
40 veja-se, além, neste capítulo, a seção sobre asilo diplomático e asilo territorial..
41 o pacto de san josé foi aprovada numa conferência diplomática “ad hoc” convocada pela oea e reunida em
san josé da costa rica, a 22/11/1969, à qual o brasil não participou. em 25/09/1992, o brasil daria sua adesão e
a promulgaria pelo mencionado decreto no 678 de 06/11/1992.
42 adotado em assunção a 08/06/1990, foi assinado pelo brasil a 07/07/1994 e encontra-se promulgado no
país, pelo decreto 2.754 de 27/08/1998.
43 seu texto se encontra publicado, igualmente, apud luiz flávio gomes e flávia piovesan, coordenadores, op.
cit., id., p. 459-66
44 sendo a referida obra do prof. cançado trindade de 1991, nela encontram-se arrolados: dispositivos
pertinentes do estatuto do conselho da europa (1949), convenção européia para a proteção dos direitos
humanos e liberdade fundamentais, roma, (1950), a carta social européia, turim, (1961), os seguintes
protocolos à convenção de roma, no 1 (1961), no 2 (1963), no 3 (1963), no 4 (1963), no 5 (1966), no 6
(1983), no 7 (1984) e no 8 (1985) e o protocolo à carta social européia (1987).
45 dispositivos pertinentes da carta da organização da unidade africana (1963), a convenção da oua regendo
aspectos específicos dos problemas dos refugiados na África (1969) e a carta africana dos direitos humanos e
dos povos, denominada: “carta de banjul” (1981).
46 seu texto, com comentários de m. a. al midani, “introduction à la charte arabe des droits de l’homme”
pode ser encontrado in: boletim da sociedade brasileira de direito internacional, rio de janeiro, (1996), p.
183-189
24
47 tal fato se daria com a adoção da resolução 1235 do ecosoc (1967), “questão da violação dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, incluindo políticas de discriminação racial e segregação e de apartheid
em todos os países, com referência particular aos países e territórios coloniais independentes”, cujo texto
traduzido em português se encontra apud josé augusto lindgren alves, a arquitetura internacional dos
direitos humanos, são paulo, ftd, 1997, p. 258-9
48 uma análise competente e detalhada da resolução 1503 de 1970 do ecosoc, “procedimento ..., encontra-se
feita pelo embaixador josé augusto lindgren alves, apud a arquitetura internacional dos direitos humanos,
id. ibid, p. 247-50, onde a p. 259-62, se encontra seu texto em português.
27
resoluções 1235 e 1503, dada sua informalidade e pelo fato de não dependerem de uma
aceitação expressa por parte dos estados que se encontram sob exame, no relativo à sua
inadimplência das obrigações internacionais.
foi, contudo, no nível da regulamentação regional da proteção dos direitos humanos,
que a evolução das normas internacionais atingiu seu maior refinamento, no que respeita à
declaração dos direitos dos indivíduos e deveres dos estados e, sobretudo, no
aperfeiçoamento das técnicas de verificação de sua adimplência pelos estados. ao mesmo
tempo em que na europa então dita “ocidental”, os estados buscavam reconstruir suas
economias, através de novas técnicas de cooperação econômica regional53, com a
instituição de órgãos de integração econômicas subregionais, como as comunidades
européias54 e a “european free trade area” (dotando as primeiras de um tribunal em
luxemburgo), ao mesmo tempo definiam, em termo precisos, os direitos humanos, em dois
grandes tratados multilaterais: a convenção européia para a proteção dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais, assinada em roma, a 04/11/1950 e a carta social européia,
adotada em turim, a 18/10/1961, ambas por iniciativa do conselho da europa (organização
européia, que se compõe dos ministros da justiça dos países dela integrantes, cujo número
incluiu e ultrapassa o número de estados membros daquelas organizações regionais de
integração econômica regional). ressalte-se que tal conjunto normativo seria dotado, já no
seu nascedouro, de poderosos instrumentos de verificação da adimplência de suas normas,
através da instituição de uma comissão européia de direitos humanos (organismo composto
de representantes dos estados partes, porém escolhidos por suas qualidades
sua relação com os direitos humanos e em sua evolução histórica”. in: antônio augusto cançado trindade,
gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago, as três vertentes da proteção internacional dos direitos
humanos- direitos humanos, direito humanitário, direito dos refugiados, id., ibid., p. 242-4.
53 julgamos da mais alta relevância o fato de que os direitos humanos foram definidos no mesmo momento
histórico em que a europa ocidental definia sua reconstrução econômica. um dos principais aspectos, foi a
emergência quase que simultânea de dois tribunais internacionais regionais: a corte de estrasburgo (direitos
humanos) e a corte de luxemburgo (integração econômica regional). para um estudo de tais fenômenos, veja-
se nosso trabalho “a união européia, o mercosul e a proteção dos direitos humanos”, texto elaborado a partir
da apresentação oral, no tema correspondente à sua denominação, efetuada por ocasião do seminário “direitos
humanos e mercosul”, organizado pela procuradoria geral do estado de são paulo e pela faculdade de direito
da puc-sp, de 07 a 09 de agosto de 2000, no “campus” desta pontifícia universidade, em são paulo, sp. no
prelo de publicação, provavelmente com a denominação do referido seminário, sob responsabilidade da
mencionada procuradoria geral do estado de sp.
54 foram três as comunidades instituídas, através de dois grandes tratados multilaterais: a convenção de paris
de 18 de abril de 1951, que instituiu a comunidade européia do carvão e do aço, ceca, e o tratado de roma de
25 de março de 1957, que instituiu a comunidade econômica européia, cee, e a comunidade européia da
energia atômica, ceea ou euratom.
29
bolívia, em outubro de 1979. seu texto, em português, encontra-se apud flávia piovesan e luiz flávio gomes,
op. cit., p. 420-7.
57 o estatuto da corte interamericana de direitos humanos foi aprovado pela resolução ag/res. 448 (ix-0/79),
adotada pela assembléia geral da oea, no mesmo nono período ordinário da assembléia geral da oea,
mencionada na nota de rodapé anterior. seu texto, em vernáculo, se encontra no mesmo livro citado no
referido rodapé, luiz flávio gomes e flávia piovesan, coordenadores, op. cit, id., a p. 428-52.
58 o texto do decreto legislativo no 89 de 03/12/1998, juntamente com a mensagem do presidente da república
e da exposição de motivos do ministério das relações exteriores, encontra-se publicado no diário oficial da
união, de 04/12/1998, p. 2, e se acha igualmente reproduzido apud luiz flávio gomes e flávia piovesan,
coordenadores, op. cit., id., p . 437-441.
31
ou queixas de violações do pacto de san josé, cometidas por um estado-parte (art. 44). são
condições de recebimento das comunicações e petições: a) que hajam sido interpostos e
esgotados os recursos da jurisdição interna de acordo com os princípios de direito
internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis
meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido
notificado da decisão definitiva (evidentemente, em relação aos ordenamentos jurídicos
nacionais dos estados partes); c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja
pendente de outro processo de solução internacional e d) que, nos casos da petição de
particulares, haja as identificações dos mesmos (art. 46 § 1o ). os requisitos enumerados em
(a) e (b) poderão se dispensados nas hipóteses de: “a) não existir na legislação interna do
estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção de direito ou direitos que
se alegue tenham sido violados; b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em
seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de
esgotá-los e c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos”
(art. 46 § 2o). admitidas a comunicação ou a petição, após solicitar informações ao estado
ao qual pertença a autoridade apontada como responsável pela violação alegada, e tendo
decidido que há procedência ou admissibilidade das mesmas, poderá a comissão proceder a
uma investigação “in loco”59 e pedir informações ao estado (as quais poderão ser fornecidas
por escrito ou exposições orais que apresentem os interessados); finalmente, a comissão
poderá colocar-se à disposição das partes interessas, a fim de chegar-se a uma solução
amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na convenção
de san josé (art. 48). nos casos graves e urgentes, a investigação é realizada imediatamente
(art. 49). alcançada uma solução amistosa, a comissão redigirá um relatório, a ser
encaminhado ao interessado e aos estados partes, e posteriormente, à oea, para publicação
(art. 49). se não se chegar a uma solução amistosa, será redigido um relatório pela
59 o art. 48 alínea d assim está redigido: se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de
comprovar os fatos, a comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto na
petição ou comunicação. se for necessário e conveniente, a comissão procederá a uma investigação para
cuja eficaz realização solicitará, e os estados interessados lhe proporcionarão, todas as finalidades
necessárias”. o brasil apresentou a seguinte reserva, que consideramos interpretativa e portanto permitida pelo
art. 75 da convenção (reservas segundo as disposições da convenção de viena sobre direito dos tratados, de
1969, que no seu art. 19 determina ser a reserva permitida e ser compatível com o objeto e a finalidade do
tratado): o governo brasileiro entende que o art. 43 e 48 alínea d, não incluem o direito automático de visitas
e inspeções “in loco” da comissão interamericana de direitos humanos, as quais dependerão de anuência
expressa do estado” (decreto 678 de 06/11/1992, , que promulga a convenção).
