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Em razões de fls. 1.758/1.771, o Parquet Federal requer a reforma da r. sentença, a fim de condenar o
réu pela prática do crime tipificado, à época da denúncia, no art. 95, alínea "d", da Lei n.º 8.212/91 e
atualmente previsto no art. 168-A, §1º, inc. I, do Código Penal, c.c art. 71 do Código Penal.
Além disto, no ano de 1992, início da prática delitiva, o acusado retirou pró labore na importância de 805,96 e 140.331,5, ambas e m
UFIR (fls. 408 e 409).
No ano de 1993, em que a sociedade supostamente encontrava-se em grave crise financeira, já havia pedido de concordata
preventiva, o acusado adquiriu uma lancha tipo oceanic 32, equivalente a 65.520,27 UFIRs (CR$ 628.800.000,00), além de receber
da sociedade CONFORJA S/A CONEXÕES DE AÇO a importância de 182.398,43 UFIR, valor significativamente superior a retirada no
ano de 1992, conforme fls. 412 e 414.
No ano de 1994 o acusado recebeu 210.396,01 UFIR da sociedade CONFORJA S/A CONEXÕES DE AÇO (fl. 418), valor mais uma
vez bem superior aos anos anteriores e de uma sociedade que, em tese, encontrava -se em grave crise financeira e o acusado
tentava preservar a atividade.
Na declaração de imposto de renda de 1996 (ano de 1995) observa-se que o acusado adquiriu um automóvel Fiat Tempra ano 1995,
veículo de padrão superior para a época, ou seja, mesmo a sociedade CONFORJA passando por grave crise financeira o acusado
mantinha o mesmo padrão de vida, inclusive dando-se ao luxo de ter veículo do ano, conforme fl. 421.
Além disto, o acusado recebeu a quantia de R$ 120.734,00 da sociedade CONFORJA S/A CONEXÕES DE AÇO, conforme fl. 423.
Na declaração de imposto de renda de 1997 (fls. 494/497) o acusado mantém o mesmo padrão de vida. No ano de 1996 recebeu R$
95.456,33 da sociedade CONFORJA S/A CONEXÕES DE AÇO e só teve seu patrimônio diminuído em razão da cessão e
transferência de quotas da empresa Wilen Com. Part. Ltda, CNPJ nº 50.143.056/0001-73, para Margarete Edlein, sua mãe.
O aumento do capital social considerado na r. sentença não significa real injeção de capital na sociedade a fim de preservar a
empresa. Em fl. 14 constata-se que o aumento do capital social foi constituído da reserva de correção monetária e reserva de
subvenção para investimentos. O aumento significativo decorreu da reserva de correção monetária do capital social (CR$
451.744.883.258,47). Esse montante é resultado da aprovação da correção monetária do capital realizado aprovada Assembléia
Geral ordinária realizada no mesmo dia da Assembléia Geral Extraordinária que aprovou o aumento do capital social."
Sustenta que a dosimetria da pena deverá observar os péssimos antecedentes do réu (fls. 1.154/1.156, 1.171 e
1.179/1.181), as graves consequências do crime (altíssimo valor apropriado) e a continuidade delitiva (total de
cento e dezessete competências omitidas), razão pela qual a pena-base deve ser fixada em patamar acima do
mínimo legal, o que também deve ocorrer em relação aos dias-multa, à vista das condições financeiras do
acusado.
Em parecer de fls. 1.791/1.798, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso da
acusação, a fim de condenar o apelado nas penas do art. 168-A, §1º, inc. I, c.c o art. 71, ambos do Código Penal.
É o relatório.
À revisão.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal Relator
VOTO
Nos termos da exordial acusatória (fls. 02/04):
"O denunciado acima qualificado figura como Diretor-Presidente responsável pela empresa CONFORJA
S/A CONEXÕES DE AÇO, conforme Atas das Assembléias acostadas a fls. 3/5 de ambos os autos,
estabelecimento comercial inscrito no CGC sob o nº 59.106.484/0001-09, com sede social na Rua São
Nicolau, 210, Diadema, SP.
