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YANN MOULIER BOUTANG1

GLOBALIZAÇÃO DAS ECONOMIAS, EXTERNALIDADES, MOBILIDADE, TRANSFORMAÇÃO DA

ECONOMIA E DA INTERVENÇÃO PUBLICA2

Muito, senão quase tudo, já foi dito sobre a globalização das economias na virada do milênio. Os

principais elementos analisados já foram largamente identificados (e discutidos). Crise das categorias, das

anteriores relações de força, em particular entre economia de produção e economia financeira: tudo isso

pode ser mais apurado, mas o essencial já é conhecido. Em contrapartida, o aspecto tranformador da crise

iniciada em 1975 é bem mais impreciso. No centro do sistema capitalista, assistimos ao desabamento de

um mundo, de um lado o da Revolução Industrial, e do outro o da sociedade salarial. 3 Ao contrário, é mais

difícil perceber nitidamente o que vai substituí-la. Os limites principais do diagnóstico neoclássico, e mais

geralmente clássico (devemos incluir hoje, na ortodoxia, a ciência econômica de matriz keynesiana e a

economia de orientação marxista tradicional), da mundialização, como dos remédios prescritos e das

poções administradas realmente ao doente, derivam segundo pensamos, de uma ausência de teoria

construída sobre o mecanismo profundo da globalização, bem como sobre sua origem. É isso que

tentaremos reconstruir num primeiro momento. Depois de descrever em linhas gerais a mundialização e

os limites dos paradigmas que pretendem explicá-la e prever sua evolução, tentamos usar noções

emprestadas do campo da nova economia institucional dos custos de transação numa perspectiva marxista

francamente heterodoxa para explicar a força desse movimento de globalização. O impasse é tal que, para

nós, por mais barroca ou deselegante que seja, essa heterodoxia “ao quadrado” se justifica se permite

reconquistar um princípio de unidade teórica. Ela nos parece, em particular, um trabalho prévio a uma

análise comparativa das situações brasileira e européia. Na análise que propomos, o estudo das

externalidades e dos custos de transação permite compreender a lógica da globalização (parte I). A partir

das contribuições das teorias do crescimento endógeno, propomos caracterizar o pós-fordismo de maneira

positiva a partir da emergência de um setor da produção que tem um papel análogo ao do setor dos bens

de produção, o do trabalho imaterial ou, dito de outra maneira, da produção de capital humano mediante

capital humano (parte II). Na terceira parte, que servirá de conclusão provisória, propomos algumas

considerações para uma reconstrução da intervenção pública.

O significado da globalização das economias: a revanche das externalidades

Os limites da descrição clássica da globalização financeira da economia-mundo

No processo de globalização, o destaque é geralmente dado ao desenvolvimento do comércio

internacional que aumenta as transações com espaços não unificados ou pouco homogêneos no volume

1
Institut d’Etudes Politiques de Paris, França.
2
Trabalho apresentado no Seminário Internacional Mutações dos processos de produção: espaço,
produção industrial e comunicação no pós-fordismo. Rio de Janeiro, 16-18 de junho 1997.
3
Se é verdade que o assalariado operário progride muito no mundo em geral, no Terceiro Mundo, a
transição para o pós-assalariado é também muito rápida devido à ausência das poderosas garantias do
assalariado canônico.
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global das trocas. Nesse caso, somente as relações monetárias asseguram a comensurabilidade das

transações. Daí a desregulação “nacional” das moedas e dos fluxos de capitais iniciados com a crise do

padrão dólar-ouro a partir de 1971.

Essa abertura dos mercados financeiros teve, em conseqüência, um efeito sobre o espaço nacional

das economias. A partir desse momento, a comparação se refere à competitividade global e social das

economias e não mais a um bem-mercadoria particular que tinha a função de dinamizar, ao mesmo tempo,

o comércio mundial e o ciclo da demanda interior, como foi o caso do fordismo que, em relação ao ciclo

das trocas sobre bens básicos ou sem grande valor agregado do imperialismo colonial, incorporava mais

terceirização e sobretudo mais savoir-faire em matéria de organização (fazer convergir por exemplo 22.000

peças, além da tecnologia, no caso da indústria automobilística). Num primeiro tempo isso se concretizou

pelo surgimento de novos países industrializados (NPI) que se apoderaram de uma parte modesta mas

estável do comércio internacional (7 a 8%), e que então pareceu introduzir um elemento de concorrência

manufatureira (deslocalização). Mas, a partir dos anos 1985-1995, isso se traduziu, sobretudo, por uma

reestruturação profunda dos espaços produtivos nas áreas nacionais e/ou regionais das economias tanto

centrais quanto periféricas. Os fatores financeiros de localização das novas atividades e as questões de

custo global do trabalho se tornaram cada vez mais importantes, como ilustra o debate realizado em

Genebra, na OMC (Organização Mundial do Comércio), a respeito da questão do dumping social que agita

os países ricos com respeito às formas de concorrência dos gigantes asiáticos que recorrem ao trabalho

infantil, ou ao trabalho não-livre, bem como o debate no espaço da União Européia sustentado numa

vontade cada vez mais afirmada de completar o Tratado de Maastricht por uma cláusula social e fiscal.

Todavia, as análises que colocavam em primeiro plano a competitividade econômica e as

deslocalizações industriais em função dos baixos custos de mão-de-obra e do menor grau de proteção

social mostraram rapidamente seus limites. De um lado, os Novos Dragões do Sudeste Asiático se

revelaram sensíveis aos aumentos dos custos salariais e a uma onda de reivindicações sociais (Coréia). Por

outro lado, após um período de flutuação, o Império americano demonstrou um novo dinamismo. Em

particular, ficou evidente que as economias mais dinâmicas do centro combinavam uma flexibilização

inconstestável de uma parte do mercado de trabalho (o menos qualificado) a uma incorporação crescente,

e cada vez mais rápida, da ciência, dos serviços mais sofisticados às empresas. A concorrência

internacional passou a operar sobre os elementos da competitividade extra-mercado, nos quais os fluxos

de serviços e de trabalho imaterial contribuem de maneira decisiva à produtividade global e à captação

dos fluxos, tanto financeiros, como de informação emergentes da economia-mundo do século XXI. Há,

desse ponto de vista, uma coerência entre a insistência política sobre a qualidade da população, em

particular, sobre os investimentos nos setores de educação e da saúde que foram levantados como

prioridades pelos programas dos democratas americanos, dos trabalhistas ingleses ou dos socialistas

franceses, e, de outro lado, a reabilitação teórica do papel do setor público e dos investimentos coletivos

nos modelos de crescimento endógeno.

A busca de uma diminução relativa dos custos do trabalho, de uma redução das despesas

públicas (e em particular do sistema de proteção social) constituiu somente a parte mais visível da
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verdadeira transformação dos aparelhos produtivos. O papel exato da flexibilidade “defensiva” (R. Boyer),

que é somente um retorno aos mecanismos da mais-valia absoluta, mereceria um desenvolvimento

próprio, no qual não podemos nos engajar aqui.4 É importante sublinhar que a flexibilidade foi eficaz

quando ela foi acompanhada de uma flexibilidade “ofensiva”.

Como caracterizar essa flexibilidade “ofensiva’? Podemos falar da instalação de um novo “regime

de acumulação”, procurando estabilidade, duração e novas convenções? Podemos falar de uma

reorganização setorial, e sobretudo espacial, de acumulação ou da economia-mundo em direção à zona do

Pacífico? Perguntas desse tipo suscitam vários problemas:

1) Não há ciclo de produto claramente identificável; a indústria de componentes e a

informática não substituem a automobilística como vetor do ciclo econômico. Assim

não podemos buscar a reorganização da economia-mundo em torno de um produto

particular. Mas a potência de descrição do regime “fordista” era largamente

tributária da unidade de uma teoria do salário como investimento num bem de

consumo durável, ainda hoje, emblemático de uma teoria do circuito financeiro, da

poupança particular e da intervenção do Estado (Keynes) e de uma organização da

divisão do trabalho (Taylor). O carro sem Keynes, e após Taylor, com padrões

voltados ao salário como custo variável, não era suficiente. O problema é que a

informática (tanto hardware como software) e a economia da informação não têm o

peso do automóvel, e, sobretudo, ainda não encontraram suas correlatas teóricas e

institucionais.