32
comissão, com a exposição dos fatos e suas conclusões, com eventuais proposições e
recomendações, o qual será encaminhado aos estados interessados, aos quais não será
facultado publicá-lo (art. 50 e §§). em três meses, se não tiver havido uma solução do caso
pelo estado ou se não houver o caso sido remetido à corte interamericana de direitos
humanos, a comissão poderá emitir sua opinião e conclusões, com recomendações
pertinentes e a fixação de um prazo para o estado tomar as medidas que lhe competem para
remediar a situação examinada; após os mencionados três meses, a comissão decidirá, pelo
voto da maioria absoluta, se o estado tomou ou não as medidas adequadas e se publica ou
não seu relatório (art. 51 e §§).
no que concerne à corte interamericana de direitos humanos, como se disse, é ela
composta de “sete juizes nacionais dos estados membros da oea, eleitos a título pessoas
dentre os juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria
de direitos humanos e que reunam as condições requeridas para o exercício das mais
elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do estado do qual sejam nacionais, ou do
estado que os propuser como candidatos” (art. 52 § 1o). eleitos por um período de seis
anos, reelegíveis uma única vez, gozam, assim como os membros da comissão
interamericana dos direitos humanos, de privilégios e imunidades reconhecidos aos agentes
diplomáticos pelo direito internacional, e, no exercício de seus cargos, igualmente dos
privilégios diplomáticos necessários para o desempenho de suas funções (art. 70)60. a
competência da corte é dupla: a) em matéria consultiva, a pedido dos estados membros da
oea em matéria de interpretação do pacto de san josé ou de outros tratados concernentes à
proteção dos direitos humanos nos estados americanos, e ainda sobre a compatibilidade
entre qualquer das leis internas e os mencionados instrumentos internacionais, ou a pedido
da reunião de consultas dos ministros das relações exteriores deste estados e da comissão
consultiva de defesa da oea, previstas no cap. x da carta da oea (art. 64), e b) em matéria
contenciosa, por provocação de um estado-parte ou da comissão interamericana de direitos
humanos, neste caso, esgotados os procedimentos descritos no parágrafo anterior (art. 61 e
§§), em qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições do pacto de san
60 os privilégios diplomáticos necessários para o desempenho de suas funções referem-se a fenômenos que
ultrapassam as pessoas envolvidas (e que dizem respeito às imunidades diplomáticas, portanto, as mais
amplas, e a inviolabilidade das pessoas e de seus familiares e de seus bens particulares), como a questão da
inviolabilidade de locais de trabalho, de arquivos, de escritos e de comunicações com o exterior. veja-se o cap.
12 deste curso.
33
josé, que lhe seja submetido (art. 62 § 3o), inclusive com poderes de decretação de medidas
provisórias em casos de extrema gravidade e urgência (art. 63 § 1o). no exercício de sua
competência contenciosa, no julgamento dos casos, no número dos juizes, deverá constar
sempre um juiz da nacionalidade do estado-parte ou dos estados-partes, no caso submetido
à corte, e se estes não figurarem no rol dos juizes em função, serão nomeados juizes “ad
hoc” com as qualificações adequadas (art. 55 e § 1o, § 20 e § 3o)61. tanto no julgamento de
medidas provisórias, quanto no julgamento “de meritis”, a corte poderá decidir que houve
violação de um direito ou liberdade protegidos pelo pacto de san josé, e determinar que se
assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados; determinará,
igualmente, se tal for procedente, que sejam reparadas as conseqüências da medida ou
situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de
indenização compensatória e justa à parte lesada, compensação essa que poderá ser
executada no país respectivo, pelo processo interno vigente para a execução de sentença
contra o estado (art. 63 § 2o e art. 68 § 2o). a sentença da corte é definitiva e inapelável,
deverá ser motivada (com votos dissidentes ou individuais apresentados em separado),
admitidos embargos declaratórios, e será notificada às partes no caso e transmitida aos
estados-partes do pacto de san josé (art. 67 e art. 69). finalmente, consta do pacto de san
josé, a obrigação de que “os estados-partes na convenção comprometem-se a cumprir a
decisão da corte em todo caso em que forem partes” (art. 68 § 1o).
na África, em janeiro de 1982, seria aprovada pela conferência ministerial da
organização da unidade africana, reunida em banjul, no quênia, a carta africana dos direitos
humanos e dos povos, denominada “carta de banjul”; a qual seria formalmente subscrita
pelos chefes de estado e de governo dos estados membros daquela organização, na xviii
sessão de sua assembléia, reunida em nairobi, igualmente no quênia, a 28/06/1981. adota
ela a técnica da declaração formal dos direitos protegidos (note-se a introdução, no universo
dos direitos protegidos, de certos “direitos dos povos”, como a livre disposição de seus
recursos naturais, ao desenvolvimento, à paz e à segurança, bem como o direito a um meio
ambiente satisfatório), institui a comissão africana dos direitos humanos e dos povos,
composta de 11 membros, com personalidades africanas, eleitas a título pessoal
61 a presença necessária de um juiz da nacionalidade de um estado “sub judice”, seja o juiz em exercício, seja
um juiz “ad hoc” é norma de direito internacional, conforme se pode verificar pelo estatuto da corte
internacional de justiça, art. 31 e §§ (o qual é repetição da norma que regia a antiga corte permanente de
justiça internacional, que funcionou no entre-guerras).
34
humanos constituiriam domínio reservado dos estados, e que, nos termos do art. 2o § 7o da
carta da onu62, estariam, portanto, excluídos do poder regulatório da onu e dos tratados
multilaterais que sob sua égide fossem adotados. na medida em que países do antigo bloco
soviético se tornem membros do sistema regional europeu da união européia, (e de modo
muito especial, nas comunidades européias), e sendo condição essencial para tal filiação,
um efetivo comprometimento dos estados com a decisiva proteção dos direitos humanos,
nos moldes da convenção européia para a proteção dos direitos humanos e liberdades
fundamentais de roma, de 1950, e da carta social européia de turim, de 1961, por expresso
mandamento do tratado da união européia (maastricht, 1992), reafirmado pelo tratado de
amsterdam de 199763, que consagraram a denominada “cláusula democrática”64, é de
esperar-se que aquela lacuna no continente europeu seja sanada, mesmo porque, são
extremamente poderosas as sanções previstas para os estados, sejam os já participantes,
sejam os postulantes, que não respeitem as normas européias de proteção aos direitos
humanos65.
os direitos humanos consagrados nos diversos diplomas normativos internacionais,
na maioria, constituem uma unidade conceitual, e o fato de eventualmente haver vários atos
62 relembre-se o disposto no art. 2o § 7o: “nenhum dispositivo da presente carta autorizará as nações unidas
a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer estado ou obrigará os
membros a submeterem tais assuntos a uma solução nos termos da presente carta...
63 para um estudo do condicionamento entre a participação da união européia e o referido comprometimento
com os direitos humanos, veja-se nosso trabalho já referido: “a união européia, o mercosul e a proteção dos
direitos humanos”, in: “direitos humanos e mercosul”, id. ibid.
64 a “cláusula democrática” consta expressamente no § 2o do art. f do tratado de maastricht de 1992 e assim
se acha escrita, no tratado de amsterdam de 1997, no seu art. seu art. 6 o § 2o: “a união respeita os direitos
fundamentais, tais quais se encontram garantidos pela convenção européia de proteção dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais, assinada em roma a 04 de novembro de 1950 e tais quais resultem das
tradições constitucionais comuns aos estados membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário”
( em nossa tradução livre do texto do tratado de amsterdam, conforme: “version consolidée du traité sur
l’union européenne”, apud le traité d’amsterdam, paris, dalloz, 1998, p. 304-392, citação retirada de p. 307.
65 tratar-se-ia da aplicação do art. 7o do tratado de amsterdam (ex. art. f.1 de maastricht), assim redigido: “§
1o – o conselho, reunido em nível de chefes de estado ou de governo e decidindo por unanimidade, por
proposta de um terço dos estados membros ou da comissão, e após parecer conforme do parlamento europeu,
pode constatar a existência de uma violação grave e persistente por um estado membro dos princípios
enunciados no artigo 6o parágrafo 1o, após haver convidado o governo deste estado membro a apresentar
suas observações sobre a matéria”. § 2o - “desde que uma tal constatação seja feita, o conselho, decidindo
por maioria qualificada, pode decidir suspender certos direitos decorrentes da aplicação do presente tratado,
em relação ao estado membro em questão, neles compreendidos o direito do representante do governo deste
estado membro no seio do conselho. ao assim decidir, o conselho levará em conta as eventuais conseqüências
de tal suspensão sobre os direitos e obrigações das pessoas físicas e morais. ”as obrigações que incumbem
ao estado membro em questão, decorrentes do presente tratado, quaisquer que sejam as circunstâncias,
permanecem exigíveis deste estado”. (em nossa tradução livre, conforme fonte mencionada no parágrafo
anterior).
