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APRESENTAÇÃO 19
A AGRICULTURA ECONOMIA E
AGRICULTURA EM MODO DE PRODUÇÃO DESENVOLVIMENTO REGIONAL POLÍTICAS DO TERRITÓRIO
BIOLÓGICO CRESCIMENTO ECONÓMICO A ADMINISTRAÇÃO
PECUÁRIA OS SECTORES DE ACTIVIDADE E A DIFERENCIAÇÃO O PLANEAMENTO
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO REGIONAL A QUALIFICAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO
PRODUTOS TRADICIONAIS MERCADO EXTERNO E COMPETITIVIDADE SUSTENTÁVEL
A FLORESTA A COESÃO SOCIAL
A CAÇA O DESENVOLVIMENTO HUMANO
A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS EXTRACTÍVEIS
O PAÍS
SOCIOECONÓMICO
ATLAS DE PORTUGAL IGP 131
871_05_Miolo_Pags131a174 06/02/02 9:29 Página 132
ECONOMIA PORTUGUESA:
ARTICULAÇÃO DIFÍCIL ENTRE
MUDANÇAS INTERNAS E
AS EXIGÊNCIAS COMPETITIVAS
AUGUSTO MATEUS
A dificuldade da articulação entre as dinâmicas internas e valorização dos produtos de exportação, com a progressiva
internacionais traduz, aliás, uma característica secular, quase internacionalização do comércio e do investimento,
permanente, que molda, afinal, a própria trajectória de sobretudo quando ela, acentuando a sua profundidade, se
muito longo prazo da: passou a designar por globalização (os mares, onde os navios
— Economia de uma sociedade europeia que, se foi precoce portugueses dominaram esmagadoramente, como se sabe,
(final do século XIV e século XV) na manifestação dos nos séculos XVI e XVII, com mais de dois terços dos efectivos,
primeiros sinais de afirmação da burguesia como classe e do exprimem com dureza este processo uma vez que, nos
capitalismo como forma de organização económica, foi nossos dias, bastante menos de 1% da frota comercial
tardia (final do século XIX e meio do século XX) na plena mundial tem origem portuguesa).
afirmação das realidades industriais e urbanas que A dificuldade da articulação entre as dinâmicas internas e
caracterizaram a plena afirmação de ambos; internacionais, que se justifica por um vasto e complexo
— Economia de um Estado europeu que, sendo dos conjunto de factores e fenómenos históricos, sociais,
primeiros a construir um império, beneficiando culturais, religiosos e políticos, muito para além dos aspectos
duradouramente do respectivo retorno económico, no plano estritamente económicos, prende-se, também, com duas
interno, foi o último a descolonizar, sendo, talvez, o que questões relevantes que importa referir.
revelou maiores dificuldades de adaptação na montagem de Em primeiro lugar, estas dificuldades apresentam um lado
novas, equilibradas e significativas relações económicas com particularmente estimulante, na medida em que
as antigas colónias, seja na América, na África ou na Ásia; representam como que um ‘preço a pagar’ pelas sucessivas
— Economia de referência de empresários europeus que, realizações em matéria de superação da pequena dimensão
tendo liderado, com os Descobrimentos, a formação da do território e da população que, em Portugal, suportam o
primeira configuração uma economia verdadeiramente Estado e estruturam a economia. Outras sociedades
mundial, e tendo tido a ‘sorte’ (ou o ‘azar’...) de encontrar europeias de pequena dimensão, como é o caso da Bélgica e
sucessivos ciclos de comércio internacional proveitoso, Holanda, na velha região da ‘Flandres’, terão encontrado
foram conhecendo dificuldades crescentes, seja na uma solução diferente, e eventualmente melhor, para estas
diversificação de mercados, seja na diversificação e dificuldades enveredando de forma mais determinada e
qualificada para a plena especialização em funções de ideia de um desenvolvimento ‘a partir de dentro’, até porque
intermediação entre os grandes espaços económicos da esse foi, quase sempre, o sentido prevalecente dos
economia mundial e percebendo as vantagens da ‘abertura’ mecanismos de suporte das principais forças económicas
sobre o ‘fecho’ das respectivas economias, mas muitas outras e políticas.