2) Não surgiu, realmente, um compromisso institucional substancialmente novo em

relação ao ciclo fordiano, tayloriano e keynesiano precedente. Ao contrário, temos a

impressão de uma sucessão bastante incoerente de seqüências-colagens, de citações

pós-modernas dos Trinta Gloriosos (período entre 1945 e 1975 que se caracterizou pelo

crescimento da produtividade e do emprego nos países centrais). Nem o sindicato

nem o Estado encontraram configurações verdadeiramente novas, enquanto

prosseguia a implosão do modelo de contrato de trabalho e da relação salarial

canônica e nem os conflitos nem o reformismo capitalista parecem uma alternativa

poderosa. Dito de outro modo, não falta ao atual funcionamento da economia

mundial somente um padrão-mercadoria emblemático, falta, sobretudo, um New

Deal social e político. O comunismo não é mais um rival exterior ameaçando o

sistema, o neoliberalismo foi somente uma ideologia de transição e a social-

democracia européia busca ainda novas referências.

4
Podemos observar que o retorno à crueldade “liberal” não acontece pela primeira vez na história da
acumulação, mas corresponde a uma vontade de disciplinar e fixar a mão-de-obra e provavelmente de
impedi-la de se subtrair ao trabalho dependente.
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A financeirização da economia mundial pareceu primeiramente ter um papel positivo, ou pelo menos

estabilizador, através da instauração de uma regra geral em face da incoerência das regulações nacionais e

do enfraquecimento da ordem imperial de Yalta. Ela se revelou portadora de riscos consideráveis, como o

confirmaram a crise da dívida mexicana de 1982, o estouro da esfera especulativa de 1987, o krach

imobiliário de 1992-1994 ou o escândalo das perdas dos traders dos grandes bancos de negócio (Baring,

Crédit Lyonnais). Todavia, não podemos imputar ao sistema financeiro atual, a responsabilidade da

instabilidade. Se, graças a informática e ao mundo virtual, os mercados financeiros tornaram-se realmente

um mercado walrasieno, é porque existem centenas de bilhões de dólares de excedentes monetários

aplicados a curto prazo que não sabem, nem podem, ser investidos a longo prazo. Não é a especulação que

cria o risco mesmo se, em feed-back, as práticas especulativas apresentam incontestavelmente riscos

suplementares e, fundamentalmente, o risco a longo prazo, a incerteza, que conduz a uma obrigação de

especular e que se traduz por essas famosas taxas de juro real positivo que estrangulam o investimento

produtivo. A financeirização da economia apresenta incontestavelmente efeitos patológicos (em particular

porque afeta a capacidade de diagnóstico político e de previsão da governabilidade herdada de quatro

séculos de experiências).5 Ter dinheiro em caixa não significa mais precaução ou especulação, mas

especulação por precaução. Os capitais flutuantes atingem proporções consideráveis sem relação com uma

aceleração das transações devido à ausência de um novo regime de acumulação estável. É também o peso

do risco global que afeta a massa de capitais investidos produtivamente que explica a manutenção

obsessiva de critérios antiinflacionários, ao passo que as condições macroeconômicas de toda situação

nacional não exigem mais a manutenção desses critérios e provocam assim um efeito de estagnação sobre

o crescimento das economias que não se beneficiam do privilégio imperial da moeda de reserva

internacional, isto é, de todas as economias, salvo a norte-americana. A inflação é incorporada ao

mecanismo de criação monetária através do adiantamento de crédito sobre o futuro numa economia de

produção. Numa economia que não consegue usar plenamente o capital disponível, a inflação é vivida

pelos detentores de liquidez, ou de aplicações a curto prazo, como ela era percebida por Keynes, a saber

uma verdadeira eutanásia dos rentiers. Mas dessa vez os rentiers são os investidores institucionais que

representam, entre outros, os fundos de pensão.

A globalização da economia se traduz pela extinção das barreiras de entrada ao movimento das

mercadorias, dos capitais, através do desengajamento do Estado na sua função diretamente produtiva

(privatização, diminuição de despesas públicas e das subvenções), de uma flexibilização do mercado de

trabalho (redução de patamares mínimos para o salário, desmantelamento de elementos limitando o

direito de demissão), de um aumento da parte dos lucros da renda nacional. A liberalização se traduz por

5
O FMI tornou-se a causa de todos os motins, revoluções ou movimentos integristas no Terceiro Mundo
tradicional por seus programas de ajuste estrutural. Nos velhos países do Leste Europeu, contribuiu para
reeguer, após cinco seis anos, quase todos os antigos partidos comunistas. Na Rússia ele acelera a
instabilidade. Quando pensamos no que ele impõe a Ceaucescu na Romênia, vemos que na China ele
poderia constituir a isca do barril de pólvora através da aliança que preconiza entre manutenção de
estruturas políticas autoritárias e inserção acelerada na economia mundial. Na Santa-Aliança moderna, o
governo financeiro da economia-mundo dispõe de pouco de William Pitt e muito de Metternich. O FMI
não é isolado, as instituições monetárias da União Européia apresentam a mesma cegueira por
mimetismo. É nesse sentido que podemos falar de uma veradeira inconsciência política.
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um aumento das trocas internacionais, um aumento, a mais ou menos longo prazo, do produto nacional,

uma realocação dos recursos em direção aos setores produtivos. A fixação das taxas de câmbio e dos níveis

das taxas de juros pelo mercado internacional dos capitais acarreta uma perda de autonomia das políticas

monetárias. No caso dos países da União Européia, o fenômeno é ainda mais draconiano, pois, com o Euro

e a possibilidade de uma política monetária que desaparece enquanto a fixação de planos de um ajuste

estrutural para os países do Terceiro-Mundo endividados ou as políticas de limitação dos déficits públicos

na base de uma porcentagem pré-definida do PIB para os outros (os 3% do Tratado de Maastricht ou a

ameaça de interdição de voto dos orçamentos federais em déficit nos Estados Unidos) marcam o declínio

durável das margens de autonomia das políticas orçamentárias. As reformas do welfare, das leis

trabalhistas, do setor público são projetadas em linhas de frente. Elas são evidentemente o alvo dos liberais

que reinvindicam mais austeridade se queremos voltar, segundo eles, a uma situação de emprego.

Nesse esquema a globalização se traduz essencialmente pela concorrência dos custos globais do

trabalho, dos lucros das aplicações financeiras, para obter lucro imediato máximo, ou uma melhor

lucratividade. Os sistemas institucionais na sua forma democrática de governo, ou, de maneira

aparentemente mais limitada, a constituição do trabalho e a repartição da riqueza, tornam-se variáveis de

ajuste. O deslocamento sistemático, quase sistêmico, da economia de produção sobre um setor monetário e

financeiro representa a nova forma de governo mundializado que fornece sinais unificados a cada uma

das camadas dirigentes das diversas situações. A financeirização da economia encerraria a dominação

unilateral do mercado, como mecanismo de submissão disciplinar “psicológica”, nova lei fundamental. Ela

se tornaria o aparelho ideológico por excelência do Estado pós-fordista, o que é paradoxal, na medida em

que tal aprelho ideológico parece anunciar seu desaparecimento e presidir a redução de sua inserção no

tecido econômico e a redução de suas margens de autonomia; tudo isso em benefício de uma ordem

mundial definida como os bons critérios de funcionamento dos mercados financeiros.

A globalização ampliaria o campo das transações de bens e serviços, intensificaria os fluxos,

suscitaria a criação de novas organizações internacionais de regulação e de fiscalização da homogeneidade

jurídica, mas levaria, ao mesmo tempo, a uma simplificação das organizações no âmbito dos Estados, a

uma forma de Estado mínimo reinvindicada pelos neoliberais, que fariam dele a simples cadeia de

transmissão de imposições objetivas do mercado mundial.

