Curso de Direito - UEMS Dourados DIREITO CONSTITUCIONAL Constituição “A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria. Tipograficamente é hierarquizada a precedência e a preeminência do homem, colocando-o no umbral da Constituição e catalogando-lhe o número não superado, só no art. 5º, de 77 incisos... Não lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do Estado e de outras procedências. Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção...” (Trecho Discurso Ulysses Guimarães — Promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de outubro). Constitucionalismo Constitucionalismo significa um ideal de Constituição. A vontade dos povos de serem regidos por uma norma fundamental que consagrem em seu seio todos os anseios, todas as aspirações, sejam políticas, ideológicas, valorativas, prevalecentes em um dado momento histórico. Contudo, não revela apenas esta intenção de regência por uma Norma Escrita Fundamental, mas sobretudo que suas disposições sejam plenamente eficazes, venham a se concretizar no plano social. O querer constitucional de uma sociedade não depende apenas dela, mas de vários outros fatores. Não adianta uma Constituição ser posta em vigor, refletindo toda uma realidade constitucional, se aquela não é cumprida, efetivada e concretizada.
(Hesse, Lassale, Ferrajoli, Canotilho,
Streck, Bonavides) • A jurisdição constitucional exercerá uma função importante no que diz respeito à consolidação deste ideal de Constituição. Somos cientes que a concretização constitucional não depende apenas dos órgãos que exercem a justiça constitucional, mas queremos evidenciar que dentre os poderes constituídos, no Brasil, o Judiciário é o encarregado de ser o guardião da Constituição, ou seja, de tentar implementar, desde que possível, o ideal de Constituição pretendido pelo povo Brasileiro e consignado em uma norma de caráter fundamental. Constitucionalismo e Constituição • Cuida-se, neste momento, em estabelecer a relação existente entre Constitucionalismo e Constituição. • Firmar a compreensão em torno do Constitucionalismo implica em determinar qual o significado que uma Constituição deve revestir. Portanto, ao longo da evolução histórica, tais conceitos caminharam e caminham lado a lado. • Para Canotilho, o constitucionalismo revela o movimento gerador do conceito moderno de Constituição, que possui raízes em vários momentos e lugares diferenciados. • Assim, encarado o constitucionalismo como um movimento constitucional ocorrido em épocas e locais distintos, conclui-se rigorosamente que não se pode falar de um único constitucionalismo, mas de vários movimentos constitucionais, tais como o Inglês, Francês, Norte-Americano, Alemão etc. O mestre português define o constitucionalismo como “a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.” Em síntese, seria a “teoria normativa da política”. • Ao versar sobre o conceito moderno de constitucionalismo, Santi Romano afirma que tal palavra “designa as instituições e os princípios que são adotados pela maioria dos Estados que, a partir dos fins do século XVIII, têm um governo que, em contraposição àquele ‘absoluto’, se diz ‘constitucional’”. • Desse modo, constitucionalismo indica uma ideologia institucionalizada consistente em romper com o antigo regime, é dizer, em limitar o exercício da atividade política conferida ao Senhor Absoluto, transformando, consequentemente, o Estado Absoluto em Estado Constitucional. CONSTITUCIONALISMO – linhas históricas O que buscou o constitucionalismo, basicamente, foi a limitação dos poderes do soberano absolutista e a garantia de direitos fundamentais explícitos em um texto escrito. No primeiro momento, foi um movimento liderado pela burguesia, classe social que ascendia economicamente e ansiava por liberdade, que era impossibilitada pelas ingerências dos governantes, durante o período da Idade Moderna. A Idade moderna é um período de transição por excelência. Guarda traços da Idade Média, porém, ao invés do poder disperso, há uma concentração de poder resultante da união de feudos. Neste período, uma classe social desponta com força no cenário econômico e diversos pensadores trazem à batalha das ideias o ideário da liberdade, opugnando os poderes ilimitados do soberano. Portanto, a Idade Média é, ao mesmo tempo, continuação de um período histórico e a preparação de outro. São desse período os pensadores Locke, Rousseau, Kant e Montesquieu. Do prélio ideológico entre estes e os representantes do absolutismo, eclodem as revoluções liberais, com a vitória dos primeiros, triunfo que se consolida com a Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos. A partir dessa ruptura, tem início um novo período histórico, a Idade Contemporânea, que se caracteriza pelo desenvolvimento: • de um novo modo de produção, O CAPITALISMO; • a ascensão de uma nova classe social ao poder político, A BURGUESIA; • e o aparecimento de um novo tipo de Estado, o ESTADO LIBERAL (ou ESTADO DE DIREITO). A limitação do poder do soberano é formulada a partir da teoria da separação dos poderes, desenvolvida por Locke