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JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO
VARA DO TRABALHO DE GUANAMBI
PROCESSO No 00237-2006-641-05-00-1RT
RELATÓRIO
FUNDAMENTOS
1. JORNADA DE TRABALHO
1.1. Horas Extras. As provas coligidas para o bojo dos autos corroboram o fato, de notório
conhecimento desse Juízo, que o acionado desrespeita a jornada regulamentar
institucional. É que, muito embora o requerido possua relógio de ponto eletrônico
acessível pelo cartão magnético, a autora perfazia jornada bem superior àquela
registrada nos cartões de controle, isso era possível porque o local onde
«estrategicamente» se encontra instalado o relógio destinado ao controle do horário de
início e fim da jornada não impede a entrada e saída dos funcionários sem passar o
cartão. Assim, para não registrar integralmente as horas de trabalho praticadas, os
funcionários são orientados a passarem o cartão algum tempo depois de ingressar na
agência e dar início às atividades, e algum tempo antes do horário que efetivamente
saem. Não se trata de ponto «britânico», conforme se depreende da análise dos
controles, porém, o funcionário não tem liberdade de registrar sua real e verdadeira
jornada, por certo para não ultrapassar a quota de horas extraordinárias, previamente,
estabelecidas pela instituição. Os controles de jornada, portanto, colacionados aos
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autos, não espelham a realidade dos horários praticados pela autora. Observando a
jornada descrita pela 1a testemunha [8hs às 18hs] com 15 minutos de intervalo em 4
[quatro] dias na semana, defiro à autora horas extras acima da 6a hora com adicional
de 50% integrações e repercussões sobre as parcelas pleiteadas, deduzidos os
valores pagos sob a mesma rubrica.
1.2. Intervalo repouso e alimentação. Causa espécie o modo totalizante que o capital
absorve o trabalho vivo a ponto de alterar normas [quase sagradas] de proteção da
pessoa que trabalha, a exemplo daquelas relativas ao repouso e alimentação. A autora
laborava em jornada superior a 6 [seis] horas, conforme se depreende até mesmo
pelos controles parciais da jornada, mas o banco desrespeita o intervalo, de no mínimo
uma hora, para repouso e alimentação. Diante disso, defiro o pagamento da hora
trabalhada acrescida de 50%, nos moldes do § 4o do art. 71 da CLT.
1.3. Digitador. intervalo. Quanto ao intervalo de 10 minutos a cada 50 minutos ou 90
minutos trabalhados, a autora não faz jus porque trabalhava como caixa e não como
digitadora.
2. ASSÉDIO MORAL
A autora foi contratada como escriturária e no último período da relação trabalhava como
caixa. Acontece que o Bradesco é também um «supermercado de papéis» e os
empregados, sem exceção, são obrigados a acumular a dupla função de bancário
propriamente dita e de vendedor de papéis e serviços. O banco não contrata vendedores,
contrata escriturários. Basta verificar como é feito o processo de seleção do pessoal, cuja
exigência é formação geral [2o grau completo e conhecimento de digitação]. Não obstante
todos os contratados, com ou sem talento e vocação, são obrigados a vender. Para ampliar
ainda mais o volume das vendas e o já extraordinário lucro __ Este ano, o Bradesco
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aumentou em 27% seu lucro líquido [v. folha on line] __ o banco emprega a pressão
psicológica e a ameaça da dispensa. Não obstante, a prova inequívoca do esforço e
dedicação da autora no trabalho, o que se demonstra no cumprimento de jornadas
exaustivas e nas solicitações feitas aos colegas mais experientes para a ajudassem a
vender, a prova testemunhal não deixa dúvidas quanto a existência de pressão psicológica
para obrigar o pessoal a vender e o temor de todos decorrente das constantes ameaças de
perda do emprego [V. fls. 288].
Considera-se assédio moral para os fins de que trata a presente lei toda ação,
gesto, determinação ou palavra, praticada de forma constante por agente,
servidor, empregado, ou qualquer pessoa, que abusando da autoridade que lhe
conferem suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima ou a
autodeterminação do servidor.