Podemos dizer que tal esquema se verifica após vinte e cinco anos de transformação neoliberal e

de globalização? Pensamos que não. As observações empíricas mostram que as despesas públicas na

criação de riquezas – nos limitamos aqui à criação das riquezas que figuram nas contas nacionais e são

medida pelo PIB – aumentaram em toda parte. Além disso, a homogeneização se opera de maneira muito

relativa, devido ao fato de que a exceção japonesa, americana e inglesa (caracterizada por uma proporção

ainda pequena das despesas públicas) tende a diminuir. Nos países continentais europeus, e

particularmente norte-europeus, foi o trend de crescimento das despesas públicas que sofreu uma inflexão.

Mas, seu nível permanece extremamente elevado a partir da transformação quantitativa e qualitativa que

ocorreu ao longo dos anos 1970, quando nascia precisamente a ideologia neoliberal da suposta curva de

Lafer.
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Uma vez levada em consideração a devolução ou descentralização do empenho do Estado central

em beneficiar as coletividades locais e as instâncias federais embrionárias da União Européia, a proporção

do emprego público, dependendo, para seu financiamento, do sistema redistributivo geral, não sofreu a

dieta radical anunciada pela mundialização neoliberal. Se acrescemos as subvenções acordadas

indiretamente ao setor privado por diversos planos de adaptação (e sobretudo as isenções, parciais ou

totais, de encargos sociais para os empregos não qualificados, cujos titulares já recebem mais de um terço

de sua renda total de transferências sociais financiadas pela coletividade), empregos correntes do setor

privado são na realidade financiados em 33% e a renda das famílias que ocupam esses empregos é de fato

dependente dos três quartos do imposto.6 Trata-se de novas leis sobre os pobres, mas que se aplicam aos

detentores de um emprego assalariado, enquanto que os outros são submetidos aos rigores dos cortes

orcamentários. Elas não têm nenhum dos efeitos estabilizadores de uma maior eqüidade.

A simplificação das organizações e a redução ao mínimo da intervenção do Estado é também um

mito. Constatamos, ao contrário, que a mundialização impõe uma estatização crescente da administração

local, no sentido de uma complexificação e de um crecimento da função de “governança”, enquanto na

Europa Ocidental aparecem níveis federais, supranacionais dotados de prerrogativas estatais mas,

igualmente de poderes econômicos e internacionais. Nos países com tradição federal, com imbricamentos

de poderes estaduais devolvidos parcialmente aos Estados e à instância federativa, assistimos também a

uma profunda redistribuição dos papéis entre o nível municipal, o nível estadual e o nível federal em

todos os aspectos das políticas públicas (políticas urbana, social, industrial, fiscal).

Assim, após vinte anos de duração, é o caráter não-acabado, interminável da crise (nesse sentido

ela é o contrário de um ciclo identificável) que apresenta um problema maior. Por que a globalização da

economia-mundo não supera a financeirização como simples momento para criar novos territórios, um

novo regime de acumulação, novos princípios de intervenção do poder público, em particular, nas

políticas econômicas, industriais e de gestão urbana?

Então a globalização, ou mundialização, não é um processo simplificador, nem um princípio

linear de alinhamento numa norma única, a do mercado. Constatar isso não nos permite avançar. Se a

mundialização complexifica muito as organizações e suas leis, a questão consiste em procurar qual é o fio

6
Na França, por exemplo, no setor privado, para um salário bruto mensal de 100 unidades de conta, o
empregador deve pagar normalmente 100 + 51 de encargos sociais, ou seja 151 unidades de conta. O
empregado recebe, por sua vez, 80 unidades de salário líquido (sua contribuição ao financiamento dos
seguros-saúde e previdência, etc. é avaliada em torno de 20%). O custo ordinário do trabalho é
portanto de 151 para o empregador. Por outro lado, sabemos que os benefícios sociais (redução de
impostos, benefício da proteção social, etc.) representam mais de um terço da renda média operária.
Para essas categorias sociais podemos considerar como desprezível a renda do patrimônio. A renda pós-
imposto é portanto formada da soma dos salários líquidos mais um terço dessa soma, seja mensalmente
de 80 unidades de conta + (0,33 x 80) ou seja 106,4 unidades de conta. Se o Estado é responsável
integralmente pela parte patronal do financiamento dos encargos sociais, para a formação de uma renda
líquida de 104,6 unidades de conta, ele desembolsa os encargos sociais e a renda de redistribuição, ou
seja, 26,4 unidades de conta num total de 77,4. Esse fluxo bruto de despesas (que logicamente não é
um fluxo líquido pois uma parte dessa renda de redistribuição garantida ao empregado é financiada
pelos encargos sociais) corresponde a cerca de 73% da renda líquida de nosso empregado do setor
privado. O mercado é responsável por somente 27% de sua renda líquida. O neoliberalismo milita contra
a economia mista, mas generaliza o salário misto. Tínhamos feito a mesma constatação com relação à
economia da Terceira Itália, que faz a apologia da autonomia da iniciativa privada, mas que finalmente
revela-se como uma economia ainda mais subsidiada que os grandes conglomerados públicos.
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que permite reconstruir uma política possível de intervenção pública. Se queremos ir além da descrição é

necessário reconstruir um esquema inteiramente diferente e dinâmico da mundialização.

A mundialização é o registro de um processo: a revanche das externalidades. Alguns marcos teóricos

Consideraremos aqui que a noção de custo de transação de Ronald Coase, abundantemente usada

por D. North e O. Williamson, seja familiar ao leitor. Lembramos que ela consiste em levar em

consideração na análise das formas de transação econômica adotada por uma sociedade o custo da

instalação e do funcionamento das instituições necessárias. O estabelecimento da regra faz parte da

transação e sua escolha obedece a um princípio da economia, o de minimização dos custos de transação e

de aumento do volume, mas também, da freqüência e da segurança das trocas.

Nossa hipótese teórica se enuncia da seguinte maneira:

1) A produção de riqueza é hoje dominada por interdepedências tão fortes, que os fenômenos das

economias externas ou externalidades, tornam-se determinantes. Para melhores esclarecimentos sobre as

externalidades o leitor pode se reportar ao texto anexo, ao final deste artigo.

2) Essa realidade apresenta duas faces: de um lado, as externalidades positivas fazem dos preços

e mecanismos do mercado indicadores cada vez mais medíocres dos movimentos reais da economia: os

ganhos reais aparecem como rendas distribuídas administrativamente (hierarquicamente), enquanto o

lucro realizado pelos setores mercantil e privado corresponde cada vez mais a uma redistribuição de

renda. De outro lado, o crescimento das externalidades negativas incentiva os poderes públicos a corrigir

seus efeitos, a tentar revelar esses efeitos introduzindo na troca mercantil ativos específicos (os elementos

naturais, a formação dos indivíduos, as redes da governança, a informação) acirrando assim a

mercantilização financeira e a devolução à norma do lucro de setores da atividade pública, enquanto

recusamos admiti-los como as fontes maiores da criação de valor. Uma externalidade negativa não pode

ser compensada, ou corrigida, por uma externalidade positiva numa lógica de jogo de soma nula. Nesse

sentido a crise das despesas públicas do Estado-Providência é tripla:

a) O crescimento dos encargos sociais traduz o reconhecimento do papel

maior das externalidades negativas em corrigir a jusante do mercado, e as

positivas, a montante desse mercado, para que seus custos de transação não o

condenem;

b) O crescimento das despesas e a contração das receitas estão ligados ao

estreitamento da receita fiscal lógica a partir do momento em que a base

produtiva real da economia entrou somente parcialmente no inventário

contábil da riqueza (o problema é bem conhecido do “setor informal” e é a

tradução desse fenômeno nos países em desenvolvimento);

c) A estrutura das despesas em produção das externalidades positivas não é

homotética da estrutura da compensação das externalidades negativas. Existe,

aqui, uma verdadeira crise da tesoura.


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3) Essa assimetria entre o desenvolvimento das externalidades positivas e negativas prossegue

através de efeitos extremamente contrastados, e ainda a explorar, sobre os custos de transação. O.

