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PORTUGAL
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO 17
Depósito Legal
235 667/05
Tiragem da 1.ª Edição:
15 000 Exemplares
Portugal sofreu nos últimos anos grandes transformações simultaneamente numa perspectiva multi-sectorial
sociais e económicas e uma profunda evolução das suas e territorial.
estruturas territoriais. Até à data, este grande dinamismo A reflexão sobre a realidade social, sobre a forma como
não foi acompanhado de um registo geográfico de síntese as populações se organizam e se relacionam com o meio
e análise do passado recente que perspectivasse uma visão do ambiente, sobre o seu posicionamento no sistema
futuro da realidade nacional. Foi esta lacuna que nos económico nacional e internacional, assim como o seu
propusemos preencher com este projecto. modo de vida e trajectórias culturais, constitui um
Os atlas são hoje obras que extravasam, completamente, importante instrumento para a definição de políticas
a parca definição de colecção de mapas ou cartas geográficas. e estratégias adequadas ao nosso tempo.
O Atlas de Portugal é uma excelente sinopse que, A análise científica destes temas permite encontrar novas
por traduzir a realidade do nosso espaço geográfico, soluções e potencialidades, identificando e/ou localizando
se constitui num valioso e indispensável veículo de fenómenos perturbadores susceptíveis de estrangular
transmissão de informação de suporte e apoio à decisão. o desenvolvimento do País. Este documento, ao traçar de
O Instituto Geográfico Português promoveu e acarinhou forma isenta e inequívoca um perfil de Portugal, constitui
este projecto em conjunto com uma equipa científica de uma referência para analisar, hierarquizar e justificar
renome nacional e internacional coordenada pela Professora intenções de investimento bem como servir de base
Catedrática Raquel Soeiro de Brito. Do resultado desse afã à investigação das transformações ocorridas. O Atlas de
nasceu uma obra ímpar e de referência que integra Portugal, sendo um documento único no panorama nacional,
informação geográfica existente no Sistema Nacional irá servir também de suporte às actividades de várias
de Informação Geográfica e em vários organismos da Instituições Públicas e de Privados, dos estabelecimentos
Administração Pública Portuguesa, e que, em conjunto, de ensino, do processo de avaliação dos programas
representa uma visão coerente do Portugal de hoje, comunitários e, naturalmente, do cidadão em geral.
São Miguel
0 5 10 km
Santa Maria
Região Autónoma dos Açores, Grupo Central
Faial
Pico
0 5 10 km
São Jorge
Região Autónoma dos Açores, Grupo Central
Graciosa
Terceira
0 5 10 km
Região Autónoma dos Açores, Grupo Ocidental
Corvo
Flores
Região Autónoma da Madeira
Madeira
Ilhas Selvagens
0 5 10 km
Porto Santo
Ilhas Desertas
A IMPORTÂNCIA DO MAR E A LOCALIZAÇÃO DO ESPAÇO PORTUGUÊS CLIMA E SUAS INFLUÊNCIAS
ELEMENTOS CLIMÁTICOS
O MAR QUE NOS ENVOLVE A IRREGULARIDADE DO TEMPO NO CONTINENTE
A MORFOLOGIA DOS FUNDOS AS ONDAS DE CALOR
CORRENTES OCEÂNICAS O CLIMA DAS ILHAS
O MAR E A ATMOSFERA A REDE HIDROGRÁFICA
VARIAÇÕES DE TEMPERATURA OS SOLOS
A VEGETAÇÃO ‘NATURAL’
A TERRA QUE HABITAMOS
UNIDADES MORFOESTRUTURAIS TIPOS DE PAISAGEM
EVOLUÇÃO GEOLÓGICA DO OESTE PENINSULAR DIVERSIDADE E GRUPOS DE PAISAGEM
O RELEVO DO CONTINENTE ÁREAS PROTEGIDAS
FISIONOMIA DAS REGIÕES AUTÓNOMAS AS ILHAS
REDE NATURA 2000
ÁREAS DE PROTECÇÃO DE AVIFAUNA
que um convite para velejar com proa nos quadrantes regularidade por ser quase o promontório finisterra da
de Sul. É como, saídas as barras dos portos, deixar-se ir Europa, que era preciso dobrar entre o Norte e o Sul.