36
normativos que lidam com os mesmos direitos, somente serve para reforçar sua importância
e a busca de mecanismos complementares para sua defesa. por outro lado, a concomitância
de direitos humanos reconhecidos em tratados e convenções internacionais, mundiais e
regionais, e ao mesmo tempo vigentes nos ordenamentos jurídicos internos dos estados,
constitui, de igual forma, uma garantia de sua eficácia, tendo em vista que os ordenamentos
jurídicos internos e internacionais devem ser considerados como complementares uns dos
outros.
parte importante da doutrina internacionalista, na qual se incluem os eminentes
jusfilósofos várias vezes referidos neste trabalho, os professores n. bobbio e celso lafer,
costuma classificar os direitos humanos, segundo “gerações” ou “fases”. conforme o prof.
bobbio: “num primeiro momento, afirmam-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles
direitos que tendem a limitar o poder do estado e reservar para o indivíduo, ou para os
grupos particulares, um esfera de liberdade em relação ao estado; num segundo momento,
foram propugnados os direitos políticos, os quais- concebendo a liberdade não apenas
negativamente, como não impedimento, mas positivamente, como autonomia- tiveram
como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos
membros da comunidade no poder político (liberdade no estado); finalmente, foram
proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências-
podemos mesmo dizer, de novos valores- como os do bem-estar e da igualdade não apenas
formal e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do estado”66.
tal concepção, confessadamente elaborada numa perspectiva histórica, encontra-se
refletida no pensamento do prof. celso lafer, segundo o qual, na primeira geração,
encontram-se os direitos elaborados na declaração francesa de 1789, “aos quais a herança
liberal foi incorporando, com base na liberdade de associação reconhecida na primeira
emenda da constituição americana, os direitos individuais exercidos coletivamente (dentre
eles, o direito à greve, o direito de criação de partidos políticos, etc.)”67. esta primeira
geração, “viu-se igualmente complementada historicamente pelo legado do socialismo,
vale dizer, pela reivindicação organizada dos desprivilegiados, afirmativa do direito de
participar, como observa miguel reale, do “bem-estar social”, entendido como os bens que
os homens, através de um processo que não é apenas individual mas também coletivo, vão
aqueles direitos efetivos, cf. art. 2o § 2o do pacto sobre direitos civis e políticos); assim,
dentre outros, os direitos à vida, ao reconhecimento da personalidade do indivíduo, à
liberdade e segurança pessoal, ao trabalho livre, à integridade física, à liberdade de
pensamento e de opinião, à livre circulação, à liberdade de reunião, de participação nas
atividades políticas e em partidos políticos e à igualdade perante tribunais e cortes de
justiça.
os direitos econômicos, sociais e culturais não seriam, tal qual definidos no pacto da
onu a eles referentes, imediatamente exigíveis dos estados, os quais, no entanto se
encontram sob o dever de “adotar medidas, tanto por esforço próprio, como pela
assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico,
até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por
todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente pacto,
incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas” (art.2o § 1o do pacto sobre
direitos econômicos, sociais e culturais). assim, dentre os direitos definidos, encontram-se:
o direito ao trabalho livremente escolhido ou aceito, inclusive o de formação técnica e
profissional, e com uma remuneração justa e favorável para garantir a subsistência própria
e da família, o direito de fundar e de participar em sindicatos e de estes federarem-se em
outras organizações internas nos estados, o direito de greve, o direito da pessoa à
previdência social, à constituição de uma família, o direito a um matrimônio consentido
pelos nubentes, o direito a um nível adequado de vida para a pessoa e sua família, o direito
contra a fome e que assegure uma produção, conservação repartição eqüitativa de gêneros
alimentícios, a um elevado nível de saúde física e mental, direito à educação, gratuidade da
educação primária, participação da vida cultural e de desfrutar do progresso científico e
suas aplicações e os direitos à liberdade da pesquisa científica e à atividade criadora.
há autores que chegam, inclusive, a negar aos direitos econômicos, sociais e
culturais a natureza de verdadeiros direitos, como maurice cranston70 tendo em vista que
lhes faltariam “alguns requisitos como a praticabilidade, a universalidade e a clareza
quando às obrigações decorrentes das prescrições, quanto ao seu conteúdo e quem seja o
70 para uma descrição competente e atualizada das discussões sobre a exigibilidade direta dos direitos
econômicos, sociais e culturais nos ordenamentos internos dos estados, veja-se carlos weis, direitos
humanos contemporâneos, são paulo, malheiros editores, 1999., onde a p. 46 se encontra a referência a
maurice cranston, o que são os direitos humanos, são paulo, difel, 1979, em particular, p. 65.
39
71 citação apud carlos weis, direitos humanos contemporâneos, id. ibid., p. 46-7.
72 josé afonso da silva, aplicabilidade das normas constitucionais, são paulo, malheiros editora ltda, 1988.
40
73 nas palavras do prof. josé afonso da silva: “todas as normas que, desde a entrada em vigor da
constituição, produzem todos os efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos
visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente,
incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto” (op. cit., p. 82).
74 segundo o prof. josé afonso da silva, “in verbis”: “normas que incidem imediatamente e produzem efeitos
(ou podem produzir, todos os efeitos queridos), mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua
eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias”. (id. ibid. p. 82).
75 ainda nas palavras do prof. josé afonso da silva: “são aquelas que não produzem, com a simples entrada
em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não
estabeleceu sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador
ordinário ou a outro órgão do estado” (id., ibid., p. 82).
41
direitos econômicos, sociais e culturais, que tem grande relevância nas magnas discussões
sobre sua exigibilidade por parte dos estados, refere-se, a nosso ver, fundamentalmente a
uma questão relacionada aos ordenamentos jurídicos nacionais, em particular, como no
brasil, ao campo superior das normas constitucionais; contudo, no direito internacional, o
problema reveste-se de outra dimensão, a seguir descrita.
da mesma forma, a classificação dos direitos humanos conforme “gerações”, tem
recebido críticas, em nossa opinião, em parte, bastante procedentes, como as formuladas
por autores internacionais e, sobretudo brasileiros, para apenas citar alguns, como os
luminares doutrinadores, antônio augusto cançado trindade76, o já citado carlos weis, dalmo
de abreu dallari77 e flávia piovesan78. os argumentos de tal crítica se resumiriam a que o
conceito de “geração” seria inadequado, porquanto alguns dos direitos da segunda e terceira
geração já constavam do rol dos direitos da primeira geração, os denominados direitos
liberais, e, sobretudo, que aqueles não se originaram, tal como os filhos, destes. por outro
lado, como já apontamos, nas observações de carlos weis, anteriormente transcritas, a
reunião dos direitos humanos em gerações, conforme concebida pelo programa brasileiro
de direitos humanos (que, por sinal, faz uma curiosa simbiose entre critérios históricos, das
gerações, e dos direitos civis e políticos, confrontados com os direitos econômicos, sociais
e culturais), poderia servir de pretexto a que os estados dessem eficácia, nos ordenamentos
jurídicos nacionais, a uma geração (em particular a primeira, tradicional do
constitucionalismo liberal do séc. xviii) e deixassem os de outras gerações, para quando o
estado tivesse uma situação econômica a tal ponto desenvolvida, que pudesse aplicar os
direitos das outras gerações!
na verdade, não se pode deixar de concordar com e efetiva existência no mundo
jurídico das normas e os princípios do direito internacional dos direitos humanos,
constantes dos dois pactos da onu, solenemente declarados em várias ocasiões, em especial
naquelas particulares, onde os estados deram, de modo direito, seu reconhecimento de que
os direitos humanos são “inerentes, universais, indivisíveis e interdependentes, e enfim,
76 antônio augusto cançado trindade, na maioria de seus escritos, e em particular no seu tratado de direito
internacional dos direitos humanos, id., ibid.
77 dalmo de abreu dallari, em muitos de seus escritos, em particular: elementos de teoria geral do estado,
16a edição, são paulo, saraiva, 1991, e em o que são direitos das pessoas, coleção primeiros passos –14, são
paulo, abril cultural/brasiliense, 1984.
78 flávia piovesan, direitos humanos e direito constitucional internacional, são paulo, max limonad, 1996.
42
79 para empregar os termos empregados por carlos weis, na caracterização dos mesmos, conforme cap. 5,
“características dos direitos humanos” do seu livro mencionado, direitos humanos contemporâneos, id.,
ibid., p 109 e seguintes.
43
que dá o verdadeiro sentido das obrigações nele incorporadas e exigíveis dos estados:
art. 2o- § 1o – cada estado-parte do presente pacto compromete-se a
adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e
cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico,
até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar,
progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos
direito reconhecidos no presente pacto, incluindo, em particular, a adoção de
medidas legislativas.
§ 2o – os estados-partes do presente pacto comprometem-se a
garantir que os direitos neles enunciados se exercerão sem discriminação
alguma por motivo de raça, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento
ou qualquer outra situação.
