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O MITO DE CRISTO
Século Vinte e Um da Espanha editores
ISBN: 84-323-1034-4
À Pilar
O mito de Cristo
ISBN 84-323-1034-4
SINOPSE
formulado por ele mediante uma fórmula reiterada três vezes em cada um dos evangelhos
testemunho, cujo público fracasso, trágico e sangrento, evidenciou que só fora uma ficção
as argúcias de sua falsidade, a explicação que oferece este breve escrito somente
exige bom senso, respeito das regras que impõe são: raciocínio e a atenta leitura dos
existência real continua objeto de polêmica, mas que, por várias razões, inclino-me
por uma resposta positiva se se conceber como um simples ser humano sem a
menor conotação divina. Uma leitura isenta dos aberrantes prejuízos da fé põe de
com o Pai, cujo sacrifício redimiria um pecado original a fim de aplacar a cólera de
um Deus vingativo e implacável. Esta absurda lenda gerou muito em breve uma
dos quatro canônicos, consiste em outorgar autenticidade ao que não é mais que
uma evidente ficção legendária segundo a qual Jesus teria previsto, assumido e
messiânico, porque encena a revelação feita por Jesus de que o Messias — ele
estabelecido por Deus no início dos tempos. Este imaginário episódio constitui a
pedra institucional da revelação cristã, razão pela qual Hans Conzelmann, com sua
caráter messiânico da empreitada de Jesus tinha sido intuído por seus habituais
determinante: seu messiado devia ficar oculto ao olhar público — quer dizer,
secreto — até o momento inaugural do Reino de Deus na terra de Israel, como
cumprimento das promessas divinas a seu povo eleito. É certo que as fontes
popular incontestável nos dias de Jesus. Um exame objetivo do conjunto dos textos
muito poucas dúvidas sobre esta conclusão. O Nazareno jamais definia a natureza
elemento axial do evangelho se situa nas perícopas que vão de Mc 8.27 a 8.31, nas
ressurreição três dias mais tarde. A mensagem se inicia assim: «Ele lhes perguntou:
E vos outros quem dizeis que sou eu? Respondendo Pedro, disse-lhe: Tu és o
padecesse muito, e que fosse rechaçado pelos anciões e os príncipes dos sacerdotes
falava disto. Pedro, tomando-o à parte, ficou a repreendê-lo. Mas Ele, voltando-se
mim, Satã, pois vossos pensamentos não são os de Deus, mas sim dos homens»
(8.vv. 29-33).
contemple este caudal de narrações que fluem de uma fé ingênua ainda não
supostamente acontecidos.
ante a notícia de que Jesus tinha ressuscitado, encabeçada pela Maria Madalena e
16.11 («mas ouvindo que vivia e que tinha sido visto por ela [Maria Magdalena], não
desatinos tais relatos e não acreditaram»); e em Jn. 20.9 («porque ainda não se
haviam dado conta da Escritura, segundo a qual era necessário que Ele ressuscitasse
dentre os mortos», 20.25 («se não vir em suas mãos o sinal dos pregos e colocar
meu dedo no lugar dos pregos, e minha mão em seu flanco, não acreditarei»),
repetido em 27-29. Em Mt. 26.56 nos informa que depois da captura do Nazareno,
«todos os discípulos lhe abandonaram e fugiram», sem dúvida por entender que a
tivessem esquecido o anúncio solene que fazia ainda escassos dias, lhes tinha feito,
teria sido indelével e de tal magnitude que teriam que ter vivido provavelmente o
diálogo:
«Que discursos são estes que vão fazendo entre vós enquanto caminham?
disse-lhe:
nela ocorridos estes dias? Ele lhes disse: Quais? Contestaram-lhe: o de Jesus
Nazareno, varão profeta, poderoso em obras e palavras ante Deus e acima de tudo
que fosse condenado a morte e crucificado. Nós esperávamos que seria Ele quem
resgataria Israel...» (Meus itálicos.) O compositor evangélico faz replicar a Jesus: «Oh,
homens sem inteligência e tardos de coração para acreditar tudo o que vaticinaram
os profetas! Não era necessário que o Messias padecesse isto e entrasse na glória? E
começando pelo Moisés e por todos os profetas, foi declarando quanto a Ele se
Gólgota.
11), que hoje celebram os cristãos como triunfal entrada messiânica na cidade Santa
entre Vitórias, Palmas e Ramos de oliva. Desde essa entrada triunfal até a captura
eles, dois que, corretamente interpretados em seu contexto judeu, representam dois
tinha que lhe acontecer» (ibidem). Cabe imaginar sensatamente que em pouco mais
falsidade do secreto anúncio não só fica provada pelo texto concludente de Lc.
24.17-21, que acabo de mencionar, mas sim pelos inequívocos testemunhos que
constam em Mc. 16.11, Mt. 26.56, e Jn. 20.9, 25, 27- 29, que provam até não poder
tinham ouvido o Mestre falar de sua crucificação e ulterior ascensão triunfal aos
céus. Por certo, Marcos (12.18-27) concebe a ressurreição dos mortos ao modo
como anjos nos céus» (Mc. 12.25). Muito provavelmente, Paulo teve em conta a
que os redatores evangélicos do mistério cristão, e logo seus epígonos durante vinte séculos,
Messias cristão. Acabamos de ver como em Jn. 20.9 se indica que os discípulos
«não se deram conta da Escritura, segundo a qual era necessário que Ele
os textos nada se diga — como seria obrigado — do segredo messiânico confiado aos seus
creditar o mito de Cristo com as próprias e solenes palavras de Jesus, lhe outorgando aos
seitas judias marginais e no cristianismo — que não foi, inicialmente, mais que uma
seita —. «Esta mentalidade — escreve Rougier — considera que cada palavra, cada
maneira que pudesse formar-se com elas uma citação completa cujo sentido global
maneira velada, críptica, tudo o que se realizou no Novo Testamento, o que abre a
não se arrisca a citar nenhuma sozinha. Pedro, entretanto, diz, pela pluma de Lucas,
que David já falou da ressurreição de Cristo, «que não seria abandonado no Hades,
nem veria sua carne a corrupção» (Atos 2.31). Sem dúvida, tanto Paulo como Lucas
Salmo diz:
«Pois não abandonarás minha alma ao Sheol (inferno), nem permitirás que teu
Isto pensa o redator de si mesmo. Tem esta esperança algo a ver com a
morrer, e expressa seu desejo em duas metáforas paralelas: não ir ao Sheol e não ver
a corrupção. Paulo sabia tudo isto e decide que mais vale calar-se, embora não pode
Solomon Zeitler, Scha lom Ben-Chorin, Samuel Brandon, David Flusser, Geza
Vermes, Hyam Maccoby, etc.— resolveram toda pretensão de discutir este assunto.
de Jesus.
de Israel.
Jesus teve desde muito cedo consciência de seu messiado, ou se esta consciência foi
só o fruto tardio de uma dilatada reflexão sobre sua própria pessoa e vocação.
