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AS TRAÇAS
Maristela Bleggi Tomasini
separadas, cada uma num livro, cujo lugar era pra ser em
prateleiras diferentes, acabaram com as páginas todas
confundidas e misturadas, sem que se pudesse saber o que
vinha antes e o que vinha depois, sem contar os durantes
que se tornaram perpétuos.
Pior ainda foi que se perderam os significados
reais de algumas palavras que conseguiram escapar à
ditadura dos dicionários. Imaginem só vocês se um dia,
neste mundo em que vivemos, os eu te amo banais
começassem a ser pra valer! Quanta confusão. E veio o
caos assim. Tudo por causa delas, as traças. Vai ver,
cruzamentos pouco recomendados a originar outras traças
de maior agressividade e gula, traças que devoraram todos
os livros que continham as regras do mundo.
Culpa das traças, sim. Culpa delas, que iam e
vinham de lá pra cá, e, como todos sabem, as traças, ainda
que entupidas de letras, nunca souberam nada dos números
e, não sabendo contar, acabaram por misturar tudo. Foi
assim que o Urso, que não era Urso, acabou Urso de
verdade inventada, e a Princesa, que era plebéia, acabou
Princesa de verdade inventada também, ainda que nunca
fosse, que as traças comeram até o final da história onde
estava escrito que o encanto quebrara.
As notas acabaram por substituir os textos da vida
e, diante do inexorável, não houve outro jeito senão
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pode ser decifrado por quem ama as palavras pelo que são, e
não pelo que os dicionários dizem delas.
Como a gente, se pudesse valer sempre apenas
pela emoção que desperta e que sente, sem rótulos,
certificados nem propósitos. Daí a importância das traças.
Às vezes é preciso saber brincar com tudo. Seriamente.