e Montesquieu, mas tendo, ainda, uma formulação alternativa elaborada por Benjamin Constant, que vai ter uma influência significativa na primeira Constituição brasileira. Os direitos fundamentais inseridos, nesse primeiro momento, referem-se à questão da liberdade do indivíduo perante o Estado. Acontece que, na prática, a liberdade defendida pela burguesia é meramente formal. Constata-se que os princípios de que se revestia a sua revolta social eram ideológicos e classistas (Paulo Bonavides, Do estado liberal ao estado social. SP: Malheiros, 2011): “A burguesia, classe dominada, a princípio e, em seguida, classe dominante, formulou os princípios de sua revolta social. E, tanto antes como depois, nada mais fez do que generalizá-los doutrinariamente como ideais comuns a todos os componentes do corpo social. Mas, no momento em que se apodera do controle político da sociedade, a burguesia já não se interessa em manter na prática a universalidade daqueles princípios, como apanágio de todos os homens. Só de maneira formal os sustenta, uma vez que no plano da aplicação política eles se conservam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe.” Separando os poderes para limitá-los: a origem do Judicial Review O Federalista no 51, um dos mais expressivos e conhecidos textos, contém bela e famosa passagem onde Madison, que veio a ser considerado o “pai putativo” da Carta de 1787 (WOOD, Gordon S.. Empire of Liberty — A History of the Early Republic, 1789-1815. New York: Oxford University Press, 2009, p. 16), assim comenta os perigos da concentração de poderes. “(...) a grande proteção contra uma concentração gradual dos diversos poderes no mesmo departamento consiste em dar àqueles que administram cada departamento os meios constitucionais e os motivos pessoais necessários para resistir à usurpação pelos outros. (...) Deve fazer-se com que a ambição contrabalance a ambição. O interesse do homem deve estar ligado aos direitos constitucionais do cargo. Pode resultar de uma reflexão sobre a natureza humana que tais dispositivos sejam necessários para controlar os abusos do governo. Mas o que é o governo em si próprio senão a maior de todas as reflexões sobre a natureza humana? Se os homens fossem anjos, nenhuma espécie de governo seria necessária. Se fossem os anjos a governar os homens, não seriam necessários controles externos nem internos sobre o governo. Ao construir um governo que será administrado por homens sobre outros homens, a maior dificuldade reside nisto: primeiro é preciso habilitar o governo a controlar os governados; e, em seguida, obrigar o governo a controlar-se a si próprio. A dependência do povo é, sem dúvida, o controle primário sobre o governo; mas a experiência ensinou à humanidade a necessidade de precauções auxiliares” (KESLER, Charles; ROSSITER, Clinton (Eds.). The Federalist Papers. New York: Mentor Books, 1999, p. 289-290. Teoria da separação de Poderes: histórico Karl Loewenstein observa que, onde o poder político não estiver limitado e restringido, ele se excede porque se trata de um poder demoníaco: “Rara vez, para não dizer nunca, o homem exerceu um poder ilimitado com moderação e comedimento, pois o poder carrega consigo mesmo um estigma, e somente os santos entre os detentores do poder – e onde se pode encontrá-los? – seriam capazes de resistir à tentação de abusar do poder [...] o poder sem controle é, por sua própria natureza, maléfico. O poder encerra em si mesmo a semente de sua própria degeneração. Isto quer dizer que, quando não está limitado, o poder se transforma em tirania e despotismo. Daí que o poder sem controle adquire um acento moral negativo que revela o demoníaco no elemento do poder e o patológico no processo do poder”. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Editorial Ariel, 1983). Nessa linha, o poder tende a corromper e o poder absoluto tende a corromper absolutamente. Torna-se imperioso que o poder seja disseminado e repouse sobre a maior quantidade de pessoas a fim de que seja exercido o menos arbitrariamente possível. Ao longo do tempo, muitos autores contribuíram para se fixar um mecanismo capaz de estabelecer condições mínimas de exercício do poder. Deste modo, após longo caminho, idealizou-se uma forma de distribuição das funções do Estado, de modo que pudessem estar em mãos diferentes as tarefas de elaborar a lei, de executar atos de acordo com a lei e de decidir os casos litigiosos. O Estado exerce as funções de legislar, governar e julgar. O princípio está previsto na Constituição brasileira de 1988 (art. 2º). A concepção tripartite das funções estatais é resultado de longa evolução histórica. Os autores que mais contribuíram foram Aristóteles, John Locke e Montesquieu. Tecnicamente não é correto fazer referência à divisão tripartite de poder. O correto é falar em divisão orgânica. Isso porque o poder é uno/ invisível. O que existem são órgãos que exercem funções. Qual é a natureza do poder do Estado? O Estado é uma sociedade política e, portanto, exerce poder político, o que significa a possibilidade da violência legítima.