§ 3o – os países em desenvolvimento, levando devidamente em
consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão
determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos
no presente pacto àqueles que não sejam seus nacionais.
leigas não tinham jurisdição; no cristianismo, a prática tem seqüência, e os locais como as
igrejas, mosteiros, santuários e igualmente os cemitérios, passaram a ser considerados como
fora da jurisdição das autoridades leigas, porquanto dedicados ao serviço de deus, num
entendimento nem sempre expresso, de estarem regidos por normas sagradas.
esta noção de sacralidade de determinados locais, será a responsável a que, tão logo
conformado o estado moderno, de feição absolutista, no séc. xvi, por força dos costumes da
época, as missões diplomáticas permanentes, que carregavam as qualidades do soberano
que as enviava (ungido pelas leis divinas), adquirissem as características de estarem fora da
jurisdição das autoridades leigas, fortemente assentada na noção de territorialidade do
ordenamento jurídico nacional, onde se encontrassem situados. com a evolução da prática
das missões diplomáticas permanentes, e a definitiva erradicação da idéia da sacralidade
dos locais de sua situação, esta foi aos poucos sendo substituída, em benefício da
concepção de que as autoridades nacionais devem respeito às pessoas e aos locais da
missão diplomática, a fim de não causar empecilhos ao exercício da função diplomática
(relembre-se a regra de vattel, “ne impediatur legatio”), inclusive com os deveres de
respeitar sua inviolabilidade. o fato de uma pessoa buscar refúgio numa missão
diplomática, então considerado como uma ficção de prolongamento do território de um
estado estrangeiro (ainda há autores que se referem à extraterritorialidade dos locais da
missão diplomática), e portanto colocar-se a salvo dos poderes das autoridades do estado
acreditante, passou a ser considerado como um corolário dos deveres que este tem em
relação a um estado soberano que as envia (o estado acreditado), em particular, aqueles
relativos à proteção e à inviolabilidade dos locais da missão diplomática. configurava-se,
costumeiramente, o instituto do asilo diplomático, em tudo baseado no respeito à
inviolabilidade dos locais da missão diplomática e na manifestação inequívoca de vontade
do estado asilante em conceder o asilo a um indivíduo procurado pelas autoridades do
estado onde estavam sediadas as mesmas. em definitivo, o conceito de considerarem-se os
locais da missão diplomática, e posteriormente, navios, aeronaves e acampamentos
militares autorizados a estacionarem no território de um estado, como uma extensão do
território do estado acreditado ou do estado daqueles bens e locais militares, o que
permitiria, em tese, um pedido de extradição82 de um asilado que se encontrasse em tais
lugares, formulado pelas autoridades locais, ao chefe de missão, foi sepultado com as
sentenças da corte internacional de justiça, no caso haia de la torre, decidido em 1950 e
195183, a seguir relatado (asilo diplomático concedido pela embaixada da colômbia em
lima, a um líder político acusado de crimes políticos). na parte que interessa, a cij, ao
considerar as implicações da extradição, conforme reconhecida num tratado entre peru e
colômbia, no que respeita ao instituto do asilo diplomático, estatuiu que este ato
internacional (o acordo bolivariano sobre extradição), reconhecia o asilo, mas nem porisso,
seria possível a extradição, que não poderia, portanto, derrogar qualquer norma ou
procedimento relacionados ao asilo diplomático (tendo em vista, no caso então ‘sub
judice”, que o asilado se encontrava no território do estado eventualmente requerente da
extradição). eis os termos da sentença, “verbis”: “ao contrário, no caso do asilo
diplomático, o refugiado encontra-se no território do estado no qual cometeu o delito: a
decisão de asilo derroga a soberania do estado territorial e subtrai o delinqüente à justiça”
(sentença de 20/11/1950).
por outro lado, à medida em que o estado moderno é formado, insista-se, com sua
forte base territorial, o fato de um indivíduo nacional de um estado, para fugir das
autoridades que o perseguem, atravessar suas fronteiras de outro estado, de modo urgente, e
buscar refúgio no território deste, configurava-se outro tipo de asilo: o asilo territorial. os
pressupostos eram e continuam sendo de que os poderes persecutórios do outro estado,
estancassem nas fronteiras do estado asilante e de que este teria dado seu consentimento
para a entrada e estada daquele indivíduo estrangeiro, em seu território. paralelamente ao
instituto do asilo territorial e, da mesma forma baseado no conceito de que os poderes de
um estado se estancam nas fronteiras de outro, desenvolveu-se, historicamente, o instituto
da extradição84, instituto relacionado à cooperação internacional em matéria criminal e de
processo penal, segundo o qual, um estado entrega um indivíduo, acusado ou reconhecido
culpado de um delito ou crime85, mas inocente segundo o seu ordenamento jurídico, a
83 excertos das sentenças se encontram in: nations unies, résumé des arrêts, avis consultatifs et
ordonnances de la cour internationale de justice, 1948-1991, nova york, nations unies, 1992,
respectivamente p. 19-20, 21 e 24-5.
84 de nosso conhecimento, um estudo extremamente interessante sobre o instituto da extradição e suas
vinculações com a questão do crime político, no tema do combate ao terrorismo internacional, se encontra no
curso ministrado na haia, em 1989 do prof. guillaume gilbert, terrorisme et le droit international. in: recueil
des cours, academia de direito internacional, haia, 1989, vol. ii (tomo 215), p. 291-416.
85 o direito internacional público conhece a distinção entre delito e crime, em função da gravidade dos
comportamentos, tendo em vista os valores protegidos pela norma. contudo, na maioria das convenções e
48
pedido de outro estado que o reclama e que é competente para julgá-lo e aplicar-lhe a pena,
no caso de ter competência para tanto (em geral, porque um delito foi cometido no seu
território e nos outros casos em que tenha ele competência em matéria criminal, por crime
cometidos fora do seu território)86. o dever de entrega pode ser um dever legal, caso haja
normas bilaterais ou multilaterais que o instituam, ou pode ser baseado na cortesia
internacional (dependente ou não de reciprocidade), no caso de inexistência de atos
internacionais entre o estado requerente e o estado requerido. claro está que a extradição
sofreria uma evolução histórica, na medida em que o pedido somente poderia ser justificado
por uma acusação ou condenação da pessoa extraditanda no território do estado requerente,
que o fato fosse qualificado como passível de extradição no estado requerido (ou seja,
igualmente considerado um delito ou crime) e que, enfim, o estado requerido tivesse dado
sua expressa aceitação na entrega do extraditando, após um exame dos fatos inquinados,
segundo suas normas nacionais87.
na evolução dos dois institutos, do asilo diplomático e do asilo territorial,
designados com o nome genérico de “asilo político”, aos poucos foram sendo delineados os
seus elementos comuns, em função de usos e costumes internacionais, na europa e no correr
do séc. xx, na américa latina. deveria tratar-se de uma pessoa perseguida por motivos
políticos, inclusive acusado ou condenado por um delito político (e no direito brasileiro,
ainda por delito de opinião), cuja qualificação deveria ser dada pelo estado asilante. no caso
tratados internacionais, que não versem especificamente sobre direito penal internacional ou sobre direito
processual penal internacional, emprega-se o termo “delito” para um comportamento em desconformidade
com uma norma de natureza civil ou mesmo penal. em particular, veja-se o projeto da onu sobre
responsabilidade internacional dos estados, onde “crime internacional” aparece unicamente no art. 19,
ementado “delitos e crimes internacionais”, no seu § 2o onde se lê: “o fato internacional ilícito resultante de
uma violação pelo estado de uma obrigação internacional tão essencial para a salvaguarda de interesses
fundamentais da comunidade internacional que sua violação seja reconhecida como crime por esta
comunidade em seu conjunto, constitui um crime internacional” (seguindo-se uma enumeração
exemplificativa dos crimes internacionais).
86 para um breve estudo sobre questões correlatas à extradição, como a extraterritorialidade da lei penal e a
questão do crime internacional, veja-se nosso trabalho: "o meio ambiente e a justiça no mundo globalizado".
in: 6 justiça penal: críticas e sugestões; 10 anos da constituição e a justiça penal: meio ambiente, drogas,
globalização e o caso pataxó. coordenador: jacques de camargo penteado. são paulo, editora revista dos
tribunais, 1998, p. 65-118.
87 no brasil, é competente para conceder a extradição, o presidente do supremo tribunal federal, que examina,
entre outros fatores, se a justiça brasileira não seria igualmente competente, se o delito é igualmente punível
segundo as leis brasileiras e se não serão aplicadas, no estado requerente, penas desconhecidas no direito
brasileiro, como a pena de morte. destaque-se, sobretudo, as normas da constituição federal de 1988, do art. 5o
, inc. li – ‘nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado
antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na
forma da lei” e inc. li – “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.
49
atuais, estavam ligados a motivos políticos, a concessão do asilo serviria para salvaguardar
sua vida e sua incolumidade, motivo pelo qual, na atualidade, fazem dos mesmos, matéria
importante da proteção internacional dos direitos humanos. destaque-se, sempre, que o
principal efeito jurídico dos dois tipos de asilo, é a impossibilidade de sua concessão ser
considerada, conforme já acentuamos, como um ato inamistoso do estado asilante, em
relação ao estado da nacionalidade ou domicílio dos asilados (relembre-se, trata-se de
pessoas procuradas pelas autoridades deste estado), e portanto, no direito internacional da
atualidade, (com mais forte razão, na américa latina, onde o instituto é regulado por
convenções multilaterais específicas), a concessão de asilo não pode ser um pretexto para
justificar ações de retaliação e muito menos de simples rompimento de relações
diplomáticas.
na américa latina o instituto do asilo é tradicional e foi regulamentado por
convenções especiais: uma primeira, a “convenção sobre asilo”, assinada em havana, ao
término da vi conferência internacional americana, a 20 de fevereiro de 1928 (no brasil
promulgada pelo decreto no 18.956 de 22/10/1929)88, uma segunda, a “convenção sobre
asilo político”, assinada em montevidéu, ao término da vii conferência internacional
americana, a 26 de dezembro de 1933 (no brasil promulgada pelo decreto no 1.570 de
13/04/1937)89 , uma outra, assinada em 1939, ao final do congresso sul-americano de
direito internacional (do qual o brasil não participou) e ratificada unicamente pelo paraguai
e uruguai, e finalmente, já ao tempo da vigência da declaração universal dos direitos
humanos, as duas mais modernas, que pela natureza de seus dispositivos, representam
sensíveis melhoras das anteriores90, assinadas ambas em caracas, ao término da x
conferência interamericana, a 28 de março de 1954: a “convenção sobre asilo diplomático”
88 seu texto encontra-se apud antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos
humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 323-4.
