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Para apoiar as pessoas na tomada de decisões éticas difíceis, o budismo não oferece um conjunto
de regras fixas. No caso de decisões relacionadas à medicina, essas regras poderiam resultar
ultrapassadas ou sem sentido por avanços tecnológicos. Ao invés disso, o budismo procura
possibilitar às pessoas desenvolver uma compreensão mais profunda e clara da natureza de suas
próprias vidas e das vidas de outros como base para tais decisões. Especificamente, o budismo
procura ajudar as pessoas a desenvolverem a sabedoria e a compaixão que possibilitarão que elas
experimentem uma duradoura sensação de satisfação e alegria. Neste sentido, os preceitos
budistas são melhor compreendidos como uma ética internalizada de compaixão que nos guia pelo
caminho de nos tornarmos participantes ativos e contribuintes na evolução criativa do universo.
Foi o despertar para esse fato que concedeu a Sakyamuni o título de Buda, ou o iluminado. Na
linguagem da filosofia, ele descobriu uma verdade interna e inerente que, ao mesmo tempo, é
transcendente e universal. O cosmo interior que ele descobriu poderia, em outras palavras, ser
observado também no mundo a seu redor; ao perceber uma vida universal interna de sabedoria e
compaixão, Sakyamuni também reconheceu isso em todas as pessoas. Ele viu que todas as
pessoas eram capazes, como ele, de despertar para a verdadeira natureza de suas vidas. A partir
desse momento, suas ações e ensinamentos dedicaram-se à tarefa de despertar todas as pessoas
para a natureza eterna e descontaminada de suas vidas. Esses ensinamentos formaram o cerne e
base para o posterior desenvolvimento do budismo num sistema filosófico e um movimento de
fortalecimento popular.
O objetivo do budismo é a felicidade. Porque o budismo vê a vida inteira como interligada, nossos
esforços para realizar a felicidade para nós mesmos precisam incluir uma ação compassiva pelos
outros. O budismo nega a validade de qualquer forma de felicidade que seja construída sobre o
sofrimento ou o sacrifício de outros, incluindo a destruição injustificada da natureza. A seguinte
passagem é encontrada na escritura antiga do Budismo chamada “Dhammapada”: “Todos os seres
viventes tremem ante a violência. Todas os seres vivos temem a morte. Colocando-se na posição
daqueles outros seres vivos, você não deve matar, nem deve permitir que eles matem.” Proteger a
vida da violência e degradação é um objetivo central do budismo.
A bubble nebula. These immense clouds of gas and dust in intergalactic space are formed when stars die. [Brand X
Pictures/Alamy]
O Continuum da Vida
A dignidade humana é uma preocupação fundamental em qualquer discussão de bioética. Deve-se
dedicar a ela respeito em todos os estágios da vida. Poder concretamente sentir e experimentar a
própria dignidade de cada um e tê-la reconhecida e respeitada são aspectos cruciais da felicidade.
No Budismo, a base da dignidade humana é nossa identidade com a vida cósmica, universal, e
nossa capacidade de despertar para a sabedoria e compaixão inerentes a toda a vida. É a
natureza fundamental da vida evoluir no sentido da auto-realização e auto-aperfeiçoamento. Isso
continua aplicável mesmo a pessoas com capacidades extremamente reduzidas. Neste sentido, a
dignidade humana é essencialmente independente de tais padrões como a habilidade de tomar
decisões racionais ou contribuir ativamente para a sociedade.
Um ponto central do despertar de Sakyamuni foi a sua compreensão da natureza eterna da vida. A
compreensão do budismo sobre a experiência do nascimento e morte emparelham-se com as
principais preocupações da bioética. No budismo, as vidas individuais são vistas como emergindo
de uma vida universal e cósmica (o processo de nascimento) e retornando a ela no processo da
morte. Governados pelo princípio da causa e efeito, nós repetimos infindáveis ciclos de vida e
morte, cada um dos quais é uma oportunidade única para criar valor (felicidade) para nós mesmos
e para outros.
Dignidade na Morte
No outro lado do continuum, o budismo vê o processo de morrer como uma oportunidade
imensurável de manifestar plenamente a dignidade humana de cada um. Porque o budismo não
enxerga a morte como uma experiência intrinsicamente negativa, ele não apóia genericamente o
uso de intervenções “heróicas” que somente prolongam a existência física do paciente. Tampouco,
de outro lado, apóia qualquer intervenção que deliberadamente abrevie a vida de uma pessoa.
Tanto quanto o processo de concepção, gestação, nascimento e posterior crescimento pode ser
compreendido como um continuum de emersão e desenvolvimento a partir das fontes comuns da
vida universal, o processo de morte pode ser visto como o processo por meio do qual a
consciência individual retorna aos níveis mais profundos até que ela se funde completamente com
a vida cósmica. Esse processo não é marcado por estágios abruptamente delineados, mas é um
continuum no qual “morte” pode ser melhor compreendida como o ponto em que o processo de
morrer se tornou irreversível. A atual tecnologia médica é incapaz de reanimar pessoas que
atingiram o estágio de “morte cerebral” e minha compreensão do budismo pode aceitar isso como
o significado presente de morte.
Essa visão da morte requer que as pessoas no processo de morrer sejam tratados em todos os
momentos com respeito. Muito depois que essas pessoas tenham perdido a habilidade de
expressar-se, parece que as pessoas continuam ouvindo e sentindo, por outros meios, o ambiente
que as circunda. E mesmo após que a capacidade de organizar sensações em pensamentos
racionais ou impressões se tenha perdido, os níveis mais profundos de consciência continuam a
funcionar, sentindo diretamente o amor e preocupação dos membros da família e dos amigos.
Alguns textos budistas oferecem orientações bem específicas de
comportamento ao redor dos que estão para morrer – evitar falar em voz
alta ou sobre assuntos que a pessoa que esteja morrendo consideraria
perturbadores, por exemplo. Porque morrer é visto como um processo,
esses textos mantêm que essas orientações devem ser observadas por
algum tempo depois da “morte”.