A história da separação dos poderes é a
história da evolução da limitação do poder político, objetivo fundamental da doutrina da separação dos poderes. Origens da teoria da separação de poderes: • Grécia e Roma: Aristóteles em 340 a.C, em A Política, dizia que dentro de uma determinada sociedade, aquele que exercia poder se manifestava de 3 maneiras: criava a norma, aplicava a norma e resolvia os conflitos derivados dessas normas; • Inglaterra (Século XVII): Estado Constitucional, em oposição às ideias absolutistas - o Rei, os Lordes e os Comuns passaram a repartir entre si o poder político (Monarquia mista). • Em 1690, John Locke afirmou no 2º Tratado de Governo Civil que quem criava e aplicava as normas era uma mesma pessoa e era um absurdo que o poder se concentrasse num único indivíduo. • Montesquieu (Do Espírito das Leis, 1748) e Locke foram os sistematizadores da teoria da separação dos poderes. • Constituição dos Estados Unidos (1787): O FEDERALISTA (Hamilton, Madison e Jay) - modelo que fortaleceu o Executivo, ao contrário do modelo europeu, que fortalecia o Legislativo. Ao mesmo tempo, houve também o fortalecimento do Judiciário; • Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), art. 16: “Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação de poderes estabelecida não tem constituição.” Posteriormente é consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, passando a ser associado à ideia de Estado Democrático. • Com a Revolução Francesa (1789), desapareceu o absolutismo (um só ser exercia todas as atribuições do Estado). • Um pouco antes da Revolução Francesa, por volta de 1748, Montesquieu escreveu o livro “O ESPÍRITO DAS LEIS”, no qual dizia que tudo estaria perdido se, no mesmo homem ou no mesmo corpo de homens, todas as atribuições fossem desempenhadas.
• Montesquieu não criou a divisão orgânica
de Poderes, apenas sistematizou para evitar o absolutismo. As contribuições dos pensadores ARISTÓTELES: Na obra A Política, idealizou um sistema de modo a acomodar os poderes essenciais. “Em todo governo, existem três poderes essenciais, cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar da maneira mais conveniente. Quando estas três partes estão acomodadas, necessariamente o governo vai bem, e é das diferenças entre estas partes que provêm as suas.”
TRES PODERES ESSENCIAIS: a) um poder que fosse
capaz de deliberar sobre os negócios do Estado; b) um poder que compreendesse todas as magistraturas ou poderes constituídos; c) um poder que abrangesse os cargos de jurisdição. Sobre a contribuição de Aristóteles (século IV a.C.), Celso Bastos aduz que a descoberta não exerceu influência sobre a vida política durante, no mínimo, os mil anos que se seguiram à sua vida. Ao longo de todo esse período, prevaleceu sem contestação a vontade do monarca, absoluto, que reunia em si mesmo as 3 funções estatais, governava impondo a própria vontade, de modo que o exercício do poder não era partilhado.
Todavia, foi com a descoberta de Aristóteles que, pela
primeira vez, no campo teórico, falou-se na necessidade de distribuir a tarefa de exercer o poder político. Bem mais tarde, já no século XVII, o tema voltaria a ser debatido por John Locke, primeiro, e por Montesquieu, depois. JOHN LOCKE (1632-1704) nasceu na Inglaterra. Com os olhos sobre a Inglaterra parlamentarista, teorizou uma forma de evitar que todo o poder estatal repousasse nas mesmas mãos. Falava em poderes legislativo, executivo, federativo e prerrogativo. Observa-se que, embora tenha concebido a existência de diferentes núcleos de poderes estatais como forma de evitar o absolutismo, Locke sustentava a supremacia do Poder Legislativo: não podia “haver mais de um poder supremo, que é o legislativo, ao qual todos os demais são e devem ser subordinados” ... • ... O Legislativo era o verdadeiro poder da sociedade política e, portanto, deveria desfrutar de supremacia em relação aos demais. “Em todos os casos, enquanto subsistir o governo, o legislativo é o poder supremo (...) e todos os demais poderes depositados em quaisquer membros ou partes da sociedade devem derivar dele ou ser-lhe subordinados”. (Dois Tratados Sobre o Governo. Trad. Julio Fischer. SP: Martins Fontes,1998).
Acompanhando a linha evolutiva do Estado de Direito,
também a noção de função jurisdicional tem passado por inúmeras vicissitudes. Sob uma perspectiva orgânica, o seu aparecimento certamente está associado à edição, na Grã-Bretanha, do Act of Settlement, de 1701, que garantiu a independência e a correlata autonomia existencial dos órgãos jurisdicionais, colocando-os acima da vontade livre da Coroa. Locke, pouco anos antes, ao desenvolver o alicerce teórico da Glorious Revolution de 1689, concebeu o poder de julgar sob uma ótica eminentemente funcional, concentrando no órgão representativo do Estado (v.g.: o rei) o exercício das funções administrativa e judicial: reconhecia- se a divisão funcional do poder, não a orgânica. Nota-se que, havendo supremacia de um sobre os demais poderes, não se poderia falar em independência e harmonia. Esse aspecto veio a ser mais bem desenvolvido depois por Montesquieu, que idealizou o sistema de freios e contrapesos, em que um poder serve de limite a outro, não sendo possível falar-se em superposição de um em relação aos demais. Montesquieu (1689-1755), um dos grandes nomes que antecederam a Revolução Francesa de 1789, preocupou-se fundamentalmente com a liberdade do indivíduo em face do arbítrio do poder do governante. Mas a liberdade a que se referia era aquela assegurada pela lei. Ser livre era, portanto, estar na lei, era poder fazer tudo aquilo que a lei permitisse. Para garantir certo grau de liberdade às pessoas, tornava-se imperioso regular o poder do Estado. Foi então que Montesquieu concebeu os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Para Montesquieu: “Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.” (O Espírito das Leis. Trad. Cristiana Murachco. SP: Martins Fontes, 2000). É oportuno lembrar que Montesquieu não falou em divisão de poderes em nenhum momento de sua obra. Infere-se, então, que ele não pretendeu dividir os poderes do Estado. E a razão é singela: o poder estatal é indivisível. Não há como dividi-lo.