na corrente do vento. Se percorrermos as listas de datas de Por outro lado, é uma situação que lhe confere um clima
largada das expedições marítimas dos nossos antepassados, de influência atlântica e mediterrânea, capaz de
será evidente que era a partir de Março que os navios saíam proporcionar muitas noites de céu limpo convidativas
em faina, barra fora. ao estudo dos astros e que tem um regime de ventos que,
Por outro lado, a costa continental portuguesa é limpa sabiamente aproveitados, permitiu, mesmo às grandes naus
de baixios, é batida por uma água mexida, às vezes dura, de pano redondo, ir e voltar sempre a favor do vento.
própria para marinheiros viris, mas tem carácter leal De facto, uma das grandes descobertas dos Portugueses
porque não esconde escolhos ou recifes traiçoeiros. foi a circulação do vento em torno dos anticiclones do
Os portos e abrigos do lado Oeste não são muito Atlântico Norte e do Atlântico Sul. A Norte, era como se,
numerosos, mas a qualidade náutica do estuário do Tejo por altura dos Açores, se situasse o centro de uma enorme
e o abrigo da baía de Lagos compensam o reduzido recorte corrente circulatória de vento no sentido dos ponteiros
da costa. Podemos dizer, hoje, que a orientação da costa do relógio que, uma vez apanhada a Norte do Equador,
e a dos ventos, em metade do ano, as águas de fundos permitia, descrevendo uma enorme rota, quase
irrestritos e a vontade corajosa e curiosa de ‘conquistar circunferência, chegar a Portugal, navegando sempre
a distância’ formaram a rampa de lançamento da nossa com o vento nos sectores da popa dos navios.
expansão multi-continental. Os vastos conhecimentos científicos e as técnicas
Porém, a coragem de partir implicava também a ousadia desenvolvidas em várias áreas do saber, a organização
de ser capaz de voltar. Mas, como voltar, se à vinda o vento estabelecida, ligando cientistas, financeiros, comerciantes,
soprava quase sempre contrário e, quando pudesse ser a marinheiros, militares, população e elites dirigentes, bem
favor, no Inverno, crescia frequentemente a tempestuoso, como a posição geográfica lançaram-nos mar a dentro
capaz de ensacar os navios e de os atirar para cima de terra? a descobrir os caminhos para juntar oceanos, culturas
A curiosidade técnica e a estrutura científica criada pelos e gentes. O mar da nossa geografia marcou-nos com um
Portugueses deram a resposta. carácter próprio, granjeou-nos prestígio em todo o mundo,
Entenda-se que o marinheiro de qualquer época é, por deu-nos grandeza e algum ouro e levou o Português, raça
adaptação profissional, muito curioso. A curiosidade é bem e língua, a mais três continentes fora do de berço.
marcada quando procura nos navios e embarcações dos Curiosamente, Portugal sentiu e viveu a importância do
outros aquilo que é diferente no seu. Ciumento do que vê mar de forma muito mais marcante entre duas revoluções,
melhor em navio estranho, mas orgulhoso daquilo em que a de 1383 e a de 1974, que claramente assinalaram as fases
o seu possa ser superior, procura apreender tanto de ascensão e de declínio da maritimidade portuguesa.
as diferenças de material, como as técnicas e os Esta, a de profunda queda, pode encontrar uma explicação,
procedimentos. Não admira, por isso, que a frequência dos apenas muito parcial, na independência dos territórios
nossos portos por navios estrangeiros nos tenha trazido as ultramarinos de expressão portuguesa e na necessária
novidades que iam aparecendo na construção naval, como, adesão à União Europeia (UE). De facto, outros factores de
por exemplo, o leme central montado no cadaste, usado grande importância deveriam ter impedido uma tão brusca
muito cedo no Báltico e na China em substituição do leme e gravosa recessão. É que, embora por motivos diferentes
de esparrela (steering oar), ou as velas triangulares (hoje dos de ontem, o mar tem hoje e terá seguramente
chamadas de latinas), empregues no Mediterrâneo e que amanhã um valor de dimensão vital para o País, se for
permitiam aos navios de casco de boa finura, ou boa convenientemente utilizado.
relação comprimento / boca, navegar até um ângulo limite É uma mais valia assinalável em três aspectos: na afirmação
de 40º a 50º entre o eixo do navio e a linha do vento. Eram da identidade nacional, capaz de distinguir marcadamente
os caravos ou caravelas (do árabe qarib). a Nação portuguesa no seio de uma Europa sem fronteiras
A posição de Portugal favoreceu esses contactos com e de um generalizado processo de descaracterização de
passa no mundo, apesar de a nossa costa dispor de portos e da generalidade do mar das Ilhas. É um recurso
magníficos, como o de Sines, com condições para poder ser prospectivo da ordem dos 15GW/ano, no Continente e de
um dos maiores, senão o maior da Europa, capaz de cerca de 6GW/ano, nos Arquipélagos, com interesse
acolher os maiores navios de transporte de mercadorias. crescente, que está a ser objecto de investigação científica
Para passageiros, existem, nas três parcelas do território, com boas esperanças.