não se conseguiram aproximar da relevância alcançada pela A democratização (1974) e a plena integração da sociedade
sociedade portuguesa. O último grande investimento portuguesa no processo de construção europeia (1986)
português em Macau (um moderno aeroporto sem qualquer constituem, simultaneamente, as grandes rupturas e os
ponto de contacto com a agenda portuguesa prática para grandes marcos na evolução da economia portuguesa nos
o início do século XXI) constitui, seguramente, um bom últimos sessenta anos, tendo criado, à entrada do século XXI,
exemplo da perda de coerência e do agravamento das um regime económico e social onde não é reconhecível
limitações surgidas das contradições suscitadas pelas quase nenhum dos traços do regime económico e social
oscilações entre as opções por uma ‘lógica de império’, vigente, à saída da segunda guerra mundial do século XX,
sem base dimensional, político-militar e técnico-económica, nomeadamente no que respeita
suficiente, ou por uma ‘lógica de intermediação’, sem às formas de regulação dos mercados, aos mecanismos
suficiente cultura de risco, abertura e cosmopolitismo. de protecção social e à própria dimensão do sector público,
Em segundo lugar, estas dificuldades apresentam um lado muito mais relevante como empregador, muito menos
bem menos estimulante, na medida em que representam relevante como produtor.
uma espécie de ‘deficiência’ associada a uma incapacidade A economia portuguesa encontra-se, assim, finalmente,
crónica de ordenamento do território e de valorização da plenamente inserida, nos nossos dias, nos exigentes desafios
diversidade da geografia física e humana do país, produzindo de uma complexa articulação entre o funcionamento
uma minimização e fragmentação da base espacial conjunto do ‘mercado’ e da ‘democracia’, enquanto grandes
da economia portuguesa e uma exagerada rivalidade mecanismos de coordenação em acção e onde quer a
regionalista alimentada pela difusão de referenciais qualidade das estratégias de investimento e consumo, quer
demasiado comuns e imitativos, para os modelos de a qualidade das formas de regulação e regulamentação
produção e de consumo, e por formas de centralismo que se tornaram ainda mais decisivas para o desenvolvimento
foram gerando progressivamente uma capital demasiado económico e social e para a qualidade de vida
grande para o país e demasiado pequena para a Europa das populações.
e para o Mundo. A resistência secular de uma organização
administrativa do país sem correspondência com a evolução O impulso da democratização...
das realidades urbanas e empresariais, bem como A democratização da sociedade portuguesa iniciou-se em
a proliferação, mais recente, da criação de ‘cidades’ sem 1974 que representou, igualmente, um momento explícito
a dimensão de vilas ou de ‘áreas metropolitanas’, sem de viragem à escala mundial, não só em termos económicos,
a dimensão de cidades médias, constitui uma boa expressão mas também com significativas transformações de origem
destas dificuldades associadas à gestão estratégica política, militar, social e cultural.
do território, onde o ‘grande’ (exigindo centralização Os anos 70 foram, com efeito, marcados, no terreno
e selectividade) e o ‘pequeno’ (exigindo descentralização económico, pela combinação e desenvolvimento de quatro
e equidade) parecem, quase sempre, assustar os modelos rupturas que moldaram a transição de um crescimento
estabelecidos de governação. económico rápido e regular, conhecido na fase pós-guerra,
As dificuldades de articulação entre as dinâmicas interna e para um crescimento económico bem menos rápido e bem
externa encontram expressão, também, neste muito longo mais irregular, na fase actual. Essas rupturas envolvem, em
prazo, no claro predomínio de estratégias incompletas linhas muito genéricas, os seguintes aspectos:
e unilaterais de crescimento económico, fossem elas — Uma ruptura energética que, para além dos efeitos dos
introvertidas (‘viradas para dentro’) ou extrovertidas vários ‘choques petrolíferos’, traduzidos em fortes oscilações
(‘puxadas de fora’), sobre algumas breves tentativas dos preços relativos, conduziu a uma alteração substancial
estratégicas, mais completas e equilibradas, polarizadas pela de normas de produção e de consumo criadas num
aumento conjuntural do emprego apoiado numa do consumo de bens duradouros das famílias, ligado muito
conservação da especialização produtiva em actividades em particular à construção, habitação e imobiliário e
dotadas de insuficiente qualificação e diferenciação, do que induzido pela redução das taxas de juro, quer a expansão
‘empurrado’ pelo crescimento sustentado da produtividade da despesa corrente do Estado claramente acima do que
ancorado numa mudança da especialização produtiva e dos seria exigido por uma consolidação orçamental plenamente
modelos de negócio em direcção a actividades de maior orientada para concretizar os ajustamentos competitivos
produtividade e valor acrescentado; e as reformas estruturais necessárias para enfrentar com
— Crescimento onde o ritmo de expansão do consumo sucesso os desafios colocados pela globalização e pela lógica
público se revelou bem mais elevado do que o verificado de aprofundamento e alargamento da União Europeia.