MAS ISSO NÃO SIGNIFICA QUE
MONTESQUIEU TENHA PROCURADO SISTEMATIZAR O FUNCIONAMENTO DE 3 PODERES QUE DEVERIAM TER, IGUALITARIAMENTE, A MESMA FORÇA. No que tange ao Poder Judiciário, é conhecida a concepção montesquiana: é um poder nulo, que deve se limitar a aplicar a lei aos casos concretos. Por isso, reduzia o Poder Judiciário a um único instrumento: a boca que pronuncia a norma estabelecida pelo legislador. “Mas os juízes da nação são apenas, como já dissemos, a boca que pronuncia as palavras da lei; são seres inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor”. Montesquieu atribuiu ao Judiciário um papel invisível e neutro - que bem se refletia na célebre frase de que o “juiz não é senão a boca que pronuncia as palavras da lei”, “não podendo moderar-lhe a força nem o vigor”. Ante a neutralidade atribuída ao juiz, era inconcebível o exercício de atividade outra que não a de mera subsunção, o que afastava a realização de qualquer operação valorativa que terminasse por adequar a norma aos influxos sociais. O juiz deveria seguir a “letra da lei” e os entendimentos do juiz deveriam ser fixos, de modo que nunca fossem mais do que um texto preciso da lei, concepção que se mostrava necessária por ser o Poder Judiciário “um poder terrível entre os homens”. Somente o Legislativo, especificamente o Corpo dos Nobres, poderia valer-se da equidade ao apreciar as matérias jurisdicionais que lhe eram atribuídas (v.g.: julgar os aristocratas e as demais figuras preeminentes), o que decorreria de sua participação na produção normativa, tendo autoridade para “moderar a lei em favor da lei, pronunciando-se menos rigorosamente que ela”. Esse dualismo de jurisdição caracterizava o sistema constitucional inglês à época, sendo justificável por ser “necessário que os juízes sejam da condição social do acusado ou seus pares”. A exemplo de Locke, também Montesquieu concebera a teoria da separação dos poderes como uma forma de preservação da liberdade contra o arbítrio. Ambos, no entanto, além de prestigiarem a dicotomia entre o Legislativo e o Executivo, dispensavam uma importância secundária ao Judiciário: Locke sequer concebeu um poder autônomo, integrando a função de julgar num universo mais amplo, o de executar a lei; Montesquieu, apesar de prestigiar a existência de um poder autônomo encarregado da função jurisdicional, apressava-se em realçar a necessidade de o Judiciário manter-se adstrito à “letra da lei”. Nota-se que Montesquieu não foi o primeiro a falar sobre a necessidade de distribuição das funções do Estado. Antes dele, Aristóteles e John Locke, cada qual a seu modo e em seu tempo, procuraram demonstrar que o poder estatal não podia repousar nas mãos de uma só pessoa ou de um órgão apenas. O que Montesquieu fez foi arquitetar uma fórmula mais aperfeiçoada. Poder-se-ia afirmar que Aristóteles e John Locke teorizaram a separação de poderes e Montesquieu a sistematizou. Concluindo: Aristóteles, Locke e Montesquieu contribuíram de modo marcante para se demarcarem limites ao exercício do poder estatal. Embora não sejam traçados com rigidez, esses limites garantem o funcionamento de todas as funções do Estado. A CONSTITUIÇÃO - antecedentes históricos • Se Constituição é limitação fundamental do poder, poderíamos apontar a Carta do Rei João Sem-Terra, da Inglaterra do início do século XIII (1215). • Mas a limitação decorrente desse diploma, embora importante, não o deixa próximo ao conceito de Constituição do direito moderno, cujo espectro é muito mais abrangente. • Nesta ordem de ideias, podemos identificar como marco fundamental do constitucionalismo a Carta Americana de 1787, onde há um pacto federativo e o estabelecimento de Direitos Fundamentais. • Na esteira desta, segue a Constituição Francesa de 1889. Já podemos observar nesses diplomas o cerne do moderno conceito de Constituição, embasado em um núcleo de direitos e garantias fundamentais do cidadão e na estruturação política, administrativa e jurídica do Estado, conjunto este que compreende o conteúdo dito materialmente constitucional. NO ENTANTO... No decurso do século XX, o "bloco de constitucionalidade" (CONTEUDO MATERIAL) foi paulatinamente sendo ampliado, com a inserção de diversas dimensões de Direitos Fundamentais. Teoria dos Dir. Fundamentais (dimensões-gerações)
A partir da teoria dos direitos fundamentais, pode-se