Considerando, porém, que normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata [§ 1o] e que juízes e tribunais estão vinculados aos direitos fundamentais a
outorgar, por meio da aplicação, interpretação e integração, às normas de direitos
fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico3, não resta outro
caminho senão apreciar com maior zelo o pedido. No Bradesco os funcionários trabalham
«sob pressão psicológica para vender papéis e serviços, sob a ameaça de perder o
emprego», é o que afirma categoricamente a testemunha Raimunda Rosa Rego de Oliveira. É
fato também que a autora trabalhava em jornadas exaustivas e se esforçava no cumprimento
das metas Não é menos certo que, à medida que o volume de papéis aumenta e se
diversifica, as metas fixadas também vão sendo ampliadas, as pressões vão crescendo e as
ameaças se confirmando com as demissões programadas, sob a irônica justificativa de
«excesso no quadro de pessoal». Ora, essa é a estratégia adotada pelo banco para ampliar
seu lucro, obrigando os empregados a produzirem sempre mais, embalados pela falsa crença
de que se produzirem bastante terão seus empregos garantidos. A verdade, porém é bem
outra, o fato de vender, de ser produtivo não garante o emprego, posto que a rotatividade da
mão-de-obra nesse sistema é a tônica, a dispensa da autora evidencia e robustece tal
afirmação.
O fato de nem sempre conseguir cumprir as rigorosas metas mensais na venda dos «papéis»
não significa falta de dedicação ao trabalho, pois conforme vimos no capítulo da jornada, a
3
CANOTILHO, J.J.Gomes. MIRANDA. J. Veja-se SARLET. Ingo Wolfgang. In A Eficácia
dos Direitos Fundamentais. 3a edição. Livraria do Advogado editora. PP. 35-351.
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autora trabalhava cerca de 9 [nove] horas diárias, com apenas 15 minutos de intervalo para
repouso e alimentação e pressionada solicitava auxílio aos colegas mais experientes para
ajudá-la a cumprir as metas. Além disso, os freqüentes cortes de pessoal se dão com um alto
custo para a saúde e bem-estar dos empregados que ficam. Estes passam a acumular a
função dos dispensados e, seguramente, manter o nível de vendas. A pressão contínua e
desmedida para vender e produzir, o cumprimento de jornadas escorchantes e a alta
rotatividade da mão-de-obra são parte da estratégia da empresa, pois as dispensas repetem-
se anualmente independente da produtividade. Esclarecedor nesse sentido é o depoimento da
testemunha José Aparecido Caíres Nobre, gerente de contas: «durante seus 21 anos de
casa, nunca viu um funcionário ser dispensado porque não cumpria as metas». O emprego
independe de ser ou não ser produtivo!
Segundo a OMS, SAÚDE é o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a
ausência de doença ou enfermidade. Com razão, a autora se sentia humilhada ante a
ausência de reconhecimento do seu esforço diário no trabalho. Importantes estudos na área
da Psicodinâmica do Trabalho demonstram que não há neutralidade do trabalho em
4
Ao que se sabe, o termo foi empregado pela primeira vez pela Professora e
Pesquisadora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da FGV-
EAESP. Veja-se Assédio Moral e Assédio Sexual: faces do poder perverso nas
organizações. Revista RAE de Administração de empresas. Abril/junho.2001. P. 18.
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5
A Banalização da Injustiça Social. FGV editora, 3a edição, p. 36.
6
A primazia dessa constatação em sentença é do Juiz Leonardo Viera Wandelli [v.
Mobbing no Hospital, quando a Vítima é o Médico. Revista LTr, setembro de 2005].
7
Ob. Cita, p. 18.