89 seu texto encontra-se apud antônio augusto cançado trindade, a proteção internacional dos direitos
humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 324-6. esta convenção tem um
especial interesse, no caso do brasil, tendo em vista que foi sob suas normas, que os asilos a brasileiros, hoje
ilustres, foram concedidos por missões diplomáticas sediadas no rio de janeiro, na situação imediatamente
posterior à revolução de 31 de março de 1964. na verdade, as convenções de caracas de 1954, conquanto
aprovadas pelo congresso nacional em 12/08/1964, somente foram ratificadas em 14/01/1965, e promulgadas
pelo decreto 55.929 de 14/04/1965.
90 na verdade, não se poderia referir a uma revogação ou derrogação das anteriores, pois, como há estados
que permanecem partes apenas de umas e não de outras, as antigas continuam vigentes entre os estados que as
ratificaram, conjuntamente. para uma listagem dos países que ratificaram as duas primeiras, veja-se
hildebrando accioly, tratado de direito internacional público, 2a edição, rio de janeiro (sem indicação de
editor), 1o vol., 1956, a pg. 483, e para os estados que ratificaram as duas assinadas em caracas, veja-se, na
internet: www.oas.org/juridico/spanhish/firmas/a-46.html e idem/a-47.html.
51
e a “convenção sobre asilo territorial”; estas últimas foram assinadas por todos estados
latino-americanos membros da oea, portanto, com exceção dos países anglófonos 91, e
ratificadas pela maioria dos signatários92 (ambas promulgados no brasil, conjuntamente,
pelo decreto 55.929 de 14/04/1965)93. deve ser enfatizado que todas essas convenções,
elaboradas as duas primeiras, sob a égide da união panamericana e as duas últimas, sob a
égide da oea, pelo fato de não terem sido assinadas pelos países anglófonos membros destas
organizações, nomeadamente os eua e o canadá, confere ao asilo, nas suas duas
modalidades, o caráter de ser um instituto totalmente regulado por normas escritas do
direito internacional, vigentes entre países latino-americanos, com a nítida indicação de ser
uma das provas da existência de um direito internacional público regional latino-americano.
no que respeita ao asilo diplomático, a corte internacional de justiça teve
oportunidade de pronunciar-se, num famoso caso conhecido como haya de la torre, que
opôs os governos da colômbia e do peru (oficialmente denominado: caso do direito de
asilo), com duas sentenças pronunciadas em 1950 (a primeira, de mérito, a 20 de
novembro, que declarou alguns efeitos do asilo diplomático concedido pela colômbia, em
sua embaixada em lima, em relação ao peru, e a segunda, de 27 de novembro, que decidiu
sobre embargos declaratórios interpostos pela colômbia) e outra em 13/vi/1951 (tendo
havido a intervenção de cuba, sentença essa que decidiu sobre matéria nova, qual seja, a
maneira de executar-se a sentença de 20 de novembro de 1950). os fatos constam do
relatório da primeira sentença: a 30/10/1948, após ter havido uma rebelião militar no peru,
tendo o governo deste país considerado victor raul haya de la torre, chefe do partido
político aliança popular revolucionária americana (apra), o responsável por ela (na verdade,
intimações judiciais tinham sido publicadas, a fim de que o mesmo comparecesse perante
uma corte militar, para submeter-se a julgamento sumário por rebelião, sedição e motim
popular, numa situação política interna, que perduraria no período entre 04/x/1948 e
começos de fevereiro de 1949, no qual o peru foi declarado em estado de sítio), buscou
aquele homem público peruano asilo diplomático na embaixada da colômbia, em lima. a
91 bahamas, barbados, belize, canadá, dominica, eua, granada, guiana, jamaica, saint kitts e nevis, santa lucia,
e são vicente e granadinas.
92 não ratificaram a convenção sobre asilo diplomático: bolívia, chile, colômbia e cuba. não ratificaram a
convenção sobre asilo territorial: argentina, bolívia, chile, honduras e república dominicana. informações
apud: www.oas.org/juridico/spanhish/firmas/a-46..html e /a-47..html.
93 seus textos se encontram apud vicente marotta rangel, direito e relações internacionais, id. ibid., 6a
edição, a p.658-63 (asilo diplomático) e p. 664-7 (asilo territorial).
52
94 na verdade, a confusão entre refúgio e asilo, entre asilado e refugiado, apesar de já ao tempo da sentença
no caso haia de la torre existirem as normas da onu sobre refugiados, explica-se pelo fato de que a convenção
de havana de 1928, que serviu de base jurídica para aquela sentença, empregar por duas vezes, o verbo
“refugiar-se”, na acepção de “buscar asilo”.
95 conforme já anunciado anteriormente, na parte da sentença de 20/11/1950 da cij, a invocação do acordo
bolivariano sobre extradição, além de precisar as implicações do asilo diplomático e da extradição, ainda
considerou que o mesmo reconhecia o asilo diplomático como uma instituição conforme os princípios do
direito internacional, mas que tais princípios de direito internacional não reconheceriam, ao estado asilante, o
direito de qualificar unilateralmente um crime como político.
96 na verdade, a colômbia invocara, igualmente, a convenção de montevidéu de 1933, relativa a “asilo
político”, mas que a cij não considerou, tendo em vista o peru não tê-la ratificado. note-se que as duas
convenção de caracas sobre asilo, somente seriam adotadas em 1954, portanto, após as decisões da cij.
97 art. 2, verbis: “compete ao estado que dá asilo a qualificação do delito político”
98 art. iv, verbis: “compete ao estado asilante a classificação da natureza do delito ou dos motivos da
perseguição”. observe-se que esta definição se acha concordante com os motivos do asilo diplomático,
consagrados pela convenção de caracas: pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos.
99 art. iv, verbis: “a extradição não se aplica, quando se trate de pessoas que, segundo a classificação do
estado suplicado, sejam perseguidas por delitos políticos ou delitos comuns cometidos com fins políticos,
nem quando a extradição for solicitada obedecendo a motivos predominantemente políticos” (com ênfase por
nós acrescentada).
53
a cij decidiria, a nosso ver, numa interpretação sibilina e literal da convenção de havana de
1928 (art. 2o § 3o, verbis; “o governo do estado poderá exigir que o asilado seja posto fora
do território nacional, dentro do mais breve prazo; e o agente diplomática do país que
tenha concedido o asilo poderá, por sua vez, exigir as garantias necessárias para que o
refugiado sai do país, respeitando-se a inviolabilidade de sua pessoa”), que, pelo fato de o
governo do peru não ter exigido a saída do asilado do território daquele país, este governo
não estava obrigado a conceder o salvo-conduto. por outro lado, por 15 votos contra 1,
rejeitou a tese do peru de que o sr. haia de la torre era acusado de um crime comum, tendo
constatado que o principal e único motivo da acusação contra aquela pessoa, era o de
rebelião militar e que rebelião militar não era, por si só, um crime comum. enfim, a
sentença reconheceu que inexistiam, na letra da convenção de havana de 1928 (art. 2o § 1o
verbis: “ o asilo não poderá ser concedido senão em casos de urgência e pelo tempo
estritamente indispensável para que o asilado se ponha, de qualquer outra maneira, em
segurança”), as condições necessárias para que fosse legítima a concessão do asilo, nos
seus termos: na verdade, a cij constatou, mirabile dictu!, que havia condições normais para
o exercício da jurisdição dos tribunais peruanos, naquele momento, que o poder judiciário
não estava subordinado ao executivo, e que a convenção de havana não tinha o condão de
garantir aos asilados, o privilégio de escapar às suas jurisdições nacionais!
a segunda sentença no caso haia de la torre, refere-se ao julgamento de embargos
declaratórios interpostos pela colômbia. as dúvidas diziam respeito a três questões; a) em
que sentido conviria reconhecer efeitos jurídicos à qualificação feita pela embaixada da
colômbia, em lima, quanto ao delito imputado a haia de la torre; b) em que sentido o peru
não teria direito a exigir a entrega do asilado, nem a colômbia tinha a obrigação de entregá-
lo e c) ou, ao contrário, em que sentido a colômbia deve entregar o asilado. a cij, por 12
votos contra 1, na sentença de 17 de novembro de 1950, rejeitaria os pedidos, com o
argumento de que se tratava de matérias não submetidas à sua apreciação e, sendo assim,
rejeitaria o pedido da colômbia, de interpretação da sentença embargada.
enfim, como se relata na terceira sentença no caso haia de la torre, exarada pela cij,
a 13 de junho de 1951, tão logo conhecido o teor da sentença de 20 de novembro de 1950, o
governo do peru solicitaria à embaixada da colômbia em lima executá-la, e convidou-a a
por fim a um proteção diplomática indevida, com a entrega do asilado às autoridades locais.
54
100 verbatim, em nossa tradução livre, conforme texto publicado em nations unies, résumé des arrêts, avis
consultatifs et ordonnances de la cour internationale de justice, 1948-1991, , id., ibid., p. 25.
