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Tião

Texto Eduardo Petta


Fotografia Carol da Riva
“Eu tenho uma tia que é rainha!” Primeiro dia de aula da vida de Tião
Rocha, ele interrompe a contação de história. “Tá bom, meu filho”,
responde a professora. Segue o conto, Tião de novo: “Eu tenho uma tia
que é rainha.” “Sossega, menino.” E de novo. A professora perde a
paciência e o leva para a diretoria. Tião calou-se até o ginásio. Numa aula
de história do Brasil sobre a família real, soltou a voz. “Eu tinha uma tia
que era rainha.” “Se enxerga, rapaz, olha a sua cor”, deu na lata o pro-
fessor. Mais sete anos de silêncio.
Mas o menino nascido e criado nas ruas de Belo Horizonte, correndo
atrás de bola, de pipa e de balão, era persistente. Cursou a faculdade de
história, a de antropologia e, finalmente, descobriu o mistério. Sua tia, a
gorda Etelvina, era a rainha perpétua do congado que, durante os meses
de agosto e setembro, desfilava nas festas de Nossa Senhora do Rosário, de
cetro e manto — carregada nos ombros pelas ruas. O pequeno Tião seguia
o cortejo em seu colo.

Roda Rocha
Na época desta redescoberta, com vinte e poucos anos, Tião dava
aulas de história num colégio de Belo Horizonte para ganhar a vida. E
um aluno em especial lhe chamava a atenção: Álvaro Prates, catorze anos,
“menino bacana”, leitor voraz dos livros da matéria. Um dia chega a
notícia. O Álvaro se matou. No velório, os pais de Álvaro puxam Tião de
canto. “Você era o ídolo do meu filho. Você sabe o motivo, nós não sabe-
mos.” “Eu nunca mais fui o mesmo. De que me adiantava dar aulas de
história da França ou do Brasil, se não conhecia a história de vida do meu
melhor aluno?”
Tião mudou para Ouro Preto. Virou professor da universidade.
Casado e pai de uma filha, estava desanimado com a profissão. “Queria
ser educador, e não professor. Queria saber de aprendizagem, e não de
ensinagem.” Tentou convencer os reitores disso. Acabou frustrado.
No primeiro dia do ano de 1984, largou a universidade, fundou uma
ONG , o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, o CPCD , e saiu
“Para educar uma criança, atrás de seus sonhos. “Minha idéia era promover a educação popular e o
é preciso mobilizar uma desenvolvimento comunitário com uso de brincadeiras, música, livros e
aldeia.” Na cidade mineira
de Curvelo, um homem outras atividades lúdicas.” A mulher, sem compreender “a nova revolu-
assumiu esse desafio ção”, não o acompanhou na empreitada.