Williamson propôs (1991, p. 284) uma explicação ao recurso diferenciado ao mercado, à hierarquia

(empresa, administração pública) ou às formas mistas através da interligação dos custos de transação com

a especificidade dos ativos trocados. Quanto mais os ativos tornam-se específicos, mais os custos de

transação se elevam. Assim, um programa de minimização dos custos de transação leva à substituição do

contrato clássico (spot market) pelo contrato neoclássico (contrato de longo prazo) ou pelo contrato jurídico

(a norma). Se podemos admitir que a especificidade dos ativos aumenta com o crescimento das

externalidades negativas na economia, não é garantido que, em compensação, um nível elevado das

externalidades positivas, acompanhado de um alto grau de especificação dos ativos, acompanhe-se de um

aumento inelutável dos custos de transação. Dito de outro modo, como o supõe Williamson, o contrato

clássico seria rapidamente desqualificado. Esse caso nos parece precisamente o que Marx descreveu na

troca dinheiro-trabalho dependente ou assalariado, produzindo mais-valia relativa.

4) Num conjunto dado, formando uma unidade (funcional como uma empresa, uma

administração, um território, uma nação), o surgimento duradouro das externalidades positivas ou

negativas extramercado pode ser resolvido de várias maneiras: seja por endogeneização das

externalidades através do mercado (atribuição de um preço), ou através de transferências; seja por

exogeneização, isto é, descarregando sobre o exterior da unidade considerada os efeitos negativos

(exportação das indústrias poluentes para o Terceiro Mundo), seja mantendo a possibilidade de extrair

constantemente externalidades positivas sem ter de pagá-las ou pagando-as em proporção ínfima. As

unidades obrigadas a proceder a uma compensação final, são apenas aquelas que, por seu circuito,

recolhem externalidades negativas e são levadas por mecanismos políticos a financiar externalidades

positivas.

O surgimento de um novo quadro abrangente em relação ao primeiro responde a esse problema

de reintegração das externalidades. Vamos usar um exemplo: quando o capitalismo de Manchester,

herdeiro da escravidão de plantação, usou o trabalho como uma mercadoria em quantidade ilimitada, foi

observada no sul da Inglaterra uma fuga dos operários agrícolas em direção às grandes fazendas de

cereais, uma redinamização da emigração em direção ao Novo Mundo, dessa vez em uma escala maciça,

uma mortalidade impressionante. Esse problema não era o das indústrias de algodão, enquanto elas

dispunham de “carne humana” e não enfrentavam greves. Mas, isso constituía um problema para os

demais componentes do conjunto nacional inglês, e em particular do Estado, que era encarregado do

abstecimento regular e homogêneo do país em mão-de-obra dependente e da estabilidade política das

transações dinheiro/trabalho. A seqüência é conhecida: um contrato jurídico limitando de maneira

homogênea a duração do trabalho, o trabalho das mulheres e das crianças foi feito para proteger o caráter

específico da força de trabalho. Demonstramos que o mesmo mecanismo ocorreu quando a Inglaterra, que

já era a primeira potência mundial, decidiu modificar radicalmente a regra da troca internacional

subtraindo, das transações, entre 1808 e 1834, o padrão escravista que servia não somente de contrapartida
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à cana-de-açúcar (que era o modelo de reprodução dos operários), mas também de contrapartida ao

crédito dos agricultores na ausência do valor da terra.

A redefinição periódica da base da mais-valia relativa se operou historicamente sobre a base de

uma construção de instituições jurídicas que deram um sentido específico ao contrato de trabalho. Certos

ativos que faziam parte da transação dinheiro/trabalho dependente foram excluídos (o portador da

capacidade de trabalho, os cônjuges e crianças, o tempo como duração obrigatória, os intermediários

ganhando uma renda, etc.). Outros foram incluídos (seguro contra os riscos de doenças, de perda de

emprego, o pagamento atrasado de aposentados, o tempo de repouso, o tempo de formação etc.).

5) Quando, dentro de um conjunto dado, as externalidade não são pagas (porque elas não são

pagáveis ou porque existe uma recusa em pagar), são produzidos fenômenos de fuga, de saída deste

conjunto. Esta reação causa, por sua vez, a inclusão num conjunto mais amplo, e assim uma redefinição do

espaço, do território, das fronteiras espaciais, assim como produtivas. A corrida às economias de escala à

qual assistimos atualmente é menos tecnológica e industrial do que ligada aos custos de funcionamento de

administrações cada vez mais pesadas. Mas, esse incremento não se relaciona com uma simples tendência

burocrática abstrata. Gerir as funções tutelares das externalidades, leva hoje a administração pública,

pressionada por uma necessidade fiscal crescente, para a invenção de outro aparelho de Estado. D. North

evocou, no nascimento do Estado moderno, o papel da venda do privilégio fiscal (votar o imposto) ou dos

encargos. Hoje o arrendamento, pelos Estados, dos canais de comunicações, a criação de direitos

biológicos (clonagem, inventário do genoma) traduzem um impulso semelhante. O que os liberais

apresentam como um emagrecimento do Estado corresponde, de fato, a uma extensão formidável do

poder de controle sobre o vivo e não mais sobre os bens.

6) A insegurança sobre as transações a longo prazo, que pesa sobre o sistema atual da economia-

mundo, deve ser lida como uma incapacidade de pagar as externalidades tanto positivas como negativas

no quadro nacional. O recurso à financeirização mundial, como substituto de uma autodisciplina dos

parceiros sociais, é portador, por feed-back, de externalidades negativas muito potentes. No nível

microeconômico, por exemplo, a contestação do princípio do mercado interno, pelo downsizing dos

efetivos em nome de uma rentabilidade financeira imediata num estabelecimento, tem efeitos poderosos

sobre a posição de esforço dos assalariados do conjunto de um grupo e sua eficiência x. No nível

macroeconômico, a fuga da poupança das famílias e de investidores institucionais em direção às

aplicações financeiras em detrimento dos investimentos de longo prazo só pode ser combatida pelo

desinchamento brutal da esfera financeira, isto é, pelo retorno a taxas de juros reais negativos, ou pela

eliminação da renda (crise financeira) ou ainda por uma volta à inflação (solução largamente praticada

pelos países do Hemisfério Sul ao longo dessas duas décadas).

As etapas da revanche das externalidades


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Podemos, então, reconstituir rapidamente as etapas das tentativas de controlar o crescimento das

externalidades desde os anos 60. A importância crescente das externalidades constituiu primeiramente um

desafio teórico para a economia neoclássica. Assitimos a uma dupla tentativa de recuperar esse extra-

mercado principalmente através da extensão do alcance e da área de aplicação das funções de

maximização da utilidade do consumidor ou do produtor. O espaço extra-mercado por excelência (a

política, os vínculos matrimoniais) foi anexado pelos “novos economistas”, enquanto que a extensão do

paradigma neoclássico ao horizonte intertemporal permitia a Milton Friedman e G. S. Becker justificar a

diferenciação crescente do contrato neoclássico em relação ao modelo clássico do mercado instantâneo.

Além dos aspectos cômicos ou monomaníacos da Escola de Chicago, há o reconhecimento, a partir de

1962, de que está acontecendo algo fundamental para a economia fora de suas fronteiras tradicionais. O

desenvolvimento, na década seguinte, de modelos ecológicos (Clube de Roma, críticas da ideologia do

desenvolvimento, etc.) acompanhou a revelação das externalidades negativas provocadas pelo

crescimento. A transformação radical da atitude das organizações internacionais com respeito ao setor

informal dos países do Terceiro Mundo traduz também a tomada de consciência da importância das

jazidas de externalidades positivas como fonte maior de criação de emprego extra-mercado. Essa

tendência é também caracterizada, nas economias do centro, pelo descobrimento do papel das redes

comunitárias, dos distritos industriais como fatores de produtividade, o papel inovador do industrial

consistindo em tirar partido não mais dos recursos físicos, mas dos segmentos da organização social e dos

valores do uso ofertados gratuitamente pela sociedade. Já tentamos mostrar em duas pesquisas sobre a

indústria da confecção na Terceira Itália e sobre Sentier, o bairro da confecção, na metróplole parisiense,

que a função dos empresários estava hoje largamente condicionada pela faculdade de captar as

externalidades positivas geradas pela organização social.7 A última revelação da potência das

externalidades é a crise urbana. A definição dos “subúrbios” europeus ou dos “guetos” americanos, ou das

cidades selvagens do Terceiro Mundo, não seria a conseqüência do desaparecimentodas externalidades

positivas e a da empregabilidade do trabalho dependente?

