RELAÇÕES DE GÊNEROS EM O VERÃO ANTES DA QUEDA, DE DORIS LESSING
SEBASTIÃO ALVES TEIXEIRA LOPES
GLACILDA NUNES CORDEIRO SANTOS
• Em 2007, Doris Lessing ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Ao premiá-la, a Academia Sueca a definiu como uma “narradora épica da experiência feminina, que, com ceticismo, ardor e força visionária, colocou sob escrutínio uma civilização dividida”. (FOLHA ONLINE, 2007). • O verão antes da queda (1973), objeto desta pesquisa, relata em seu enredo a crise emocional de uma dona de casa, separada temporariamente dos filhos e do marido nas férias de verão, que se envolve com um homem mais jovem do que ela – situação que põe em questão toda sua vida de mulher até então. Narrada em terceira pessoa, esta obra apresenta grande penetração na psicologia feminina, sendo escrita num estilo claro e dinâmico. QUESTÃO PROBLEMA
Como as relações de gênero são constituídas e
experimentadas no romance O verão antes da queda (1973)? OBJETIVO
Analisar as relações de gênero que estão
presentes no romance O verão antes da queda (1973). MARCO TEÓRICO
Jane Flax (1992), Guaracira Louro (1997)
e Judith Butler ( 2003): relações de gênero. • Em O verão antes da queda (1973) merece atenção a forma como se dão as relações de gênero entre as personagens no decorrer da narrativa, lembrando que gênero tem sido, desde a década de 1970, o termo usado para analisar socialmente a questão da diferença sexual, das relações sociais desiguais, entre homens e mulheres (FLAX, 1992). • Jane Flax (1992) “as relações de gênero são processos complexos e instáveis constituídos por e através de partes inter-relacionadas. Estas partes são interdependentes, ou seja, cada parte não tem significado ou existência sem as outras” ( p. 228). • Guacira Lopes Louro entende que “a construção de gênero é realizada nas múltiplas instâncias sociais, nas diferentes práticas, espaços e instituições, através das intrincadas redes de relações entre os sujeitos” (LOURO, 1997, p.174). • Para Butler (1999), o gênero é performático. A autora considera o gênero como um efeito produzido a partir da reiteração no tempo de certos atos culturalmente considerados como constituintes de uma determinada identidade. "A performatividade não é, assim, um ‘ato’ singular, é sempre uma reiteração de uma norma ou de um conjunto de normas” (BUTLER, 1999, p. 167) O verão antes da queda (1973) desenvolve e traz em seu bojo questões de gênero, uma vez que a protagonista do romance, Kate Brown, desde a sua adolescência na casa do avô fora tratada de maneira diferente por conta de seu gênero, como ela mesma relembra: “... durante aquele período nunca ficara sozinha com um homem, fora protegida de experiências desagradáveis, literárias ou reais...” (LESSING, 1994, p. 17). “Ali também havia louça do café da manhã. Será que ela devia pedir a Tim para tornar a acender a fogueira, pôr a chaleira para ferver de novo, e chamá-la quando houvesse água o suficiente para lavar tudo? Não, era melhor não o fazer [...]; seria melhor que ela fizesse tudo, ela mesma sozinha, mais tarde” (LESSING, 1994, p. 9) “ Ela começou a fazer coisas [...], arear a pia, limpar o armário. Ao se apanhar fazendo isso, acabou o que havia começado – seu treinamento era forte demais para permitir que deixasse por terminar – então se conteve para não passar o aspirador no chão” (LESSING, 1994, p. 191). Mesmo quando é confrontada com algum tipo de trabalho, ela apenas reproduz o papel que lhe é de direito, pelo fato de ser mulher, ou seja, “tornara-se o que era: uma enfermeira, ou uma babá... Uma mãe” (LESSING, 1994, p. 31). Vê-se neste ponto um dos eixos que reforça a desigualdade existente entre homens e mulheres, que é a divisão sexual do trabalho, mas que a narrativa procura desconstruir ao afirmar que o salário de Kate “quase alcançava o [que o] marido, um médico com tantos anos de treinamento e outros de experiência, ganhava como especialista em neurologia” (LESSING, 1994, p. 34). “Ela saiu apressadamente para comprar os vestidos que lhe permitiriam entrar, como um passaporte, naquela maneira de viver” (LESSING, 1994, p. 29). A atitude de Kate demonstra o quanto ela tem consciência de que a imagem das pessoas muitas vezes permite a classificação delas, de seus gostos, suas ações e até mesmo de suas subjetividades. “Michel se apaixonou perdidamente por uma colega mais jovem, no hospital” (LESSING, 1994, p. 62). Mas isso não foi visto nem por ele e nem por ela como algo imoral já que, mais tarde, “ela compreendeu – ele lhe havia permitido que compreendesse – que estava tendo, ocasional e discretamente, e com todos os cuidados para com ela a esposa e a sua dignidade, casos com mulheres mais jovem” (LESSING, 1994, p. 62). “ Mary lê histórias de detetives, livros de aventuras para meninos, e livros sobre animais. Eu até pensei durante algum tempo que ela fosse muito masculina. Não. Amor...tudo a respeito disso, o amor romântico, a droga do negócio inteiro...sabe, séculos da nossa civilização, foi deixado de fora nela. Acha que somos todos malucos. Um homem lhe agrada, você agrada a ele, pronto, trepam até que um ou outro se canse, e então adeus, sem ressentimentos....”(LESSING, 1994, p. 215) . “Todos nós estamos presos a correntes invisíveis, culpa; devíamos fazer isso, não devemos fazer aquilo, isto é prejudicial para as crianças, é injusto com o marido. Mary não está presa, isto simplesmente não existe nela. Mas, pelo menos aparentemente teve uma educação comum”(LESSING, 1994, p. 214). CONSIDERAÇÕES FINAIS • O que se percebe no livro é que a normatividade de gênero é um processo falho em si mesmo, já que não se pode controlar ou determinar aquilo que as pessoas são. Assim, há uma dialética inerente a este processo: à proporção em que as identidades vão sendo produzidas ou impostas performativamente, seja por meios discursivos, seja por atuação social, vai-se abrindo um flanco decisivo para a constituição de transgressões desse processo (BENTO, 2007). • As indagações a respeito do caráter ontológico do gênero não levam ao extremo de considerar que não haja diferenças de gênero, ou mesmo que ele seja uma categoria vazia. Assim, embora a categoria mulher não seja algo coerente, não se pode ignorar o fato de que, a todo momento, pessoas são classificadas como mulheres ou homens e padronizações são feitas a partir dessa classificação. BUTLER, Judith.Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
FLAX, Jane. Pós-modernismo e as relações de gênero na
teoria feminista In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Pós-modernismo e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação:
uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.