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Tião Rocha:
“De que adianta
dar aulas de história
se não conheço a
história de vida
do meu melhor aluno?”
Sozinho, Tião passou a correr o sertão de
Minas pelos caminhos do ídolo literário,
Guimarães Rosa. Numa dessas andanças foi
bater em Curvelo, que Rosa apontava como
“a capital da sua literatura”. Ali, encontrou Doralice
Mota, braço direito do prefeito. Encantada com a prosa
de Tião, Dora o convidou para assumir a Secretaria de
Educação do município. “Ele topou no
ato. Não perguntou nem o salário”,
lembra Dora.
Ao assumir o cargo, Tião deu de cara
com os excluídos. “A evasão escolar era
enorme.” Foi a um programa de rádio e
deixou perguntas no ar: “É possível
fazer educação sem escola?
É possível aprender brincando?”.
No dia seguinte, recebeu vinte e
seis pessoas dispostas a responder às
questões. E sentou com a turma em
roda para assuntar. Tião perguntou:
“O que vocês querem aprender ou
ensinar?”. E foi anotando. Com o
passar do tempo, todos foram se
envolvendo, propondo, coordenando.
E assim nasceu a Pedagogia da Roda.
Para Tião, “a roda é um espaço
que não tem um centro, todos se
vinculam, têm o mesmo poder,
ninguém acima nem fora.
Do contrário, não é uma roda”.
O primeiro programa posto em ação foi o Sementinha, para crianças de
quatro a sete anos. “O conteúdo era os saberes, os quereres e os fazeres
de cada comunidade.” No começo, as mães perguntavam: “Mas Tião, cadê
as cadeiras?”. “Senta no chão, ué.” “Mas suja.” “Vamos fazer esteira de palha,
então.” “Mas Tião, e o sol? Vão ficar de moleira mole.” “Vamos fazer chapéu,
uai.” Pais e meninos começaram a fazer esteira, chapéu, colocando a mão
na massa e aprendendo. Um a um, os problemas começaram a virar soluções.
Um dia, um menino sumiu da roda. “Qual o problema dele?” “Tá com
catapora, mas está no fim.” Passado o perigo de contágio, Tião falou: “Vamos
fazer a roda na casa dele”. No dia seguinte, as mães de vários alunos disser-
am que suas casas também estavam à disposição da criançada. “Ganhamos
15 ‘salas de aula’.” Em cada casa, um novo aprendizado. A escola passou a
ser andarilha. Quem sabe tal assunto? Dona Fulana. Então, tal dia na casa
dela. As mães começaram a comentar. “Sabe, comadre, ontem a escola pas-
sou pela minha casa duas vezes.” “Não era mais um bando de meninos, era
uma escola que anda. Podia ser na sala da casa, debaixo do pé de manga. O
Sementinha podia ser em qualquer lugar.”
Assim que a primeira turma completou sete anos, as crianças foram
estudar na rede pública, mas continuaram freqüentando o Sementinha. Ao
final do ano, todos levaram bomba. Os pais se zangaram. “A escola disse que
a culpa é de vocês, que eles só querem ficar aqui.” “Mas, gente, aqui eles
aprenderam ética, solidariedade, respeito. Eles não melhoraram em casa?”
“Sim.” “Então?” “Você dá diploma?” “Dou, não. Tem que ter?” “Ah, então
vamos tirar os meninos.” Tião travou. Precisava resolver essa questão.
Um a um, os problemas Mas como passar a turma de ano na escola? Tião chamou de lado o
viraram soluções: se a horta menino Deniston, que não aprendia a matemática, mas era campeão de
só dá alface, tome picolé jogo de damas. Pegaram o tabuleiro, colocaram sinais de mais e menos nas
de alface; se o campeão de
damas não sabe contar, peças e começaram a brincadeira. “Caiu a ficha do Deniston e ele aprendeu
seja feita a Damática num instantinho. Criamos a damática.”

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A ficha caiu também para Tião. Conseguiu um espaço ocioso atrás da
igreja e convidou a criançada para brincar. Na roda, cem crianças. “Legal,
Tião, e cadê os brinquedos?” “Não tenho nenhum. Vamos apostar: no dia
que vocês não conseguirem fazer o brinquedo, eu compro para vocês. Tá
bom?” “Tá, mas cadê o material?” “Tá no lixo.” A criançada saiu catando
garrafas pet, latas, tecidos, arames e começou a criar. “Descobriram que não
era lixo, e sim recursos não aproveitados.” Tião ganhou a aposta e nunca
comprou um brinquedo.
Alguns dias depois, outro aluno, o Rafinha, levou o dever para a escola.
A professora perguntou: “Quem fez?” “Eu.” “Você não sabe.” “Aprendi com
o jogo.” “Só acredito vendo.” Rafinha levou o jogo na escola. “Deixa aqui”,
ela disse. Passa um tempo, volta o Rafinha: “A professora mandou perguntar
se tem mais”. “Tem”, disse Tião. E o Rafinha levou uma sacola de jogos para
escola. “Este menino abriu as portas da escola para a gente. Uma semana
depois, a professora nos procurou.” “Tenho um problema. Vocês não têm
um jogo aí para isso?”
Fizeram uma oficina. Professores vinham com problemas, os meninos
inventavam — com base no saber popular e nos jogos conhecidos, como
ludo, dama, gamão. Logo havia noventa jogos para tudo que é tipo de
matéria escolar, para paz, cidadania, sexualidade. Foi tamanha a eficácia
que o Bornal de Jogos passou a ser política pública do ensino em Curvelo.
Esse laboratório de jogos e brincadeiras que ensinam recebeu o nome
de Ser Criança. Hoje atende crianças de sete a catorze anos. Implantá-lo
exigiu trabalhos em roda, conversa e consenso. A primeira questão foi bási-
Cadê os brinquedos?
ca: comida. “Vamos pedir para a Prefeitura, Tião?” “Não. Vamos plantar.” E Vamos fazer. Cadê o
lá foi a criançada para o pomar. No princípio não saía nada. Quando saiu, material? Tá no lixo.
deu um monte de alface. “Não pode desperdiçar. Vamos criar.” E tome picolé No lixo e na imaginação
das crianças, que criaram
de alface, pastel, bolo, suco. E assim foi com tudo que brotava da terra. A mais de 90 jogos para
lista de materiais era outro dilema. Dona Margarida, uma das educadoras, o Bornal de Jogos