Poderíamos então acreditar que a grande transformação em curso seria uma grande

endogeneização dos custos e dos ganhos escondidos nos mecanismos do mercado através dos vetores de

preço. Apesar disso, essa reafirmação da hegemonia do mercado não foi bem-sucedida. Ela enfrentou

várias limitações.

A primeira razão residia, sem dúvida, no custo gigantesco da revelação mercantil das

externalidades. Assim, a possibilidade encarada de remunerar o trabalho doméstico e maternal foi

rapidamente abandonada. Em 1980, Annie Fourquet avaliava, na França a três salários mínimos a

remuneração desse trabalho a partir de diversos métodos contábeis possíveis.

A segunda razão decorre do esgotamento das jazidas de externalidades positivas privadas na

ausência dos investimentos públicos que lhes são paralelamente necessários. O elogio que ouvimos da

sociedade civil (no momento do desenvolvimento nas economias do centro do trabalho não declarado) a

respeito da flexibilidade que ela permitiria revelava de uma dupla ilusão. A primeira era relativa ao
7
Ver Corsani, Lazzarato e Negri (1996).
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 11
economia e da intervenção publica

caráter natural e eterno das externalidades positivas comunitárias, enquanto estas constituem uma

articulação da despesa pública. A segunda ilusão era, por outro lado, relativa à flexibilidade incondicional

e alternativa ao Estado-Providência, enquanto a flexibilidade do setor informal da economia e a aceitação

das formas particulares do emprego são estreitamente correlacionadas à existência da rede protetora do

welfare.

Na ausência dessa endogeneização das externalidades em custos suportados pelos agentes, a

resposta que tomou forma foi a globalização, isto é, um alargamento do quadro de colocação em

equivalência da totalidade das trocas econômicas.Entretanto, uma questão surge então: podemos usar esta

explicação do deslocamento da economia-mundo em uma escala internacional gerada por uma demasiada

rigidez local? Achamos que não.

O controle das externalidades geradas pela mobilidade do trabalho

Nossa pesquisa sobre a constituição do trabalho assalariado e do contrato de trabalho8 mostrou a

partir do passado, que a mobilidade do trabalho dependente era à origem do movimento de especificação

da transação dinheiro/trabalho. É a partir das externalidades positivas, tanto quanto das negativas, que ela

produz, que a transformação do mercado de trabalho e sua especificação se organizaram. A constituição

do trabalho assalariado é, na verdade, sobretudo um problema de fixação da população numa condição de

trabalhador dependente. Foi a ruptura do compromisso de trabalho que constituiu o maior problema de

funcionamento de um mercado de trabalho. A proletarização econômica, a imposição política ao trabalho

forçado colonial, à servidão e à escravidão foram a conseqüência desse problema de fixação. O nomadismo

dos pobres, a migração interna e internacional, a fuga em direção às cidades, a conquista do status de

camponês, o acesso ao trabalho não-assalariado (trabalhador independente) foram as primeiras

manifestações dessa externalidade negativa da mobilidade. O complexo edifício jurídico que se constrói

em torno da questão da ruptura unilateral do contrato de trabalho permite destacar dois grandes pólos.

Ou a especificidade da transação dinheiro-trabalho não é reconhecida juridicamente e, para controlar a

mobilidade, isto é, a fuga constante do assalariado ou do dependente, a transação é estendida à pessoa

(escravidão), a um bem (servidão, péonage), à duração obrigatória da cessão (contrato) ou a liberdade de

ruptura unilateral do contrato torna-se a base do trabalho assalariado. A fuga de um determinado

empregador, negativa para ele, torna-se uma externalidade positiva, se ela é o vetor da concorrência entre

os capitais, é o papel indispensável do mercado do trabalho e da liberdade. Neste último caso, é preciso

que instituições convertam essas externalidades privadas negativas em externalidades públicas positivas.

É o papel das leis sobre os pobres e do welfare moderno. A renda fundiária, a criação de organismos de

manutenção da ordem urbana preenchem funções claramente ligadas a esse problema de manutenção do

trabalho dependente à disposição. A renda fundiária absoluta mede o custo da retenção do trabalho

dependente e visa a compensar a amplitude do exôdo rural.

Hoje, as manifestações de fuga do salariado revestem-se de outras formas, mas as transformações

produtivas, as mudanças de tamanho e de estrututa dos mercados, as novas divisões dos territórios
8
Moulier Boutang (1997).
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 12
economia e da intervenção publica

obedecem a uma lógica semelhante de controle da mobilidade e compensações das externalidades

negativas. A quaternização da economia, que combina ao mesmo tempo uma financeirização e uma

industrialização do trabalho terciário, responde a uma mobilidade intersetorial muito forte em direção ao

terciário. A introdução da ecologia na produção industrial e de serviço responde às lutas ecológicas e à

ênfase dada ao valor de uso.

É sem dúvida nas transformações produtivas que o peso das externalidades melhor se manifesta.

Examinaremos esse ponto, pois ele mostraa verdadeira transformação pós-fordista.

II

A verdadeira mutação pós-fordista: da produção de mercadoria mediante mercadoria à produção de capital humano

mediante capital humano

Os modelos de crescimento endógeno marcam ao mesmo tempo a importância do papel das

externalidades, o caráter central da reprodução do trabalho como capital humano e o papel do Estado e

dos investimentos públicos. No modelo de P. M. Romer (1991), o crescimento do capital humano é função

da importância da população que produz capital humano mediante capital humano. A produção Q

depende igualmente desse fator. Na primeira função de produção do tipo Cobb-Douglas, o trabalho

tradicional das funções de produção é dividido em dois; u correponde à parte da população ativa que

trabalha na produção e seu complemento a 1 é afetado pela produção futura de capital humano. Não

poderíamos explicar melhor o caráter doravante inoperante da distinção clássica entre trabalhadores

diretamente produtivos e os demais. Os trabalhadores que não são envolvidos na produção material

detêm as chaves do crescimento futuro. Substituímos portanto a distinção de bem de consumo/ bem de

produção (setor 1 e setor 2) por, de um lado, trabalhadores afetados pela produção de mercadorias

mediante mercadorias (e de progresso técnico incorporado no K ou no L) e, de outro lado, por

trabalhadores afetados pela produção de capital humano mediante capital humano (a produção de capital

humano mediante capital físico entra diretamente no processo a t1). A produção do trabalho humano

mediante trabalho humano recupera igualmente a temática marxiana da pequena circulação e da

reprodução da força de trabalho como tal. Educação, formação e saúde são assim os setores de uma

acumulação inesgotável.

Os modelos de crescimento endógeno se apresentam, de fato, como a primeira tentativa de tratar

as externalidades positivas. Em relação à teoria dos bens públicos e do learning by doing de K. J. Arrow, eles

apresentam a vantagem de incorporar ao raciocínio econômico global as economias externas no nível

macroeconômico. Eles buscam, portanto, outro modo de endogeneizar essas externalidades, que não seja

por sua revelação pelo mercado. É ao seu papel no crescimento e ao reconhecimento de sua utilidade

social que está confiada sua reintegração no balanço completo da economia. Nessas condições não é

surpreendente que os teóricos dos modelos de crescimento endógeno estivessem na origem da

transformação do programa reacionário dos liberais (que visa a transformar welfare em workfare) em

edufare. Trabalhar e formar-se não representam mais duas esferas separadas, mas duas faces de uma

mesma moeda.
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 13
economia e da intervenção publica

Em contrapartida, a teoria do trabalho produtivo que podemos inferir desses modelos permanece

bastante vaga. A evocação do papel da pesquisa e do desenvolvimento das empresas não é uma novidade.