entender o desenvolvimento do constitucionalismo. Nesse primeiro momento, tem-se o que a doutrina chama de direitos fundamentais de primeira dimensão. O Estado Liberal, garantindo a liberdade material apenas a uma classe social, a dominante, gerará concentração de renda e desigualdades sociais, que farão eclodir crises e revoltas, urgindo que o Estado seja chamado a atuar positivamente, assegurando “direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades [...] abraçados ao princípio da igualdade” (BONAVIDES, P. Curso de Direito Constitucional, SP: Malheiros, 2011, p. 564). São estes os chamados direitos de segunda dimensão e que constituem o cerne do Estado Social, compreendendo os direitos fundamentais sociais decorrentes das relações de trabalho, moradia, saúde, educação, previdência, segurança etc. • Documentos marcantes dos direitos de segunda dimensão são as Constituições do México de 1917 e a de Weimar de 1919, que vão exercer forte influência na Constituição brasileira de 1934. Com as alterações no cenário mundial decorrente do desenvolvimento científico e tecnológico revolução tecnocientífica (terceira revolução industrial); revolução dos meios de comunicação e de transportes; novos problemas surgem, clamando por garantias de novos direitos que “não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado. Tem por destinatário o gênero humano mesmo” (BONAVIDES, 2011, p. 569). ESTES DIREITOS SE PASSAM A GANHAR FORÇA A PARTIR DO FINAL DO SÉCULO XX. São direitos fundados no princípio da fraternidade ou solidariedade e relacionados ao direito ao desenvolvimento ou progresso, à autodeterminação dos povos, ao meio ambiente, consumidor, à paz, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade e que constituem os direitos de terceira dimensão. São direitos transindividuais, isto é, atribuídos genericamente a todas as formações sociais, protegendo interesses de titularidade coletiva ou difusa, não se destinando especificamente à proteção dos interesses individuais, de um grupo ou de um determinado Estado, mostrando uma grande preocupação com as gerações humanas, presentes e futuras. Paulo Bonavides (2011) acrescenta ainda a quarta e a quinta dimensão de DF. Na quarta, estariam os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo; Para Norberto Bobbio (A Era dos Direitos, 1992), “tratam-se dos direitos relacionados à engenharia genética.” Na quinta, o direito à PAZ. Em face dos últimos acontecimentos (como, por exemplo, o atentado terrorista de “11 de Setembro”, em solo norte- americano), exsurgiria legítimo falar de um direito à paz.
COM TODAS ESTAS DIMENSÕES EFETIVADAS, ESTARIA
IMPLEMENTADO O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. NESTE SENTIDO, o paradigma normativo das Constituições Liberais (direitos às liberdades civis tão somente) encontra-se ultrapassado. A Constituição não pode mais ser vista como uma fonte de limitações ao poder do Estado (efeito negativo), mas deve ser considerada como sustentáculo de direitos que conduzam a uma cidadania efetiva e a uma sociedade solidária e digna (efeito positivo). De fato, "mais do que assegurar os procedimentos da democracia, é preciso entender a Constituição como algo substantivo, porque contém valores (direitos sociais, fundamentais, coletivos lato sensu) que o pacto constituinte estabeleceu como passíveis de realização” (LENIO STRECK), isso porque a Constituição não configura "apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas" (HESSE). No Brasil, os antecedentes constitucionais remontam à Constituição de 1824. A 1ª Constituição de feição democrática e que incorporou os avanços científicos e políticos do período e que pode ser dita Democrática, foi a de 1946, o que somente veio a se repetir em 1988. A Constituição de 1988, orientando-se com as mais modernas tendências, optou por seguir a linha do constitucionalismo social, o que redunda em uma Constituição Democrática, Garantista, eclética, analítica e Dirigente. A maior precisão de uma Constituição analítica é compensada por sua maior abrangência, não sendo incomuns dificuldades interpretativas que conduzem à inconstitucionalidade de normas e atos. CONSTITUCIONALISMO DO POR VIR
Para os constitucionalistas Celso Ribeiro Bastos e
André Ramos Tavares, com base nos ensinamentos de José Roberto Dromi, em razão das ideias e experiências que passamos, é natural que nesse novo milênio novos valores surjam, projetando-se, portanto, ao longo do novo século.