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riu ao ver sabão na lista. “Sabão eu sei fazer. Só precisa de banha e cinza.”
“Então faz.” “Pode?” “Claro que pode.” No dia seguinte, dona Margarida
apareceu com sabão para dar e vender. Os pais adoraram. Tião se animou.
“E o que mais dá para fazer com baixo custo?” Em três meses surgiram 86
itens; hoje, 1700 tecnologias registradas, metade a custo zero, fáceis de fazer.
A esse método chamou de Pedagogia do Sabão.
Pedagogia da Roda, Sementinha, Ser Criança, Pedagogia do Sabão.
Mas o que fazer com os que ganhavam a maturidade? Tião olhou de perto
seus meninos. O garoto Robinho sabia fazer caminhão de madeira.
Marquinho podia inventar qualquer coisa com arame. Brinquedo, arte, tra-
balho. Tião juntou os nós. Robinho ia ser marceneiro. Marquinho, serra-
lheiro. Estavam criadas as fabriquetas Dedo de Gente. Organizados em
forma de cooperativa, os meninos logo começaram a ganhar dinheiro. Hoje,
a Dedo de Gente possui fabriquetas de doces, artesanato, serralheria, borda-
dos e até uma construtora, a “Para Quem Sabe Voar”, especializada em casas
de passarinhos.
O desafio seguinte de Tião exigiria vôos mais altos. Assumir a educação
de Araçuaí, cidadezinha do Vale do Jequitinhonha, com números alar-
mantes de déficit escolar. “O relatório apontava 96% dos alunos em estado
crítico de aprendizagem. Comparei com a saúde. Então eles estão na UTI
educacional.” Tião reuniu os professores. “Vamos salvar esses meninos?” A
maioria não topou. Tião se lembrou da lição de vida aprendida com os
anciões em Moçambique, na África: “Para educar uma criança é necessário
mobilizar uma aldeia”. E chamou a aldeia. Cento e quarenta mães se habili-
taram. “A senhora, o que sabe fazer?” “Ah, eu só sei fazer biscoito.” “E como
chama esse biscoito?” “Ah, é biscoito escrevido. Eu tenho aqui, você quer
ver?” Tião abriu o sorriso. O biscoito, flexível, tinha a forma de uma letra.
“Bom, se ele já é escrevido, então deve dar para escrever um monte de

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coisas?” “Dá, sim.” Em quinze dias, quem não sabia aprendeu a escrever o
nome. O menino Léo ficou triste. Tião quis saber o motivo. “O nome do meu
irmão é Washington. Ele come mais biscoitos.” “Escreve seu sobrenome,
então, uai.”
Faltava acesso aos livros. Tião não se intimidou. “Vamos fazer chover
livro na cabeça desses meninos.” Criaram o Banco de Livros, onde se troca
qualquer livro por qualquer livro. “O único banco sem taxas ou inflação.”
Fizeram a folia do livro. As crianças cantam em procissão levando livros de
uma comunidade para outra, soltando foguetes. E tome livro nos pontos de
ônibus, debaixo das árvores...
Após dois anos de trabalho, não sobrou nenhuma criança na UTI . Um
grupo formou um coral, Os Meninos de Araçuaí. Gravaram CD com Milton
Nascimento, foram elogiados por Gilberto Gil. “São vozes cristalinas.”
Trabalho concluído, Tião? “Não. A idéia agora é fazer uma cidade sus-
tentável. Onde sobre comida, água, trabalho, cultura, natureza. Que as pes-
soas daqui não precisem mais migrar para outros centros. Quero transformar
Araçuaí num lugar perfeito para os nossos tataranetos.”
Sonho impossível? Para quem conhece esse mineiro persistente,
vencedor de tantos prêmios do terceiro setor, como o de Empreendedor
Social 2007 — entregue pela Fundação Schwab em parceria com a Folha
de S. Paulo —, ao menos coragem não vai faltar. Desde 1984, Tião espa-
lhou as sementes do CPCD por mais de trinta cidades de Minas, Espírito
Santo, Maranhão, Bahia e São Paulo. Atravessou o Atlântico e foi educar na
África, em Moçambique e Guiné-Bissau. Deu oportunidade a mais de 20 “É possível fazer educação
mil crianças de baixa renda. “Tião é um obstinado. Quando sonha com um sem escola?”, perguntou
projeto, nada o tira do caminho”, diz Doralice Mota, parceira de 25 anos de Tião ao chegar a Curvelo.
Começavam assim os
trabalho frente ao CPCD . Se ele vai conseguir mover a rocha, só a roda da milagres do CPCD , que
vida dirá. faria até chover livros

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“A roda é um espaço
que não tem centro,
todos têm o mesmo poder.
Do contrário, não é uma roda.”

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