Ela não fornece indicação nova em relação às recomendações shumpeterianas. Em compensação, se

substituímos o capital humano demasiado geral dos modelos de crescimento endógeno pelo conceito de

trabalho imaterial,9 fazemos surgir várias características claramente mais especificadas.

De fato, se definimos o trabalho imaterial como a atividade que produz o conteúdo cultural e

informativo da mercadoria e de seu ciclo de produção, observamos que a ultrapassagem do trabalho

material, físico, permite reintegrar na descrição de seus componentes elementos que constituem

externalidades positivas evacuadas da transação de mercado. Toda produção material é acompanha de

uma produção de formas, de procedimentos cognitivos, de conhecimentos da sociedade. Tudo ocorre

como se o trabalho imaterial efetuasse por sua própria conta na sua escala a operação de endogeneização

das externalidades positivas na qual esbarra precisamente a retomada do crescimento e da acumulação.

Traduzido em termos marxianos: o trabalho imaterial é a nova figura da mais-valia relativa. A coerência

entre o mercado e o extra-mercado, entre as externalidades e o valor, não pode se operar através da

equivalência monetária, mas pela incorporação da linguagem e dos “investimentos de formas” a menos

que esteja em presença de custos de transação dissuasivos. Mas, é evidente que o trabalho assalariado

canônico era construído sobre a separação da pessoa, da força de trabalho, sobre a separação dos meios de

produção e do trabalhador dependente. A crise do emprego não é uma crise de crescimento, é uma crise

de forma.

Deveríamos obviamente ir mais longe. Para concluir nos limitaremos a algumas conclusões

provisórias sobre as transformações das concepções da intervenção pública que podemos extrair desse

percurso.

III

Nova agenda da intervenção pública — Uma outra contabilidade econômica

Se nosso diagnóstico da importância crescente das externalidades na vida econômica e no

crescimento das riquezas é correto, e se, por outro lado, a intervenção pública deve ter um papel crescente,

apesar de apresentar uma forma menos estatizada, torna-se urgente reconstruir a contabilidade econômica

e reajustar a fiscalidade nessa nova base.

A medida da produtividade não pode mais ser realizada a partir do valor agregado que leve

somente em consideração os fluxos monetários ou as avaliações contábeis das transações não-mercantis

sobre a base das transações mercantis. A riqueza nacional é certamente sub-avaliada10 e insuficientemente

autocentrada. O não-retorno a uma situação de pleno emprego assalariado não significaria apenas uma má

alocação dos recursos, mas também uma interpretação da avaliação dos recursos globais. O tempo de

trabalho assalariado não pode mais servir de medida de valor. Devemos substituir a contabilidade pelo

9
Corsani, Lazzarato, Negri (1996), p. 29-45.
10
Ver Romer, que estima que a visão da estagnação do crescimento no decorrer dos anos 80 e 90 é um
efeito de nomenclatura (entrevista ao Le Monde, 10 de junho de 1997).
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 14
economia e da intervenção publica

tempo de trabalho, uma contabilidade por saber incorporado e por tempo de formação? Ou também por

metatrabalho ou por trabalho imaterial incorporado? Devemos medir a verdadeira riqueza do tempo livre

do qual dispõem os indivíduos (ver sobre tema Yoland Bresson, 1993)? Essas são as questões que se

tornam determinantes. O fim da indústria manchesteriana marca o ponto final do longo ciclo do valor-

trabalho ricardiano.

Novo território produtivo, a abertura e fazer a cidade

Convém reconsiderar completamente as prioridades em matéria de abertura exterior e da

intervenção da potência pública. Longe de serem questões limitadas aos países em vias de

desenvolvimento, a questão da constituição, ou reconstituição, de fontes de externalidades positivas para

as empresas tornou-se fundamental para as economias de países altamente industrializados que sofrem

também um verdadeiro enfraquecimento do ciclo de produtividade que associava mecanicamente a uma

certa quantidade de capital uma quantidade previsível de emprego. Diríamos que a escolha estratégica do

grau e da qualidade da abertura à economia internacional é condicionada pela capacidade da potência

pública de se colocar em posição de captar externalidades positivas geradas por sua organização social. As

economias socialistas eram caracterizadas por um investimento maciço nos bens do setor 1 socialista, isto

é, a produção de meios de produção física de meios de produção. Elas fracassaram porque não souberam

resolver o problema da produção do capital humano que não se opera nem a partir do nem pelo mercado

de bens de consumo, nem através do número das escolas construídas, mas através do mercado da

liberdade e da liberação da inteligência. Hoje como no passado, as combinações produtivas viáveis na

longa duração são as que conjugam “grande circulação” da valorização das mercadorias com a “pequena

circulação” de mão-de-obra associada a seus “contornos”.

Devemos partir dos fluxos de mobilidade do capital humano e do nível material alcançado pelo

setor 2 para construir os esquemas de desenvolvimento e orientar a intervenção pública. Devemos

inscrever o planejamento do território que é a expressão da articulação entre a economia interna de um

país com a economia-mundo, nas correntes já constatadas na mão-de-obra. Dito de outra maneira,

desenvolver um programa segundo o qual os investimentos devam seguir os fluxos humanos e não o

inverso. Devemos partir das necessidades expressas pelo trabalho imaterial para construir as infra-

estruturas adequadas. Estas podem encontrar a norma do mercado e retirar um dinamismo extraordinário.

Mas elas podem também ser abortadas por uma aplicação dogmática da norma do mercado, ou da lógica

ainda manufatureira e manchesteriana da economia pública (que hipertrofiara o hardware em relação às

atividades de produção de logística que repousam sobre o capital humano e que não dependem do

monopólio tecnológico).

Quanto à programação urbana, por exemplo, a lógica dos investimentos pesados em meios de

transporte (veículos, auto-estradas), entre os pólos de atividades separadas funcionalmente em lugares de

trabalho, de habitação e de lazer, deve ser totalmente questionada. No trabalho imaterial, a acumulação de

redes é fundamental; é ela que gera externalidades. Aliás, a função econômica da cidade já foi definida

como a de gerar externalidades. A tripartição “modernista” da cidade destruiu a urbanidade cumulativa


Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 15
economia e da intervenção publica

para substituí-la por um zoneamento de bairros residenciais e de habitações populares, uma acumulação

de escritório e bairros de prazer. O desenvolvimento do setor 2, produtor de capital humano e gerador de

externalidades suscetíveis de atrair as empresas, só pode ser realizado num tecido urbano. É a isso que

chamamos de externalidades tecnopolitanas.11 O desenvolvimento do teletrabalho e da informática

permite precisamente a superposição do lugar de residência, das atividades de caráter lúdico, com o

trabalho. Os investimentos físicos devem tornar-se reversíveis, isto é, devem ser utilizados em vários

sentidos e suscetíveis de serem reinvestidos para outros usos. As economias de escala param de ser ligadas

ao princípio de aglomeração, e à separação das funções, em prol da circulação garantida de um aumento

das transações, de sua segurança. A prioridade deve ser dada aos investimentos em capital humano e ao

setor de produção de capital humano mediante capital humano, aos investimentos na organização. A

interação entre os agentes produtivos não é mais gravitacional nem entrópica. O potencial como massa

pode ser substituído pela intensidade, pela densidade das interações.

Esse princípio de reversibilidade, de polifuncionalidade dos investimentos materiais, deveria ter

um correlato espacial, um prevalência das estruturas transversais, e não mais verticais nem horizontais. A

rede rizomática deveria substituir a árvore de decisão hierárquica. A descentralização produtiva não se

limita somente à destruição das noções de centro, de periferia. Ela quetiona também os pontos médios-

mediadores, a cidade do equilíbrio. O policentrismo que se desenvolve não é nem polar nem bipolar mas

metroplar ou metapolar.

Um novo New Deal salarial

Tais transformações da estrutura urbana que visam a reconstruir as fontes de externalidades

positivas numa economia cujo crescimento repousa sobretudo no desenvolvimento quantitativo, mas

também qualitativo, do trabalho imaterial não têm, todavia, nenhuma chance de conseguir uma

endogeneização virtuosa das externalidades se a troca dinheiro/atividade dependente não se encontra

profundamente reorganizada.