55
a atender a pedidos de outro estado, a adotar medidas excepcionais contra asilados, por
motivos de opinião contrária àquele ou na sua liberdade de reunião; d) no caso de haver um
pedido de internamento ou de vigilância de asilados que se encontrem no território do
estado asilante, feito pelo estado de onde procedeu o asilado, o internamento deverá ser
feito, a uma distância prudente das fronteiras, a as despesas ocorridas, deverão ser
suportadas pelo estado que o solicitar (art. ix e seus §§).
no brasil, as normas sobre entrada e permanência no território nacional de asilados,
que são estrangeiros, se regem pelo denominado “estatuto dos estrangeiros” (lei no 6.815
de 19/08/1980, com as alterações da lei no 6.964 de 09/12/81 e um sem número de outros
atos normativos como o regulamento expedido pelo decreto no 86.715 de 10/12/1981 e
outras normas da legislação complementar ou correlata). nela somente se prevêem os casos
de entrada de estrangeiros, de sua permanência, e sua deportação (recusa de permanência
no território nacional, por falta de requisitos de legalidade na entrada ou estada do
estrangeiro, como a expiração de vistos de permanência, com a devolução da pessoa a
outros estados, de preferência, aos da nacionalidade)103, expulsão (ato administrativo de
fazer cessar a permanência de um estrangeiro no território nacional, pelos motivos
elencados na lei, de natureza cível ou criminal, que configuram o expulsando, em grandes
linhas, como uma “pessoa indesejável”) e a extradição de estrangeiros (entrega de um
estrangeiro, inocente no território nacional, a pedido de um poder judiciário estrangeiro,
seja de sua nacionalidade ou não, por motivos de uma condenação de privação de liberdade
no estado estrangeiro ou estar sua prisão autorizada por juiz, tribunal ou autoridade
competente deste último, conforme os temos do art. 78 do estatuto dos estrangeiros). no
título iii, integrado por dois únicos artigos, o art. 28 e 29, o estatuto dos estrangeiros regula
a condição do asilado, que a lei denomina “asilado político” e que a doutrina e práticas
nacionais têm considerado como referente tanto ao estrangeiro beneficiado pelo asilo
territorial (entrada pelas fronteiras terrestres ou marítimas, sem quaisquer documentos
autorizatórios do governo brasileiro, com a expectativa de beneficiar-se da proteção das
normas internacionais e conseguir a condição de asilado, a ser definida, quando a pessoa já
103 conquanto haja a definição dos elementos factuais para a deportação, no estatuto dos estrangeiros, no art.
57, ou seja, a entrada ou estada irregular do estrangeiros, não contemplam a hipótese de um pedido de entrada
no território nacional, que pode ser recusado, ainda quando o postulante não se encontra sob a jurisdição das
autoridades nacionais. esta fenômeno se enquadra no que se denomina “refoulement”, como será analisado
oportunamente, no exame da situação dos refugiados.
59
então existentes, a guerra terrestre e a guerra marítima (hoje complementado com normas
sobre a guerra aérea e sobre o desarmamento), bem como o regime da neutralidade. o
“direito da haia”, na sua finalidade específica, em particular do “jus in bello”, será objeto
de estudos do cap. 20 deste livro. na verdade, uma análise das normas do “direito da haia”,
perfeitamente identificado como um “direito dos meios e métodos de combate”, confere ao
“direito de genebra”, a característica de um “direito de proteção das vítimas”. contudo, deve
notar-se que “a quase totalidade das disposições das antigas convenções da haia, relativas
a condução das hostilidades, se incorporaram ao direito de genebra, mediante adaptação
e modernização, e se encontram agora incluídas no protocolo i de 1977 [à convenção de
genebra de 1949] relativo aos conflitos armados internacionais”108.
as fontes normativas do direito humanitário internacional, (“direito de genebra”)
são: a) as 4 convenções adotadas a 12/08/1949 (no brasil promulgadas pelo decreto no
42.121 de 21/08/1957), ao final de uma conferência internacional de representantes de
estados, realizada em genebra, por convocação do governo suíço e por proposta do comitê
internacional da cruz vermelha, o qual foi o responsável pelos respectivos projetos: (i), para
a melhoria da sorte dos feridos e enfermos dos exércitos em campanha; (ii), para a melhoria
da sorte dos feridos, enfermos e náufragos das forças armadas no mar; (iii), relativa à
proteção dos prisioneiros de guerra; (iv), relativa à proteção dos civis em tempo de guerra;
e b) os 2 protocolos adotados a 08/06/1977, igualmente em genebra, ao final da conferência
diplomática sobre reafirmação de desenvolvimento do direito humanitário, aplicável nos
conflitos armados, convocada, igualmente, pelo governo suíço, sob o impulso do cicv: o
protocolo i, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais e o
protocolo ii, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados não internacionais
(ambos conjuntamente promulgados no brasil, com o decreto no 849 de 25/06/1993) . pelo
fato de logo após sua assinatura, terem entrado em vigor internacional e pelo número de sua
ratificação, as 4 convenções de genebra de 1949 provam sua aceitação pela quase totalidade
dos estados da atualidade, entre 186 estados que as ratificaram, da mesma forma que os 2
protocolos de 1977, o primeiro, entre 135 estados ratificantes. e o segundo, entre 125
estados, nas mesmas circunstâncias. deve destacar-se que os dois protocolos de 1977 foram
108 gérard peytrignet, “sistemas internacionais de proteção da pessoa humana: o direito internacional
humanitário”. in: antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago, as três
vertentes da proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito humanitário,
direito dos refugiados, id., ibid., p. 128.
64
109 a denominação de crescente vermelho foi uma exigência de certos países islâmicos, em 1919
(particularmente a turquia, que passava a ser admitida no conjunto dos estados independentes da comunidade
internacional, na liga das nações), que consideram a cruz, menos como um símbolo do cristianismo, e mais
como um símbolo das cruzadas.
110 claro está que as pessoas, bens e serviços das sociedades nacionais estarão protegidos, na medida em que
o ordenamento jurídico dos estados em que estão sediadas, ou em cujo território sejam exercidas as
atividades, os reconheçam. trata-se de imunidades e privilégios claramente concedidos em razão da natureza
das atividades desenvolvidas, assimiláveis às imunidades e privilégios concedidos a organizações
intergovernamentais (um serviço público internacional).
65
111 em particular, o disposto no art. 126 da iii convenção de genebra de 1949 sobre o tratamento de
prisioneiros de guerra, os representantes das potências protetoras (estados que aceitam a representação de um
estado, frente a outro, no caso de rompimento de relações diplomáticas) e delegados do cicv têm a faculdade
permitida pelos estados partes de visitarem quaisquer lugares onde haja prisioneiros de guerra, entrevistar os
prisioneiros ou seus representantes, sem o acompanhamento de testemunhas, pessoalmente ou através de
intérpretes. o estado onde se verifica a inspeção tem somente o poder de indicar qual é o estado protetor,
sendo tal indicação, ainda dependente da aprovação dos delegados do cicv.
66
sociedades da cruz vermelha, ora sociedades do crescente vermelho. sua função principal é
coordenar a atuação das sociedades nacionais, em caso de catástrofes naturais ou
antrópicas, no caso de estas não estarem em condições de atuar. como o cicv, sua ajuda
igualmente se estende a situações em tempos de paz, na assistência a refugiados, tanto nos
campos de batalha quanto fora das zonas de conflito.
as sociedade nacionais da cruz vermelha, ou do crescente vermelho (em alguns
países islâmicos), como se disse, são entidades organizadas segundo as leis internas dos
países onde sediadas, mas que, em virtude das 4 convenções de genebra de 1949 e dos 2
protocolos de 1977, têm garantias internacionais para sua atuação, no território dos estados
onde instituídas. além de poderem ostentar os símbolos externos que lhes garantem os
privilégios e imunidades reconhecidos nas normas internacionais, a seus funcionários, a
pessoas e bens a seu serviço, estes merecem uma proteção e os indivíduos encarregados de
aplicar as normas internacionais, devem gozar de ampla liberdade de circulação e de
investigação (em particular, quando exercem funções acometidas por normas ou órgãos
internacionais humanitários). suas atribuição são de atender às necessidades nos conflitos
armados, em particular como apoio aos serviços militares de intendência e de saúde das
forças armadas, e, em tempos de paz, prover a atendimento no campo da saúde, educação,
atendimento nos casos de desastres naturais ou causadas pelo homem, e, enfim, difundir os
princípios e normas do direito internacional humanitário (entre o pessoal militar e entre a
população civil).
no que importa ao presente capítulo, a atuação das entidades integrantes do
movimento da cruz vermelha, melhor serão descritas no capítulo 21 da presente obra. no
entanto, é necessário enfatizar que, mesmo que tenha havido uma extensão das atribuições
do direito humanitário, para os tempos de paz e que as entidades da cruz vermelha tenham,
por um costume internacional, invadido campos que, tradicionalmente lhe eram estranhos
(como as situações em tempos de paz, não tendo havido uma declaração formal de guerra),
já as 4 convenções de genebra de 1949 e os 2 protocolos de 1977, prevêem hipóteses que a
doutrina dos internacionalistas reconhecia como próprios do campo de regulamentação
pertinente aos direitos humanos “stricto sensu”. trata-se dos 3 artigos iniciais, que contêm
dispositivos comuns àquelas 4 convenções, do art. 75, “garantias fundamentais” do
protocolo i (proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais) e dos art. 4o,
67
112 os textos se encontram reunidos no livro do prof. antônio augusto cançado trindade, a proteção
internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos, id. ibid., p. 308-9,
309-12 e 312-25, respectivamente.
