Do latim alterĭtas, alteridade é a condição de ser outro.
O vocábulo “alter” refere-se ao “outro” na perspectiva do
“eu”. O conceito de alteridade, por conseguinte, é usado em sentido filosófico para evocar o descobrimento da concepção do mundo e dos interesses de um “outro”. A alteridade deve ser entendida a partir de uma divisão entre um “eu” e um “outro”, ou entre um “nós” e um “eles”. O “outro” tem costumes, tradições e representações diferentes às do “eu”: por isso, faz parte de “eles” e não de “nós”. A alteridade implica colocar-se no lugar ou na pele desse “outro”, alternando a perspectiva própria com a alheia. Isto significa que a alteridade representa uma vontade de entendimento que fomenta o diálogo e favorece as relações pacíficas. Ex: Quando um homem judeu inicia uma relação amorosa com una mulher católica, ou um católico com uma mulher protestante, a alteridade é indispensável para entender e aceitar as diferenças entre ambos. Sem a “alteridade” este tipo de relação seria impossível, uma vez que as duas visões de mundo se chocariam entre si e não haveria espaço para o entendimento. A alteridade pode ser entendida em um contexto mais amplo. Ex: O encontro entre dois países/culturas; duas religiões/crenças etc. Isso implica colocar diferentes formas de vida frente a frente, uma reconhecendo a outra na sua diferença. Se houver vontade de alteridade, a integração poderá ser harmoniosa, já que cada um respeitará a cultura/ crença do outro. Esse diálogo, por outro lado, enriquecerá ambos. A negação do outro, ou a negação do diferente, implica o não reconhecimento daquilo que o outro é na sua essência. A negação da alteridade pode gerar um caminho de exclusão, discriminação, intolerância (racial, religiosa, cultural, étnica, social etc) e indiferença. Negar o Outro seria não aceitar o diferente de mim. Ou tentar enquadrá-lo dentro de conceitos pessoais. Ex: As colonizações europeias a partir do séc. XIV. Resumindo: Alteridade é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o ser humano social interage e interdepende do outro. A existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro, ou seja, a própria sociedade diferente do indivíduo. Pode-se afirmar que “Alteridade” é a capacidade de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, com consideração, identificação e diálogo com o outro. Por tanto, alteridade não significa que tenha de haver uma “concordância”, mas sim uma “aceitação” (respeito) de ambas as partes. Emmanuel Lévinas ALTERIDADE Emmanuel Lévinas (1906-1995), filósofo de origem judaica, nascido em Kaunas na Lituânia e naturalizado francês. A sua obra destaca-se pela primazia da ética em relação à ontologia (estudo do ser, a existência e a realidade). Ao propor esta inversão sua proposta além de reconhecer o outro em sua alteridade, possibilita ao eu romper com a prisão de si mesmo. Lévinas sinaliza para um outro modo de ser em que o eu assumi sua responsabilidade para com o outro de forma desinteressada, numa abertura para o infinito na sua separação e exterioridade que desvela a transcendência da ética. A ética deve ser entendida a partir do serviço profético no qual a justiça e a igualdade social são estabelecidas na relação em que o eu é sempre o primeiro a responder pelo outro e por toda a humanidade. Nessa ótica, a ética passa a ser entendida como “religião” e o rosto do outro como aquele que manifesta o vestígio de Deus que vem à ideia sem que esta consiga tematizá-lo ou conhecê- lo. O sentido ético da religião, portanto, origina-se na socialidade cuja transcendência e glória do infinito estão no outro que liberta o eu de seu egoísmo e a filosofia de seu dito ontológico. A ideia de alteridade em Lévinas é fundamental, pois tal ideia perpassa todo o seu pensamento. A sua filosofia é a tentativa de lançar um novo olhar sobre as relações entre o EU e o Outro. A ética da alteridade estabelece uma relação de responsabilidade para com o Outro. O Outro enquanto alteridade real é possibilidade de rompimento da totalização do Eu. A alteridade constitui-se em expressão máxima com o Outro. O ser se coloca na sua plena humildade, deixando- se manifestar a outrem. Nesse sentido, o cuidado para com o outro é sinal de construção da convivência ética. Só pode existir um relacionamento entre o Eu e o Outro se este mesmo for fundado em princípios éticos. O ROSTO O rosto, segundo Lévinas, é o mesmo que exterioridade, a prova da existência divina do Outro absoluto. É por meio do rosto que o Mesmo encontra fisicamente o Outro, um outro ser humano. O encontro com o rosto e a fala do Outro é a única possibilidade que o Mesmo tem no seu caminho para a verdade, a sua única possibilidade de aprender a receber. O Outro é absolutamente Outro e nada mais. “A coletividade em que eu digo ‘tu’ ou ‘nós’ não é um plural de eu. Eu, tu, não