Qual deve ser a função de um novo contrato de trabalho e, mais amplamente, de uma nova

“constituição da atividade”? Em primeiro lugar ela deve proceder ao reconhecimento, sob a forma de

renda de cidadania e/ou de salário, de toda uma série de atividades extra-mercado e extra-contabilidade

econômica. Em seguida ela deve criar uma real proteção do trabalhador, dependente ou formalmente

independente, frente à flexibilidade produtiva que não é um dado transitório. Sem esse tipo de medida

bastante igualitária, pois ela não passa pelo crivo hoje distorcido dos titulares de um emprego reconhecido

como assalariado, os programas de inspiração keynesiana repetem as receitas dos anos 30, sem aproveitar-

se do espírito dessas receitas, que consistia em tornar solvível a demanda em alojamento, saúde, educação

e formação da população cidadã. Mas, afirma-se geralmente que um novo deal da sociedade salarial parece

dificilmente financiável pelas despesas públicas que já se encontram sob forte vigilância.

Nesse caso também, a transformação da estrutura produtiva real ainda deve ditar as

transformações dos encargos sociais, e não o inverso. O imposto deve ser calculado sobre a mobilidade e a
11
Para uma boa síntese, ver Decoster (1996).
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 16
economia e da intervenção publica

transformação das formas e não mais sobre a transformação material. A explosão das transações imateriais

em relação ao estreitamento da base física das trocas deve permitir a obtenção de um rendimento bem

superior ao do imposto, diminuindo a pressão fiscal sobre os indivíduos e o trabalho material e taxando,

de maneira neutra ou degressiva, as diferentes formas de circulação dos fluxos produtivos. A aplicação da

proposta de Tobin em taxar entre 0,5 e 2% os fluxos de capitais que não se investem a longo prazo

permitiria às finanças públicas disporem de margens de manobras orçamentárias consideráveis.

Mercado, hierarquia e democracia

A leitura liberal da crise já formulada desde os anos 70 por Bacon e Eltis é que a base produtiva

das economias de afluência é demasiadamente fraca em relação aos gastos públicos. A leitura keynesiana

considera, ao contrário, que a demanda é demasiadamente fraca para reerguer a máquina. A leitura

marxista ortodoxa considera que o peso crescente da composição orgânica do capital gera uma crise de

rentabilidade do investimento a longo prazo. Não concordamos com esses diagnósticos na sua

globalidade, mesmo se eles comportam uma parte descritiva que pode ser avaliada positivamente.

O problema estrutural da economia-mundo na véspera do século XXI é que a base registrada da

criação da riqueza mutilada das externalidades é ampla demais em relação aos critérios contábeis de um

crescimento equilibrado. Os keynesianos têm razão sobre a importância de paliar o subinvestimento dos

agentes privados e do mercado, mas eles erram ao mesmo tempo no que tange aos contornos da demanda

efetiva, quando eles permanecem fiéis ao trabalho assalariado da época fordista, e também sobre os setores

estratégicos que devem fazer o objeto de um investimento maciço. Assim, a União Européia continua

imperturbavelmente propondo, para relançar o emprego no nível comunitário, um programa de grandes

empreedimentos que suscita oposições ecológicas cada vez mais sérias, e que continua a julgar central os

investimentos na infra-estrutura material. A crise de rentabilidade que pesa sobre os investimentos não

nos parece também o elemento cardinal da situação atual, sobretudo se a imputamos ao peso crescente da

composição orgânica do capital. Acreditamos que a rentabilidade no setor 1 da produção de capital

humano mediante capital humano é elevada uma vez reintegrados os efeitos das economias externas.

Trata-se da possibilidade de se reconduzir o quadro jurídico da apropriação privada sobre um mundo

produtivo imediatamente socializado e cuja interdependência é muito forte.

Williamson e a escola neo-institucional acreditam ter achado uma chave da repartição objetiva

entre as transações pelo mercado, pela hierarquia e as transações mistas que determinam freqüentemente

as regras (definindo, por exemplo, a missão de um serviço público) tutelares administradas, e obedecem

parcialmente a uma lógica de produção e de distribuição do mercado. Mas a especificidade dos ativos não

é um critério suficiente para determinar a natureza decrescente ou crescente dos custos de transação. Cabe

alcançar uma teoria mais clara das relações que existem entre a especificidade dos ativos trocados e a

natureza e o signo das externalidades, de um lado, e entre o perfil dos custos de transação e a

endogeneização das externalidades, de outro. Hierarquia e mercado, longe de se oporem, compartilharam

seus papéis de maneira complementar. Os liberais clamam que a liberdade do indivíduo está do lado do

mercado; keynesianos e marxistas, que a igualdade dos grupos sociais estádo lado da alocação
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 17
economia e da intervenção publica

administrativa dos recursos.12 Tenderíamos a inverter radicalmente os termos do problema considerando

na intervenção pública a possibilidade de liberação do potencial produtivo, cujo portador é o indivíduo do

trabalho imaterial, e, na organização do mercado político, o mecanismo de controle da igualdade e da

eqüidade entre os grupos sociais e as comunidades na perspectiva de uma verdadeira redução da renda

que o Estado repassa às corporações fordistas. Somente esse duplo programa iconoclasta poderá se

aproximar da democracia econômica, que é sem dúvida o regime de acumulação “menos pior possível”.

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12
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Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 19
economia e da intervenção publica

ANEXO: AS EXTERNALIDADES

A definição das externalidades

Foi A. C. Pigou quem deu a primeira definição da noção de externalidade.13 Ele escreveu: “Uma

pessoa A, prestando um serviço pelo qual é paga a uma segunda pessoa B presta incidentemente serviços

ou causa danos a terceiros (que não os produzem) de tal maneira que um pagamento não pode ser retirado

dos beneficiários nem das compensações pecuniárias desembolsadas em benefício das pessoas lesadas”.

Assim, existem ações que ocasionam ganhos ou perdas para terceiros (agentes não levados em

consideração). Se não existe nenhum mecanismo de ordem econômica direta que os contabilize, ou de

ordem jurídica que permita revelá-los ou incite os agentes a revelá-los, os efeitos dessas ações serão

incorporados e dissimulados no preço das transações entre os agentes reconhecidos. Assim, a utilização

por uma empresa de recursos que não são reconhecidos ou se tornaram raros, como a água pura dos rios,

sem contabilização da poluição ocasionada por ela e do custo de renovação desses recursos, por ela ou por

um organismo público, permite a tal empresa se beneficiar das externalidades, como a abelha e o apicultor

do exemplo de Meade se beneficia das flores dos campos vizinhos. 14 Logicamente, num cálculo completo

da riqueza líquida produzida, caberia subtrair certas externalidades (no sentido dos custos sociais ou

ecológicos do crescimento) e acrescentar outras (no sentido das vantagens das quais se beneficiam

gratuitamente as empresas devido ao nível do investimento público, e a coletividade, devido à qualidade

da população).15 No caso aqui evocado, trata-se de externalidades proporcionadas pela natureza à empresa

desde que ela permaneça na esfera extra-mercado.

Há externalidades cada vez que há interdependência das funções de produção e de consumo,

entre produtores e consumidores, e que o sistema dos preços pára de ser o único agente de informação de

ligação dos agentes. A explicação dos rendimentos crescentes num longo período, que contribui para

resolver uma boa parte do enigma do crescimento econômico, operou-se, depois de Marshall, em torno do

conceito de economias externas. Podemos considerar que há economias externas pecuniárias quando os

lucros de uma empresa dependem dos outputs e de inputs de outra firma ou de um grupo de outras firmas.

O investimento de uma firma B poderá diminuir o preço de seu produto; este sendo inputs da firma A,

aumentará o lucro da primeira. Podem se dar transferências entre agentes públicos e privados.