Ainda mais, não terá que excluir a priori que se visse a si mesmo como só um
arauto (keryx) do reino que já vem mas que se fará realidade em um Messias que
não é ele.
Em Mc. 1.1-12, a primeira perícopa textual e cronológica de os Evangelhos,
formula-se a epifania de Jesus como Messias (Jesus Cristo), Filho de Deus, e se faz
de «um mais forte que eu, ante quem não sou digno de me prostrar para desatar a
João. Como anotou Maurice Goguel, o batismo de João — que não era um
sacramentum no sentido próprio deste termo — revestia um triplo caráter: rito lustral
preparam para ele; rito iniciático como o que, provavelmente já então, o judaismo
função de Batista versus Jesus: «eu, certo, vos batizo em água com vistas à penitência
[...]; ele lhes batizará no Espírito Santo e neste fogo» era aproximadamente o
quem deve batizar a quem, que termina com o enigmático «convém que
trai sua historicidade. Como tenho que abreviar muito, assinalarei sucintamente que
em Mc. 11.27-33 aparece diafanamente a coincidência de vocação e de mensagem entre o
João e Jesus, até o ponto de que um notável biblista crente, como o é Günther
Com efeito, Herodes, o Grande, lhe atribuía um status não inferior ao que
logo atribuirão seus discípulos ao Jesus: «Este é João, o Batista, que ressuscitou
dentre os mortos, e por isso obra no poder de fazer milagres» (Mc. 6.14). Embora
também os avivava e exaltava com sua fogosa palavra: «Herodes — nos informa
Josefo — temia que uma tal faculdade de persuadir suscitasse uma revolta, pois, a
pois, apoderar-se dele, antes de que se produzisse algum distúrbio relacionado com
ele, de ter que se arrepender mais tarde, se surgia algum movimento, de haver-se
exposto a perigos. Por causa destes receios de Herodes, João foi enviado ao
(Antigüidades Judáicas XVIII, 5.2.) [meus itálicos]. Não lhes recorda a aventura e o
final trágico do galileu de Nazeret?... Ambos tinham iniciado sua carreira com
vos e acreditais em a Boa Nova (evangelho) (Mc. 1.15). Mas este mesmo Marcos
consonância com os demônios que tentavam a seu oprimido povo: quer dizer, o
oráculo messiânico. Já havia advertido Goguel que uma simples doutrina moral,
por muito que avive à suas audiências, não chega como tal a inquietar a um tirano.
domina e governa. Tal aconteceu também com o Nazareno frente à oligarquia judia
entranhar violência física de fato, mas que não a inclui conceitualmente — lançou
que tem sua mais autorizada expressão no capítulo 13.1-7 da Epístola aos Romanos.
Inclusive Bornkamm, por citar um bom exemplo, rende-se a esta pauta anti-
Reino que chega. Ele nada tem em comum com os políticos revolucionários e com
João nos põe de novo em pista para examinar a presunção de messiado detectável
em Jesus. Como vimos, em Mc. 8.29 o galileu pergunta a seus discípulos: «E vós,
quem dizes que sou eu? Respondendo Pedro, disse-lhe: Tu és o Messias». O Mestre
relatos sem visões parece transluzir-se um processo de cristalização, mas bem tardia
propósito destes relatos de pôr na boca do Nazareno uma confissão explícita neste
uma regra heurística indisputável exige atribuir uma alta probabilidade de autenticidade a
testemunhos que danifiquem a seus próprios interesses, a não ser que exista uma
tradição oral ou escrita que seja impossível desconhecer, em cujo caso só subtrai o
genuíno. Precisamente por isso, estimo que a melhor prova de que existiu
judia no cumprimento das promessas. Nenhuma outra prova alcança uma força de
que viveu, pregou e foi executado por um delito de laesa majestas no século I de
nossa era.
questão que ainda não preocupou ao Paulo — obrigou aos evangelistas a usar
poderíamos qualificar de furtivo, pode inferir-se com estimável segurança que Jesus
que significou remodelar este material e vertê-lo nas categorias do mistério cristão
exigiu uma fé cega e se desenvolveu na morte rabbinica, quer dizer, indo aos
inverossímil.
terreno bem arado e abonado pela precoce interpretação das comunidades cristãs -
dogmático: o Messias tinha vindo a «dar sua vida como resgate (lutron) por muitos»
(Mc 10.45), quer dizer, a expiar os pecados dos homens; a preparar a instauração do
compreender o mistério da Páscoa fica descartado para entrar no Reino, que agora,
atenção preferencial para o sucesso salvífico que já teve lugar, a morte sacrificial de
Jesus; quer dizer, para algo pretérito e que é definitivo e irrepetível. Investiram-se as
quando perguntou ao Jesus: «É você o Messias, o filho do Bendito? Jesus lhe disse:
também de uma cláusula teológica formulada ex post pelo evangelista para definir,
com uma estranha intenção titulística, a cristologia eclesiástica. Quer dizer, algo
dogmática da idéia messiânica, inversão que estabelecia uma radical antítese entre
se, sem o menor gênero de dúvidas, que se alguém de seus auditórios tivesse
teria rechaçado com espanto e indignação esta presunção sacrílega e blasfema para
todo judeu fiel ao monoteísmo estrito de sua religião, que nem sequer permitia
que esta atitude de radical entrega pessoal dos judeus a sua causa fosse
indícios inquietantes que apontam a uma violência física explícita ou soterrada, com
nos biblistas comme il faut. A voa pluma, assinalemos alguns. Citada a «purificação»
violência física. Joel Carmichael, Hugh Schonfield e Hyam Maccoby, entre outros,
dirigidas pelo Nazareno nada têm a ver com a tópica interpretação pacifista de «dar
a outra face». Além disso, suas conotações políticas são evidentes. A alusão a uma
insurreição política em Jerusalém pelos dias nos que se captura e processa ao Jesus
provoca suspeitas que não é possível nem eliminar, nem tampouco substanciar,
(Mc. 15.7 e par.). O temor a uma revolta do povo se se capturar ao Jesus (Mc 14.2).
Mestre de que cada discípulo compre uma espada» (Lc. 22.36). Pergunta à ele sobre
às vias de fato (golpeando) (Lc. 22.49-50), conforme nos informa também Mt.
26.51: «Um dos que estavam com o Jesus estendeu a mão, e tirando a espada, feriu
Excelente ocasião para que o Jesus irônico possa ser apresentado como
escandalizado ante a presença de armas em ação: «Volta sua espada a seu lugar, pois
quem toma a espada, a espada morrerá. Ou crê que não posso rogar a meu Pai,
quem poria a minha disposição ao ponto mais de doze legiões de anjos?» (vv. 52-
53). Este último versículo transluz claramente que a violência não está excluída,
enquanto princípio, dos intuitos de Deus, o qual corrobora o Nazareno com esta
«Como vão cumprir se as Escrituras, que dizem que tem que acontecer
assim?» (V. 55). As circunstâncias da captura de Jesus por uma coorte romana
(quatrocentos homens ao menos) ao mando de um tribuno (Jn 18.3, 12). Terei que
acrescentar que o Nazareno teve entre os Doze homens associados de algum modo
à idéia de violência: Simão, o Zelote, (Lc. 6.15 e Atos 1.13); Judas Iscariote (Mc.
