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Resumo
Introdução
Fator de risco, segundo Veras (2002), é adotado em ciências da saúde como indicador
de certas características que potencializam a probabilidade de um indivíduo adoecer.
Assim, o conceito é usado para indicar as predisposições ao acometimento de eventos
que aumentam os índices de morbi-mortalidade de determinado grupo. A remoção de tal
fator pode prevenir o estabelecimento de situações de agravos à vida e à saúde.
No Brasil, pouco se tem escrito e discutido sobre violência, negligência, abuso e maus-
tratos. Carece-se também de estatística quanto aos agredidos, agressores e também às
prováveis causas. Trata-se de uma temática complexa, de difícil estudo e identificação,
sobretudo em idosos, porque eles geralmente não denunciam abusos, menosprezo,
abandono e desatenções sofridas, por medo de serem punidos e perderem o
acolhimento que estão recebendo de seus cuidadores, que são, ao mesmo tempo, os
próprios agressores. Outros sentem vergonha de fazer denúncias. Há ainda aqueles que
sofrem de maus-tratos sutilmente mascarados que não se dão conta de que estão sendo
vítimas de violência (MINAYO; SOUZA, 2003).
Entendemos que é necessário propor e discutir estratégias para proteger os idosos mais
dependentes e seus familiares cuidadores contra a ocorrência da violência intrafamiliar,
envolvendo entidades governamentais e não-governamentais, haja vista ser esta "uma
questão de grande amplitude e complexidade cujo enfrentamento envolve profissionais
de diferentes campos de atuação, requerendo, por conseguinte, uma efetiva mobilização
de diversos setores do governo e da sociedade civil" (BRASIL, 2002, p. 5).
Não parece visivelmente notório mas, assim como as crianças, o idoso é uma das
grandes vítimas dos maus-tratos, sendo geralmente o agressor a pessoa que está mais
próxima. Esse tipo de agressão ocorre na maioria das vezes em seu próprio ambiente
doméstico, podendo acontecer também em instituições asilares ou casas geriátricas.
Concordamos com Block (1995), ao referir que a violência deve ser entendida como
produto e produtora das condições de vida social, como patológica ou doença social que
leva à contaminação de toda a sociedade, mesmo em grupos ou instituições
consideradas mais protetoras de seus membros.
O contexto do estudo
Resultados
Algumas variáveis demográficas como idade, gênero, escolaridade, estado conjugal dos
componentes de uma família, enquanto participantes de um processo relacional de vida
no âmbito doméstico, podem constituir determinantes de fatores de risco de maus-tratos
em idosos, situando-os no contexto de ocorrência de violência intrafamiliar.
Observou-se, ainda, nos dados, que essa longevidade veio acompanhada da chamada
feminização da velhice. A questão de gênero também está ligada aos fatores de risco de
maus-tratos no contexto da violência intrafamiliar, uma vez que a mulher foi e é "vítima"
mais fácil por razões históricas: considerada frágil, indefesa e, no caso da idosa,
duplamente fragilizada em função das circunstâncias do envelhecimento.
Quanto à renda, os dados mostraram que a maioria dos idosos, totalizando 46 (92%),
era beneficiária da previdência social e recebia apenas um salário mínimo. Constituía um
grupo heterogêneo de mulheres idosas de todas as idades, sobretudo viúvas, em
processo de fragilização e dependência funcional, mas continuando a ser a pessoa de
referência na família, por ser quase exclusivamente a principal provedora do sustento
familiar. A situação de dependência econômica, por parte da família, dos parcos
recursos financeiros das idosas – cujos descendentes dependentes financeiramente
poderiam estar permitindo certa condição de convivência familiar – também poderia, pela
própria situação, converter-se em potencial de risco de exploração financeira dos idosos
seus familiares.
Quanto ao estado de saúde / doença e sua relação com o cuidado entre os idosos
pesquisados, verificou-se que as doenças crônico-degenerativas que os fragilizavam e
os tornavam dependentes (geralmente em comorbidade com outros distúrbios) recaíram,
em ordem de freqüência: em distúrbios cardiovasculares, 49 (43%); distúrbios
osteomusculares, 42 (37%); distúrbios respiratórios, 16 (14%); distúrbios gastrintestinais,
5 (4%); e distúrbios neuropsiquiátricos, 3 (3%). Além dessas doenças, que muitas vezes
se sobrepunham em comorbidade, associavam-se ao quadro, síndromes como:
dificuldades de locomoção, 20 (40%); alterações do sono, 14 (28%); e incontinência
urinária, 7 (14%).
Esses idosos, com renda de um salário mínimo e convivendo em família de filhos e netos
que deles dependem para a sobrevivência, por certo deixam de suprir suas próprias
necessidades mínimas. Por isso, acreditamos que a condição de precários recursos
materiais do idoso e do cuidador poderá configurar-se em situação de risco real de, no
mínimo, negligência no cuidado do idoso.
O relacionamento familiar desarmônico apontado por esses idosos tem suas raízes
fincadas nos eventos externos que circundam a convivência familiar, porém poderá
também ter a influência das características próprias da personalidade do idoso e do
cuidador. O idoso traz consigo diferentes formas de visualizar a família e a relação de
cuidado, cristalizadas em valores, hábitos e atitudes que muitas vezes são incompatíveis
com as dos membros da família, predispondo, assim, à instalação de situações
conflitivas. Neste sentido, concordamos com Ross (1995, p. 83), que afirma: "Las
disposiciones psicoculturales hacen referencia a los procesos enraizados en la
psicologia humana, especialmente aquellos cuyas pautas y contenidos estan
omnipresentes en una cultura".