Assim, as Constituições do porvir devem revelar
seis ideias fundamentais: verdade, solidariedade, continuação, participação, integração e universalidade. • A Constituição da verdade deve corresponder integralmente aos anseios e valores presentes na sociedade subjacente que ela pretende disciplinar, ou seja, deve ser um texto normativo íntegro e veraz, onde haja uma identidade entre o que se escreve e o que se faz. • Lembrando as ideias de Lassale, deve haver uma correspondência entre a Constituição Jurídica (ESCRITA) em face da Constituição Real (idealizada pelos fatores reais de poder). • A solidariedade corresponde a uma nova concepção de igualdade, fundada na dignidade da pessoa humana e na equidade. • No que se refere à continuidade, Roberto Dromi afirma: • Reformar a Constituição não é destruí-la, pelo contrário, reformar uma Constituição é atualizá-la. Não é desfazer o caminho andado, senão avançar sobre ele. • Desse modo, as reformas constitucionais não devem ser mecanismos de rompimento com a ordem constitucional até então em vigor, mas meios de atualização formal das Constituições em razão da dinâmica social, mantendo-as estáveis no sistema sócio-normativo. Em outras palavras, devem ser evitadas fraudes à Constituição. • Deve, por fim, ser a Constituição integracionista e universal. A Lei Fundamental deve refletir uma integração ética, moral, espiritual e institucional, tendo em vista o desenvolvimento de funções com fins comuns. Universalista no sentido de conferir uma maior proteção aos direitos fundamentais, cujo fim maior será propiciar a todos uma existência digna. • Tais ideias em torno do constitucionalismo, e consequentemente da Constituição, irão culminar em uma análise sobre a Jurisdição Constitucional, pois, se o primeiro é visto como um movimento constitucional, como uma ideologia que se plasma inicialmente em uma Constituição, mas que a ela não se limita, a Justiça Constitucional exerce uma função importante como fio condutor entre o Ideal Constitucional e a Constituição Concretizada. Da Jurisdição Constitucional- Em torno do conceito de Constituição: a fixação do ponto de partida
• “O que é uma Constituição?” Eis a indagação formulada
por Ferdinand Lassale em palestra realizada na antiga Prússia no ano de 1863, de muita utilidade neste estudo. • Imprescindível abordar tema relacionado à Jurisdição Constitucional sem antes delimitarmos qual o nosso conceito de Constituição. • Hodiernamente, Constituição e Jurisdição Constitucional caminham lado a lado, de modo que não podemos compreender adequadamente o exercício da atividade voltada para a defesa da Lei Fundamental, sem antes analisarmos o próprio objeto defendido por quem detém de legitimidade para tanto. Há uma conexão necessária entre ambas. • Nesta ordem de ideias, a Constituição há de ser compreendida como um conjunto de normas jurídicas, supremas e últimas, que tem por finalidade estabelecer limites à atividade exercida pelos Poderes Constituídos, como meio de assegurar o respeito e a garantia aos direitos fundamentais de uma determinada sociedade. • Assim, interessa-nos a ideia de uma Constituição formal, rígida, cuja matéria essencial seja a regulamentação da atividade política exercida pelo Estado, definidora, portanto, da forma de governo e da forma de Estado, vindo a fixar as atribuições e competências dos Poderes Constituídos como forma de evitar o arbítrio e a tirania, resguardando os direitos fundamentais da coletividade. Portanto, é Constituição a expressão jurídica de um sistema de valores aos quais se pretende dar um conteúdo histórico e político. Constituição para Ferrajoli A Constituição não serve para representar a vontade comum de um povo, mas para garantir os direitos de todos, mesmo contra a vontade popular. Sua função não é a de expressar a existência de um demos, ou seja, uma homogeneidade cultural, identidade coletiva, nem a coesão social, mas, pelo contrário, para assegurar, através desses direitos, a convivência pacífica entre as pessoas e diversos interesses virtualmente em conflito. O fundamento de sua legitimidade, ao contrário do que acontece com as leis ordinárias e opções de governança, não está no consenso da maioria, mas em um valor muito mais importante e anterior: a igualdade de todos em liberdades fundamentais e direitos sociais, que são os direitos fundamentais garantidos a todos, como limites e vínculos precisamente frente às leis e atos de governo expressos em maiorias contingentes. Notas sobre a Jurisdição Constitucional • A Jurisdição Constitucional emerge historicamente como um instrumento de defesa da Constituição. Esta, sendo a Lei Fundamental e suprema de um dado ordenamento jurídico, consagradora dos valores mais caros de uma sociedade, deve conceber em seu bojo mecanismos que visem sua própria proteção em face de atos emanados dos Poderes Constituídos. Ou seja, deve haver um órgão que defenda e atualize as ideias constantes na Lei Maior. • A defesa da Constituição, atribuída com predominância no Brasil ao Poder Judiciário, não consiste apenas em aferir a validade de atos normativos infraconstitucionais em face da Lei Maior. É tarefa fundamental dos órgãos que exercem a jurisdição constitucional a plena e total concretização das normas constitucionais, sobretudos as que veiculam direitos fundamentais. • A noção de jurisdição constitucional surge inicialmente no Direito Norte-Americano, mais precisamente quando em 1803 a Suprema Corte dos Estados Unidos, capitaneada pelo Chief Justice John Marshall, proferiu a célebre decisão no caso Marbury vs Madison, declarando a inconstitucionalidade de ato do Congresso em face da Constituição Federal. Nasce, desta forma, a jurisdição constitucional difusa. • No ano de 1920, por força da Constituição Austríaca, surge a jurisdição constitucional concentrada, haja