113 . in: nádia de araújo e guilherme assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos
refugiados- uma perspectiva brasileira, id., ibid., p. 99-125. em outro estudo, o mesmo professor fischel de
andrade discorre sobre os mesmos fatos e ainda as outras organizações intergovernamentais instituídos após a
ii guerra mundial, no capítulo “o direito internacional dos refugiados em perspectiva histórica”, in: alberto do
amaral júnior e cláudia perrone-moisés, organizadores, o cinqüentenário da declaração universal dos
direitos do homem, id., ibid., p. 75-120 e no livro direito internacional dos refugiados: evolução histórica
(1921-1952), rio de janeiro, renovar, 1996.
114 uma das grandes contribuições de nansen, foi a instituição do “passaporte nansen”, então expedido às
pessoas que hoje seriam consideradas como “refugiadas”, o qual, aceito por todos os países-membros da
sociedade das nações, permitiu o retorno aos países de origem de inúmeras pessoas. veja-se, a propósito, o
trabalho do prof. jaime ruiz de santiago, “o direito dos refugiados em sua relação com os direitos humanos e
em sua evolução histórica”. in: antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz de santiago,
as três vertentes da proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito
humanitário, direito dos refugiados, id. ibid., p. 258 e ss.
68
guerra entre a grécia e turquia, em 1922, ou a volta de milhares de refugiados a seus países
de origem como os russos emigrados após a revolução bolchevista, e situação inacreditável
de alemães e austríacos expulsos de seus países, pelo feroz regime do iii reich alemão. a
situação de pessoas deslocadas, no final da segunda guerra mundial, ainda em maiores
proporções que no primeiro pós-guerra, e em situações ainda mais calamitosas, no
continente europeu115, exigiu uma providência imediata dos estados; assim é que, nem bem
ainda estavam formalizados os tratados de paz, nem mesmo constituída a onu, 44 países
resolveram instituir, sob a égide dos eua, em 1943, a administração das nações unidas para
o auxílio e reabilitação, com base de atuação em genebra, conhecida por sua sigla em
inglês, unrra116, a qual, até 1947, data de sua auto-extinção e transferência de bens e
atribuições para a uma nova instituição internacional que seria então instituída, a
organização internacional dos refugiados, conseguiu repatriar mais de 7 milhões de
pessoas; na época funcionaria, igualmente na europa, o comitê intergovernamental para as
migrações européia, o cime, de 1952 a 1955, que contou com um escritório de
representação no rio de janeiro e que conseguiu encaminhar grande número de imigrantes
ao brasil, não considerados como refgiados. como se disse, a 15/12/1946, a ag da onu, em
votação estreita, a provar que o assunto dos refugiados já era uma questão política na guerra
fria (30 a favor, 5 contra e 18 abstenções), instituiria a organização internacional para os
refugiados, sediada em genebra, que na sua curta vida, teve a participação de apenas 18
estados do sistema das nações unidas, e equacionou a questão de assentamentos de 1
milhão de pessoas, basicamente nos eua, a repatriação de mais de 63 mil pessoas e
conseguiu que 410.00 pessoas permanecessem nos países onde se encontravam refugiadas,
tendo deixado um saldo de 410 mil refugiados, a cargo da entidade que lhe sucederia.
finalmente, dadas as oposições de países do bloco socialista, no correr da
denominada “guerra fria”, para os quais o assunto dos refugiados, assim como os relativos à
proteção dos direitos humanos deveriam ser de competência exclusiva dos estados (no
entendimento de que se deveria aplicar, para tais campo, o art. 2o § 7o da carta da onu, que
115 uma perfeita crônica da situação dos refugiados na europa, logo após o fim da segunda guerra mundial,
bem como um estudo pormenorizado dos antecedentes do acnur, encontra-se no curso da academia de direito
internacional da haia, do primeiro diretor desta instituição da onu, dr. g. j. van heuven goedhart, “the problem
of refugees”, in: recueil des cours, a w. sijthoff, leiden, 1953, i, tomo 82, p. 261-369.
116 united nations relief and rehabilitation administration. seu ato constitutivo não reconheceria uma
personalidade jurídica internacional à unrra, que, no entanto, num julgamento em um tribunal dos países
baixos, teve tal reconhecimento.
69
sua vez, sucessoras das normas do unrra), mas cujos direitos a refúgio não estavam
excluídas; c) as necessidades de regular-se a situação dos refugiados, antes da constituição
do acnur, ou seja, “acontecimentos antes de 1o de janeiro de 1951”. a tais condicionamentos
de ordem temporal, que passou a ser denominada de “reserva temporal”, havia ainda a
questão de definir-se qual a extensão geográfica dos acontecimentos que deram origem à
situação de refugiados, ou seja, se acontecimentos ocorridos unicamente na europa, ou
ocorridos na europa ou alhures (tal fenômeno será incluído na convenção, como uma opção
dada aos estados partes, e passaria a ser conhecido como “limitação ou reserva
geográfica”). tais dificuldades, ademais, eram acentuadas pelo posicionamento político dos
países do bloco socialista, naquele momento histórico, em que as questões dos direitos
humanos, particularmente dos refugiados, se apresentavam como um dos motivos para a
oposição leste-oeste, dada a inflexibilidade de não arredarem-se do conceito de que o tema
constituía domínio reservado dos estados. uma leitura direta do texto daquela convenção,
revela um documento recheado de concessões, de alternativas aos estados, e sobretudo,
com a nítida idéia de que se tratava de uma regulamentação internacional de um assunto
particular, ou seja, o problema dos refugiados na europa, que, tão logo resolvido, deixaria
exaurida a finalidade daquele ato internacional; em suma, uma convenção internacional
circunstancial, limitada no tempo e restrita ao espaço europeu, portanto, uma liqüidação de
assuntos do entre-guerras e da segunda guerra mundial, ocorridos na europa. foi assim que
o brasil, ao ratificar a convenção, pelo decreto 50.215 de 28/01/1961, fez uso da faculdade
de considerar como refugiado, as pessoas às quais se aplicassem as definições da mesma,
mas que tivessem sido atingidas por “acontecimentos ocorridos antes de 1o de janeiro de
1951 na europa ou alhures” (opções do art. 1o, seção b, § 1o inciso b).
no que diz respeito ao primeiro grande defeito da convenção sobre o estatuto dos
refugiados de 1951, qual seja, o da “reserva temporal”, os acontecimentos na europa e no
resto do mundo comprovaram que o problema dos refugiados ainda persistia, que não se
tratava de resolver-se um rescaldo de guerras naquele continente, e, sobretudo, que havia
necessidade de estender-se a definição de refugiado, para além daquela data limite de 1o de
janeiro de 1951. foi assim que os estados partes daquela convenção, em 31 de janeiro de
1967, na sede da onu, em nova york, assinariam o protocolo sobre o estatuto dos refugiados
71
(no brasil, promulgado pelo decreto 70.946 de 07/08/1972)118, cujo dispositivo principal foi
ter considerado a definição de refugiado, constante naquela convenção, sem a constância
das referências aos acontecimentos anteriores a 1o de janeiro de 1951. portanto, a definição
de refugiado, nas normas internacionais da atualidade, é a seguinte: “qualquer pessoa..
que... temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social
ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em
virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem
nacionalidade e se encontra fora do país no qual tenha sua residência habitual em
conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temos, não quer
voltar a ele”(art. 1o seção a § 2o da convenção, com a redação dada pelo protocolo de 67).
no brasil, com a edição da lei 9.474 de 22 de julho de 1997 119, “define mecanismos para a
implementação do estatuto dos refugiados de 1951, e determina outras providências”,
aquela definição da convenção de 1951, a qual revela uma nítida técnica de redação de atos
normativos segundo a “common law”, foi assim transcrito, no espírito da redação dos atos
normativos do sistema romano-germânico (dito: a “civil law”), e conforme as opções
possíveis que aquela convenção permite e que foram eleitas pelo legislador brasileiro
verbis:
art. 1o será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
i – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se
fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à
proteção de tal país;
ii – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve
sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em
função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
[iii – devido à grave e generalizada violação de direitos humanos,
é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em
outro país].
deve notar-se que o inciso iii, do artigo transcrito, entre colchetes e em itálico,
contém normas que inexistem na convenção de 1951 e seu protocolo de 1967, tendo sido
introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de compatiblizar seus dispositivos, no
tema da proteção dos refugiados, com os princípios da declaração de cartagena de 22 de
118 os textos da convenção de 1951 (versão original) e do protocolo de 1967, encontram-se in: nádia de
araújo e guilherme assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados- uma
perspectiva brasileira, id., ibid., respectivamente a p. 385-412 e p. 413-19.
119 veja-se de josé henrique fischel de andrade, “o brasil e a proteção dos refugiados: a discussão tem início”
in pensando o brasil, brasília, congresso nacional, no 16, set/nov., 1996, p. 7-12.