3.19 e Mt. 10.4), que biblistas muito sérios e crentes consideram um zelote, ao
que se identificava aos zelotes, que faziam uso da sicca (espada curta) em seus atos
violentas; Pedro recebe em Mt. 16.17 o epíteto Bar Jona, que se traduz por
foragido, proscrito, extremista, e que Martín Hengel assinala que foi originalmente
uma designação dos zelotes (embora acredita que em Mateus só indique «filho de
João»).
remetem a uma história truncada e adulterada em que bóiam alguns elementos que
observou que nos dois depósitos mais antigos da tradição sinótica — o relato de
Marcos e o repertório de ditos e feitos de Jesus que figura na Quelle (fonte)— não
que dizem que tem que acontecer assim?». A violência frustraria o plano divino.
poderiam empregar, de acordo com seu encargo, ao modo essênio), mas sim,
22.51 nem sequer há condenação alguma da violência, a não ser uma prudente
com a espada» (V. 49). Do que lemos em Jn. 18.11 se desprende a mesma
impressão, não de uma violência condenada, mas sim de uma luta impossível. O
Nazareno quis ao menos salvar aos seus: «se, pois, procuram a mim, deixem ir a
estes» (V. 8). O protagonista era ele: «o cálice que me deu meu Pai, não tenho que
bebê-lo?» (V. 11). Mas o fato de que para prender ao Jesus se enviou nada menos
que uma coorte romana ao mando de um tribuno (chiliarchos), mais alguns oficiais
resistência de uma banda armada. Do contrário, terei que supor que os romanos,
tradicional judeu: «o título de sua causa estava escrito: o rei dos judeus». O qual
origem mesmo da criação. Paulo e seus epígonos, embora fora de todo contexto
histórico, afirmam a encarnação de um Messias que é por natureza igual a Deus (Fil
2.5-6) e preexistam-lhe da eternidade (Rom. 8.3; Gal. 4.4; 1 Cor. 8.6; Col. 1.13 ss.),
figura humana para resgatar à humanidade pagando com seu sacrifício expiatório a
dívida contraída pela culpa hereditária de uma ofensa feita a Deus a causa da
alcançava um zênite.
exegese eclesiástica do Novo Testamento. Quando esta idéia aparece nos textos,
e a mente.
mesmo tempo, esta ordem utópica era o Reino da liberação de Israel do jugo pagão
este povo a noção de messiado. «Para um Mestre religioso como Jesus — escreve
Geza Vermes —, que dirige-se, não a uma minoria esotérica, a não ser ao Israel em
geral, apelar a um conceito tal como «o Messias», teria sido plenamente significativo
menos, a de seus ouvintes: em outro caso, seu uso de uma terminologia messiânica
Jesus teriam entendido, e o único gênero que poderia haver possuído aplicabilidade
da Diáspora [...], vingador de Israel, juiz mortal de seus inimigos...». Trata-se dos
«traços do mais típico Messias nacional». Terá que recordar aqui que os evangelistas
recompensas no futuro reino. «Pedro então começou a lhe dizer: pois nós deixamos
todas as coisas e lhe seguimos. Respondeu Jesus: na verdade lhes digo que não há
ninguém que, tendo deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos,
ou campos (agrous), por amor a mim e ao Evangelho, não receba o cêntuplo agora
neste tempo (en tó kairó) em casas, irmãos, irmãs, mãe e filhos e campos, com
adiciona-lhe que «quando o Filho do homem sentar-se sobre o trono de sua glória,
sentar-lhes-ão também sobre doze tronos para julgar às doze tribos de Israel».
definitivo ao final dos tempos — anunciados também como iminentes mas que
nunca chegam —, e enquanto isso as almas antecipam seu destino final no instante
da morte do corpo, com o qual fazem supérflua a espera e redundante a escatologia
eclesiástica.
messiânico pela mão de Deus, cuja irrupção na terra de Israel seria visível, súbita e
triunfal só em questão de dias. Por isso, nem fundou Igreja alguma, nem instituiu
sacramento algum. A força dos numerosos textos autênticos que sobreviveram face
9.1, declara o Nazareno: «em verdade lhes digo que há alguns dos aqui presentes
que não gostarão da morte até que vejam vir em poder o Reino de Deus». Não se
trata do Reino de nenhuma Igreja, nem de um reino nos corações, mas sim do
reitera: «Na verdade lhes digo que não passará esta geração antes de que todas estas
coisas aconteçam. O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão». E
os três Sinóticos fazem coro para citar o anúncio do banquete messiânico: «na
verdade lhes digo — segue enfatizando Jesus — que já não beberá do fruto da
videira até aquele dia em que o beba no Reino de Deus» (Mc. 14.25, Mt. 26.29, Le.
22.18).
Como indica Lucas, este beber se refere à comensalidade escatológica com
os seus: «e eu disponho do Reino em seu favor, como meu Pai dispôs que ele em
meu favor, para que comam e bebam à minha mesa em meu reino, e lhes sentem
sobre tronos como juízes das doze tribos de Israel» (Lc. 22.29-30).
demora, gera desde muito cedo cautelas dirigidas a moderar a tensão e, ao mesmo
Estejam alerta, velem, porque não sabem quando será o tempo..., etc.» (Mc.
Mas o texto oferece alto valor para invalidar todos os intentos apologéticos
não é visível, nem pode datar-se. Ninguém conhece o «dia» e a «hora» (V. 32), a não
e datado, tangível e público. Por isso terá que estar alerta, «não seja que, vindo de
repente, encontre-lhes dormindo» (V. 36). Não é possível dizê-lo mais claro:
estejam despertos, não seja como «de repente venha sobre vós aquele dia...» (Le.
dúvida sobre seu rigoroso respeito à Lei (Torah). Em Mc. 12.28-34, o Nazareno, em
judaismo: amar a Deus sobre todas as coisas, e amar ao próximo como a si mesmo.
da Lei e um judeu leal. Sua religião foi o Judaismo, e sua fé se apoiava na Bíblia
judia. Não lhe ocorreu pensar-se a si mesmo como uma figura divina. Tal crença
teria sido, para ele, uma transgressão direta do primeiro dos Dez Mandamentos. O
fato de que Jesus não advogasse por nenhuma separação da religião judia está
farisaico. É evidente que nada do que Jesus lhes dizia lhes fez pensar que estas
observâncias fossem ficar interrompidas» (Hyam Maccoby, Judaism in the first century,
tempo, publicamente visível e constatável, mas sim como uma maturação invisível
Vermes, Jesus and the world of Judaism, Londres, 1983, P. 39); mas uma realização cuja
ainda não inteiramente presente, não se concebe como uma realidade futura. Seu
( The religión of Jesús the Jew, Londres, 1993, pp. 139-140). O Nazareno fica assim
modernas em geral, alcançou um ponto extremo — que Vermes, sem dúvida, não
sob a rubrica The Jesus Seminar, a quem vale a pena dedicar uma fugaz referência. O
livro de R. W. Funk e R. W. Hoover, Five Gospels, On e Jesus! What did Jesus really say?