vista que a defesa da Lei Fundamental era conferida há apenas um único órgão dotado de legitimidade para tanto. Assim, foi instituído a figura do Tribunal Constitucional, idealizado por Hans Kelsen. • Tínhamos, nesse momento, dois modelos de jurisdição constitucional: o difuso, também denominado sistema norte-americano, cuja característica é a pluralidade orgânica quanto aos defensores da Constituição e; o concentrado, denominado modelo austríaco de justiça constitucional, cuja marca maior é a unicidade orgânica. • Cada sistema de defesa da Constituição acima mencionado tem suas próprias particularidades. Para uma melhor compreensão, faz-se necessário um esclarecimento conceitual. • A jurisdição constitucional pode ser classificada tomando por base determinados critérios, tais como: a) número de órgãos legitimados para defesa da Constituição; b) momento em que se exerce a jurisdição constitucional; c) vinculação ou não de um caso concreto; d) modo de provocar a jurisdição constitucional e; d) finalidade. • Quando se toma por critério o número de órgãos exercentes da jurisdição constitucional, fala-se em sistema difuso ao lado de um modelo concentrado. O primeiro caracteriza-se pelo fato de haver mais de um órgão encarregado de defender a Constituição, ou seja, pluralidade orgânica. • No Brasil, todos os órgãos do Poder Judiciário têm competência para exercer a jurisdição constitucional. • Com relação ao sistema concentrado, este se tipifica pela unicidade orgânica, é dizer, apenas um único órgão exerce a função de zelar e defender o Texto Fundamental. No Brasil, o STF e os TJ´s exercem uma jurisdição constitucional concentrada. Temos, ainda, um sistema preventivo ou a priori, e um sistema repressivo ou a posteriori. Estamos analisando o critério do momento em que se exerce a jurisdição constitucional. Se a jurisdição constitucional é exercida para impedir que um ato normativo ingresse no sistema pois incompatível com a Constituição, ou seja, se a defesa da Lei Fundamental é realizada durante o processo de elaboração do ato, há de se falar de jurisdição preventiva. O sistema repressivo tem por fim afastar, expulsar o ato normativo em razão de uma desconformidade à Constituição. Aqui, o ato já existe no ordenamento jurídico. Naquele, ainda está em formação. • O terceiro critério, que diz respeito à vinculação ou não do exercício da jurisdição constitucional a um caso concreto, culmina em uma jurisdição concreta contraposta a uma jurisdição abstrata. • Diz ser a jurisdição constitucional abstrata em face da inexistência de uma lide, de um conflito de interesses, quando do exercício da atividade voltada para a defesa da Constituição. • Ao revés, se temos um caso concreto, um litígio, quando do momento em que se exerce a jurisdição constitucional, há de se falar de um sistema concreto de defesa da Constituição. Via de regra, no Brasil, o sistema difuso de defesa da Constituição é provocado incidentalmente, no curso de um processo ora em tramitação, cujo fim é defender um direito subjetivo violado ou ameaçado de violação por ato praticado pelo Poder Público. Desta forma, temos uma provocação incidental da jurisdição constitucional, cuja finalidade é subjetiva, é dizer, pretende-se de forma direta e imediata a manutenção de um direito subjetivo que integra o patrimônio de uma das partes litigantes no processo. Ao contrário, se a provocação é feita diretamente, em uma ação específica, cujo propósito seja a defesa imediata da Lei Fundamental, temos uma jurisdição constitucional direta com finalidade objetiva. • No Brasil, o nosso sistema de defesa da Constituição incorpora todas as características acima expostas, de modo que o mesmo pode ser tido como difuso e concentrado; preventivo e repressivo, incidental e direto, subjetivo e objetivo. • No entanto, no sistema difuso brasileiro as marcas essenciais são a incidentalidade e a subjetividade, cujos efeitos da decisão judicial operam apenas entre as partes vinculadas ao processo. • A jurisdição concentrada brasileira tem como notas típicas a objetividade e a provocação direta, de modo que a decisão judicial irradia efeitos erga omnes. • Feitas estas considerações, constata-se que o sistema de defesa da Constituição no Brasil é bastante complexo, pois toda a estrutura do Poder Judiciário tem competência para o exercício da jurisdição constitucional. Isto faz com que qualquer cidadão, qualquer instituição, desde que tenha legitimidade processual para tanto, possa provocar a jurisdição constitucional no intuito de ver preservada a Lei Fundamental de nosso País. • O problema da defesa de nossa Constituição não reside nos mecanismos processuais existentes, pois o nosso modelo é um dos mais ricos do mundo. • Situa-se, contudo, no próprio objeto defendido e nos órgãos encarregados de exercer esta atividade voltada para a manutenção do Texto Supremo. Constitucionalismo e Jurisdição Constitucional • Pretende o constitucionalismo a total efetividade da Constituição. Entretanto, para que esta seja efetiva, deve refletir fielmente a realidade subjacente que a mesma pretende disciplinar. • Noutras palavras, não deve haver um abismo enorme capaz de inviabilizar a integração entre a norma constitucional e a realidade constitucional. • Deve haver, de acordo com Dromi, uma Constituição da verdade. Até porque, a Constituição é norma jurídica e como tal deve ser tratada. Neste sentido, Marcelo Figueiredo, ao defender o constitucionalismo democrático aduz ser preciso:
Valorizar o caráter normativo da constituição,