no conjunto das economias da União Europeia, por ‘boas’ A progressiva perda de ‘fôlego’ da convergência real,
(recuperação de atrasos em matéria de infra-estruturas sobretudo em termos de produtividade, revela bem que a
e protecção social, nomeadamente) e ‘más’ (ineficiência economia portuguesa se foi aproximando de uma
e ineficácia dos aparelhos de administração e gestão, ‘encruzilhada estratégica’, isto é, de uma situação em que não
insuficiente planeamento e controlo das despesas correntes, só se esgotaram, em larga medida, quer o modelo de
baixa produtividade, nomeadamente) razões; crescimento económico, quer os factores competitivos em
— Crescimento com uma significativa tendência de acção nas duas últimas décadas, como se tornou claro que
desequilíbrio externo evidenciada por um ritmo de os efeitos de dinamização da procura interna não seriam
crescimento das importações de bens e serviços que foi sustentáveis no futuro, explicando, em boa parte, as
superando, fora dos períodos de recessão, quase sempre dificuldades de crescimento na economia portuguesa,
o das exportações e mantendo, desse modo, um défice sentidas de forma expressiva a partir da entrada no século XXI.
comercial de natureza estrutural (a evolução o défice A degradação do ritmo, e da qualidade do crescimento
comercial nas relações com a Espanha ilustra bem esta económico, manifestou-se através do duro confronto com
tendência). uma produtividade demasiado baixa e uma especialização
O modelo de crescimento adoptado, não implicando uma produtiva demasiado vulnerável para os desafios da
forte progressão qualitativa nem uma significativa globalização e da união económica e monetária, numa
transformação da especialização de actividades, privilegiando Europa em alargamento a Leste, através do desequilíbrio
investimentos centrados no capital físico, seja ao nível estrutural nas contas públicas, que vai reduzindo
empresarial onde a renovação e modernização de a capacidade de manutenção e desenvolvimento
equipamentos se sobrepôs, com clareza, aos investimentos das infra-estruturas e serviços colectivos de eficiência,
imateriais, de organização ou de desenvolvimento do capital coesão e competitividade.
humano, seja ao nível das infra-estruturas, onde a lógica da
respectiva construção se sobrepôs, também com clareza,
à lógica da respectiva utilização eficiente, da prestação de A união económica e monetária
serviços à logística, configurou-se, portanto, basicamente e o alargamento colocam novos desafios
como um modelo extensivo, apoiado, muito mais, na O problema enfrentado pela economia portuguesa foi,
criação de empregos num número limitado de actividades afinal, o da descoberta de que, num espaço europeu em
do que na obtenção de ganhos significativos em termos alargamento e aprofundamento, o início do caminho era
de produtividade (‘mais do mesmo’). bem mais fácil do que a respectiva consolidação, ou, noutras
A economia portuguesa manteve, nesse contexto, uma taxa palavras, parece bem mais fácil ser ‘bom aluno’ como ‘país
de desemprego relativamente associada a subidas moderadas da coesão’ do que como ‘país da moeda única’.
do salário médio real, desempenho obtido, em grande parte, A economia portuguesa encontra-se, na fase actual, numa
pelo dinamismo da procura interna suportado pelo fase crucial do seu processo de desenvolvimento e
progressivo endividamento das famílias e do sector público. modernização marcada, no essencial, pela necessidade de
Com efeito, nos factores internos de dinamização da desenvolver um vasto conjunto de ajustamentos estratégicos
economia portuguesa contaram, em muito, quer a expansão suscitados quer pelo novo regime económico resultante da
concretização da União Económica e Monetária, quer pelo factores competitivos em direcção à competitividade
alargamento da União Europeia a um vasto conjunto de não-custo, da especialização internacional em direcção
países dotados, de um modo geral, de níveis de remuneração a actividades de maior valor acrescentado.
bastante mais baixos e de níveis de educação e qualificação Portugal apresenta um dos maiores desequilíbrios na relação
da sua população activa bastante mais elevados do que entre evolução de preços e custos, penalizando
os verificados em Portugal. significativamente a rendibilidade das actividades de bens
As alterações verificadas na política económica portuguesa e serviços transaccionáveis e gerando uma espécie de
resultantes quer da perda dos instrumentos monetários ‘desconexão’ entre a evolução dos preços e custos internos e
e cambial, transferidos para a nova dimensão da política dos preços e custos internacionais.