são indivíduos de um conceito comum. Ser para o outro significa responsabilidade ética por ele; o que perimi-te ao Eu superar a prepotência do ser. O OLHAR O encontro com Outro acontece no “Olhar”, relação primordial, fato vivenciado no ordinário das relações sociais, não passível de sistematização ou totalização. O “Olhar” é anterior a qualquer teoria e se recusa a ser conteúdo. A epifania do Olhar é inteiramente linguagem, rompendo o mundo solitário e silencioso. Lévinas afirma: “a visão do rosto não se separa da oferta que é a linguagem. Ver o rosto é falar do mundo. A transcendência não é uma ótica, mas o primeiro gesto ético”, O olhar evoca sempre a responsabilidade do Eu frente ao Outro como mandamento que reclama justiça. O olhar é um “Não”. É “não” ao poder de negá-lo. Resumindo: Lévinas vai definir alteridade como: “a heterogeneidade radical do Outro, como um direito inato do Outro”. MARTIN BUBER ALTERIDADE Martin Buber (1878-1965) nasceu em Viena, Áustria. Filósofo, escritor, jornalista e pedagogo, de origem judaica, foi um respeitado teólogo que pregava o diálogo. Sua obra mais densa e bela foi "Eu e Tu" de 1923, que é a chave de todas as suas outras obras. Sua filosofia do diálogo - da relação - ponto central de toda a sua reflexão, tanto no campo da filosofia ou dos ensaios sobre religião, política, sociologia e educação, atingiu sua expressão madura e completa justamente em Eu e Tu. "A ontologia da relação será o fundamento para uma antropologia que se encaminha para uma ética do inter-humano. Diz-se então que o homem é um ente de relação ou que a relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência." (p. 29). Buber definiu duas atitudes distintas do homem face ao mundo ou diante do ser: essas atitudes se traduzem pelas palavras- princípios "Eu-Tu" (relação) e "Eu-Isso" (relacionamento). A primeira é um ato essencial do homem, atitude de encontro entre dois parceiros na reciprocidade e na confirmação mútua, o Eu é uma pessoa e o outro é o Tu. Na segunda, o Eu é um sujeito de experiência, de conhecimento, e o ser que se lhe defronta um objeto. É a utilização, atitude objetivante. O Tu é primordial e consequentemente o Isso é posterior ao Tu. "No princípio é relação". As duas palavras-princípio fundam duas possibilidades do homem realizar sua existência. A palavra Eu-Tu é o esteio para a vida dialógica, e o Eu-Isso instaura o mundo do Isso, o lugar e o suporte da experiência, do conhecimento, da utilização. A alteridade essencial se instaura somente na relação Eu- Tu, pois é no encontro dialógico que acontece uma recíproca presentificação do Eu e do Tu. No relacionamento Eu-Isso o outro não é encontrado como outro em sua alteridade. Na relação dialógica estão na "presença" o Eu como pessoa e o Tu como outro. Para Buber, o Eu se torna Eu em virtude do Tu. “Eu-Isso é proferido pelo Eu como sujeito de experiência e utilização de alguma coisa. A inteligência, o conhecimento conceitual que analisa um dado ou um objeto é posterior à intuição do ser. O Eu de Eu-Isso usa a palavra para conhecer o mundo, para impor-se diante dele, ordená-lo, estruturá-lo, vencê-lo, transformá-lo. Este mundo nada mais é que objeto de uso e experiência” (p. 33). "O mundo do Isso, ordenado e coerente, é indispensável para a existência humana; ele é um dos lugares onde nós podemos nos entender com os outros. Ele é essencial na vida humana, mas não pode ser o sustentáculo ontológica do inter- humano. A afirmação de prioridade ao diálogo no qual o sentido mais profundo da existência humana é revelado não nos deve levar à conclusão de que a atitude Eu-Isso seja algo de negativo, inferior ou um mal. A contrário, ela é uma das atitudes do homem face ao mundo, graças à qual podemos compreender todas as aquisições da atividade científica e tecnológica da historia da humanidade. Em si o Eu-Isso não é um mal; ele se torna fonte de mal, na medida em que o homem deixa subjugar-se por essa atitude, absorvido em seus propósitos, movido pelo interesse de pautar todos os valores de sua existência unicamente pelos valores inerentes a esta atitude, deixando, enfim, fenecer o poder de decisão e responsabilidade, de disponibilidade para o encontro com o outro, com o mundo e com Deus. Enquanto humanas, as duas atitudes são autênticas." Assim vai afirmar Buber: "se o homem não pode viver sem o Isso, não se pode esquecer que aquele que vive só com o Isso não é homem". Buber propõe ao ser humano a realização da vida dialógica, uma existência fundada no diálogo. Resumindo: Podemos resumir as principais características do mundo do Tu em: imediatez, reciprocidade, presença, totalidade, incoerência no espaço e no tempo, a fugacidade e a inobjetivação. A reciprocidade permanece como parâmetro valorativo das diversas relações Eu-Tu nas diferentes esferas que Buber distinguiu.