A referida empresa, sob gestão do denunciado, no período de dezembro/92 a maio/97, descontou do
salário de seus empregados importâncias relativas a contribuições previdenciárias, deixando de recolhê -
las aos cofres públicos no prazo legal em 117 oportunidades, conforme atestam as Notificações Fiscais
de Lançamento de Débito nºs 32.066.852-5, 32.066.853-3, 32.066.855-0, 32.066.858-4, 32.066.859-2,
32.066.860-6, 32.066.863-0 (fls. 180, 196, 208, 245, 256, 272 e 296 dos autos da Representação nº
328/97), 32.047.082-1 e 32.457.080-5 (fls. 180 e 197 dos autos da representação nº 1096/98).
Em 26/10/95, o valor total do débito previdenciário omitido nas sete primeiras NFLD's remontava à
importância de R$ 2.623.621,00. Já em 06/01/98, os débitos consubstanciados nas duas últimas NFLD's
remontavam a R$ 1.937.089,00. A fls. 497 da representação nº 328/97, consta que, até 25/05/99, tais
débitos não haviam sido quitados ou parcelados.
Assim, o denunciado, livre e conscientemente, deixou de recolher aos cofres do INSS, em época própria,
contribuições sociais descontadas dos salários de seus empregados." - destaques no original.
Inicialmente, ressalto que o art. 95, alínea "d", da Lei n.º 8.212/91 foi revogado pela Lei n.º
9.983/14.07.2000, sendo que referida Lei acrescentou o art. 168-A na Parte Especial do Código Penal.
Não obstante os fatos descritos na denúncia terem sido praticados sob a égide da Lei n.º 8.212/91, deve
ser aplicada a lei nova (art. 168-A do CP), por ser mais favorável, visto que a pena máxima abstrata é
inferior à cominada pela norma revogada.
Ademais, cabe destacar que a nova Lei não retirou a lesividade das condutas imputadas ao denunciado, sendo que
tanto a norma revogada como a revogadora tutelam a higidez do Sistema da Seguridade Social, bem como o seu
funcionamento. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da nova lei não prejudica a
situação do agente que cometeu o delito na época da vigência da Lei n.º 8.212/91. Confira-se:
As atas de assembleias de fls. 12/13 (datadas de 16/06/1992 e 02/07/1993) e fls. 520/522 (datadas de 14/12/1994 e
15/09/1995) comprovam que o réu figurava como Diretor-Presidente da "CONJORJA S/A - CONEXÕES DE AÇO" à época
dos fatos.
Ademais, quando interrogado (fls. 1.525/1.528), Thomas afirmou que sucedeu seu pai na presidência da Companhia em
1992, no que restou corroborado pelo depoimento da testemunha Martin Christopher Uwe Klinger (fl. 1.659), que afirmou
que "Thomas assumiu a empresa somente depois da morte do pai. O pai de Thomas era um homem muito fechado que
concentrava a gestão da empresa. Ele morreu em 1990, aproximadamente, foi somente então que os diretores da
Conforja chamaram Thomas para assumir a empresa".
Nesse diapasão, é cediço que o crime de apropriação indébita previdenciária é omissivo próprio, cujo verbo previsto no
tipo é "deixar de repassar", pelo que desnecessário o dolo específico para a sua concretização, consistente no animus
rem sibi habendi, bastando, apenas, a prática da conduta omissiva legalmente prevista.
Ocorre que, diante do contexto fático-probatório carreado aos autos, o MM. Juízo a quo absolveu o réu, nos
termos do art. 386, inc. VI, do Código de Processo Penal, por entender que restou demonstrada a inexigibilidade
de conduta diversa, ante a situação financeira da "CONJORJA S/A - CONEXÕES DE AÇO" à época dos fatos,
aduzindo, em síntese (fls. 1.753-v./1.755):
"Regra geral, não se autoriza o sacrifício de recursos públicos destinados à Seguridade Social, bem jurídico tutelado,
cuja relevância para trabalhadores, segurados e sociedade em geral impõe supremacia sobre interesses privados.