(Sonoma, 1992), precedido pelo de J. D. Crossan, The historical Jesus. The life of ao
Mediterranean Jewish peasant (New York, 1991), e seguido pelo de B. L. Mack, The lost
Gospel: the book of Q and Christian origins (São Francisco, 1993), oferecem o núcleo
teórico substancial desta novíssima interpretação de Jesus, se bem que seus autores
detalhes, a não ser aberto à importantes matizações. Mas todos estes retratos do
Jesus nos Evangelhos; a este exigente escrutínio terá que acrescentar a cruel poda a
seu herói; as notícias sobre sua origem sobrenatural e humana; sobre suas curas,
exorcismos e milagres; sobre sua perseguição e sua paixão; sobre sua ressurreição,
de exonerar ao Nazareno dos ingredientes míticos com os quais ele mesmo forjava
carismática.
421). Era a protesto cínico contra o sistema social vigente apoiado em normas
cínico judeu aldeão [...]. Não foi um corredor de comércio (broker) nem um
mesmo. Milagre e parábola, cura e comida, eram calculadas para forçar aos
Reino de Deus, sem mediação e sem corretagem (brokerless)» (pp. 421-422). Esta
elíptica biografia se repete com idênticas palavras pelo Crossan em seu livro de
B. L. Mack reitera este selo de escola ao escrever que «os agudos ditos de
Jesus em Q mostram que seus seguidores o viam como um sábio de corte cínico»
(ob. cit., trad. castelhana, Barcelona, 1994, P. 125); e explica que, como bom cínico,
estava mais interessado «na questão da virtude (areté), ou em como devia viver um
indivíduo, dado o fracasso dos sistemas sociais e políticos para proporcionar o que
eles chamavam uma forma de vida natural» (P. 128). A leitura crítica dos
ordem messiânica, adulteraria o retrato do judeu íntegro e cabal que escolheu para
Jesus. Sublinhou assim com energia, «a ausência total de interesse de Jesus nas
pese à recentes pretensões do contrário» (Jesus and the world of Judaism, ob. cit., P. 50).
Não é um fabulador apocalíptico, pois «do mesmo modo que..., praticando e com
imaginária herdada do Reino» (P. 36). Para ele seria incompreensível «um credo
Tarso. Agora bem, quando se faz uma valoração global dos documentos mais
significativos sobre a figura de Jesus e a circunstância histórica que lhe coube viver,
anúncio do Nazareno é histórico, forma parte do legado mítico que ele mesmo
herdou e assumiu; pelo contrário, o mito paulino de Cristo é, referido ao Jesus, uma
ficção teológica que abriu o caminho para uma «nova religião», o cristianismo. Uma
que Jesus impôs aos destinatários do Reino nas vésperas de sua instauração. O
com que tinha que exercer o duplo mandamento de amor a Deus e ao próximo.
Era a radical exigência de uma ética de entrega total para o tempo brevíssimo que
somente uma ética não prevista para durar, não exigida com pretensões de vigência
último minuto do último lapso de tempo que subtrai para o esgotamento do eón
histórico leva a condenar-se a ignorar a nota diferencial de sua empresa. Só, e não
mais que até certo ponto, a igreja original de Jerusalém acolheu por um curto
tem já nada em comum com a forma e o sentido da ética escatológica pregada por
Jesus.
O visionário da Galiléia tinha uma fé cega e plena em que todo seu anúncio
lhes digo que se algum dissesse a esta montanha: retire-se e jogue-se ao mar, e não
vacilasse em seu coração mas sim acreditasse que tal se tivesse que fazer, far-lhe-ia»
crê possuído por Deus, e intermediário de uma sublime utopia que para ele é mais
Por isso, sua mensagem ética é incompromissória plena, total, cuja obediência não
admite nem mais, nem menos, segundo as conveniências de cada dia. A premissa
da fé cega é, ela mesma, a parte fundamental desta ética. Só admite tudo ou nada, e
admirava por sua incredulidade» (Mc. 6.6), e assim «não pôde fazer ali nenhum
milagre» (V. 5). O que revela os mecanismos da crença em milagres, tanto como o
expresso em Mc. 8.34-35: «quem queira vir atrás de mim, negue-se a si mesmo,
tome sua cruz e me siga. Pois quem quer salvar sua vida, perde-la-á, e quem perde a
vida por mim e à boa nova, esse se salvará». Mas se se arranca esta peremptória
exortação a deixar tudo e seguir-lhe, do marco escatológico em que deve inserir-se
como seu habitat natural, então se trivializa seu conteúdo, como aconteceu muito
Reino futuro mas iminente que transformará a terra. Esta ética decreta a expiração
pobres. Mas terá que advertir que a lógica do reino messiânico leva, por sua própria
da sociedade. Esta pretensão tem que invocar outros títulos, pois o ideal
uma entidade religiosa-política, mas neste duplo adjetivo quer expressar uma fusão
estrita de ambos os planos, que não traduz a idéia corriqueira de sua mera
agregação. A história judia é uma história sagrada, inconciliável com toda análise
cessar «meu Reino não é deste mundo». Não falemos já dessa retórica miscelânea
chamada doutrina social da Igreja. O Jesus histórico nada tem a ver nem com uns
escatológico.
O Nazareno pedia o cumprimento radical e pleno da lei mosaica. Mas até se
alguém disser que cumpre todos os mandamentos, responde-lhe que para se salvar,
«uma só coisa falta: vai, vende quanto tem e dá aos pobres, e terá um tesouro no
céu; logo vêm e sigam-me. Ante estas palavras se nublou seu semblante e se foi
triste, porque tinha muitas fazendas. Olhando em volta de si, disse Jesus à seus
ficaram espantados por ouvir esta sentença. Tomando então Jesus de novo a
palavra, disse-lhes: Filhos meus, quão difícil é entrar no Reino dos céus! É mais
fácil a um camelo passar pelo olho de uma agulha que a um rico entrar no Reino de
Deus» (Mc. 10.21-25). Para um intérprete que valorize esta perícopa em seu sentido
Quem quer entrar no Reino deve fazer sem a mínima demora duas coisas:
entregar todos os seus bens aos pobres, e seguir no ato, abandonando tudo (família,
prova definitiva e inadiável que se exige para entrar nele. Só se o Reino realmente
suas exigências, mas proclamada para reger em um mundo real sustentado por
privados (inimici), mas também aos inimigos públicos (hosts), assim que entrassem
37). Um próximo.