Ainda no âmbito da relação familiar, faz-nos entrever outro fator de risco de omissão ou
negligência de cuidados no atendimento das necessidades mínimas básicas – por
exemplo, quando 33 (66%) idosos reclamavam pela falta de óculos, dentadura e
aparelho auditivo. Também aqui se pode supor uma certa exploração da renda das
pessoas idosas, quando 47 (94%) familiares cuidadores diziam depender de ajuda
financeira dos próprios idosos que cuidavam.
Nesse contexto, quando se pediu que os cuidadores comparassem sua saúde atual com
a saúde no passado, 36 (72%) disseram ter piorado. Quando se pediu que
comparassem sua saúde com a de outras pessoas de sua idade que não exerciam o
papel de cuidador, 38 (75%) afirmaram que a sua era pior. Os dados revelam que o
cuidador do idoso dependente se encontra em processo de desgaste e adoecimento,
predispondo-se assim ao estresse e suas conseqüências.
Por fim, quando perguntados sobre a razão de se terem elegido cuidadores de seus
idosos, sua percepção variava: 42 (34%) cuidadores responderam que o faziam como
obrigação moral; 48 (39%) pensavam, ao mesmo tempo, que não há outro remédio
senão cuidar do idoso, para evitar a censura da família, amigos, e com isso obter a
aprovação social. Desses cuidadores, 10 (20%) ainda afirmavam ser o cuidado uma
carga excessiva. Apenas três (2%) confirmaram ser algo dignificante e o faziam por
motivos altruístas e para manter o bem-estar do idoso.
Porém, quando a tarefa perdura por muito tempo ou exige recursos de que o cuidador
não dispõe, ele pode se sentir sobrecarregado e desconfortável na tarefa. Todo esse
contexto social e familiar de cuidado, neste estudo, resultou em respostas que
concorreram para se obter depoimentos dos cuidadores, revelando: a falta de
tempo para cuidar-se, 32 (64%); impossibilidade de trabalhar fora, 23 (46%); desgaste
da saúde, 22 (44%); redução no tempo de lazer, 19 (38%); depressão, 19 (38%);
problemas econômicos, 10 (20%); falta de tempo para cuidar de outras pessoas, como
cônjuges e filhos, 6 (12%); necessidade de abandono do trabalho, 4 (8%); e conflitos
conjugais, 2 (4%).
Uma das situações que os cuidadores manifestaram mais claramente diz respeito ao
relacionamento familiar. Do aspecto da afetividade, poderão aparecer conflitos
familiares, ao entrarem em desacordo nas decisões, atitudes, necessidades e
expectativas de ambos, cuidador e idoso. Outras vezes, o desentendimento com a
família poderá recair no sentimento de falta de reconhecimento, por parte dos demais
familiares, do esforço do cuidador principal em sua tarefa junto ao idoso.
Discussão
Os resultados apontam para uma realidade dos idosos em grande parte composta de
longevos fragilizados, vivendo em situação de dependência e isolamento social. Esses
idosos são cuidados geralmente por um cuidador único, na maioria mulher, que sofre
muitas vezes de quadro de pluripatologia e, ao se dedicar integralmente ao cuidado do
idoso, acaba por entrar em estado de estresse e esgotamento físico e emocional. O
contexto doméstico no qual o idoso e o cuidador estão inseridos possibilita, nessas
condições, a instalação de riscos de abusos físicos, psicológicos, financeiros e omissão
ou negligência no cuidado das necessidades do idoso.
Desta maneira, podemos dizer que a capacidade das famílias para atender
adequadamente às necessidades físicas, afetivo-espirituais e econômicas de seus
idosos depende muito de alguns requisitos fundamentais, ou seja, a presença de uma
família cuidadora "normal" e saudável vivenciando uma dinâmica intrafamiliar livre de
fatores de risco de violências.
Considerações finais
- idosas mulheres;
- cuidadoras mulheres;
- convivência intergeracional;
- isolamento social;
Notas
1
Professora Auxiliar do Departamento de Saúde (DS) da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB), Campus de Jequié. Mestranda em Enfermagem da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), área de concentração em saúde do idoso.
2
Professora Adjunta I do Departamento de Saúde (DS) da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB), Campos de Jequié. Vice-coordenadora Local do Convênio
CAPES/PQI: UFSC/PEN x UESBI/DS/Jequié (2003/2007).
3
Professora Assistente do Departamento de Saúde (DS) da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB), Campus de Jequié. Mestre em Ciências da Enfermagem.
4
Discente de Graduação em Fisioterapia da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB) – 7º semestre. Bolsista da FAPESB/BA.
5
Professora Adjunta IV do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Responsável pelo convênio CAPES/PQI: UFSC/PEN x
UESB/DS/Jequié (2003/2007).
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Abstract
Keywords : Aged, 80 and over; Caregivers; Family Relations; Elder abuse; Risk Factors;
Domestic Violence; Jequia, BA.
Recebido para publicação em: 16/6/2003
Aprovado em: 09/8/2004
Correspondência para:
Edméia Campos Meira
Rua Gonçalves da Costa, 128
CEP 45200-000 - Jequié, BA
E-mail: edmeiam@hotmail.com
Rua São Francisco Xavier, 524 - 10º andar - bloco F - Pavilhão João Lyra Filho
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