72
tais elementos, dentre outros que serão analisados mais além, neste capítulo, tornam o
refúgio um instituto visceralmente distinto do instituto do asilo político, conforme existente
na américa latina. no que respeita à entrada, nenhum estado poderá rechaçar um postulante
a refúgio e devolver a pessoa para os territórios de outros estados (“refoulement”), em
particular daqueles nos quais sua vida ou sua liberdade sejam ameaçadas, em virtude de
raça, religião, nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas
(art. 33 § 1o ); da mesma forma, e nas mesmas circunstâncias, não poderá deportá-la123 ou
restituir a pessoa, a não ser que seja considerado como um perigo para a segurança do pais
em que se encontre ou que tendo sido condenada, definitivamente, por crime ou delito
particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do estado em que se encontre e
no qual deseja solicitar refúgio (art. 33 § 2o). no caso de expulsão de refugiados, a qual
nunca poderá ser para o país de onde proveio, deverão os estados signatários conceder ao
refugiado um tempo para este obter admissão legal em outro país (art. 32 § 3o ). as entradas
irregulares de tripulantes de navios ou aeronaves ou de passageiros clandestinos, não
poderão ser impedimentos para um estrangeiro solicitar refúgio (art. 11)124. são condições
para a não aplicação dos dispositivos da convenção (na verdade, casos legítimos para a os
estados poderem denegar a condição de refugiado, aos pretendentes a refúgio): a) a
comissão de um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade,
no sentido dos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes (devendo
notar-se que na lei brasileira, ao transcrever tal dispositivo, ainda acrescentou: “crime
hediondo, participação em atos terroristas ou tráfico de drogas”125) ; b) a comissão de um
crime grave comum, fora do país de refúgio, antes de seus autores serem nele admitidas
como refugiados; c) às pessoas culpadas de atos contrários aos fins e princípios das nações
unidas (art. 1o, seção f). enfim, a cessação da condição de refugiado não mais depende de
um ato discricionário dos estados, mas sim de um ato administrativo vinculado às
123 a convenção, no art. 33, se encontra ementado como “proibição de expulsão ou de rechaço” e, portanto,
se refere a “expulsão”, que, a nosso entender, deveria ter sido “deportação”. na verdade, a expulsão é um ato
administrativo, que pressupõe estar o refugiado já em situação de permanência autorizada no território do
estado. ainda no nosso entender, a ato de não conceder permanência, a uma pessoa que já se encontra,
fisicamente, no território nacional, é um ato de “deportação”.
124 no ordenamento jurídico brasileiro, a lei 9.474 de 22/07/1997, segundo seu art. 8o a entrada irregular não
constitui impedimento para solicitação de refúgio, e segundo o art. 10, e a simples solicitação, suspenderá os
procedimentos administrativos ou criminais na jurisdição local, pela entrada irregular.
125 trata-se do art. 3o, inciso iii, da lei 9.474 de 22/07/1997, “define mecanismos para a implementação do
estatuto dos refugiados de 1951, e determina outras providências”
76
126 importante observar que, ademais de adotar expressamente as definições de refugiado estatuídas na
convenção sobre o estatuto dos refugiados de 1952 e no seu protocolo de 1967, esta convenção africana ainda
acrescentou: “o termo “refugiado” também será aplicado a qualquer pessoa que, devido a agressão externa,
ocupação, dominação estrangeira ou eventos que seriamente prejudiquem a ordem pública, ou em parte ou na
totalidade do seu país de origem ou nacionalidade, é compelida a deixar seu lugar de residência habitual, a
fim de buscar refúgio em outro lugar fora de seu país de origem ou nacionalidade”. texto livremente
traduzido, conforme reproduzido apud josé henrique fischel de andrade, “regional policy approaches and
harmonization: a latin american perspective”, in international journal of refugee law, oxford university
press, vol. 10, number 3, july 1998, 10th anniversary, p. 389-409, em particular, p.393.
77
transfronteirico maciço de inteiras populações, por entre os países africanos, não só por
questões raciais ou de movimentos revolucionários ou sediciosos internos, mas igualmente,
dada a situação de penúria econômica a que estavam submetidos no países de origem. na
américa latina, as agudas questões de refugiados na américa central, em particular as
situações tormentosas vividas pelo méxico e panamá, com o êxodo incontrolável de
refugiados, devido às guerras naquela sub-região, e como resultado de vários acordos
internacionais de pacificação, dos quais se destaca o empreendido pelo denominado “grupo
de contadora”127 e várias outras reuniões regionais, dariam causa à adoção da declaração de
cartagena, a 22 de novembro de 1984; por seus termos gerais, e não meramente episódicos
para regular a situação na américa central, a declaração de cartagena128, (a mesma acabaria
por influir diretamente no ordenamento jurídico do brasil relativamente aos refugiados),
provou ser um importante ato normativo internacional, que dava ao refugiado, no que
respeita à américa latina, um tratamento jurídico adequado, em perfeita coordenação com as
competências e recursos do acnur.
no brasil, mesmo após ter havido uma internalização das normas do estatuto dos
refugiados, conforme estabelecidas pela convenção de 1951 e seu protocolo de 1967, foi,
como se disse, editada a referida lei 9.474 de 22 de julho de 1997129, “define mecanismos
para a implementação do estatuto do refugiado de 1951, e determina outras providências”,
inclusive com as normas e a filosofia da declaração de cartagena. esta lei concede ao
refugiado os direitos e deveres específicos, diferenciados daqueles que no ordenamento
jurídico nacional são conferidos e exigidos dos estrangeiros, tendo em vista a remissão
expressa à convenção sobre o estatuto dos refugiados de 1951 e ao seu protocolo de 1967 (o
que implica na introdução no sistema jurídico interno do brasil, daqueles tratamentos
diferenciados instituídos pelas normas internacionais, em relação aos direitos e deveres
conferidos e exigidos dos estrangeiros em geral) e reproduz as normas relacionadas à
127 quanto à questão da pacificação da américa central, veja-se nosso trabalho "soluções pacíficas de litígios
na américa latina: retrospectiva 1988", in: revista da faculdade de direito da usp, são paulo, v. 83,
(jan./dez. 1988)., p. 176-218 e, sobretudo, um precioso estudo mais moderno, do prof. dr. fredys
orlando sorto, américa central: relações internas e externas, crise política e solução pacífica, dissertação
de mestrado apresentada à faculdade de direito da usp, em direito internacional, em 1990.
128 o texto da declaração de cartagena encontra-se transcrito, em português, in: nádia de araújo e guilherme
assis de almeida, coordenadores, o direito internacional dos refugiados..., id., ibid., p. 421-30.
129 veja-se de josé henrique fischel de andrade, “o refugiado à luz do direito internacional e do direito
brasileiro” in o advogado: desafios e perspectivas no contexto das relações internacionais, brasília,
conselho federal, 1997, p.149-64.
78
costumes regionais da américa latina e nas convenções multilaterais vigentes nos países
latino-americanos, e de outro, o instituto do refúgio, conforme regulado na convenção sobre
o estatuto dos refugiados de 1951 e no seu protocolo de 1967 e de cuja aplicação se
encontra encarregado um órgão da onu, o acnur131. preliminarmente, é necessário dizer que
as convenções multilaterais sobre asilo político, têm uma vigência parcial, mesmo entre os
estados latino-americanos, ao passo que a convenção de 1951 e o protocolo de 1976
relativos ao estatuto dos refugiados, além de serem convenções mundiais, têm maior
aceitação entre os estados latino-americanos, tendo em vista que somente cuba e méxico
não nos assinaram . dito isto, os principais traços característicos do instituto do refúgio
internacional são: a) os estados partes naqueles instrumentos internacionais, não têm a
discricionariedade de conceder ou não o refúgio: dadas as condições objetivas para sua
concessão, terão o dever de proceder afirmativamente: b) o controle da aplicação das
normas convencionais sobre refúgio depende de órgãos internacionais, ficando, portanto a
responsabilidade dos estados por inadimplência de seus deveres, no regime de violação de
normas específicas, sob controle de órgãos internacionais multilaterais; c) os motivos para a
concessão de refúgio não são as simples perseguições por motivos políticos, mas ainda
outras, por motivos de raça, grupo social, religião, e sobretudo situação econômica de
grande penúria; d) há deveres precisos de os estados partes, concederem aos refugiados
documentos de identidade e de viagem, e, no caso brasileiro, proibições expressas de
deportação aos postulantes, e de casos particulares de proibições de expulsão e de
extradição aos refugiados, e d) por tratar-se de um instituto regulamentado sob a égide da
onu, as normas que regem o refúgio têm salvaguardas de denegação de refúgio a pessoas
que tenham cometido um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a
humanidade, no sentido dos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes,
bem como proibições de conceder refúgio a pessoas culpadas de atos contrários aos fins e
princípios das nações unidas. as discussões sobre tratar-se de crime de direito comum ou de
um crime político, que são centrais nas convenções sobre asilo, uma vez que determinantes
da concessão de asilo político a pessoas perseguidas em seus países de origem ou residência
permanente, são irrelevantes na questão do estatuto dos refugiados, onde às motivações
políticas para a perseguição, e mais ainda, para a insustentabilidade de uma pessoa
131 um exemplar estudo comparativo entre ambos os institutos, encontra-se apud josé henrique fischel de
andrade, “regional policy approaches and harmonization: a latin american perspective”, id., ibid., p. 393.
80
132 veja-se in; prof. jaime ruiz de santiago, “o direito dos refugiados em sua relação com os direitos
humanos e em sua evolução histórica”. in: antônio augusto cançado trindade, gérard peytrignet e jaime ruiz
de santiago, as três vertentes da proteção internacional dos direitos humanos- direitos humanos, direito
humanitário, direito dos refugiados, id., ibid., p. 276.