também, e com o mesmo rigor, uma ética de hostilidade e luta ideológica frente aos
inimigos públicos (hosts) do Deus de Israel. Estes eram: de uma parte, os poderes
pagãos que pervertiam ao povo judeu ou que exploravam seus bens e suas terras;
risco. Embora os Sinóticos, tanto por razões teológicas como políticas, obscurecem
ou suprimem toda formulação explícita desta dimensão ética agônica, seus relatos
«não paga as didrachmas» (V. 24). A resposta de Jesus ao discípulo manifesta, sob sua
presidiam a simbiose dos inimigos públicos, como ficou impresso com letras de
pelo poder romano. Não resulta possível apoiar no argumentum e silentio a ausência
rechaço deste tributo tinham sido amplamente difundidas nos dias de Jesus com a
ato de submissão pessoal a outro Senhor, e por conseguinte uma traição a Deus,
resposta era óbvio e inequívoco para tudo o que conhecesse as muito difundidas
sentido rigoroso do termo, pergunta-se para saber o que não se sabe; quer dizer,
Nazareno neste ponto tão relevante. Agora só se tratava de obter dele uma
estava bem urdido, pois a confabulação contra Jesus precisava ser agora algo mais
uma denúncia por rebelião. Penso que foi o rechaço do tributo, tanto ou mais que
sua pretensão de messiado, o que conduziu Jesus à cruz. Visto assim, a perícopa
determinante para demonstrar que seu herói não era um Messias tradicional que
encarnado que veio para expiar com sua morte o pecado da humanidade. Ao
sacerdotal, porque «chegou tudo isto para ouvidos dos príncipes, dos sacerdotes e
dos escribas, e procuravam como perder-lhe; mas temiam-lhe, pois toda a multidão
estava maravilhada de sua doutrina» (Mc. 11.8). Os herodianos e os fariseus
pagar o tributo, mas sim, se é lícito (exestin) pagar o tributo. Neste atributo verbal
pergunta se é lícito aos romanos cobrar o tributo, mas sim, se é lícito aos judeus
pagá-lo. Mt. 22.17 e Lc. 20.22 repetem literalmente a questão da licitude; este teor
redacional prova que se tratava de uma das questões mais candentes do dia entre o
povo judeu, porque assinalava uma fronteira entre quem se conformava com o
nacionalismo político-religioso dos judeus. Jesus estava deste lado, como vamos
ver.
uma questão de fidelidade a Yahvé como senhor do povo eleito, que lhe devia uma
pergunta não era tal, senão uma mutreta, um retiro, uma resposta afirmativa na
romana violenta que ele não desejava provocar, pois tudo indica que estava
convencido de que o Reino só podia impor-se pela mão milagrosa de Deus no
seguidores a excelência e crédito de sua causa, mas sim cancelava ante sua
efígie de César: «De quem é esta imagem e esta inscrição? Eles disseram: de César.
Jesus replicou: dêem ao César o que [em o latim da Vulgata, quae, as coisas que] é
de César, e a Deus o que é de Deus. E se admiraram por ele» (Mc. 12.16- 17).
pode tomar-se a primeira vista como uma coisa que pertence a ele; mas o tributo
não é a moeda, que é um simples meio de pagamento, a não ser o ato de submissão
efígie imperial e ter sido cunhada nas casas da moeda do Estado romano, poderia
algo que terei que restituir. Tratava-se de uma resposta que salvava aparentemente
as formas, mas que realmente revelava sem equívocos o fundo do pensamento de
Jesus: o sentido de sua posição não podia —estimava ele— escapar a quem devia
entender que não era lícito entregar ao César o que era de Deus, ou seja, a lealdade
ao Senhor legítimo dos judeus, porque o tributo per capita era o símbolo qualificado
declaração indubitável à luz do dia. Foram para ele a tiro feito a fim de que pudessem
resposta, calaram» (V. 26. Itálicos meus). A cláusula diante do povo que nos brinda
Lucas vale muito ouro para conhecer o verdadeiro móvel de todo o episódio: não
se tratava de conhecer sua doutrina —que sabiam muito bem que era denegatória
ato de laesa majestas. Como centenas de sisudos exegetas escorregam sobre uma
talentos. Uma mente bem informada e sem prejuízos tem a ver que Jesus se
pronunciava contra o pagamento do tributo, mas que evitava declará-lo
«subvertendo a nosso povo», e que «proíbe pagar o tributo ao César» (Lc. 23.1-2),
publicamente muito poucos dias antes, em presença do povo, que é lícito pagar o
ateve ao que nos ensinou a catequesis: responder «sim ou não como Cristo nos
«não», e que não o fez. Mas esta hipótese não diz respeita a complexidade da
situação que o próprio evangelista encena cuidadosamente para fazer passar ante
seus desinformados leitores como afirmativa uma resposta de sentido negativo para
a que se ajustava neste assunto a posição deste Jesus quis expressar a reta doutrina,
Não era para menos. Todavia, não porque ele houvesse afirmado a licitude de pagar
o tributo — o qual pôde expressar-se sem tão sutil circunlóquio —, a não ser
justamente pelo contrário: pelo hábil modo implícito e encoberto de rechaçá-lo sem
arriscar-se.
destino de Israel e as tradições messiânicas. Por seu vivo colorido e seu forte valor
(Rom. 13.6-7). O episódio pôde ter sido inventado pelo autor de Marcos ou por
eficazmente aos interesses teológicos e políticos das igrejas cristãs. Em que pese a
sentença que recolhe Mt. 10.34: «Não pensem que vim pôr paz (eirenén) sobre a
Inclusive uma leitura metafórica não permite suprimir a radical «divisão» (Lc
dos inimigos públicos. O Jesus inexistente dos Sinóticos ficou cunhado para
sempre como um ser evanescente, afastado de toda preocupação terrena pelo autor
do Quarto Evangelho: «meu reino não é deste mundo...» (Jn. 18.36). Provinda de
dirigentes do Império, e construir mais tarde sua dogmática dos dois poderes,
quando declinou seu absoluta hegemonia sobre a sociedade cristã e teve que
promessas do Deus de Israel a seu povo fiel define o caráter histórico da empresa
de Jesus, que nada teve a ver com a concepção cristã-gentil e paulina da predicação
uma reconversão radical do coração para vivificar o significado da Lei e seu pleno e
sincero cumprimento. Sem alterar nenhuma til da Lei (Mt. 5.17-18), pedia a
terá que ser pregado o Evangelho a todas as nações» (V. 10). A cláusula se repete
mundo e preguem o Evangelho a toda criatura» (16.15), que reiteram Mt. 28.19 e
legitimação da Igreja — como obra de Jesus em vida (Mt. 16.18-19)—, para a qual
Em Mc. 6.7 lemos: «chamando assim aos doze, começou a enviá-los de dois
em dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros, e lhes encarregou que não
tomassem para o caminho nada mais que um fortificação, nem pão, nem alforja,
impedimento, formam uma unidade coerente com a ética do ínterim com as normas
adiciona Marcos: «em qualquer lugar que entrem em uma casa, fica nela até que
saiam daquele lugar, e se um lugar não lhes recebe nem vos escuta, ao sair dali
sacudam o pó de seus pés em testemunho contra eles» (6.10-11). Que a missão era
tinham feito e ensinado» (Mc. 6.30). Operava-se sobre o terreno e com a urgência
toda nação e criatura, como lhe faz dizer ao Cristo ressuscitado. Os três Sinóticos
são unânimes e não deixam lugar a dúvidas nesta questão capital: o Nazareno veio
uma casa, não querendo ser de ninguém conhecido; mas não foi possível ocultar-se,
porque logo, ouvindo falar dele, uma mulher, cuja filhinha tinha um espírito
impuro, entrou e se prosternou. Era gentil, sírio-fenícia de nação, e lhe rogava que
lançasse ao demônio fora de sua filha. Disse-lhe: deixa primeiro fartar-se aos filhos,
pois não está bem tomar o pão dos filhos e jogá-lo aos passarinhos. Mas lhes
respondeu dizendo: sim, Senhor, mas os passarinhos, debaixo da mesa, comem das
migalhas dos filhos. Ele disse-lhe: por isso disse, vai; o demônio saiu de sua filha».