assegurando aos seus preceitos eficácia jurídica e social. Não se deve adiar o esforço de integrar o Direito Constitucional ao processo histórico de promoção da justiça e da igualdade, no campo real e concreto – e não teórico ou retórico – da superação das estruturas anacrônicas da opressão política e social. A Constituição de 1988 é uma Constituição do Estado Social. Contudo, o caráter nefasto das inúmeras Emendas Constitucionais aprovadas em 28 anos de vigência, tendentes a retroceder com relação aos avanços sociais pretendidos pelo constituinte originário, além de enfraquecer a força normativa da Constituição, que segundo Konrad Hesse (1991), maior será esta força quanto menos o jurídico sucumbir diante das tensões político-sociais da realidade fática. Muitas dessas reformas, idealizadas sob ideais neoliberais e posta em prática pelas elites reacionárias, tendem a destruir o Estado social brasileiro. “O neo liberalismo arvora a ideologia de sujeição, para coroar, como uma fatalidade, a abdicação, nos mercados globais, da independência econômica do País” (BONAVIDES, 2011, p. 677). Podemos citar as infindáveis reformas da Previdência, sob o argumento de um suposto déficit; da flexibilização dos Direitos Trabalhistas; da aprovação da EC 95, de 2016, que congela (DESCONSTITUE A CONSTITUIÇÃO, conf. Marcelo Cattoni, 2016) gastos públicos, inclusive com Saúde e Educação, por 20 anos. As sucessivas prorrogações da DRU – Desvinculação das Receitas da União – que libera 20% das receitas orçamentárias vinculadas a gastos sociais, para que sejam aplicados livremente pelo Executivo, em grave atentado a direitos fundamentais e a ordem constitucional, mas que, por conveniências políticas, não se argui a sua constitucionalidade. Falta à própria jurisdição constitucional vontade de Constituição. A cultura jurídica brasileira sempre esteve distante da Lei Fundamental, seja em razão de nosso passado constitucional, seja em face da tradição romano-germânica do nosso sistema de direito positivo, onde sempre se atribuiu maior importância ao direito privado e menor relevância ao direito público, sobretudo ao direito constitucional. Tais fatos fazem com que os órgãos encarregados de aplicar/concretizar a Constituição não tenham dela conhecimento. Sabe-se que a Constituição é a Lei Maior, a Norma Fundamental. Entretanto, não conhecem o conteúdo constitucional, não sabem a importância da função desempenhada pela Constituição no ordenamento jurídico. Não raro, costuma-se interpretar o direito de baixo para cima, ou seja, da legislação infraconstitucional para a Constituição, invertendo o próprio princípio da supremacia constitucional. Realmente, não pode haver vontade de Constituição se há absoluta falta de conhecimento do Texto Constitucional. Contudo, falta vontade de Constituição àqueles que devem aplicá-la, que conhecem a Constituição, mas que dela fazem mal uso. A ideologia constitucional em vigor está em declínio. O constitucionalismo deve rever suas bases, deve adaptar-se às novas circunstâncias sociais, aos novos valores presentes na sociedade. Devemos levantar a bandeira da democracia social, da solidariedade, da fraternidade, tudo em favor do postulado máximo que é a dignidade da pessoa humana. Para que isso seja possível, é necessário que as instituições e o povo conheçam a Constituição, é necessário principalmente que a Jurisdição Constitucional tenha vontade de Constituição, pois seu papel é fundamental na tarefa de manutenção, atualização e concretização dos Direitos reconhecidos na Constituição Federal. Pensemos então.... Existe, ainda, um imenso défice social em nosso país, e, por isso, temos que defender as instituições da modernidade. A modernidade nos legou a noção de sujeito, o Estado, o Direito e as instituições. Por isso, o Estado não pode pretender ser fraco, lembra Boaventura de Sousa Santos (In: Correio do Povo. Secção Geral, Porto Alegre, 6 de abril de 1998, p. 9): “Precisamos de um Estado cada vez mais forte para garantir os direitos num contexto hostil de globalização neoliberal”. De qualquer sorte, arremata Vital Moreira (2001, p. 328), “ a Constituição do futuro não podemos antecipá-la, embora possamos antever as linhas determinantes que a vão moldar. (...) Do futuro da Constituição parece mais fácil dizer que nada há que temer, mesmo se não são poucos os desafios e as interrogações. A era constitucional veio para ficar”. Não há dúvidas que a globalização e suas consequências “pós-modernas” são, pois, uma realidade. “Entretanto, isso não deve significar que Estados Nacionais como o Brasil, onde as promessas da modernidade continuam não cumpridas e onde o assim denominado Welfare State não passou de um simulacro, não possa ter autonomia para construir políticas públicas aptas a realizar a justiça social e os desígnios do pacto constituinte de 1986-1988” (STRECK, 2004, p. 138). “A globalização excludente e o neoliberalismo que tantas vítimas tem feito em países periféricos não é a única realidade possível. Ou seja, não se pode olvidar que, junto com a globalização, vem os ventos neoliberais, assentados em desregulamentações, descontitucionalizações e reflexividades. E tais desregulamentações – e suas derivações – colocam-se exatamente no contraponto dos direitos sociais-fundamentais previstos na Constituição brasileira.” .... “Dito de outro modo, as políticas neoliberais são absolutamente antitéticas ao texto da Constituição brasileira. Não é difícil perceber que, enquanto o neoliberalismo aponta para desregulamentação, a Constituição brasileira nitidamente aponta para a construção de um Estado Social de índole intervencionista, que deve pautar-se por politicas publicas distributivistas, questão que exsurge claramente da dicção do art. 3º. Do texto magno. Desse modo, a noção de Constituição que se pretende preservar, nesta quadra da história, é aquela que contenha uma força normativa capaz de assegurar esse núcleo de modernidade tardia não cumprida. Esse núcleo consubstancia-se exatamente nos fins do Estado estabelecidos no aludido art. 3º da Constituição” (STRECK, 2004, p. 139).