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Hoje é cada vez maior a necessidade de proteger as liberdades individuais não apenas
contra o Estado, mas também contra os mais fortes dentro da sociedade, ou seja, contra os
detentores do poder social e econômico, já que é nessa esfera que os direitos humanos se
encontram particularmente ameaçados. Dessa vinculação excluem-se, por óbvio, os direitos
políticos e as garantias de natureza processual, como o habeas-corpus e o mandado de
segurança. Todavia, por força do princípio da unidade da ordem jurídica e da força normativa
da Constituição [C. Federal, art. 5o, § 2o], o direito privado não pode esconder-se num gueto à
margem do Direito Constitucional9. O Banco, enquanto entidade privada, está também
vinculada à eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
A defesa alega que compete à autora provar não apenas o dano, mas também o nexo causal
entre este e o fato narrado. Razão, nesse particular, não lhe assiste. Com o advento da Lei de
modernização social do trabalho da França, inaugurou-se uma nova interpretação jurídica
para o dano decorrente do assédio moral, em tudo aplicável à hipótese do dano moral
decorrente da administração por estresse. Ao aliviar o ônus probatório a cargo do autor, o
legislador francês, «sem esticar-se, porém, para uma verdadeira e própria inversão do ônus
da prova, o exonerou da plena prova do assédio, consentindo-lhe uma prova indiciária da qual
o juiz possa inferir, segundo o quod plerumque accidit, a existência da vexação»10. Ressalte-
se que essa lei é a resposta da França à exigência decorrente da Resolução A5-0283/2001
do Parlamento Europeu, que, apesar de não obrigar o direito pátrio, tomamos como paradigma
em face da sua inegável importância dentro do universo jurídico ocidental e, certamente, será
tomada por modelo pelos 25 países membros da UE.
Além disso, na tutela de Direitos Fundamentais é razoável entender que a natureza imaterial
dos bens lesados [a honra, a profissão, a dignidade, a intimidade, a vida privada, a liberdade,
a segurança, etc] impediria a prova do dano, ou melhor dito, a faz coincidir com aquela da
antijuridicidade da conduta. Por oportuno, repita-se que o fato desencadeador do dano restou
sobejamente provado na instrução do processo.
8
LAFER. Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos. Companhia das Letras, 1988, p.
28.
9
SARLET. Ingo Wolfgang. Ob. Citada. P. 357. No mesmo sentido Konrad Hesse. In A
Força Normativa da Constituição. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1991.
10
MAZZAMUTO. Salvatore. Ob. Citada. P. 14.
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Considerando, portanto, a relevância do sofrimento infligido à autora por todo o tempo que
durou o contrato, bem como a situação econômica do Requerido, o que se deduz do seu lucro
médio anual, mas considerando-se também a hipótese perfeitamente plausível de serem
ajuizadas diversas ações semelhantes contra esse mesmo banco, podendo a soma das
condenações atingir índices que bastem a cumprir o efeito pedagógico que orienta
condenações desse jaez, entendo que o valor postulado pela autora é razoável e lhe permitirá
comprar-se um serviço ou um bem como lenitivo que capaz de aliviar o mal-estar da desolação
vivenciada no albor da sua vida profissional. Por tudo isso, e com fundamento no art. 114, VI
da Const. Federal e nos arts. 12 e 21 da Lei 10.406 de 10/01/02, defiro à autora indenização
por danos morais correspondente a 100 cem vezes a maior remuneração percebida,
observada a atualização devida. Com supedâneo, ainda, no que dispõe o art. 461 do CPC
brasileiro e em importante precedente aberto em sentença da lavra do Juiz Marcos Barberino
da 2a Vara do Trabalho de Sorocaba11, determino, ainda, que o Bradesco S/A forneça à autora
missiva, com cópia para todos os seus colegas, manifestando expressamente suas desculpas
pelos danos que a esta causou durante a vigência do contrato, sob pena de pagar multa diária
fixada em R$ 5.000,00 [cinco mil reais].
4. DEMAIS PEDIDOS
11
Veja-se na íntegra a sentença in Terror Psicológico no Trabalho. Pp. 79-81.
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CONCLUSÃO