judeus, a quem terá que deixar fartar-se antes de ceder as migalhas de seu pão aos
gentis, aos que se alude com um termo relagatório e depreciativo: são os cães que
«debaixo da mesa comem de as migalhas dos filhos» (V. 28. meus itálicos).
mau humor ante a angustiada mulher gentil, e se aproximam do Mestre lhe pedindo
que a despeça, «pois vem gritando atrás de nós. Ele respondeu, e disse: Não fui
enviado a não ser às ovelhas perdidas da casa de Israel» (vv. 23-24. meus itálicos). O
redimir a todos os homens sem distinção de origem ou de raça». Mas nada disto
encontra-se nos Sinóticos posto em boca de Jesus. O dito então foi uma
capitula, neste episódio paradigmático, ante uma mãe torturada de dor e que lhe
implora, fincada de joelhos, que libere a sua filha. Mas em seu programa
Como qualquer judeu piedoso, Jesus pensava que todo indivíduo podia aspirar à
salvação se ajustava seus atos e sua mente aos imperativos morais do Deus único.
Mas sua missão se dirigia ao povo eleito, «às ovelhas perdidas da casa de Israel». O
espírito reivindicativo de um povo que tinha sido tratado como pária transpira por
itálicos]. O povo hebreu aspirava, em seu reino, a ser logo senhor. Campeões da
radical que anima a mensagem de Jesus. Mas nem mesmo os retoques e adições que
liberar do jugo dos inimigos públicos aos fiéis de Israel para que pudessem entrar
passava o rigoroso crivo do Julgamento final. Mas isto não era o problema
eclesiástica anatematiza com furor toda explicação da gênese da fé cristã que conclua
brilhante dos que investigaram em a última década esta magna questão, Hyam
semitismo cristão» (Paul and hellenism, Londres, 1991, pp. 54-55). Hoje é já
de Satã. Esta servidão não pode romper-se por esforço algum por parte do homem,
de um modo de liberação enviando a seu Filho divino ao mundo para sofrer uma
morte cruel que expia o pecado da humanidade. Aceitando com fé e gratidão esta
persistem em pensar que escapam à condenação por seus próprios esforços morais
(guiados pela Torah), estão destinados à condenação eterna» (ob. cit., P. 5.5). É, em
pela morte divina em favor dos que têm fé em sua eficácia; (6) a promessa de
ressurreição e imortalidade aos devotos do Salvador» (ibid.). Mas o Jesus da
Christianity», de seu último livro, The religión of Jesús the jew (Londres, 1993), Geza
encontrado familiares às três primeiras linhas e às duas finais do credo cristão [...],
mas sem dúvida teria ficado desconcertado pelas vinte e quatro linhas restantes.
Estas aparecem como tendo pouco a ver com a religião pregada e praticada por ele»
(pp. 209-210). Referindo-se ao livro escrito pouco antes de seu morte pelo C. H.
(1970), diz Vermes que trata-se de «um nome errôneo. Embora se admite que não
honesta evolução doutrinal» (P. 214). O Cristo ressuscitado, como sustentei desde
parece ser desconhecida na antiga literatura judia existente. Daqui que esteja fora de
"Senhor ressuscitado" é visto somente pelos que têm fé nele e aparece em tão
estranha guisa que nenhum o reconhece até que ele mesmo se identifica» (P. 211,
nota). Esta observação admirativa não parece contar com que sem a ressurreição de
um ser ao mesmo tempo humano e divino, o mito de Cristo se derruba, e com ele
a fé cristã.
apologética cristã.
inclusive Is. 53.4, tão rapidamente aplicado ao sofrimento vigário, serve como uma
predição, não do sofrimento, mas sim do Messias que cura. As passagens mais
antigas nos que o enfermo Servo de Deus de Is. 53 aparece claramente e com
certeza na interpretação cristã são: Atos 8.32 ss., e 1 Ped 2.22-25, Heb 9.28; tal
interpretação possivelmente seja mais antiga que Paulo e que talvez esteja detrás de
sinótica da paixão obviamente não tem em sua memória a Is 53; se não, por que
não se refere a ele em nenhum lugar? Somente mais tarde se apresentam específicas
referências tais como 1 Clem 16.3-14 e Bern 5.2» (trad., Theology of the New Testament,
alguns biblistas cristãos, testemunho algum que desminta a tese geral que acabo de
vigário por toda a humanidade» («Os Manuscritos do Mar Morto e o Novo Testamento»,
grande sobre a terra» e a quem «todos servirão». Esta figura mais ou menos
daniélica não se tem por um Messias, como reconhece García Martínez, e de pouco
serve recordar, a este respeito, que o Messias sacerdotal de 11Q Melquisedec é uma
além de ser já tardia, nem sequer é segura, à vista das críticas a este método de
datação formuladas por Roubem Eisenman (Maccabees, Zadokites, Christiansana
Qumran, Leiden, 1983) e Norman Golb (Who wrote the Dead Sea Scrolls, New York,
1995).