monetária e cambial da União Europeia, conduzida com A afirmação desta forma particular de dualismo económico
independência pelo Banco Central Europeu e dominada por e, nesse sentido, de degradação da coesão económica do
um mandato centrado na defesa da estabilidade dos preços, País, traduzida em restrições cada vez mais duras para a
quer da redução da margem de manobra das políticas operação das actividades de bens transaccionáveis, seja em
orçamental e fiscal, sujeitas a um regime de rigor e termos de preços e margens reduzidos, seja em termos de
harmonização impostas por um Pacto de Estabilidade e ajustamentos mais fracos e lentos na melhoria do quadro
Crescimento, exprimem com clareza a necessidade e o alcance de remuneração dos factores produtivos (rendibilidade das
desses ajustamentos no plano das políticas públicas. empresas e/ou remuneração do trabalho), enquanto
As alterações verificadas nas condições de localização as actividades de bens e serviços não transaccionáveis vão
do investimento internacional na Europa, onde os países escapando a essas restrições com níveis de progressão
da Europa do Sul, e em especial Portugal, se tornaram bem de preços bem mais elevados, que tendem a atrasar os
menos atractivos do que os países do alargamento, enquanto processos de reorganização e desenvolvimento tecnológico,
‘nova fronteira’ de transição e crescimento económico necessários para gerar aumentos sustentados de
interna à própria União Europeia, seja por razões de custos produtividade, e a agravar, gerando uma inflação interna
unitários da produção, seja por razões logísticas, exprimem, mais elevada, as dificuldades competitivas das actividades
com igual clareza, a necessidade e o alcance desses expostas à concorrência internacional.
ajustamentos no plano do funcionamento das actividades A pressão sobre o nível de coesão interna da economia
económicas, do mercado de trabalho e das estratégias portuguesa é especialmente relevante no quadro da
empresariais. formação de uma Europa alargada, que coloca, como vimos,
As debilidades competitivas da economia portuguesa, novas questões e dificuldades, nomeadamente as que
traduzidas, num nível de produtividade que se tem mantido, relevam da articulação entre uma necessidade de acelerar
persistentemente, muito abaixo do atingido pelos nossos a mudança do padrão de especialização em direcção
parceiros da União Europeia, mesmo daqueles que a actividades e modelos de negócio baseados em factores
connosco partilham objectivos de convergência real, avançados e sofisticados, por um lado, e uma necessidade
correspondem, no essencial, a uma certa ‘cristalização’ de ganhar dimensão e corrigir as desvantagens de uma
da nossa especialização internacional em actividades de localização relativamente periférica, em relação ao novo
transformação de baixo/médio valor acrescentado, inseridas centro de gravidade desta Europa alargada, acelerando o
em formatos de subcontratação e sem especial espessura esforço global de abertura e internacionalização da economia
ao nível das actividades de investigação, concepção portuguesa.
e distribuição.
A economia portuguesa tem vindo a assistir a uma
progressiva deterioração da rendibilidade potencial do seu
sector exportador, a partir do momento em que, terminado
o ciclo de desvalorização do escudo que repunha,
artificialmente, a competitividade-preço das exportações,
não se assistiu a uma suficiente alteração estrutural dos
Autarcia e Proteccionismo (antes de 1959) Melhoria generalizada das condições básicas de vida e
Protecção concorrencial interna e externa, salários e qualificações desenvolvimento rápido dos mecanismos de protecção social;
muito baixos; Permanência de uma relevância global do modelo Energia barata; Crescimento extrovertido e rápido, reflectindo
colonial; Preponderância do pequeno mercado doméstico sujeito a ascensão de novas actividades de exportação dinamizadas pelo
a uma forte regulação estatal suportada por múltiplos investimento estrangeiro (automóvel, electrónica); Forte
condicionamentos de tipo administrativo; Fraco dinamismo penetração das importações no mercado doméstico em resposta
económico estrutural e muito baixa produtividade num contexto à modernização do modelo de consumo; Conjuntura de elevadas
de ‘relações industriais’ congeladas pela organização corporativa; taxas de juro; Afirmação de desequilíbrios orçamentais e perda
Modelo de consumo truncado, limitado pelo baixo nível de vida da de eficiência fiscal; Passos na liberalização da ‘regulação estatal’
população e polarizado pela despesa alimentar; Muito baixos níveis dos mercados com a eliminação dos controlos de preços e o início
globais de escolaridade e persistência de níveis elevados de do processo de privatizações; Recessão e degradação financeira
analfabetismo. de muitas empresas no final do período.