infra-estruturas portuárias e pontos de interesse turístico, Os oceanos, incluindo a parte que nos respeita, têm uma
no mar e em terra, capazes de justificarem uma forte enorme potencialidade para a biotecnologia, ou seja, a
actividade de visitas. Os navios de cruzeiro frequentam utilização de organismos vivos para produzir ou modificar
cada vez mais os nossos portos e correspondem a um produtos, nomeadamente, microorganismos para fins
mercado em forte expansão. Mais uma vez a posição específicos. Trata-se de um vasto acervo de substâncias e
geográfica foi pródiga em boas condições. produtos para uso em medicina, agricultura, aquacultura,
Outro sector capaz de gerar riqueza é o da construção e da saneamento, etc., que encontram nas fontes termais de
reparação naval, também ele beneficiando da proximidade profundidade locais privilegiados para a sua obtenção.
das rotas de navegação e da existência do melhor estaleiro Assim, também na área da produção de riqueza, o mar
de reparações da Europa, em Setúbal, e de um bom constitui uma impressionante fonte de recursos naturais
estaleiro de construção em Viana do Castelo, para além de para o País, certamente a mais importante de todas. A sua
outras infra-estruturas técnicas de menor dimensão. exploração requer uma visão integradora que percorra
Estas são parte de um todo a exigir reformas de transversalmente todas as actividades, a articular num
redimensionamento, de renovação técnica e de inovação verdadeiro cluster. É um forte desafio para o futuro,
tecnológica e científica. a encarar como as ‘Novas Descobertas’, pelas gerações
Os hábitos ancestrais de convivência com o mar fizeram de hoje.
dos Portugueses grandes apreciadores de peixe, de tal Trata-se, contudo, de um repto que exige, desde o início,
forma que o seu consumo é cerca de o triplo da média, a satisfação de um pressuposto essencial, traduzido
per capita, na UE. Contudo, o excesso de capturas praticado na imperativa gestão integrada do Oceano de forma
nas nossa águas, sobretudo num passado recente, levou ecologicamente sustentável. É, de facto, uma condição que
à diminuição das populações piscícolas e à consequente a não ser convenientemente entendida e praticada com
redução das capturas. Por isso, Portugal importa mais de rigor por todos os agentes, públicos e privados, com
metade do peixe que consome. É previsível que as medidas capacidade de intervenção no sistema marítimo, conduziria
restritivas da pesca possam ajudar a recuperar a fauna não só à impossibilidade de desenvolvimento da economia
marítima, nalguma medida. No entanto, é no campo marítima, como tornaria inviável a que já existe.
da aquacultura que reside a possibilidade de um aumento Na verdade, não é imaginável incrementar, nem sequer
sustentado da produção de peixe. manter, o turismo de cariz marítimo, a produção piscícola,
O fundo dos mares portugueses não parece ser rico em a extracção de produtos de biotecnologia e a qualidade de
hidrocarbonetos, pelo menos a fazer fé na prospecção vida nas zonas costeiras, se o ecossistema marinho não for
e pesquisa petrolíferas feitas até hoje. Estas investigações bem preservado. E há até que contar, neste aspecto, com o
confirmam a existência de petróleo, mas nunca foram vício adquirido pela nossa população, ao longo de gerações,
identificadas quantidades que justificassem a sua de lançar no mar os subprodutos da sua actividade,
exploração. No entanto, as condições naturais do nosso habituada à grande capacidade de assimilação das profundas
mar fazem admitir a probabilidade de se encontrarem e dinâmicas águas do Oceano que a posição geográfica
significativas quantidades de hidratos de metano, sobretudo de Portugal nos pôs à porta.
a partir dos 1 000 metros de profundidade. Este mau hábito, a pressão urbana, o desenvolvimento
Entre as energias renováveis susceptíveis de serem das infra-estruturas da orla costeira e o funcionamento
aproveitadas por nós, a das ondas é a de maior potencial, das indústrias marítimas colocam cada vez mais exigências
face à contínua agitação na costa ocidental do Continente e dificuldades à manutenção da linha de costa e do Oceano,