Na opinião de Pinero, «esta figura sobre-humana não teria por que ser
necessariamente o messias [...]; poderia ser a que, segundo alguns ambientes judeus,
ia enviar Deus para que ajudasse ao rei messias em seu combate final. Mas isso não
análoga do messias cristão — do humano» (ob. cit., P. 171). O que resulta decisivo
monoteísmo de Qumran impede que esse enviado possa ser considerado como um
que ocorre com o Jesus na teologia cristã» (P. 172). O hiatus entre o visionário de
que a instituição eucarística não pertence às palavras de Jesus na Última Ceia, e que
«podemos afirmar que ao Paulo é familiar a mesma tradição da Última Ceia que
seguiu Marcos [...], e provavelmente não nos equivocamos se pressupusermos que
esta concepção era geral nas igrejas Paulinas dos cristãos gentis» (Mass and Lorde's
Supper, trad., Leiden, 1979, P. 185). Qualquer um podia ver, ainda antes de
morte de Jesus, a não ser só o piedoso costume judeu da «fração do pão» que o
Nazareno praticou com seus discípulos (Mc. 6.41, 14.22; Lc. 24.30); o que
corroborou Didaché 9.3 e 14.1. O relato de Atos sobre a praxe piedosa judeu-cristã
na fragmentação do pão, e na oração» (2.42. Itálicos meus). Estas preciosas notícias nos
mostram que no ágape fraterno das primeiras comunidades não houve instituição
da eucaristia.
discutível, chegando à conclusão de que «Paulo, não Jesus, foi quem originou a
eucaristia», e que esta «não é um rito judeu a não ser essencialmente helenístico,
que mostra afinidades principais, não com o qiddush [bênção, santificação] judeu, a
não ser com a comida ritual das religiões místicas» (Paul and hellenism, ob. cit., P. 90).
«Pois eu recebi do Senhor (ego gar parélabon apo toü kyriou) aquilo que transmiti
a vós: que o Senhor Jesus, a noite que foi entregue, tomou pão e, tendo agradecido
partiu-o e disse: "Este é meu corpo, que parti para vocês; façam isto em minha
memória". Do mesmo modo, tomou o cálice, depois de ter jantado, dizendo: "Este
cálice é o Novo Testamento em meu sangue; façam isto quantas vezes bebam em
minha memória". Porque quantas vezes comem este pão e bebem este cálice,
anunciam a morte do Senhor, até que venha. De sorte que quem comer este pão ou
beber este cálice do Senhor indignamente, réu será do corpo e do sangue do
Porque quem come e bebe, sua própria condenação come e bebe, se não discernir
o corpo do Senhor. Por isso há entre vocês muitos doentes e adoentados, e muitos
morrem».
Logo que parece duvidoso que a frase «eu recebi do Senhor aquilo que
transmiti a vós» (V. 23) seja uma revelação pessoal — das quais Paulo fazia
(parolaban apo), que, em primeira leitura, expressa que Paulo recebeu diretamente
empenham em dizer que se assim fosse, então a preposição teria que ser para, que
a defender a dogmática, custe o que custar —, estima com uma bateria de sólidos
incluído o do V. 23.
transmiti em primeiro lugar o que a minha vez recebi (ho kai parolaban)». Não diz se
foi o Senhor quem o transmitiu a ele, por isso não cabe afirmá-lo resolutamente,
embora não tenha que descartá-lo por outras razões. Pelo contrário, em 11.23
como do curto que se conservam de Lc. 22.19-20, e dos textos de Mc. 14.22-25 e
desenvolvimento do relato da Última Ceia. Adverte que «na história original, que só
continha o tema apocalíptico [Mc. 14.25: "Na verdade lhes digo que já não beberei
do fruto da videira até o dia em que o beba novo no Reino de Deus", tema repetido
qiddush se diz primeiro sobre uma taça de vinho, que é logo distribuída; depois tem
lugar "a fração do pão", que marca o começo da comida. O qiddush não forma
"santificando" o próprio dia do festival, não a comida [...]. Esta seqüência judia
ainda pode ver-se no relato de Lucas, pois mostra ao Jesus começando com o
vinho (22.17) e logo seguindo com o pão (22.19). Posto que, entretanto, a
palavra apocalíptica sobre o pão em uma palavra eucarística, que logo tem que ser
completada pela introdução de uma segunda taça de vinho. Esta segunda taça
possui, entretanto, alguma justificação no costume judeu, pois era habitual (mas
não obrigatório) tomar uma taça de vinho para acompanhar a ação de graças depois
Paulo cria uma nova liturgia, de caráter sacramental, em que o tema escatológico-
único que corresponde às palavras de Jesus (Mc. 14,25) —. O ritual paulino, que
recebe o nome não-judeu de Ceia do Senhor, pôde reiterar uma fórmula sacramental
anterior composta também pelo próprio Paulo, com a qual os leitores estariam já
familiarizados (cf. pp. 117 e 122). «Assim, a seqüência pão-vinho, sendo natural no
Evangelhos é, assim, que estes últimos estão tentado, com dificuldade, incorporar
Jesus não instituiu a eucaristia, cujos conceitos fundamentais eram alheios a ele
admirável desenvolvimento.
Por isso se refere ao batismo como sacramento, Maccoby expõe por que é
igualmente «relevante, pois também aqui temos um rito que foi derivado
127). O Batista tinha devotado um batismo que era algo mais que uma ilustração
batismo paulino é «um sacramento místico, é inclusive mágico, pelo qual a paixão e
a ressurreição de Cristo são apropriadas pelo crente para sua própria salvação» (P.
em 1919, seu livro Les mystères paiens et le mystè re chrétien: «Os primeiros cristãos não
habituais no paganismo. Outro tanto ocorre com o resto, começando pelo Cristo
mesmo, a quem não se concebe precisamente como aos Dionisos, aos Osiris, à
Mitra, e que entretanto não seria entendido como foi, se o Messias judeu não
tivesse passado a ser um Salvador divino, em um grau que se considerava superior
ao dos deuses de mistério, mas análogo a ele. Seja como for, sempre ficará
judeus, mas não mostraram urgência em superá-lo. Foram os gentis inseridos nas
ser da fé em um fato imaginado pela fé. Este suposto acontecimento nada tem a
ver com o traslado milagroso aos céus de um patriarca como Enoc (Gen. 5.24; Heb
11.5) ou de um profeta como Elias (2 Reis, 2.1-18), estando ainda vivos. Trata-se
do retorno à vida de um morto, em virtude de poderes sobrenaturais, divinos, que
muito cedo subiria à mão direita do Pai. Não se trata da ressurreição, pela obra de
Deus, de seres humanos já mortos (2 M. 7.9, 7.14, e Dn. 12.1-13), mas sim de
alguém que anuncia que vai ser ressuscitado. A ressurreição (anastasis) de Jesus é o
(1 Cor. 1.3-4). Embora este teologema não é coerente com a afirmação paulina da
natureza originariamente divina de Jesus (en morphe Theö), igual a Deus (einai isa Theö)
(Fil. 2.6), não por isso, deixa de enfatizar em grau máximo a inigualável relevância
milagroso — é o consignado em 1 Cor. 15.1-8, onde se diz «que Cristo morreu por
terceiro dia, segundo as Escrituras, e que foi visto por [apareceu-se a] Cefas, logo
aos Doze. Depois foi visto uma vez por [apareceu-se a] Santiago, logo por todos os
apóstolos; e depois de todos, como por um aborto, foi visto por mim [apareceu-
me]».Como pode apreciar-se, esta notícia não é tal, a não ser uma fórmula de fé
(Gal 1.12), nesta «visão celestial» (Atos 26.19), enuncia-se com o mesmo termo
(óphthe, visto) para referir à visão de todas as demais testemunhas que cita sem
oferecer nenhum outro dado ou circunstância. Mas sabemos, pelo dito em 1 Cor
transformação em uma nova condição do ser (1 Cor. 15.42-49, Fil. 3.21), como um corpo
celestial.
mas não era o que necessitavam os fiéis com os pés no chão e alheios aos
se interessavam, ao reverso que Paulo, pelo Cristo katá sarka, segundo a carne. Mas
sem a menor dúvida, em todo momento; mas, depois de ter transcorrido trinta ou
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o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a
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lo em nosso grupo.
examinar os textos de Mc. 16.1-2, Mt. 28.1, Lc. 24.1, 3, 10 e Jn. 20.1, aparece algo
vazio e a primeira aparição... Mas, além disso, não parece possível que os quatro
cartas de Paulo nas quais se reflete sua opinião, e a daquela sociedade, sobre as
mulheres». E cita os textos de 1 Cor. 11, 3-6, 14.33-35; Ef. 5.24; e 1 Tm. 2.11.