Na verdade, as externalidades compreendem duas faces: de um lado a produção de riquezas não

pagas a pessoas individuais ou a organizações (Estado, empresas, comunidades, etc.); de outro, os

13
Pigou, Economics of Welfare (4. ed., 1946).
14
No exemplo da apicultura, que tem sempre particular repercussão em economia – por causa da Fábula
de Mandeville? –, uma representação simples podia afirmar que o apicultor não pague a seu vizinho o
uso das flores de seu campo ou de seu pomar onde vai alimentar suas abelhas, enquanto que se ele
quisesse mandar suas vacas pastar isso lhe custaria dinheiro. Em alguns casos-limite, como uma
superpopulação de criação de abelhas, pode haver limitações impostas e arbitragens entre apicultores
e/ou ribeirinhos incomodados. Mas esse não é o caso estudado por Meade. Por outro lado, o estudo do
ciclo natural mostrou ( mais freqüentemente a a partir de catástrofe natural e de raciocínio ao contrário)
que o pomicultor, o pecuarista ou o cultivador não pagam a polinização das plantas. Se compararmos os
desembolsos efetuados por estes últimos para pagar essa operação natural gratuita a um arrendamento
de terras onde colhem as abelhas, o apicultor se tornaria largamente credor.
15
Ver os trabalhos sobre a integração das externalidades na contabilidades nacional.
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 20
economia e da intervenção publica

prejuízos não pagos: as pessoas lesadas dispondo de direitos de propriedades (o caso que interessa Coase,

sobre o qual tendemos a concentrar toda atenção) ou os terceiros consumidores da riqueza destruída

(qualidade do ambiente para os lares ).

Poderíamos tambem dizer que são, sobretudo, os custos de transações entre reclamantes

e defensores e as modalidades do contrato de seguro por danos que são abordados por Ronald

Coase (caso particular de externalidades entre dois agentes econômicos). É sintomático que o

exemplo central de seu célebre artigo – a arbitragem jurídica entre proprietários de campos de

trigo ao longo de uma estrada de ferro e a companhia proprietária de locomotivas a carvão –

evoque somente os danos involuntários causados ao camponês (o incêndio) e não fale nada dos

prejuízos causados a terceiros – o que estaria mais de acordo com a definição de Pigou –, sejam

diretos (vítimas eventuais de incêndio), sejam indiretos (destruição do meio ambiente pelos

ribeirinhos). Observamos que o defeito maior do direito contratual costumeiro (common law of

contract) derivava do fato de que ele negligenciava quase totalmente o problemas das

externalidades.

Mas é evidente que a norma, a regulamentação como sua modalidade particular, aparecem logo

que haja externalidades. Isto não significa que a produção de regras na ausência de externalidades seja

impossível ou impensável. Mas, nesse caso, estamos em presença de um quadro traçado previamente

como na visão externalista do direito no mercado. Em contrapartida, uma vez admitida a existência de

fenômenos de externalidades econômicas em geral, privadas ou públicas, a função dos costumes

produzindo regras de conduta para os agentes privados ou a das leis prescrevendo regras no espaço

público aparecem claramente.

A noção de externalidades públicas

Vamos nos referir à noção de externalidades públicas que André Vianès (1980) contribuiu para

esclarecer e que as recentes discussões sobre as teorias do crescimento endógeno revelaram.

A intervenção do Estado tem a tarefa de divulgar e de interiorizar na esfera econômica todo efeito

externo positivo ou negativo cada vez que a compensação privada verificar-se impossível por definição ou

muito dificil de atingir. Alfred Marshall colocou em evidência o conceito de economias externas para

evidenciar a contra-tendência no longo período à lei dos rendimentos decrescentes. Os rendimentos

historicamente crescentes se explicam, segundo Marshall, pelo fato de que

o aumento do montante total da produção aumenta as economias que não decorrem diretamente
da situação individual das diferentes empresas. As mais importantes dentre elas resultam do
desenvolvimento de ramos correlativos da indústria que se ajudam mutuamente, seja quando elas
se encontram talvez agrupadas nas mesmas localidades, seja nos casso em que elas usam
facilidades modernas de comunicação (...).16

16
Marshall, A., Pricipes d’ Economie Politique, v.1, livro IV, 1920, capítulo IX, § 7, p. 439; cap. XII, p.
519 ; e o capítulo XIII, § 1.521-1.526. A citação é tirada do capítulo XIII, p. 525.
Yann Moulier Boutang - Globalização das economias, externalidades, mobilidade, transformação da 21
economia e da intervenção publica

Até a “aptidão nos negócios mesmo nos escalões mais baixos” nas empresas que se beneficiam do

desenvolvimento geral da sociedade e do aumento em quantidade e em qualidade da população. 17 Coube

a Rosenstein-Rodan, com sua teoria da industrialização coordenada, e a Tibor Scitovsky o papel de alargar

o conceito de externalidades da concepção tecnológica definida por Marshall à teoria de externalidades

pecuniárias que incorpora efeitos de preço.

A. Vianés propôe a seguinte definição geral do conceito de externalidades públicas:

Qualificaremos externalidade pública todo efeito resultante da produção de um bem econômico ou


de um serviço econômico ou financeiro, material ou imaterial, divisível ou indivisível, mercantil ou
extra-mercantil que, o poder de decisão sendo de autoridade da potência pública ou de um seus
desmembramentos e não estando sujeito à imposição de rentabilidade, equivale a uma condição
permissiva, uma garantia ou um apoio da rentabilidade de uma ou de várias atividades privadas
no âmbito de uma regulação global do sistema socioeconômico.

O autor observa que essa noção é muito mais ampla que a das “tranferências” pois ela integra o

conjunto das condições permissivas do sistema socioeconômico e da gestão pública das políticas sociais.

Por outro lado, noção neoclássica de externalidades se confunde com a de extra-mercado ou não-mercantil

e a carência de informação que torna as contribuições dos agentes não discerníveis e interdependentes. Na

óptica neoclássica das externalidades, não pode haver externalidades públicas mercantis.

Assim há duas principais fontes distintas de produção de externalidades: 1) Interdependências

das funções econômicas de diferentes agentes tornam inoperantes remunerações dos fatores à sua

produtividade marginal assim que o mecanismo de transmissão dos sinais de desequilíbrio pelos preços.

2) O mercado não funciona porque ele não é suficientemente o mercado (posição liberal clássica), ou

porque ele depende do extra-mercado que resiste a entrar no mercado por natureza ou porque os custos

de inclusão no mercado seriam desanimadores (como é o caso de alguns bens coletivos18).

A teoria das externalidades públicas consolida portanto a óptica internalista: existe bem uma

razão “econômica” à produção do direito pela sociedade. Esta última não corresponde à definição ex ante

das condições de um contrato que permitiriam sair da anarquia, do estado de guerra e/ou de natureza ou

da selva de todos contra todos para aceder à troca. A partir do momento em que existem interdepedências

dos produtores (ponto de vista transversal), ponto de vista temporais (ponto de vista longitudinal), ou

seja, uma sociedade econômica, existem não somente custos de transação entre os agentes que implicam,

sob pena de graves desequilíbrios que ameaçam a longo prazo a própria razão da troca, a organização

convencional de regularidades e de correções do mercado, mas existe também a necessidade de produzir

externalidades positivas (pecuniárias ou tecnológicas) que: a) minimizam de maneira muito sensível os

custos de transação entre os agentes econômicos privados mesmo quando estes últimos já conseguiram

elaborar protocolos reduzindo as externalidades negativas,19 b) aumentam a produtividade global dos


17
A. Marshall, op. cit., p. 519.
18
Mas, podemos nos quetionar se esse não é igualmente o caso do trabalho maternal (ver as avaliações
do “salário” doméstico feitas por A. Fourquet (1980).
19
É evidente que usamos aqui um caso limite quase-hayekiano: o de agentes privados da micro-
economia que conseguem operar e organizar trocas, por consentimento mútuo sem intervenção
macroeconômica de estruturas coletivas e de um conjunto de leis que se impõem a eles como uma
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fatores de produção e têm uma favorável incidência não somente sobre a forma da troca (as condições de

realização das transações), mas também sobre sua substância (progesso técnico, difusão da inovação), como

divulga a teoria do crescimento endógeno.

coação extra-econômica.

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