Mas, no caso concreto, as provas testemunhais e documentais evidenciam as dificuldades financeiras incontornáveis,
justamente no período em que o acusado assumiu a gestão da empresa [...] Além disso, a versão defensiva encontra
respaldo na documentação juntada aos autos: a) em 24/07/1991 a empresa CONFORJA ingressou com pedido de
concordata preventiva para pagamento integral da dívida (fl. 1568), bem como teve a quebra decretada em
01/02/1999, com período suspeito retroagindo a 06/05/1991 (fl. 1559); b) a Ata da Assembléia Geral Ordinária e
Extraordinária realizada em 14/12/1994 (fl. 14) mostra que, mesmo com a injeção de capital (fl. 13), a empresa
apresentou prejuízo líquido apurado no exercício findo em 31 de dezembro de 1993 no valor de CR$ 5.915.500.043,99
(cinco bilhões, novecentos e quinze milhões, quinhentos mil e quarenta e três cruzeiros e noventa e nove centavos),
quantia transferida para o prejuízo acumulado de mais de 24 bilhões de cruzeiros reais, o que está plenamente
atestado pelas declarações de imposto de renda - pessoa jurídica de fls. 381/390 e 450/466 e pela documentação
juntada às fls. 1709/1749. Assim, diante do conjunto das provas, a situação financeira da empresa a que não deu
causa o acusado era de fato excepcional, a comprovar, no período narrado na denúncia, a inexigibilidade de conduta
diversa."
Nesse ponto, apela a acusação, requerendo a reforma da r. sentença com a condenação do réu, sob o entendimento
de que não restou comprovado que Thomas buscou meios para evitar a prática delitiva, dentre os quais a redução ou
a não retirada de pró-labore e a alienação de bens particulares na tentativa de recuperar a atividade empresarial.
Com efeito, as dificuldades financeiras acarretadoras de inexigibilidade de outra conduta (excludente de
culpabilidade) devem ser de tal monta que ponham em risco a própria sobrevivência da empresa,
cabendo ao acusado cabal demonstração de tal circunstância, trazendo aos autos elementos concretos
de que a existência da empresa estava comprometida e que, assim, não lhe restaria outra alternativa
que não a omissão dos recolhimentos.
Há que se ressaltar que qualquer estabelecimento comercial ou industrial, ou mesmo pessoas físicas,
passam por dificuldades financeiras, principalmente no país em que vivemos, onde a história recente
incorporou a inflação e a ambição na cultura dos cidadãos.
No presente caso, porém, tenho que não se está diante de meros indícios de percalços econômicos,
senão vejamos.
Da análise do feito, constata-se que, de fato, a "CONJORJA S/A - CONEXÕES DE AÇO" ingressou com
pedido de concordata preventiva em 24/07/1991 (fl. 1.568), tendo sua falência decretada aos
01/02/1999, com período suspeito retroagindo a 06/05/1991 (fl. 1.568).
Também se verifica que, como bem decidido pelo MM. Juízo a quo, a Companhia apresentou prejuízo
líquido em 31/12/1993, no valor de Cr$ 5.915.500.043,99 (cinco bilhões, novecentos e quinze milhões,
quinhentos mil e quarenta e três cruzeiros e noventa e nove centavos), quantia transferida para o prejuízo
acumulado de mais de 24 (vinte e quatro) bilhões de cruzeiros reais (fls. 13/14).
Outrossim, as declarações de Imposto de Renda Pessoa Jurídica mencionadas na r. sentença (fls. 381/390
e 450/466) demonstram que nos anos-calendário de 1992 e 1995, a "CONJORJA S/A - CONEXÕES DE
AÇO" teve prejuízos acumulados, respectivamente, de Cr$ 676.564.393.081,00 e Cr$ 152.186.126,61,
informações que foram analisadas em conjunto com o interrogatório do réu (fls. 1.525/1.528) e da
testemunha de defesa (fl. 1.659).