«Parece claro que a pessoas que pensavam dessa maneira não lhes podia
grandemente [...]. A uma Igreja tão antifeminista e puritana tinha que lhe resultar
incômodo, para não dizer insuportável, que todo o maravilhoso edifício teológico
principal? Paulo não a cita nenhuma só vez. Simplesmente, ignora-a [...]. Neste
porque este nome estava tão fortemente enraizado na tradição popular, que não
Mas como nisto não existia tradição comum, cada um resolve à sua maneira. Assim,
Salomé;
de esconder a Madalena entre as outras "santas", a não ser por João, sempre
circunstâncias e detalhes dos fatos narrados, que ele extraía de uma fonte
ressuscitado não se parecia com o Jesus, e que quando as testemunhas afirmam lhe
haver reconhecido o fazem com dúvidas e por razões alheias ao aparecimento físico [...]. Se,
quatro evangelhos, teve que ser porque tinha uma origem muito antiga, e
Segundo fator: ...viu Jesus de pé, mas não sabia que era Jesus... pensando que
pessoa, deve ter excitado a imaginação popular. De maneira que, a partir de então,
esse esquema se repetirá nas seguintes aparições, mas com variantes muito
testemunho que não os beneficiava». Neste sentido, podem ler-se Mc. 16.12, Lc
24.15, Mc. 16.24, Lc. 24.25, Le. 24.36, Jn. 20.27-29. O que resulta manifesto é a
pessoa que disse ter visto pela primeira vez ao Jesus, a quem inicialmente não
coisas que lhe havia dito» (V. 18). As lendas do sepulcro vazio são muito tardias,
herói, não pode ser tomada pelo historiador íntegro, que analisa objetivamente o
conjunto das fontes e valora-as adequadamente, como um fato real, a não ser que
Ressurreição pelo Jesus como Cristo de natureza divina. Os textos cristãos foram
menor grau a fé. Dois mensageiros nossos, de hoje. Xavier Léon-Dufour, sacerdote
católico e prestigioso exégeta, conclui seu minucioso estudo afirmando que «tanto
em despertar da morte e quanto em exaltação a Deus, a Ressurreição não é um fato
histórico, embora seja recebida pelo crente como um fato real» (Meus itálicos). Julgamento que
acontecimento só nas mentes e vidas dos seguidores de Jesus. Não pode ser
não uma informação objetiva de testemunhas presenciais; mas sim é um mito, que
a Igreja cristã experimentando como uma contínua inspiração através dos séculos».
ominosa inversão ideológica. A suposta Ressurreição gera uma nova fides, que se instala
ressuscitado e elevado aos céus. Um corte teológico: o Messias judeu que anunciou
promessas de Yahvé a seu povo, é substituído pelo Cristo celeste da fé, quem se
cristianismo como nova religião. Ao leitor que deseje aprofundar nas teses deste
trabalho, permito-me lhe convidar a que consulte meus livros Ideologia e história. A
formação do cristianismo como fenômeno ideológico (1974), Fé cristã, Igreja, poder (1991), O
comentário sobre o que meu bom amigo Manuel Fraijó opina em seu recente
me ser, como afirma Gonzalo Puente Ojea seguindo ao Wrede , "a coluna vertebral
da cristologia da Igreja". Quem me tenha seguido até aqui não terá dúvidas de que,
para mim, tal coluna vertebral não é o que outros fizeram de Jesus — a cristologia
explícita, os títulos—, a não ser o que Jesus mesmo fez, quer dizer, a cristologia
implícita...» (P. 69). Com este subterfúgio verbal, Fraijó tenta tirar-se de cima o
próprio Marcos, e também em Mateus e em Lucas; Mc. 16.11; Mt. 26.56; Lc. 24.17-
21; Jn. 20.9, 25, 27-29). Por muitas cambalhotas apologéticas que ensaiem teólogos
em seu sentido histórico específico, não pode renunciar a seu núcleo fundente: a
revelação de Jesus, formulada com suas próprias (supostas) palavras, como Deus
feito Homem, para apagar o pecado hereditário da humanidade mediante sua
paixão doentia, sua morte na cruz, sua ressurreição gloriosa, sua ascensão aos céus,
sua condição divina, e sua predicação da redenção universal cuja notícia deverá
mínimos teológicos para cada assunto e ocasião —, então terá que lhe outorgar à
ficção do segredo messiânico todo seu peso crítico para elucidar a questão medular
aponta Fraijó, com a elaborada por Wilheim Wrede. Este eminente biblista
que nunca teve, com o qual invalida seu acerto inicial, ou seja: ter detectado em
Por todas estas considerações, parece exigível que intérpretes como Fraijó
— embora implícita —, tal como aparece nos textos, e não se limitem a saltar
alegremente por cima, como se se tratasse de uma minúcia sem maior interesse. Em
textual dos relatos. Toda a inteligência de Fraijó e seus afins, empregada em mitigar
que ainda possam confortar às almas de boa fé obstinadas a sua confissão cristã
com autoridade e crédito que Jesus, Deus feito Homem, tinha que ressuscitar ao
terceiro dia e inaugurar o Reino «quando vier na glória de seu Pai com os Santos
cuja grosseria narrativa situa aos evangelistas nas mais baixas cotas da imaginação
teológica.
expiatório que anuncia a iminente irrupção do Reino. Essa análise fica descartada
do herói de estatura divina que sacrifica sua vida para salvar da morte aos que
cancela o fato intratável da morte, desejo inscrito na estrutura biogentica dos seres
verdade, tal como emerge da análise honesta e rigorosa dos documentos históricos
que os cristãos exibem como garantia de sua autoridade e de sua fé. Dito tudo isto,
talento de Manuel Fraijó como teólogo —que está envolto de tudo o que concerne
FIM
O Evangelho de Marcos. Do Cristo da fé ao Jesus da história. 144 pp. 3.a ed. corr.
Ideologia e história. O fenômeno estóico na sociedade antiga. 248 pp. 4.a ed.
Ideologia e história. A formação do cristianismo como fenômeno ideológico. 436 pp. 6.a ed.
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