Não se está aqui a ignorar o fato de que as dificuldades financeiras por que passou a "CONJORJA S/A -
CONEXÕES DE AÇO" quando das omissões de repasse das contribuições previdenciárias podem ter sido
agravadas pela má gestão da Companhia; bem como que o pró-labore continuou a ser retirado por
Thomas nos anos de 1992, 1993, 1994, 1996 e 1997, com a aquisição de bens, inclusive.
Todavia, em contrapartida, é notório que a crise que culminou na falência da "CONJORJA S/A -
CONEXÕES DE AÇO" efetivamente ocorreu, e que medidas administrativas foram tomadas pela
Companhia com a finalidade de reverter referido quadro, antes da decretação de quebra, no ano de 1999.
Destaca-se que a dificuldade financeira é causa suficiente a justificar a absolvição de empresário no crime
de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A). Este foi o entendimento da C. Terceira Turma do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no julgamento da Apelação Criminal n.º 0017058 -
17.2006.4.01.3500 (2006.35.00.017090-5)/GO (14.06.11).
No caso mencionado, a Justiça Federal concluiu que o fato de os acusados estarem em comprovada situação
financeira difícil elimina a possibilidade da reprovação jurídica. Em outras palavras, considerou-se que, embora o fato
praticado por eles seja típico e antijurídico, não é culpável (reprovável), logo, não se justificava a aplicação da pena.
Qualquer pessoa, em condições normais, teria o mesmo comportamento.
No mesmo sentido:
"Mesmo a apropriação indébita previdenciária, em sua formulação original (artigo 168-A, caput, do Código Penal),
exige temperamento, visto ser fictícia a própria retenção - na prática, o empregador opera com duas obrigações
autônomas: o salário líquido e a contribuição, das quais a primeira normalmente tem preferência em caso de
escassez de recursos. Acertadas, assim, as decisões que aplicam a tais situações-limites a exclusão da
ilicitude (estado de necessidade) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa). " (Igor Mauler
Santiago, Mestre e Doutor em Direito Tributário pela UFMG, Membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho
Federal da OAB. Fonte: http://www.conjur.com.br/2012-out-03/consultor-tributario-paradoxos-direito-penal-tributario-
brasileiro. Consultado em: 16/07/2014) - grifo nosso.
"O empresário que enfrenta dificuldades financeiras, muitas vezes tem que decidir entre pagar os impostos ou
honrar a folha de salários e demais obrigações. Na maioria das vezes, acaba optando em pagar seus
empregados e fornecedores para continuar trabalhando, tornando-se inadimplente perante o Fisco e a
Previdência sem dolo ou má fé, sendo taxado injustamente de sonegador e sujeito aos constrangimentos de
procedimento administrativo e criminal." (Alex Leon Ades, Especialista em Direito Empresarial, Direito Processual
Penal e Membro da Comissão de Defesa da Advocacia - Núcleo Criminal - OAB/SP. Fonte:
http://www.conjur.com.br/2009-abr-11/nem-sempre-ma-fe-quando-deixa-pagar-fisco-meio-crise. Consultado em:
16/07/2014) - grifo nosso.
Na mesma linha de entendimento, colaciono precedente desta E. Corte:
•
Diante desse quadro, tenho por comprovada a situação precária da "CONJORJA S/A - CONEXÕES DE
AÇO" no período descrito pela denúncia, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, e,
consequentemente, a impossibilidade de se exigir de Thomas, seu gestor, comportamento diverso daquele
praticado, consubstanciado na ausência de recolhimento das contribuições aos cofres da autarquia
previdenciária, impondo-se, assim, o reconhecimento de causa supralegal de exclusão da culpabilidade em
decorrência da inexigibilidade de conduta diversa, com a consequente manutenção da r. sentença a quo.
É como voto.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal